Página 698
698
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
cimento do dominio; não está ainda na percentagem de 6 1/2 por cento de todo o oiro extraindo, percentagem que aliás poderá produzir uma quantia verdadeiramente importante; está no modo por que lia de concorrer para desenvolver a riqueza, n'uma das mais importantes provincias das nossas ¦ possessões.
Sr presidente, com os systemas seguidos até hoje nunca poderemos elevar as nossas possessões ultramarinas ao estado a que pela sua importancia e naturaes recursos muito convem que cheguem. Se queremos, pois, conservar essas possessões, como é nosso dever impreterivel, e como não sei que alguem possa pôr em duvida (Apoiados.); se desejámos povoar e civilisar, condições indispensaveis para as manter; (Apoiados.) se acreditámos que este paiz possa ainda ser, n’uma epocha mais Ou menos proxima, a metropole de um poderoso o opulento imperio ultramarino, é necessario não desprezar meio algum que nos guie a este fim. É necessario crear as forças de mar indispensaveis para que a nossa bandeira ilustre respeitada nas longiquas regiões (Apoiados.); é necessario encaminhar para as terras africanas as torrentes dos nossos compatriotas que vão á America procurar fortuna; é necessario promover a formação de grandes companhias para que a sciencia e a trabalho arranquem a esses terrenos quasi virgens as riquezas que possuem. (Apoiados.)
Não são de hoje estas minhas opiniões; não foram formadas ad hoc; já em tempo aqui as expuz, por occasião de se apresentar n'esta casa uni ministerio presidido pelo illustre marquez de Sá, o a que tambem pertenciam os srs. bispo de Vizeu e Latino Coelho.
Concordo em que o systema empregado pelo actual ministro da marinha não seja optimo, o declaro até que tenho poucas sympathias pelo monopolio. (Apoiados.) Mas é certo que é melhor do que a absoluta ausencia de providencias.
Tambem concordo em que muitos outros alvitres poderão ser aproveitados com vantagem, mas não nos falla na Africa. campo em que possam realisar-se as experiencias.
O que é preciso é fazer alguma cousa para que. as nossas possessões ultramarinas; principalmente na Africa, não se conservem no estado de decadencia o abatimento em que actualmente jazem (Apoiados.)
Mas se o decreto está, como firmemente me persuado, conforme com as leis e com ás conveniencias publicas, por que é que foi mal acolhido na opinião publica?
Consinta-me a camara que eu pretenda explicar o facto, contando-lhe em breves palavras unia, historia, que por dizer respeito a cousas do ultramar não virá completamente fóra, de proposito. Cumpre me, porém, positivamente affirmar que em qualquer analogo que possa haver entre o caso que vou narrar e, o assumpto que se discute, não ha nem cabe referencia alguma aos cavalheiros que n'esta e na outra casa do, parlamento discutiram o assumpto.
Quando Affonso de Albuquerque conquistou pela segunda vez Goa, mandou collocar na torro mais importante da fortaleza Manuel uma lapide em que estavam inscriptos os nomes dos principaes capitães e fidalgos que o tinham ajudado na empreza; pois foram taes os clamores, não só dos que não se achavam mencionados, mas ainda dos que o estavam, mas não em primeiro logar, que o heroe da India mandou voltar a pedra e inscrever na outra face as seguintes palavras da Biblia:
Lapidem quem reprobaverunt oedificantes, factus est in cuput anguli.
E ficaram assim todos contentes, diz o immortal auctor das décadas da Azia, porque ao portuguez mais lhe doe o louvor do vizinho do que o esquecimento do seu.
Vou terminar. Não sei se disse quanto bastava; em todo o caso disse quanto sinto. Agradeço á camara a attenção e benevolencia, com que se dignou ouvir-me.
Vozes: — Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
O sr. Saraiva de Carvalho: —... (O sr. deputado
não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)
O sr. Osorio de Vasconcellos: —... O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)
Leu-se na. mesa a seguinte
Proposta
A camara espera que o governo nomeie com a brevidade possivel uma commissão mixta, composta de elementos dos dois corpos collegislativos o de elementos extra-parlamentares, á qual será commettido o exame e o estudo dos principios sobre que deve fundar-se a nossa politica ultramarina, não só em referencia ao progressivo desenvolvimento das colonias, senão tambem ás relações internacionaes com os paizes que possuam dominios vizinhos, confins com os nossos. — A. Osorio de Vasconcellos.
Admiti ida á discussão.
O sr. Laranjo:... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Presidente: —A ordem do dia para, ámanhã é trabalhos em commissões, e para sexta feita a continuação da que estava dada piara hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e meia da tarde.
Discurso do sr. deputado Pires do Lima, pronunciado na sessão de 4 do março, e que devia ler-se a pag. 669, col. 2.°
O sr. Pires de Lima: O sr. visconde de Arriaga acaba de concluir o seu longo e interessante discurso, encetado hontem, e n’elle. só provou uma cousa, a qual não estava nem está em discussão, a sua reconhecida competencia nos negocios do ultramar. Mas s. ex.ª e seja dito isto sem offensa para o illustre deputado, por quem tenho toda a consideração, não tratou do unico ponto que por emquanto occupa e deve occupar a attenção da camara. (Apoiados.)
Este ponto é simples e resumido.
O decreto de 20 de dezembro do 1878 é legal ou não o legal? (Apoiados.)
Esta é a unica questão que por ora se ventila. (Apoiados.)
O sr. Thomás Ribeiro fallou hontem e fallou muito bem. Esta assembléa escutou o com muito agrado, o que não admira, porque o illustre. ministro da marinha tem dotes parlamentares pouco communs. (Apoiados.) E um orador distincto, o sobre ser orador distincto é poeta inspirado.
Mas o sr. Thomás Ribeiro, forçoso é confessal-o, não respondeu satisfactoriamente aos argumentos apresentados pelo sr. Mariano de Carvalho, o que tambem não admira. porque o governo pelo decreto de 20 de dezembro do anno lindo collocou se em tal terreno que a sua defeza é, não direi difficil, mas absolutamente impossivel. (Apoiados.)
Os argumentos do sr. Mariano de Carvalho ficaram de pé; a forca d'elle; não foi destruiria e nem sequer attenuada.
O sr. Thomás Ribeiro tem muito talento e dispõe de grandes recursos, mas não ha talento, nem recursos que possam escurecera verdade; e a verdade é que o governo no decreto de 20 do dezembro de 1878 ultrapassou as faculdades e attribuições que as leis lhes concedem.
Esta é a verdade e para a. demonstrar não são precisas grandes canceiras. Para a provar basta refrescar a memoria ria camara, relembrando-lhe os argumentos do sr. Mariano de Carvalho, e pondo em frente d’elles as respostas do sr. ministro da marinha.
Peço perdão. Não disse bem.
Não se podem pôr em frente dos argumentos do sr. Mariano de Carvalho as respostas do sr. ministro, porque argumentos houve a que o sr. ministro não respondeu. Sim,
Página 699
699
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
houve argumentos que pelo sr. Thomás Ribeiro foram tratados com grande desprezo, pois que s. ex.ª nem, ao menos, d'elles fez menção. (Apoiados.)
Portanto, a minha tarefa ainda é mais facil.
E facil, mas ao mesmo tempo extraordinariamente melindrosa, visto como tenho de repetir, o repetir muito, e as repetições são sempre enfadonhas. Mas a culpa não é minha, é do governo que não destroe as objecções do illustre deputado pelo Porto, ou confessa o que é claro e incontestavel, a illegalidade do decreto.
E indispensavel que a respeito d'esta não haja duvidas ainda nos espiritos mais escrupulosos e exigentes, e por isso indispensaveis são as repetições, sempre enfadonhas, mais ainda n'este caso, porque tenho de expor em linguagem tosca e descurada observações apresentadas n'uma fórma irreprehensivel e correctíssima pelo sr. Mariano do Carvalho, cujo brilhante talento é de todos reconhecido (Apoiados.), de todos, sem contestação, n'esta casa o fóra d'ella.
Qual é a questão que por ora se trata?
É se o decreto de 26 de dezembro de 1878, pelo qual o governo fez varias concessões ao sr. Paiva de Andrada, na provincia de Moçambique, é ou não legal.
O sr. Mariano de Carvalho demonstrou que o governo tinha excedido as suas attribuições legaes, commettido um verdadeiro abuso de confiança, um verdadeiro excesso de poder.
Que se lhe respondeu? Pouco, ou antes, nada.
E essa fraqueza, ou antes essa ausencia de rasões, que o governo tem para se defender, é que é necessario fazer sentir bem, para que acabem, e acabem de vez, se ainda as ha, as duvidas e as hesitações dos homens de boa fé. (Apoiados.)
Antes de tudo é preciso estabelecer bem claramente, e não perder de vista, um principio fundamental n'esta questão.
O governo fazendo varias concessões ao sr. Paiva de Andrada, ou a outro qualquer individuo ou companhia, não dispõe de bens particulares dos srs. ministros, mas dos bens da nação, o portanto deve observar o que está estatuido nas leis, porque nas leis está expressa a vontade da nação.
Um particular póde dispor do seu patrimonio livremente, e a ninguem tem de dar contas do seu procedimento. O governo só póde dispor dos bens nacionaes, unicamente pelo modo que as leis o auctorisam, o tanto quanto essas leis lh'o permittam.
Mas teria o governo auctorisação nas leis para fazer as concessões, que fez? Não tinha. (Apoiados.)
No decreto de 26 de dezembro de 1878 ha tres concessões differentes: concessões de minas, concessões de florestas, concessões de terrenos.
Examinemos cada uma dellas e por sua ordem.
Na primeira ha tres concessões especiaes: primeira, a posse de todas as minas de oiro e de carvão de pedra pertencentes ao estado, conhecidas e não exploradas, e contidas dentro de certa area; segunda, o privilegio exclusivo para, durante vinte annos, explorar com machinas aperfeiçoadas outras quaesquer minas de oiro; terceira, o privilegio exclusivo para durante vinte annos explorar quaesquer outras minas de carvão de pedra, e bem assim as de ferro, de cobre e outros metaes. São estas as phrases do decreto. (Apoiados.)
Em que lei se fundou, o governo para fazer a primeira concessão? Que lei o auctorisava a dar ao concessionario a posse de todas as minas de oiro e de todas as minas de carvão de pedra, conhecidas e não exploradas pertencentes ao estado e comprehendidas dentro de uma, certa area?
Affirmou o sr. Mariano de Carvalho, e ou repito, que esta concessão é illegal. Antes de tudo convem não esquecer que a concessão foi alem do pedido. Assim, por exemplo, o sr. Paiva de Andrada apenas pediu a faculdade de lavrar estas minas por vinte annos, e o governo deu-lhe a posse perpetua.
O requerimento diz:
«2.ª O privilegio exclusivo por vinte annos para mineração de oiro...
«3.ª O privilegio exclusivo por vinte annos para exploração das minas de carvão de pedra...»
O decreto diz:
I. A posse das minas de oiro...
III. A posse das minas de carvão de pedra...
E necessaria maior clareza? Não é evidente, evidentíssimo que o governo foi alem do pedido, e procedeu portanto irregularmente. (Apoiados.)
Este argumento já foi aqui adduzido pelo sr. Mariano de Carvalho, mas não foi ainda respondido, e por isso, precisei repetil-o para não ficar no esquecimento.
Mas ha mais.
Esta concessão foi illegal, porque foi feita a pessoa, á qual a legislação vigente não permittia que se fizesse. (Apoiados.) Isto já foi aqui demonstrado. (Apoiados.)
Qual é o artigo da lei que poderia auctorisar o governo a fazer esta concessão, ou para fallar com mais exactidão, qual foi o artigo da lei que o governo invocou em sua defeza? Foi o artigo 45.° do decreto com força de lei de 4 de dezembro de 1869. Mas este artigo não justifica o governo. (Apoiados.)
O decreto de 4 de dezembro de 1869, que está referendado pelo sr. Rebello da Silva, e que, por si só, bastaria para testemunhar os grandes dotes d'aquelle nosso saudoso compatriota, (Apoiados.) é muito claro, está redigido com muita lucidez, e regula perfeitamente as concessões de minas no ultramar, (Apoiados.) sem dar pretexto, nem offerecer motivos para estes deploraveis equivocos.
Comprehende nove capitulos. Nos primeiros oito falla da concessão de minas feita pelos governadores da provincia ultramarina, e no ultimo refere-se á concessão de minas feitas pelos governos, concessões que só podem recaír sobre minas pertencentes ao estado.
N'este ultimo capitulo, que tem apenas um artigo, o artigo 45.° indicado pelo governo, lê-se o seguinte:
«Capitulo IX — Das minas do estado.
«Art. 45.° São propriedade do estado:
«1.° As minas abandoadas;
«2.° As já conhecidas e não exploradas e situadas em terrenos do estado ou sujeitas á soberania portugueza.
«§ 1.° O governo publicará com a possivel brevidade no Diario do governo uma relação das minas, a que se refere este artigo.
«§ 2.° Fica salvo ao governo o direito de fazer concessões directas d'estas minas a sociedades ou companhias para a exploração em grande, de uma certa zona mineira.»
Diz este decreto que tem força de lei e dil-o claramente que o governo poderá fazer concessões de minas pertencentes ao estado, mas a sociedades ou companhias. (Apoiados.).
E o que diz o decreto de 26 de dezembro de 1878? Diz que a concessão é feita ao sr. Paiva de Andrada o á companhia ou sociedade que elle formar. (Apoiados.)
O sr. Mariano de Carvalho apresentou hontem este argumento, e o sr. ministro da marinha tentou responder-lhe; mas de que modo? Dizendo que era verdade não ter o sr. Paiva de Andrada formado ainda companhia, mas que havia de formal-a, e no caso contrario a concessão caducaria, ficando de nenhum effeito.
Esta resposta não satisfaz, porque são cousas inteiramente differentes fazer uma concessão a uma companhia já formada, cujos estatutos são conhecidos e cujas condições do vida e garantias de seriedade foram escrupulosamente examinadas, ou fazer essa concessão a um individuo e á companhia que elle ha de organisar, e que por não estar ainda organisada, se não póde saber se n'ella se dão ou não as condições a que me referi, (Apoiados.) condições
Sessão de 5 de março de 1879
Página 700
700
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
que não podem desprezar-se, condições a que é indispensavel attender por bem da colonia, e por bem da metropole.
A lei diz que estas concessões serão directamente feitas a sociedades, ou companhias, e pelo decreto de 26 do dezembro ultimo não se fez concessão a uma companhia, mas sim a um individuo, (Apoiados.) cuja respeitabilidade nem nego, nem ponho em duvida, mas em todo o caso um individuo.
Logo esta primeira concessão das minas foi tambem illegal por ser feita a uma pessoa a quem legalmente não podia ser feita.
Mas acrescentou o sr. Mariano de Carvalho, e a isto não houve resposta, que esta concessão foi ainda illegal pelo modo por que foi feita.
A maneira de fazer concessões está tambem determinada na nossa legislação.
Torno a ler o § 2.° do artigo 45.° já citado do decreto com força de lei, de 4 de dezembro de 1869.
Diz este §:
«Fica salvo ao governo o direito de fazer concessões directas d'essas minas a sociedades ou companhias para a exploração em grande de uma certa zona mineira.»
Fica salvo ao governo o direito, note-se bem.
Isto quer dizer que o direito do governo de fazer concessões de minas pertencentes ao estado não é um direito creado pelo decreto de 4 de dezembro de 1869, mas um direito estabelecido na legislação anterior, que este decreto n'esta parte não revoga, nem altera, e deixa em pleno vigor.
Ora, qual é essa legislação anterior? E o decreto, com força de lei, de 22 de dezembro de 1852, que diz assim no artigo 9.°:
«Os jazigos de minas já conhecidas no ultramar são propriedades nacionaes, cuja lavra será concedida pelo governo a quem offerecer, em concurso, mais garantias e vantagens ao estado.»
Logo, o governo póde conceder minas do estado a sociedades ou companhias. Mas como é que as póde conceder? Unicamente em concurso, a quem der mais garantias e mais vantagens ao estado. Quando é que se abriu o concurso para dar estas minas ao sr. Paiva de Andrada? Em que numero da folha official é que appareceu annunciado esse concurso? E como se prova que o concessionario offereceu ao estado mais vantagens e mais garantias do que outro qualquer, se elle foi o unico, se não teve ninguem que concorresse com elle?
Logo, esta concessão primeira das minas do estado é tambem illegal, porque foi feita por modo que a lei não permittia que ella se fizesse.
Que se responde a isto? Nada. (Apoiados.)
Passo á segunda concessão das minas.
A segunda concessão consiste no privilegio exclusivo de explorar durante vinte annos, com machinas aperfeiçoadas, qualquer outra mina de oiro.
Nós precisámos, antes de tudo, determinar o valor dos termos empregados n'esta concessão. O que quer dizer qualquer outra mina de oiro? Desde o momento em que o decreto falla anteriormente na concessão das minas de oiro pertencentes ao estado, conhecidas e não exploradas, qualquer outra mina de oiro, de que se falla n'esta concessão segunda, não póde ser senão alguma mina desconhecida.
Precisamos tambem saber qual é o sentido da palavra exploração. O sr. Mariano de Carvalho perguntou hontem ao sr. ministro da marinha qual o sentido em que s. ex.ª empregava este termo, e o sr. ministro respondeu que o empregava no sentido amplo, para designar as pesquizas, a exploração propriamente dita, e a lavra. O mesmo sr. deputado tambem perguntou qual o valor das palavras machinas aperfeiçoadas, e o sr. ministro declarou que eram todas aquellas que se podessem usar em Moçambique, á excepção dos instrumentos toscos e gamellas de que se servem os indigenas.
Determinado assim o valor d'estes termos, affirmo e provo que esta concessão tambem é diametralmente opposta á lei.
No decreto com força de lei de 4 de dezembro do 1869, está determinado de uma maneira precisa, quaes são os individuos que podem fazer pesquizas, quaes os que podem fazer explorações e quaes os que podem lavrar minas.
As pesquizas, segundo o artigo 6.°, podem ser feitas por qualquer cidadão. (Apoiados.)
Se são feitas em terreno proprio, não. se precisa de licença de pessoa alguma; se são em terreno alheio, basta apenas licença do proprietario.
É expresso o artigo 6.°:
«Todo o portuguez ou estrangeiro póde livremente fazer pesquizas para descobrir o reconhecer quaesquer depositos de substancias mineraes em terrenos proprios ou particulares, com licença escripta do proprietario do solo.»
Portanto a legislação anterior ao decreto de 2G de dezembro de 1878, dá, a qualquer cidadão portuguez ou estrangeiro, a liberdade ampla de fazer pesquizas, em qualquer terreno, proprio ou alheio, mas n'este segundo caso, com licença previa do proprietario; o decreto de 26 de dezembro de 1878 tira essa liberdade ampla e faz desapparecer esse direito. (Apoiados.)
Hoje, nem um cidadão portuguez nem estrangeiro, e só o sr. Paiva de Andrada ou as companhias que elle constituir, é que têem liberdade é direito para fazer pesquizas. Poderia haver contradicção mais flagrante entre as disposições do decreto e as disposições claras da lei? E impossivel? (Apoiados.)
Mas esta concessão não é só illegal emquanto ás pesquizas; é illegal tambem emquanto á exploração propriamente dita. O direito de exploração vem regulado no artigo 10.º do mesmo decreto com força de lei de 4 de dezembro de 1869, o qual diz assim:
«Os trabalhos de exploração, mesmo em terreno proprio, dependerão sempre da licença do governador da provincia, ouvido o conselho do governo e o engenheiro de minas.»
O trabalho de exploração segundo este artigo, tambem póde ser feito por qualquer cidadão portuguez, logo que elle cumpra com as formalidades prescriptas nos artigos antecedentes, e logo que obtenha licença do governador, que é quem a concede, ouvido o conselho do governo e o, engenheiro de minas.
Portanto antes do decreto de 26 de dezembro de 1878, qualquer cidadão portuguez ou estrangeiro, podia dirigir-se ao governador, fazer-lhe um requerimento, pedir-lhe licença para fazer explorações na provincia de Moçambique, e o governador, se o requerimento estivesse nos termos, havia necessariamente dar-lh’a; mas depois d'este decreto, o direito de fazer explorações só pertence ao sr. Paiva de Andrada o ás companhias por elle formadas. (Apoiados.)
Logo tambem n'esta parte é illegal a concessão. E é ainda illegal dando ao sr. Paiva de Andrada o exclusivo da lavra, porque contraria claramente o artigo 18.° do mesmo decreto com força de lei de 4 de dezembro de 1869, que diz o seguinte:
«Não havendo impugnação, ou sendo desattendida, o governador, ouvido o conselho do governo e depois de colhidas todas as informações sobre a existencia do jazigo manifestado, mandará passar ao requerente titulo de direitos adquiridos pela descoberta, designando com todo o rigor possivel a posição do jazigo, etc..
«§ unico. O campo correspondente a cada descoberta nunca poderá exceder o maximo do campo reservado para pesquizas ou explorações.»
E para se entender bem a disposição d'este § unico, note-se que no artigo 11.° se havia determinado ò seguinte:
«O espaço de terreno, em que são permittidos os traba-
Página 701
701
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
lhos de pesquiza ou de exploração, nunca poderá exceder 25 kilometros quadrados, ou 2:000 hectares...»
Isto quer dizer o seguinte: até agora, pelo artigo 18.° do decreto com força de lei de 4 de dezembro de 1869, todo o qualquer individuo que descobrisse uma mina de oiro, ou uma mina de outro qualquer metal, pelo facto da descoberta linha direito inquestionavel a concessão (Apoiados.); hoje qualquer cidadão que fizer a descoberta de uma mina, na provincia do Moçambique, e dentro da area da concessão, não pede obter esse direito que a lei lhe dava (Apoiados.), porque o sr. Paiva de Andrada (e as companhias que elle ainda não organisou, mas que ha de organisar), sem ler feito descoberta de mina nenhuma, já têem direito a todas. (Apoiados.)
Logo esta concessão não sé destruiu o direito que tinha qualquer cidadão á mina que descobrisse, mas foi dar um direito a quem o não podia dar, porque esse direito sé podia ser dado ao descobridor. (Apoiados.)
Mas ha mais. A mina concedida ao descobridor, só póde ser concedida quando não tenha mais do que 5 leguas quadradas; e as concessões feitas ao sr. Paiva de Andrada são tres vezes o continente do Portugal.
Onde é que o governo descobriu um artigo de lei que o auctorisasse a isto? (Apoiados.)
Sr. presidente, o decreto de 26 de dezembro de 1878 é illegal, é diametralmente opposto ao que está estatuido no decreto com força de lei de 4 de dezembro do 1869.
E se a camara se quer acabar de convencer d’esta verdade, dou-lhe uma auctoridade insuspeita: é a auctoridade do sr. Thomás Ribeiro.
Dizia o nobre ministro da marinha, na sessão da camara dos dignos pares, de 10 de janeiro, o seguinte:
«O decreto de 1869, moldado evidentemente pela moderna legislação da Europa e especialmente da metropole, sobre minas...
«Os seus preceitos são liberaes; facilita o mais possivel o direito á pesquiza a quem quer que seja e por todos os modos, supprindo mesmo pelo preceito da auctoridade administrativa o consentimento do dono do predio onde tem de fazer-se a pesquiza e depois a exploração, o concedendo até pesquizas em arcas já demarcadas e concedidas para exploração.»
Que diz aqui o sr. ministro da marinha?
Louva a legislação de 1869, diz que é a mais liberal possivel, e dá logo a rasão. E liberal, porque concede a todos o direito de fazer pesquizas e o direito de fazer explorações; e faz mais ainda, permitte até que se façam explorações em terrenos já concedidos para outras lavras. Esta legislação é a mais liberal do mundo, não ha em paiz algum da Europa uma legislação inspirada por principios mais liberaes do que esta.
Mas, á vista d'isto, como se póde justificar o decreto de 26 de dezembro de 1878?
Ouçamos as palavras do nobre ministro, pronunciadas na mesma sessão:;
«Como, porém, a procura de braços na Austrália era muita e sempre crescente, acontecia que os diversos exploradores se disputavam os mineiros que chegavam da metropole; estes, ou fugiam de umas para outras minas, ou iam explorar por sua conta. '
«Fizeram-se debalde as mais activas diligencias para; acabar com este contrabando do trabalho, mas era impossivel reconhecer as identidades dos fugitivos; haviam mudado de nomes, de tragos, e até quanto possivel de physionomias, e o interesse dos seus novos patrões era proteger-lhes o disfarce e a fraude.
«É facil de ver quantas ruinas e quantas perturbações traria este estado de cousas..
«D'este modo o exclusivo para a (exploração de minas i na zona concedida não sómente é legal, mas é uma providencia em favor da ordem publica.».
Confrontemos estas palavras com aquellas que ou ha pouco li.
Qual é em resumo o pensamento do nobre ministro da marinha n'este trecho, cuja leitura acabo de fazer á camara?
O pensamento é este: o governo entendeu que devia dar o privilegio ao sr. Paiva do Andrada, para não se repetirem os exemplos da Austrália. (Apoiados e riso.)
Na Austrália havia concorrencia entre differentes companhias, mas havia tambem conflictos e desordens.
Em Moçambique o governo quer evitar conflictos e desordens, e por isso supprime a concorrencia, concedendo tudo ao sr. Paiva de Andrada. A legislação de 1809 estabelece a liberdade, mas o sr. ministro reputa essa liberdade perigosa, para a ordem publica, que é preciso manter em Moçambique, onde seria inconveniente a repetição dos deploraveis, acontecimentos da Austrália, e por isso no seu decreto estabelece o exclusivo, o privilegio e o monopolio.
Logo, o sr. ministro da marinha é o proprio que reconhece que a sua obra foi alterar a legislação actual, e contrariar o que n'ella se acha estabelecido. (Apoiados.)
Se esta auctoridade foi declarada insufficiente, tenho outra, que é a. do proprio concessionario.
Diz o sr. Paiva de Andrada, no seu requerimento:
«A base necessaria para constituir uma sociedade agricola existe, logo que haja uma concessão ordinaria de uma determinada area de terreno; quanto á exploração mineralógica, a nossa lei de minas permitte a todo o individuo que descobre uma mina registal-a e exploral-a, mas será quasi impossivel ao requerente obter hoje na Europa capital para uma exploração mineira na Zambezia, se se não apresentar com um documento que prove possuir mais alguma cousa que um direito geral...»
O sr. Paiva do Andrada reconhece confessa que a legislação actual só permitte explorar minas desconhecidas a quem as descobre, mas isso só é pouco para elle, elle quer mais, quer alem do direito geral que todos têem, e que a todos a lei dá, outro direito especial, que a lei não dava, nem dá a ninguem. (Apoiados.) O requerente acha pouco o que a lei lho dá, o pede uma concessão, que elle proprio começa por declarar que está alem da lei.
O governo devia, ou indeferir o requerimento, ou fazer a concessão, invocando as faculdades que lhe dá o artigo 15.° do acto addicional, ou esperar a abertura do parlamento para submetter ao seu exame e approvação uma proposta em harmonia com o requerimento, se entendia que esse requerimento era justo e conveniente.
Mas não fez nada d'isto. Diz o proprio requerente ao governo que a lei não permitte, e o governo, apesar d'isso o talvez por isso mesmo, concede tudo o mais ainda. (Apoiados.)
O requerimento do sr. Paiva de Andrada é datado de 10 de novembro de 1878, o despacho de 26 de dezembro. Bastava, pois, que o governo tivesse a paciencia de esperar alguns dias mais, para poder fazer a concessão regularmente, se, porventura, entendesse que esta era util aos interesses da. nação.
O sr. Mariano de Carvalho, antes de começar a sua argumentação, fez varias perguntas ao sr. ministro da marinha, e uma dellas referia-se ao sentido da palavra exploração.
Perguntou o sr. Mariano de Carvalho ao sr. ministro da marinha, se a palavra «exploração» se devia tomar como synonima de lavra, e o sr. Thomás Ribeiro estranhou muito a pergunta, e disse: «Pois ha alguma companhia séria que queira fazer explorações, tomada a palavra exploração no sentido restricto? Pois ha, companhias serias que queiram fazer explorações, não para lucrar com a lavra, mas por simples amor da arte?»
Ora, eu digo, que talvez houvesse alguma companhia que, por amor da arte, quizesse fazer explorações, isto é, trabalhos preparatorios para a lavra, (Apoiados.) e esta é,
Sessão de 5 de março de 1879
Página 702
702
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
não só a minha, mas tambem a opinião do nobre presidente do conselho, que me está ouvindo.
De modo, que o sr. ministro da marinha julgando que fazia uma censura á pergunta do sr. Mariano de Carvalho, de feito só fez uma censura ao chefe do gabinete (Apoiados.) o ás idéas por este expostas em documentos publicos e officiaes, documentos que o sr. Thomás Ribeiro devia conhecer.
E essas idéas e essa opinião estão expostas no relatorio que precede o decreto de 31 de dezembro de 1852, onde se diz o seguinte:
«E necessario tentar todos os meios para chegar a este conhecimento (geológico do nosso solo); e por isso se adoptou o do dar, por meio do concurso, privilegio, por tempo e extensão limitada a companhias que emprehendam estes trabalhos de investigação de minas, que mal e muito incompletamente poderiam ser feitos por conta de particulares.» 1
Esses trabalhos preparatorios, para que o sr. ministro da marinha olhou com tanto desdém, chegando a imaginar que não havia sociedade alguma que só por amor da arte requeresse a faculdade de os executar, dizia o sr. Fontes que deviam ser dados a companhias e que deviam ser dados por concurso.
Portanto, a pergunta do sr. Mariano de Carvalho não é tão descabida, nem tão ociosa, nem tão impertinente como á primeira vista se afigurou ao nobre ministro da marinha.
Mas, continuemos a ver qual é a lei, ou se ha lei que permitta a concessão.
Eu já demonstrei que esta concessão é illegal, quer se refira ás pesquizas, quer se refira á exploração, quer se refira á lavra.
Mas, ha mais. O governo deu ao sr. Paiva de Andrada, e só a elle, todas as minas de oiro dentro de uma certa area, e o privilegio de usar, na sua exploração, machinas aperfeiçoadas.
Ora, este privilegio das machinas aperfeiçoadas acho-o eu verdadeiramente extraordinario.
Não sei que haja legislação que o auctorise; pelo contrario, sei que ha legislação que o prohibe. (Apoiados.)
Em a nossa legislação são reconhecidos dois privilegios: o privilegio de invenção e o privilegio de introducção.
A concessão d'estes privilegios está regulada pelo decreto de 31 de dezembro de 1852, o qual permitte ao governo dar o primeiro aquelle que fizer a descoberta de uma machina nova; e o segundo ao que descobrir um meio novo de fazer uma machina já conhecida.
O primeiro privilegio póde ser concedido por quinze annos, excepto havendo decreto motivado em causa de força maior, porque então esse privilegio póde ser dado por vinte annos; o segundo privilegio, que é o da introducção, só póde ser dado por cinco annos.
Eu comprehendo perfeitamente tanto o primeiro como o segundo privilegio. Ambos elles são o premio dado ao genio inventivo do auctor de uma machina e d'aquelle que a aperfeiçoou; são um galardão dos seus esforços e trabalho, são incentivo para novas tentativas, e são tambem o reconhecimento do direito de propriedade.
Estes privilegios comprehendem-se muito bem, mas o que não comprehendo é o privilegio dado ao sr. Paiva de Andrada, de usar machinas aperfeiçoadas, privilegio que é dado a um cidadão, que não inventou, nem introduziu machina alguma aperfeiçoada!
Sr. presidente, não se entende bem o que seja este privilegio de usar machinas aperfeiçoadas durante vinte annos, e preciso de dar um exemplo á camara para dizer qual a idéa que formo d'este privilegio e d'esta concessão.
Supponhamos que um cidadão qualquer, um proprietario, um lavrador abastado, o sr. Carlos Relvas, por exemplo, que a camara conhece muito bem, cavalheiro muito estimado e a cujos predicados todos nós prestamos homenagem, (Apoiados.) supponhamos que o sr. Carlos Relvas se dirigia ao governo e fazia um requerimento formulado nos seguintes termos:
«Senhor. — Diz o cidadão Carlos Relvas, que pretendendo tirar a industria agricola do abatimento em que está no nosso paiz e especialmente na provincia da Estremadura, precisa se lhe conceda o privilegio do usar de machinas aperfeiçoadas de lavrar, semear e debulhar, por vinte annos; etc..
Por isso pede a Vossa Magestade se digne deferir. — E. R. M.»
Supponhamos que o governo fiel ao seu pensamento, pensamento em que se inspirou quando concedeu ao sr. Paiva de Andrada, na provincia do Moçambique, o privilegio exclusivo do usar de machinas aperfeiçoadas, com o intuito de melhorar ali a industria mineira, supponhamos que o governo responde ao sr. Carlos Relvas, como respondeu ao sr. Paiva de Andrada, e diz no requerimento:
«Passe-se decreto em conformidade do requerido.»
O sr. Carlos Relvas telegraphava immediatamente para os seus correspondentes de París, de Londres e de Nova-York, e mandava vir as machinas melhores que lá encontrasse para os trabalhos agricolas, e começava a fazer uso dellas.
E exactamente a mesma concessão que se fez ao sr. Paiva de Andrada (Apoiados.)
Vejamos agora os resultados d'isto.
Um vizinho do sr. Carlos Relvas queria tambem usar das machinas aperfeiçoadas, porque a observação lhe dizia, porque os seus olhos lhe estavam mostrando todos os dias, que o sr. Carlos Relvas, com as suas machinas aperfeiçoadas, poupava muito trabalho, poupava muitas despezas e tinha productos mais perfeitos e mais baratos. E que fazia?
Fazia uma encommenda tambem igual para Inglaterra, para França e para os Estados Unidos, do machinas aperfeiçoadas, como aquellas que tinham vindo dar tão bom resultado nas terras que o sr. Carlos Relvas amanhava. E quando ellas chegassem tentava fazer uso dellas.
Mas o sr. Carlos Relvas é que não dava licença, e fundado no seu privilegio, vinha logo e dizia — veto, não póde ser, eu só tenho privilegio exclusivo de usar de machinas aperfeiçoadas na industria agricola em toda a provincia da Estremadura, a ninguem mais é permittido usar d'essas machinas.
E se o seu vizinho respondesse: «mas eu tambem sou cidadão portuguez e tenho os mesmos direitos, os mesmas regalias, as mesmas faculdades que têem todos áquelles que vivem n'esta terra, que é governada pela carta constitucional».
O sr. Carlos Relvas encolhia os hombros e laconicamente respondia:
«Tudo isso será verdade, mas o decreto do privilegio está no meu bolso, e se continua, chamo-o aos tribunaes.»
O privilegio dado ao sr. Paiva de Andrada para elle e só elle usar de machinas aperfeiçoadas na exploração de minas de oiro na Zambezia, é perfeitamente identico aquelle que se daria ao sr. Carlos Relvas para que elle e só elle explorasse a industria agricola, usando de machinas aperfeiçoadas.
Debaixo do ponto de vista da legalidade, a differença é absolutamente nenhuma.
Na Zambezia, como na Estremadura, vigora a carta constitucional.
Na Zambezia, como na Estremadura, são prohibidos os privilegios pessoaes, os privilegios que atacam e destroem direitos que a todos pertencem.
O nobre ministro da marinha para mostrar que podia dar este privilegio de explorar qualquer mina de oiro, citou, ou lembrou á camara o § 2.° do artigo 45.° do decreto de 4 de dezembro de 1869.
E eu antes de ir mais longe preciso mostrar que este artigo nada diz para o caso.
Página 703
703
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O artigo diz o seguinte:
«Fica salvo ao governo o direito de fazer concessões directas d'estas minas a sociedades ou companhias para a exploração em grande de uma certa zona mineira.»
As phrases que mais impressão fizeram no espirito do sr. ministro da marinha foram estas:
«Exploração de uma certa zona mineira.»
Uma zona mineira quer dizer tudo, minas conhecidas e não exploradas, e todas as mais, no parecer de s. ex.ª
E um engano.
A lei não auctorisa o governo a fazer o que fez.
O artigo -15.0 6 bem claro. No § 2.° diz tres cousas distinctas, que é necessario não confundir.
Diz - o que o governo póde conceder, a quem póde conceder, e o fim para que póde conceder.
Quaes são as pessoas a quem as concessões se podem fazer? A sociedades ou companhias. Qual póde ser o objecto d'estas concessões? As minas pertencentes ao estado, visto como d'estas e só d'estas se falla n'este artigo 45.°, e 6 este o objecto unico e exclusivo do capitulo 9.°, onde está collocado este artigo o este §. E para que fim concede? Para explorar n'uma vasta area e não em 25 kilometros quadrados, como acontece nas concessões feitas pelo governador.
Logo por este artigo 45.° o governo não podia fazer concessão senão de minas pertencentes ao estado.
Mas este privilegio exclusivo durante vinte annos para explorar com machinas aperfeiçoadas refere-se ás minas não pertencentes ao estado, e que em virtude do decreto do 4 de dezembro de 1869 só podem pertencer áquelles que as descobrirem.
A lei está bem clara quando diz d'estas minas: D'estas minas são as minas nacionaes.
Logo a segunda concessão a respeito de minas é tão illegal como a primeira.
A terceira concessão 6 para explorar durante vinte annos quaesquer outras minas de carvão de pedra, ferro, cobre e outros metaes.
Esta concessão tem os mesmos vicios da antecedente, excepto os que respeitam ao privilegio das machinas aperfeiçoadas.
E sem me occupar mais de minas vou já fallar das florestas.
Antes de tudo precisamos determinar bem o valor dos termos em que está formulada esta concessão.
O governo deu ao sr. Paiva de Andrada o direito de explorar as florestas nacionaes na Zambezia.
Que quer dizer — explorar as florestas nacionaes?
A esta pergunta respondem as palavras pronunciadas na camara hereditaria pelo sr. Thomás Ribeiro, auctor do decreto e pelo sr. Corvo, membro do governo, com cujo accordo e approvação o decreto foi publicado.
Disse o primeiro na sessão dos dignos pares, de 10 de janeiro:
«A que se reduz pois n'esta parte a concessão? A lenha, carvão e mato, segundo o decreto de 1869 e ao aproveitamento de madeiras necessarias para estabelecimentos de operarios, armazens, depositos, officinas, telheiros, etc.. isto segundo o que a lei prescreve e segundo os regulamentos que venham a fazer-se para a conservação das matas, etc..»
O sr. Thomás Ribeiro pois entendeu, que conceder ao sr. Paiva de Andrada o direito ou a faculdade d'elle explorar as matas nacionaes da Zambezia, é o mesmo que permittir que elle tire d'essas matas as arvores necessarias para estabelecimento dos operarios, para armazens, para depositos, para officinas o para telheiros.
A camara póde bem imaginar qual será o grande numero de arvores que o sr. Paiva do Andrada terá de mandar cortar n aquella região para inaugurar e sustentar a sua empreza, empreza complexa, vasta, ampla e de grandes dimensões.
A empreza que o sr. Paiva de Andrada vae estabelecer na provincia de Moçambique ha de necessariamente ser muito importante, porque as minas que o governo lhe concedeu não são só as minas do estado, são tambem as minas que estiverem em terrenos particulares e ainda não descobertas; não são só as minas conhecidas, são as minas desconhecidas; não são só as minas de oiro, mas as de carvão de pedra, ferro, cobre e de todos os metaes. A empreza, portanto, devo ser collossal e gingantea.
Na exploração e lavra das minas, o concessionario tem necessariamente de empregar muitos e muitos operarios.
O governo pela concessão dá-lhe o direito de cortar as arvores que precisar para os estabelecimentos d'esses operarios. Faz mais, dá o direito de cortar as arvores para armazens, depositos, officinas e tilheiros. Imagina-se quantas arvores escaparão das florestas da Zambezia! (Apoiados.)
O sr. Andrade Corvo, no discurso que pronunciou na sessão de 13 do janeiro, tambem na camara hereditaria, affirma que o concessionario póde tirar madeiras para outros fins. Ouçamos o que elle nos diz:
«Na lei das minas encontra-se uma disposição, pela qual os concessionarios estão auctorisados a servir-se das madeiras das florestas, no que é indispensavel para o uso da exploração das minas. Cita-se na lei designadamente lenhas, carvão, mato, aproveitamento de pastos; mas no indispensavel serviço das minas ha que ter conta tambem com a madeira para galerias, em postes para diversos serviços, e nos paus necessarios para construcçâo de vias de communicaçâo mais ou menos simples, que conduzam os mineiros aos pontos de embarque nos rios ou no mar.»
O sr. Andrade Corvo, portanto, entende que o concessionario póde cortar arvores: primeiro, para as galerias das minas; segundo, para postes; e terceiro, para construcçâo de vias do communicaçâo. Que enorme quantidade de madeira não é necessaria para extensas e numerosas galerias! Que numero do arvores não precisa o concessionario para postes, especialmente se quizer estabelecer telegraphos electricos para serviço das minas! E quantas travessas, quantas centenas e milhares de travessas não se empregarão em caminhos do ferro americanos ou de via reduzida, que o concessionario queira fazer para conduzir os productos lavrados nas suas minas para os portos de embarque!
Haverá arvores na Zambezia para tanta cousa? Terão lá as nossas matas, não digo bem, as matas ex-nacionaes, as matas do sr. Paiva de Andrada, lá, onde são tão raras e tão apreciadas as arvores, terão lá madeira para tantas obras? (Apoiados.)
Se tiverem, tudo póde levar gratuitamente o sr. Paiva de Andrada, e tudo póde empregar no serviço das minas.
E só no serviço das minas? E se o concessionario quizer ser, alem de mineiro, commerciante? Quem lhe prohibe de vender arvores das matas da Zambezia, que já foram nossas? Acaso o decreto de 26 de dezembro lhe limita o direito de explorar as florestas?
Bem sei que no decreto se falla de umas leis e regulamentos, que não existem ainda, o cuja feitura fica para as kalendas gregas. (Apoiados.)
O concessionario vae cortando e aproveitando as arvores que quizer, e, quando já não houver uma só, regula-se então pelos preceitos florestaes, que a esse tempo devem já estar codificados. (Apoiados.)
O concessionario, pois, vae cortando arvores; arvores para as minas e arvores para negociar, se chegarem para tanto. E assim que eu entendo o decreto, e é assim que na camara alta o entendeu tambem o sr. Mártens Ferrão, o qual não hesitou em affirmar que a concessão das florestas não era unicamente para aproveitar das madeiras necessarias para a industria mineira, mas para qualquer operação commercial que quizesse fazer o sr. Paiva de Andrada.
O nobre ministro da marinha, interrogado hontem sobre esta parte do decreto, disse que só reconhecia no conces-
Sessão de 5 de março de 1879
Página 704
704
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
sionario direito para empregar as madeiras tiradas das matas nacionaes na exploração das minas.
No parecer do sr. Thomás Ribeiro todas as concessões do decreto estão ligadas e unidas entre si, o formam e constituem uma só, e a concessão das florestas é subordinada á concessão das minas, como o accessorio ao principal.
Mas isto não está no decreto. Podia estar, e estará certamente na 'mente do auctor do decreto, mas no decreto está precisamente o contrario. (Apurados.)
Vejamos o que diz o artigo 4.°:
«Salvo caso de força maior, devidamente comprovado e reconhecido pelo governo, caducam ipso facto, sem dependencia de novo acto do poder executivo, dentro de vinte e quatro mezes, a contar da data do presente decreto, as concessões I, II, III e IV, quando no dito praso não houverem os concessionarios emprehendido trabalhos respectivos em larga escala; e fio praso de dez annos do mesmo modo contados caducará, similhantemente, a concessão V para todas as minas n’essa concessão designadas, que, durante o mesmo praso, não tiverem sido registadas, segundo a lei.»
O decreto distingue claramente as concessões,. Umas podem caducar no Um do praso de vinte e quatro mezes; outras podem caducar passados dez annos; outras, e n'esse caso está a das florestas, não podem caducar em tempo algum, nem por motivo algum. Logo, não ha uma só concessão, ha differentes concessões; concessões que podem acabar e concessões que não podem acabar; concessões que podem acabar cedo, e concessões que só podem acabar tarde.
Logo, não ha disposição no decreto que prohiba ao concessionario a venda de arvores.
Mas, apesar de restringir ao me das minas a concessão das florestas, o nobre ministro sempre reconheceu que a lei é diferente n’esta parte. Estas palavras devem registar se. Não quero confissão mais clara de que o decreto do 20 de dezembro de 1878 é illegal; ao menos com relação a florestas.
Pois a lei não permitte dar madeiras para uso das minas, e o governo deu-as. Quem auctorisou o governo a supprir a deficiencia da lei? (Apoiados.)
O governo quiz supprir a deficiencia da lei, o porque? Porque entendeu que a concessão feita ao sr. Paiva de Andrada ficaria incompleta...
(Interrupção do sr. ministro da marinha.)
S. ex.ª affirma não ter faltado em deficiencia da lei, que o auctorisasse a conceder florestas. Muito bem. Naturalmente ouvi mal. Eu não tenho empenho, nem desejo de attribuir ao governo pensamentos que elle não teve, nem phrases que elle não pronunciou.
Mas o que o governo entendeu foi que, desde o momento em que o sr. Paiva de Andrada pedia uma concessão de minas na larga escala em que se fez esta concessão, ella ficaria incompleta se lho não desse direito do cortar algumas arvores.
Que parecesse isto ao sr. Paiva de Andrada, acho eu naturalíssimo, porque o peticionário devia attender aquillo que lhe convinha; mas que parecesse ao governo, que só devia pugnar pelos interesses do estado e pela observancia da lei, é que eu não acho, nem louvavel, nem ainda regular.
Mas, continuando, o sr. Thomás Ribeiro disse: «o que eu fiz foi um acto de simples e puro expediente; um acto de pura administração, que podia, fazer qualquer governador do ultramar. Pois quando ha um temporal que arranca muitas arvores que estão velhas e mortas, acaso hesita o governador em dal-as? O que faria n'este caso o governa dor fel-o o ministerio.»
Até os temporaes e as tempestades servem de defeza ao governo! Não são as leis que justificam o ministerio, são os temporaes o as tempestades. Muitos temporaes e muitas tempestades tem de encommendar o sr. Paiva de Andrada (Riso.) para arrancar arvores que lhe sirvam para estabelecimentos de operarios, arvores que lhe sirvam para armazens, arvores que lhe sirvam para depositos, arvores que lhe sirvam para officinas, arvores que lhe sirvam para telheiros, arvores que lhe sirvam para fazer as galerias, arvores de que possa tirar as travessas para vias de communicação, por onde sejam conduzidos os productos das minas para os portos do embarque. (Apoiados.) E o sr. Paiva de Andrada deve encommendar temporaes que escolham de preferencia as arvores boas.
As velhas o mortas de pouco lho poderão servir. (Apoiados)
A encommenda. dos temporaes deve ser grande, muito grande, o devo ser feita com urgencia, e para ser satisfeita no praso de dois annos, porque dentro em dois annos tem o concessionario de começar as obras o desenvolvel-as em larga escala.
Dil-o claramente o artigo 4.°
Se as tempestades se demorarem, fica o sr. Paiva de Andrada sem as arvores que o sr. ministro da marinha, lho quiz dar. (Riso.)
Mas, disse mais o sr. Thomás Ribeiro, se um governador póde arrendar uma propriedade do estado, e. consentir que se vendam os fructos d'ella; querem negar ao governo um direito que reconhecem no governador?
Não, senhor; nós não queremos isso. Nós o que queremos e que não se dêem milhares do arvores gratuitamente (Apoiados.), e isso nada tem de commum com o acto de um governador que arrenda, uma propriedade do estado o que consente que o cidadão que dá o dinheiro dos fructos (Vossas propriedades disponha d'elles como lhe aprouver.
A concessão feita ao sr. Paiva do Andrada é uma doação pura e simples; (Apoiados.) emquanto o arrendamento a um cidadão qualquer feito por um governador do ultramar é um contrato oneroso para o arrendatário. (Apoiados.)
Vou concluir já. A hora ou dou ou está para dar o eu não quero ficar com a palavra para ámanhã, e por isso abstenho-me de expor á camara as muitas considerações, que ainda se me offereciam a este respeito.
Apenas lembro que a lei de 21 de agosto de 1856 é clara e positiva, quando prohibe a alienação de quaesquer matas o do quaesquer florestas no ultramar, quer a alienação seja por compra e venda, quer seja por emprazamento; e portanto, se prohibe a alienação do quaesquer matas e de quaesquer florestas no ultramar por qualquer d'estes modos, muito mais a prohibe ainda por contrato gratuito, isto é, por doação. (Apoiados.)
A concessão das florestas foi illegal. E illegal tambem foi a dos terrenos.
A lei diz ao governador de Moçambique: «só concederás 1:000 hectares de terrenos»; o decreto de 25 de dezembro diz lho: «a lei foi mesquinha e avara, eu sou generoso e bizarro, não dês só 1:000 hectares, dá até 100:000 hectares».
Querem contradicção mais manifesta entro o decreto e a lei? (Apoiados.)
E que respondeu o sr. ministro da marinha sobre esta concessão?
Nada, absolutamente nada.
Na, resposta ao sr. Mariano do Carvalho nem sequer fallou dos terrenos o silencio de s. ex. vale uma confissão. (Apoiados.)
O decreto de 26 de dezembro é illegal, claramente illegal em todas as concessões que faz.
O governo actual tem influido abusiva o pouco escrupulosamente na organisação dos corpos parlamentares. (Apoiados.)
Por um dever de coherencia devia ao menos respeitar as leis, que são feitura d'esses corpos, e se, porventura, encontrasse n’ellas algum obstaculo para a satisfação dos seus caprichos, ou para a satisfação dos seus interesses partida-
Página 705
705
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
rios, devia vir a esta casa pedir a revogação dellas. (Apoiados.)
O que o governo fez não se explica nem se comprehende. (Apoiados.)
Tendo maioria em ambas as casas do parlamento, e não discuto agora a maneira por que essa maioria foi obtida, o que podia muito bem fazer, (Apoiados.) se o governo não linha, como de feito não tem nas leis actuaes, auctorisação para fazer ao sr. Paiva de Andrada as concessões que realmente lhe foz, o que era logico, o que era indispensavel, o que era coherente, era vir pedir ás côrtes a alteração d'essas leis. (Apoiados.)
Isto que nós temos não é systema parlamentar. (Apoiados.) isto é o absolutismo mascarado com as formulas constitucionaes, e eu, entre o absolutismo franco e aberto e o absolutismo mascarado, como nós o temos, prefiro o primeiro. Sim, prefiro o primeiro, porque á hypocrisia, prefiro a franqueza, á mentira prefiro a verdade. (Apoiados.) Abaixo essa mascara que nunca se arranca, mascara que é eterna, (Apoiados.) mascara, com que não se cessa do illudir o povo. Venha antes o absolutismo puro. Este póde ter na resistencia popular um correctivo prompto e efficaz; esse só póde trazer como resultado a corrupção do povo, pelo mau exemplo, o por ultimo a dissolução social. (Apoiadas.)
Tenho concluido.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
E N.° 100
Senhores deputados da nação. — Os abaixo assignados, presidente e membros da junta de parochia da freguezia de Esmoriz, concelho da Feira, districto administrativo de Aveiro, e bem assim a maioria dos cidadãos da mesma, como se mostra da comparação do numero de suas assignaturas. com o documento junto, vem representar-vos a violencia que soffrerão, se approvardes a proposta de lei n.º 75-B, na parto respeitante á annexação ria freguezia de Esmoriz ao concelho do Ovar.
A extrema distancia entre esta freguezia e Ovar, o estado das communicações com a capital d'aquelle concelho, as difficuldades e custo pecuniario do transporte pela via ferrea, os habitos contrahidos, tudo faz considerar aos abaixo assignados a annexação proposta como um graúdo mal, contra o qual representam. E se a sua representação não valer perante vós, como a expressão sincera da opinião da quasi unanimidade n'esta freguezia, ha de valer, pelo menos, como protesto vivo contra a violencia que a proposta tenta impor aos representantes da nação.
Senhores. À enormidade dos incommodos, e assas pesados encargos, que a annexação projectada causará a esta freguezia, só é comparável a do crime que forjou assignaturas na representação que o illustre ministro, na melhor fé certamente, mas illudido n'ella, affirma como motivo da sua iniciativa. Contra a verdade de tal representação protestam altamente os abaixo assignados, affirmando. mais uma vez o sou persistente desejo de continuarem a pertencer ao concelho da Feira.
Hoje que a sciencia e a lei tendem a substitui]- na administração a liberdade local á centralisação, hoje que a nossa administração, graças aos esforços do illustre ministro do reino e illustração do parlamento, entrou rasgadamente n'esse caminho, os abaixo assignados esperam que os seus votos sejam acolhidos por elle o por vós, muitos dos quaes cooperaram na obra do progredimento das nossas instituições administrativas, e assim — P. que remettida esta petição á vossa respectiva commissão, a quem foi submettido o exame da citada proposta do lei n.º 75-B, defiraes ao requerido, rejeitando-a. E. II. SI. — (Seguem as assignaturas.)
Sessão de 5 de março de 1879