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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 3 DE MARÇO DE 1864

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 60 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Pequito Garcia de Lima, Annibal, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Quaresma, Eleuterio Dias, Gouveia Osorio, Seixas, A. Pinto de Magalhães, Mazzioti, Lemos e Napoles, Pereira da Cunha, Pinheiro Osorio, Pinto de Albuquerque, A. V. Peixoto, Zeferino Rodrigues, Barão de Santos, Barão da Torre, Barão do Vallado, Albuquerque e Amaral, Almeida e Azevedo, Bispo Eleito de Macau, Cesario, Barroso, Coe lho do Amaral, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Sant'Anna e Vasconcellos, Mendes de Carvalho, J. J. de Azevedo, Sepulveda Teixeira, Torres e Almeida, Rodrigues Camara Neutel, Galvão, Figueiredo Faria, D. José de Alarcão, J M. de Abreu, Costa e Silva, Frasão, Rojão, Menezes Toste, José de Moraes, Oliveira Baptista, Julio do Carvalhal, Camara Falcão, Sousa Junior, Murta, Pereira Dias, Marianno de Sousa, Miguel Osorio, Modesto Borges, Monteiro Castello Branco, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães, Charters, R. Lobo d'Avila, Simão de Almeida, Teixeira Pinto e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Affonso Botelho, Vidal, Braamcamp, A. B. Ferreira, Sá Nogueira, Correia Caldeira, Brandão, Gonçalves de Freitas, Ferreira Pontes, Arrobas, Fontes Pereira de Mello, Antonio Pequito, Lopes Branco, A. de Serpa, Barão das Lages, Barão do Rio Zezere, Freitas Soares, Abranches, Beirão, Carlos Bento, Ferreri, Cyrillo Machado, Pinto Coelho, Almeida Pessanha, Conde da Torre, Domingos de Barros, Poças Falcão, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Bivar, Fernandes Costa, Izidoro Vianna, Borges Fernandes, Gaspar Teixeira, Guilhermino de Barros, Henrique de Castro, Medeiros, Silveira da Mota, Gomes de Castro, J. A. de Sousa, Mártens Ferrão, J. da Costa Xavier, Fonseca Coutinho, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Joaquim Cabral, J. Coelho de Carvalho, Matos Correia, J. Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Ferreira da Veiga, Infante Pessanha, Sette, Fernandes Vaz, José Guedes, Casal Ribeiro, Alvares da Guerra, Sieuve de Menezes, Silveira e Menezes, Gonçalves Correia, Mendes Leal, Levy M. Jordão, Camara Leme, Affonseca, Alves do Rio, Manuel Firmino, Pinto de Araujo, Fernandes Thomás e Thomás Ribeiro.

Não compareceram — Os srs. Abilio, Carlos da Maia, Breyner, Magalhães Aguiar, David, Palmeirim, Garcez, Oliveira e Castro, Claudio Nunes, Conde da Azambuja, Cypriano da Costa, Drago, Abranches Homem, Diogo de Sá, Ignacio Lopes, Gavicho, Bicudo, F. M. da Cunha, Pulido, Chamiço, Cadabal, Gaspar Pereira, Pereira de Carvalho e Abreu, Blanc, João Chrysostomo, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Ferreira de Mello, Simas, Faria Guimarães, Gama, Alves Chaves, Luciano de Castro, Latino Coelho, Batalhós, Freitas Branco, Moura, Alves Guerra, Rocha Peixoto, Mendes Leite, Vaz Preto, Moraes Soares e Vicente de Seiça.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE s

1.º Uma declaração do sr. Menezes Toste, de que o sr. Blanc não comparece á. sessão de hoje por incommodo de saude. — Inteirada.

2.º Um officio do ministerio da marinha, acompanhando dez documentos relativos á mudança da cidade de Benguella para o porto de Lobito, satisfazendo assim a um requerimento do sr. Lopes Branco. — Para a secretaria.

3.º Do ministerio da justiça, participando, em satisfação de um requerimento do sr. José de Moraes, de que nenhum sr. deputado teve despacho por este ministerio no intervallo da ultima sessão legislativa. — Para a secretaria.

4.º Do ministerio da fazenda, devolvendo informada a representação dos empregados das repartições extinctas, subsidiados, em que pedem se melhore a sua situação. — Á commissão de fazenda.

5.º Uma representação dos aspirantes de 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Castello Branco, pedindo augmento de ordenado. — Á commissão de fazenda.

6. Do clero da diocese de Leiria, protestando contra o projecto apresentado na camara para a liberdade dos cultos. — Á commissão de legislação.

7.º Da camara municipal de Montemór o Velho, pedindo providencias contra a sementeira dos arrozaes. — Á commissão de agricultura.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTOS

1.° Requeiro se peça ao governo que, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, sejam enviados a esta camara os seguintes esclarecimentos:

Quanto tem rendido para o estado a mina de S. Domingos, sua no concelho de Mertola?

Quaes são os proprietarios dos terrenos comprehendidos na demarcação official da mesma mina?

Quanto têem recebido os mesmos proprietarios da percentagem que têem direito a cobrar dos exploradores da mesma mina? = Annibal Alvares.

2.º Requeiro, pela segunda vez, que, pela secretaria do reino, sejam remettidos, com urgencia, a esta camara os seguintes esclarecimentos:

I Copia authentica da posse dada a Antonio Luiz Marrão da cadeira de latim de Villa Nova de Reguengos;

II Uma relação dos mezes e quantias que lhe têem sido abonadas até 31 de dezembro ultimo. = Rojão.

3.º Requeiro que se peça ao governo um mappa com os seguintes dizeres:

I O numero e designação das freguezias que ha no continente do reino;

II O arbitramento das congruas dos seus respectivos parochos, e a sua importancia total;

III Quaes as freguezias em que, para preenchimento das congruas, é necessario derrama, e emquanto esta importa;

IV A denominação das propinas o offertas que se computam nas congruas;

V O valor e rendimento dos passaes que actualmente usufruem os parochos, e em que freguezias;

VI Quaes as freguezias em que ainda se pagam aos parochos as primicias e emprimas, e a diversidade d'estas em cada uma das freguezias, e o seu valor regulado pelo termo medio dos dez annos decorridos;

VII Finalmente a quem eram pagas essas emprimas antes de 1834, e com que onus e obrigações. = Garcia de Lima.

Foram enviados ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

REQUERIMENTO

Requeiro para que sejam publicados no Diario de Lisboa os documentos remettidos a esta camara pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos, relativamente á questão suscitada sobre o provimento do logar de escrivão da camara ecclesiastica do bispado de Coimbra. = J. M. de Abreu.

Foi admittido e approvado.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — A lei eleitoral de 30 de setembro de 1852 declarou incompativeis com o cargo de deputado os logares de governadores das provincias ultramarinas, respectivos secretarios e escrivães da junta, esqueceu se porém de tornar esta disposição extensiva aos arcebispos e bispos do ultramar, quando estes não só não podem exercer ao mesmo tempo os dois cargos, mas até não podem ser devidamente substituidos. Para preencher esta lacuna proponho-vos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São extensivas as disposições do artigo 13.º da lei eleitoral de 30 de setembro de 1852 aos arcebispos e bispos sagrados, cujas dioceses estejam fóra do reino.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, 3 de março de 1864. = Francisco Luiz Gomes, deputado por Salsete.

Foi admittido, e enviado á commissão do ultramar. PROJECTO DE LEI

Senhores. — Grandes são as difficuldades que se encontram em Goa para o provimento dos tres logares de mestras de meninas que ali foram creados, por ser modico o ordenado, e não haverem na India muitas pessoas do sexo feminino competentemente habilitadas para o magisterio.

As tres mestras que ha em Goa não vencem todas igual ordenado; a que vive na capital tem 261$000 réis fracos por anno, e as outras vencem ambas 234$000 réis.

Parece-me indispensavel augmentar os ordenados das mestras de Goa, sujeitando-as a provas e habilitações mais rigorosas. D'este modo conseguir-se-ha que vão para a India pessoas competentemente habilitadas no reino para mestras, e abrir-se-ha talvez uma perspectiva auspiciosa aquellas das orphãs educadas nos asylos de Lisboa que mostrarem qualidades e vocação para o magisterio.

Confio que merecerá a vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Cada uma das mestras de Nova Goa, Margão e Mapução vencerão por anno 240$000 réis fortes quando tenha o curso da escola normal do sexo feminino de Lisboa, ou prove por um exame nos estabelecimentos publicos do reino ter conhecimento de todas as disciplinas que constituem o referido curso.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. Sala da camara des deputados, 3 de março de 1864. = Francisco Luiz Gomes.

Foi admittido, e enviado á commissão do ultramar. O sr. Rojão: — Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica, que approva um additamento, apresentado pelos srs. deputados Frederico de Mello, e Bernardo Francisco de Abranches, ao projecto relativo aos celleiros communs.

Como este additamento já foi presente á camara e não offerece discussão, peço a v. ex.ª que tenha a bondade de a consultar se, dispensando a impressão, consente que este parecer entre já em discussão.

Aproveito esta occasião para mandar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Com estas cadeiras (as da governo) vasias, como hei de eu usar da palavra? Vou usar d'ella unicamente como um protesto.

Ha muito tempo que desejava fazer algumas perguntas ao sr. ministro das obras publicas, e chamar a sua attenção para a necessidade de mandar proceder aos estudos da estrada de Sines a Ferreira do Alemtejo, por S. Thiago do Cacem; s. ex.ª não está presente; entretanto o que digo aqui espero que s. ex.ª o verá no Diario de Lisboa, e o tomará na devida attenção.

Eu já mais de uma vez tenho aqui reclamado em favor da estrada de Sines a Ferreira do Alemtejo, por S. Thiago do Cacem. Não é uma estrada nova que peço; é uma estrada

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comprehendida na lei geral das estradas, e é de uma grande importancia.

Em primeiro logar os habitantes d'aquelle lado do paiz, como já tenho dito algumas vezes, não conhecem que ha governo, que ha lei n'este paiz, senão porque um escrivão de fazenda lhes pede tributos.

Ha muitas localidades que estão a pagar tributos para estradas ha vinte annos sem verem o fructo das suas contribuições; sabem que ha estradas e caminhos de ferro, e comquanto estejam a pagar para umas e outros, esta parte do paiz não tem sentido melhoramento algum.

Os poderes publicos já attenderam a isto, votando esta estrada; mas nada se tem feito, e ao governo é que cumpre mandar quanto antes estudar aquella estrada e construi-la, pelo menos entre o porto de Sines e S. Thiago do Cacem.

Para que se não diga que esta estrada é de pequena importancia, notarei á camara simplesmente o movimento de exportação pelo porto de Sines, donde deve principiar esta estrada.

O registo que se fez no anno de 1862 dá o valor da exportação em 229:926$620 réis. Isto não é uma asserção gratuita, é tirado de uma certidão authentica do registo da alfandega, que tenho aqui e que desejava apresentar ao sr. ministro das obras publicas.

E n'este anno ultimo o movimento de exportação ainda subiu a mais de 200:000$000 réis.

A somma, a que me referi, do anno de 1862, decompõe-se assim:

2.580:099 kilogrammas de cortiça no valor de................. 170:184,5500

712:037 ditos de casca de sobre no valor de.................. 19:180000

368:181,44 ditos de arroz no valor de... 26:085660

1.140:247 ditos de carvão de cepa e sobre no valor de........ 10:254,5860

1:759 milheiros e meio de laranja no valor de................ 4:2210600

229:926$620

Já V. ex.ª e a camara vêem que a estrada, a favor da qual eu fallo, é importantissima, porque é feita para um porto que, apesar de não ter estradas que facilitem a conducção dos generos, a sua alfandega exporta valores em mais de 200:000$000 réis, e as suas importações tambem têem sido avaliadas em mais de 200:000$000 réis. Portanto, se ha ponto no paiz que careça urgentemente de uma estrada importante, é sem duvida este.

Não podendo dirigir-me ao sr. ministro das obras publicas, porque o não vejo aqui, limito-me hoje a estas reflexões, pedindo a s. ex.ª, se por acaso deparar no Diario de Lisboa com estas pobres reflexões que apresento, as tenha em toda a consideração, e mande quanto antes começar os estudos da estrada entre o porto de Sines e S. Thiago do Cacem. Fico por aqui: tinha muitas reflexões a fazer, mas não vendo presente nenhum dos membros do governo, abstenho-me de as fazer.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer, que ha pouco mandou para a mesa o sr. Rojão, e a respeito do qual pediu que fosse consultada a camara sobre se dispensava o regimento, a fim de entrar já em discussão.

É o seguinte:

parecer

Senhores. — A commissão de administração publica, a quem foi presente a proposta dos srs. deputados Fortunato Frederico de Mello e Bernardo Francisco de Abranches, que tem por fim conceder aos delegados e mais empregados de justiça, nas execuções dos celleiros communs, os 6 por cento, que nas execuções fiscaes lhes são garantidos.

A commissão, considerando que a proposta é justa, porque remunera o trabalho dos empregados de justiça, e é util, porque facilita a cobrança das dividas dos celleiros:

É de parecer que a proposta seja approvada, e convertida no seguinte artigo:

«Em todas as execuções dos celleiros communs, não pagando os devedores, no decendio legal, se accumularão mais 6 por cento a dividir pelo delegado, que haverá 2 1/2 pelo solicitador, que haverá outro tanto; e pelo escrivão, que terá 1, alem das custas que se contarem: a deducção ou pagamento d'estes 6 por cento só se fará rateadamente, e á proporção das quantias liquidas que progressivamente forem entrando nos cofres dos celleiros communs.»

É mais de parecer a commissão que este artigo passe a ser o artigo 8.°, e o artigo 8.° a 9.° do projecto já approvado pela camara.

Sala da commissão, 3 de março de 1864. = Barão do Vallado, presidente = Ricardo A. P. Guimarães = Adriano Pequito = Francisco Coelho do Amaral = J. M. Rojão.

Foi dispensado o regimento, a fim de entrar este parecer já em discussão; e seguidamente foi approvado.

O sr. J. M. de Abreu: — Coube-me hoje a palavra que ha muitos dias havia pedido, usarei d'ella para apresentar uma representação de alguns empregados do real archivo da torre do tombo, em que pedem que seja attendida a sua situação, realmente desfavoravel em comparação com a de outros empregados, de igual cathegoria d'aquelle estabelecimento.

Eu tive já occasião, em uma das sessões passadas, de pedir ao governo, pelo ministerio do reino, alguns esclarecimentos a este respeito, para que sendo remettidos á commissão de fazenda, a quem este negocio ha de ser submettido, a mesma illustre commissão os possa apreciar devidamente; porque de facto o serviço n'aquella repartição é remunerado muito desigualmente, e creio que até com parcialidade, porque ha uma verba no orçamento de 700$000 réis para publicação de catalogos e outros trabalhos, e que são distribuidos só por alguns empregados, talvez porque nem todos têem igual protecção ou iguaes motivos de favor pessoal, e que por isso não participam das vantagens concedidas exclusivamente a alguns dos seus collegas. Portanto mando para a mesa este requerimento, para que v. ex.ª lhe dê o destino conveniente, e na occasião opportuna eu hei de instar pela justiça d'esta pretensão.

Como muitas vezes não posso estar presente á abertura da sessão, em rasão de outras obrigações do serviço publico, não tenho usado da palavra antes da ordem do dia, e aproveito por isso a occasião para novamente instar, por que ultimamente tem-se introduzido nesta casa o costume não direi este direito, de nos correspondermos com o governo pelo diario official, na constante ausencia dos Srs. ministros antes da ordem do dia, o que para ss. ex.ªs será muito commodo, mas que é muito alheio das boas praticas parlamentares (apoiados); usando, digo, por necessidade deste meio, que aliás reputo improprio e inconveniente, não posso deixar de ponderar aqui a urgencia de que o sr. ministro do reino se dê quanto antes por habilitado, para vir a esta camara responder á interpellação que o meu illustre collega e amigo, o sr. Correia Caldeira, e eu tivemos occasião de annunciar a s. ex.ª relativamente ao decreto de 14 de janeiro ultimo, que regulou o serviço das quarentenas. Este decreto é, na minha opinião, manifestamente illegal. Eu não costumo tratar na ausencia dos srs. ministros de assumptos a que desejo que respondam na camara; nem gosto que de modo nenhum fique a impressão das minhas palavras sobre objectos em que o governo deve ou justificar a legalidade dos seus actos, ou, reconhecendo a sua inconveniencia, declarar que está prompto a revoga-los ou emenda-los do modo mais proprio.

Eu sei que o decreto a que me refiro sobre o serviço das quarentenas, não foi referendado pelo actual sr. ministro do reino; e espero que, quando se verificar a interpellação que annunciei, o illustre deputado o sr. Braamcamp que o referendou, como ministro que então era d'aquella pasta, não deixará de dar algumas explicações á camara; mas creio que não cabe por isso menos responsabilidade ao actual ministro do reino.

Esse decreto, quanto a mim, envolve manifesta infracção de lei, porque o decreto organico de 3 de janeiro de 1837, que creou o conselho de saude publica e fixou as suas attribuições, tem força de lei; e entre essas attribuições estão comprehendidas no § 19.° do artigo 16.º as que dizem expressamente respeito ao serviço das quarentenas e designação das substancias susceptiveis, que é da exclusiva competencia do conselho de saude. O governo portanto não podia alterar por um simples decreto o que estava estabelecido por uma lei, nem arrogar-se o direito de regular um serviço que é da competencia do conselho de saude.

Se ao governo não convem que o conselho superintenda sobre este objecto, proponha uma lei; mas emquanto esta não existir não póde esbulhar o conselho de uma attribuição que lhe pertence pela lei organica da sua execução, e que é de conveniencia para o governo que se mantenha, porque elle é quem mais lucra em que estes negocios corram exclusivamente pela repartição de saude publica, por causa da responsabilidade de taes medidas, que quasi sempre suscitam clamores mais ou menos exagerados, que se levantam muitas vezes contra aquella repartição, aliás respeitavel e muito illustrada (apoiados); porque no exercicio das attribuições que a lei lhe confere se vê obrigada a manter o rigor das quarentenas e a tomar, providencias sanitarias em objectos que interessam o commercio, que vê quasi sempre, mau grado seu, quaesquer restricções á livre pratica das embarcações; mas vigorando o decreto de 14 de janeiro ultimo, quem lucra é o conselho que fica na melhor e mais commoda posição, livre de tamanha responsabilidade. E convirá isto ao governo, convirá aos legitimos interesses da saude publica? Ninguem de certo o dirá. O governo não é competente para resolver estes assumptos, que são technicos e que não podem estar á mercê das encontradas opiniões que, segundo as circumstancias politicas, actuarem nas regiões ministeriaes; e alem d'isso quando se apresentarem, como já tem succedido, reclamações estrangeiras sobre algumas providencias sanitarias, o governo não se póde pôr a coberto das resoluções que tomar, e dizer — isso pertence ao conselho de saude que procedeu segundo as indicações da sciencia e conforme a lei.

D'este decreto de 14 de janeiro ultimo tem resultado já graves inconvenientes para o proprio commercio que se pretendia beneficiar com elle, porque desde que saíu aquelle decreto o conselho de saude não se intromette em regular quarentenas; e como pelo mesmo decreto é facultativo o praso das quarentenas em certos casos, e essa resolução está hoje dependente dos guardas mores da saude nos diversos portos; e estes funccionarios, para livrarem a sua responsabilidade, em logar de reduzir o praso das quarentenas, como o decreto de 14 de janeiro ultimo lhes faculta, fazem observar o maximo: já aconteceu, que a uma embarcação ou mais do que uma, que pelas circumstancias da sua carta podia ser admittida antes de cinco dias de quarentena, ou talvez mesmo sem ella, o guarda mór impoz-lhe os cinco dias, que era o maximo do praso; e o conselho de saude talvez lhe não impozesse senão dois ou talvez nenhum, porque tinha havido apenas um caso fatal a bordo, mas em um individuo que tinha embarcado em Cabo Verde e não em Angola, e não se tinha repetido mais caso algum durante a viagem nem no porto.

Não censuro com isto o guarda mór, noto só o facto como prova dos inconvenientes do decreto, que mesmo em relação ao commercio é mais gravoso que a legislação anterior.

Limito a estas poucas palavras as observações que mais largamente terei occasião de fazer, quando se verificar a interpellação já annunciada; porque n'este momento o meu fim é chamar a attenção do governo para os inconvenientes que offerecem as disposições que por aquelle decreto se tomaram, e que por outro lado são offensivas do § 19.° do artigo 16.° do decreto com força de lei de 3 de janeiro de 1837, que declara, que tudo quanto respeita a quarentenas e á designação de substancias susceptiveis, é exclusivamente da attribuição do conselho de saude publica.

Desejava tambem por esta occasião chamar a attenção do governo sobre a urgente necessidade de tomar algumas outras providencias, com relação ao serviço sanitario, que prendem intimamente com o das quarentenas, para que estas se possam tornar mais favoraveis.

Eu desejo que se facilite o commercio, diminuindo o rigor das quarentenas; mas para isso é necessario tomar precauções, e adoptar algumas medidas nos portos das nações com quem temos maior commercio, e aonde mais geralmente dominam certas molestias como febre amarella e cholera morbus, por exemplo, no Brazil, estabelecendo em alguns dos seus principaes portos facultativos nossos, para que as cartas de saude e as informações d'aquellas procedencias mereçam toda a confiança. É assim que o governo francez organisou o seu serviço sanitario nos portos do Levante.

Outra providencia desde muito reclamada pelo conselho de saude, e aconselhada pelo exemplo de quasi todos os paizes, é a do estabelecimento de direitos sanitarios para os lazaretos e para fazer face a muitos outros encargos da saude publica, e organisar melhor o pessoal das estações de saude nos diversos portos tanto nacionaes como estrangeiros, porque só então se poderá diminuir o rigor das quarentenas com vantagem do commercio, e sem risco para a salubridade publica.

O conselho de saude nem sequer foi ouvido sobre o decreto de 14 de janeiro ultimo, quando o devia ser. Mas a commissão que o governo nomeou para consultar sobre a reforma das quarentenas, e de outros pontos do serviço sanitario, subordinava a diminuição nos prasos das quarentenas a certas medidas sanitarias e hygienicas, que propunha, e designadamente aquellas a que me tenho referido; o governo, porém, apressou-se a decretar essa reducção no praso das quarentenas, sem adoptar as providencias que eram correlativas com este systema; nem propoz ás côrtes as que dependiam de medida legislativa.

Portanto, repito, chamo sobre este objecto a attenção do sr. ministro do reino, e insto com s. ex.ª, para que venha á camara responder sobre este assumpto, para que se tomem com urgencia providencias convenientes.

Eu não creio que o sr. ministro do reino queira manter o decreto de 14 de janeiro ultimo, que sobre inconveniente, é manifestamente illegal; mas por isso mesmo mais urgente é repor as cousas no seu estado legal; e propor as providencias indispensaveis para melhorar o serviço sanitario nas suas especiaes relações com o assumpto de que se trata; mas o que é certo é que aquelle decreto existe e que por elle se faz obra, o que é prejudicial a todos os respeitos.

Concluo as minhas observações a este respeito, porque não quero cansar a camara nem abusar da sua benevolencia; e peço a v. ex.ª que me inscreva para antes da ordem do dia da sessão seguinte.

O sr. José de Moraes: — Pedi a palavra para lembrar a v. ex.ª que no dia 16 de fevereiro passado requeri para ser dado para ordem do dia o decantado projecto sobre os raptos parlamentares...

Uma voz: — Faz bem, faz bem.

O Orador: — Eu não sei se faço bem se faço mal, o que eu faço é o que me dieta a minha consciencia (muitos apoiados). Não quero que se diga lá por fóra que eu abandonei o projecto. Não o abandonei, porque elle é dos mais necessarios (apoiados); e não só com relação ao governo actual, mas para todos os governos futuros (apoiados), para que não se continue a escrever nos jornaes o que eu hontem li; e declaro a v. ex.ª que, se me não coraram as faces de vergonha á vista de tal leitura, foi porque nada do que estava ali escripto me dizia respeito, nem nunca ha de dizer; porque nada ha mais nobre neste mundo do que ser procurador do povo; e calcar aos pés a sua procuração a troco de um mesquinho emprego, isso nunca! (Apoiados.)

Se v. ex.ª, apesar de ser homem liberal, homem progressista, homem que não quer nem póde querer os raptos parlamentares; se v. ex.ª, digo, apesar d'isso, não póde dar para ordem do dia o meu projecto, então peço a v. ex.ª que me inscreva de novo, para apresentar uma proposta para ser consultada a camara sobre se quer que entre em discussão o meu projecto; e desde já declaro que hei de pedir votação nominal sobre esta minha proposta (apoiados).

Aproveito a occasião para me dirigir á illustre commissão de instrucção publica, para que algum de seus illustres membros me diga — se acaso o projecto sobre a abolição das informações em costumes na universidade de Coimbra desappareceu da commissão. Sobre este ponto não digo mais nada, e aguardo a resposta da commissão.

Aproveito igualmente esta occasião para lembrar á illustre commissão de fazenda, que tendo o nobre ministro da fazenda cumprido as disposições do acto addicional, apresentando ás côrtes o orçamento da receita e despeza do estado, e estando esta sessão já bastantemente adiantada, comtudo ainda a illustre commissão não apresentou o seu parecer sobre o orçamento.

Sem querer com isto fazer censura á commissão de fazenda, peço-lhe que apresente quanto antes o seu parecer, para assim cumprirmos o nosso primeiro dever, que é votar a receita e despeza do estado. Peço por ultimo a v. ex.ª que me conserve a palavra

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para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas.

O sr. Quaresma: — Tenho a dizer ao sr. José de Moraes que a rasão por que a commissão de instrucção publica ainda não apresentou o seu parecer sobre o projecto para a abolição das informações em costumes, é porque a commissão tem tido muitos negocios importantes de que se occupar. Mas posso asseverar a s. ex.ª que a commissão se ha de occupar d'este negocio, e eu mesmo sou o primeiro que não quero informações em costumes: e sabe v. ex.ª porquê? Alem de outras rasões, por causa da moda, visto que hoje é moda não se quererem informações em costumes, apesar de que estas informações, do modo como estão estabelecidas na universidade, não prejudicam ninguem, porque poucas vezes tem a maioria de votos contra; geralmente levam duas ou tres espheras pretas, mas maioria é raríssimo.

Mas como é moda não se acharem boas as informações em costumes, e nós temos muitas vezes de seguir a força da moda, posso prometter ao illustre deputado que em breves dias ha de a commissão apresentar á camara o seu parecer sobre este assumpto, ainda que estou persuadido de que os estudantes pouco hão de lucrar com esta medida, e é possivel até que sejam algumas vezes prejudicados.

O sr. Rodrigues Camara: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de marinha.

O sr. José de Moraes: — Eu mando para a mesa a proposta a que ha pouco me referi.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PROJECTO DE LEI N.° 8

O sr. Secretaria (Miguel Osorio): — Vou ler uma proposta, que hontem foi mandada para a mesa por parte da commissão, e duas apresentadas pelo sr. Fontes para serem submettidas á admissão.

São as seguintes:

PROPOSTA

Por parte da commissão de guerra proponho que o artigo 1.° do projecto de lei n.° 8, seja substituido pelo seguinte:

Artigo 1.° E revogado o decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863 que organisou o exercito, e suscitada a observancia das disposições que n'aquella data eram applicadas ao mesmo exercito. = Placido de Abreu.

Foi admittida, e ficou conjunctamente em discussão.

PROPOSTA

Proponho que as bases para a organisação do exercito, apresentadas pelo sr. deputado D. Luiz da Camara Leme, sejam remettidas á commissão de guerra, juntamente com o projecto, que se discute, a fim de que a mesma commissão interponha sobre tudo o seu parecer. = Fontes.

Foi admittida, e ficou conjunctamente em discussão.

PROPOSTA

A camara reconhece que o decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863 não podia ser suspenso por ordem do poder executivo, e passa á ordem do dia. = Fontes.

Foi admittida, e ficou conjunctamente em discussão.

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, não me permittia o meu estado de saude fazer uso da palavra, mas sendo militar não quiz deixar de fundamentar o meu voto. Serei por isso muito resumido.

Antes porém de expor os argumentos que tenho a apresentar, peço ao sr. ministro da guerra que informe a camara sobre se o governo, logo que seja lei do estado a proposta de revogação do decreto de 21 de dezembro de 1863, tenciona trazer á camara alguma proposta sobre a nova organisação a dar ao exercito...

O sr. Ministro da Guerra (Ferreira Passos): — Sim, senhor.

O Orador: — Muito bem. São dois os assumptos que se acham em discussão; o primeiro, refere se ao parecer da commissão; e o segundo, a um voto de censura apresentado hontem contra o governo pelo sr. deputado Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

Tratarei em primeiro logar do parecer da commissão e depois da proposta do illustre deputado.

Eu não vejo, sr. presidente, grande differença entre as opiniões da maioria e as propostas da opposição; e por isso não me parece justificado este calor de discussão.

O que quer a opposição?... O que disse ainda hontem o sr. Fontes, e o que disseram todos os oradores d'aquelle lado da camara? Querem que se vote uma lei suspendendo O decreto, e que a commissão de guerra elabore um projecto de organisação do exercito, servindo de base aos trabalhos o decreto de 21 de dezembro de 1863; e o que quer a maioria é que se revogue o decreto e que se discuta o parecer sobre a proposta do governo para a nova organisação.

Em que condições quer a opposição que se vote a suspensão? E até que seja lei o parecer da commissão sobre a nova organisação a dar ao exercito, logo esta suspensão seria infinita; o decreto seria tirado da execução para nunca mais voltar a ella. Mas que differença existe entre de facto, entre tirar da execução uma lei por meio de uma suspensão até o infinito, ou por meio da revogação?... Quer se vote o parecer da commissão e a proposta do governo, quer as propostas da opposição, em todo o caso o resultado será o mesmo, porque o decreto será tirado da execução para nunca mais voltar a ella, e portanto em qualquer dos casos ficará de facto revogado, e n'esse caso eu prefiro antes votar entre as duas redacções aquella que melhor exprime o que a lei tem em vista.

Pois te o resultado ha de ser sempre a revogação, para que não dizemos de uma vez fica revogada (apoiados).

Voto portanto n'este ponto de preferencia a redacção proposta pela commissão.

Quanto ao methodo a seguir para chegarmos a haver a nova organisação, a opposição quer que sirva de base como proposta do governo o decreto de 21 de dezembro, e o governo e a maioria estão porque a base do parecer seja uma nova proposta do governo.

É verdade que nos resultados a obter tanto um como o outro expediente são adoptaveis com igual vantagem; porém desde que o executivo não quer considerar como proposta sua o decreto de 21 de dezembro, não ha rasão alguma para se negar ao governo um direito que compete a qualquer dos membros d'esta camara.

O sr. deputado Fontes Pereira de Mello disse hontem que = uma das rasões por que deviamos preferir como base os trabalhos do sr. marquez de Sá, era pelo respeito devido aquelle nobre general. Pois havemos de negar-lhe a consideração que se dá ás propostas do mais insignificante deputado? Havemos de rejeitar sem ao menos examinar? = Ora, sr. presidente, o sr. deputado quando começou o seu discurso declarou, e com fundamento, que = não vendo nos srs. ministros mais do que membros do executivo, não via o sr. general Passos, a quem devia todas as considerações =; e depois tratando do decreto de 21 de dezembro, já abandonou aquelle seu principio realmente são e verdadeiramente constitucional! Então já vê quem era a pessoa que, por parte do executivo, trouxe á camara aquelle decreto, já muda de opinião tão depressa, e já não vê só um membro do executivo, já vê o sr. marquez de Sá.

Mas, sr. presidente, foi pena que o sr. Fontes e os seus amigos não tivessem o mesmo modo de ver as cousas, e que do lado da opposição partisse uma proposta para se declarar urgente o projecto de lei do Sr. Camara Leme, para se suspender o decreto de 21 de dezembro! O sr. marquez de Sá tinha vindo á camara declarar que = se promptificava a ir á commissão, para ali concordar nas modificações a fazer no decreto =; e depois d'isto e de ter o sr. deputado da opposição apresentado um projecto de lei para a suspensão do decreto, veiu tambem da opposição uma proposta para ser declarado urgente aquelle projecto, e dispensado o regimento, para ir logo á commissão de guerra.

Ora, sr. presidente, tendo-se isto passado na ausencia do sr. marquez de Sá, é claro que o sr. deputado, que então votou a urgencia, não só declarou urgente a suspensão, porém condemnou o decreto, tirando a força moral ao seu auctor para o fazer cumprir. Ora, sr. presidente, então esqueceu ao illustre deputado o nome e os serviços do sr. marquez de Sá, e agora lembra lhe tudo isto tanto. A rasão é bem patente, o motivo é bem conhecido; então elle era ministro e queria se lhe o logar, e agora é o sr. general Passos que está n'esse caso (apoiados).

De passagem eu não posso deixar de levantar uma expressão do sr. Fontes, quando disse que = não se devia dar ao trabalho do sr. marquez de Sá menos consideração do que ao do mais insignificante deputado =. Em primeiro logar, nenhum de nós teve nunca a mais leve desconsideração pelo nobre marquez, nem o que o governo propõe tende a desconsidera-lo, nem elle assim o pensa, como tem dado prova bem patente; mas aqui não ha deputados insignificantes (apoiados), todos são iguaes, merecem a mesma consideração, e têem iguaes direitos como representantes do paiz (apoiados); e se o illustre deputado, para não ferir de frente o pundonor dos seus collegas, se collocou a si no logar de mais insignificante deputado, é claro que isso em logar de attenuar augmentou na essencia o inconveniente, porque vendo todos que se apresenta como chefe de partido, bem viu que era aos seus collegas e não a si proprio que lançava aquella desconsideração.

Mas, sr. presidente, eu aceitando o principio de que nada temos com o nome do ministro que apresenta uma proposta, mas com o poder executivo que elle representa, vou tirar as consequencias contrarias ás que o illustre deputado sem fundamento apresentou.

O executivo tendo apresentado uma proposta de lei não poderá depois retira-la para a substituir por outra, quando qualquer deputado póde e tem o direito de o fazer? De certo que sim, e como tanto o decreto de 21 de dezembro como a proposta de revogação para trazer uma substituição são do executivo, segue-se que sem desconsideração por este poder não se lhe negaria uma cousa que a qualquer deputado se concede.

O sr. marquez de Sá não era deputado, e por isso só aqui podia fallar como governo, e como tal trouxe á camara o decreto; agora quem o representa é o sr. Passos, e por isso sem desconsideração por este não se lhe póde negar aquillo que dizem se devia conceder ao seu antecessor em attenção á qualidade da pessoa (apoiados).

Emquanto á nova reforma, repito, o resultado era o mesmo, quer se adoptasse como bom o decreto, ou a nova proposta do governo, mas a ordem natural e o direito é não tirar ao executivo a iniciativa que elle quer tomar sobre o objecto talvez mais importante, e que mais directamente interessa o executivo, que é quem responde pela ordem publica (apoiados).

Agora, sr. presidente, vou passar ao voto de censura apresentado pelo sr. deputado Fontes de Mello contra o governo.

O Sr. deputado quer a suspensão do decreto, porque se elle fosse executado traria graves embaraços para voltar ao que tivesse de ficar, quer e vota a suspensão por urgente necessidade do bem publico; disse tambem, que não approvava o decreto como estava, e finalmente propõe que as bases da nova organisação devem ser as apresentadas pelo sr. Camara Leme, e para isso propõe que vão á commissão de guerra; logo condemna-o tambem, porque quer que se attendam outras basea (apoiados).

Mas se o decreto é mau, se haveria grande prejuizo para a causa publica de o applicar, porque é então tanto calor, para que tanta indignação, porque o sr. ministro da guerra não tem feito cumprir já alguns pontos regulamentares do decreto, e tendo-o feito para bem publico!

É evidente, diz s. ex.ª, que é só pelo amor e zêlo pelas attribuições do poder legislativo. O governo deve saír d'aquellas cadeiras, deportado só porque suspendeu uma lei, embora essa lei, sendo executada, houvesse de trazer graves prejuizos ao estado.

Em primeiro logar, eu ainda não vi apresentar um unico facto de violação do decreto de 21 de dezembro, praticado pelo sr. ministro da guerra, e pelo contrario vi uma ordem sua, dirigida á repartição de fazenda do seu ministerio, para que se cumprissem rigorosamente as disposições do decreto, fazendo-se por elle os abonos; logo é claro que só com fins partidarios é que se quer dar á portaria, aqui apresentada e assignada pelo sr. Passos, um sentido differente d'aquelle que elle declarou que lhe deu, isto é, que se não effectuassem as transferencias e mais actos das attribuições do executivo de que haviam de resultar os graves inconvenientes ao serviço que o sr. Fontes confessou que viriam, alem da enorme despeza perdida com os transportes; despeza completamente perdida.

E disse o illustre deputado, que = me importam a mim que se gastem muitos contos de réis, se para os não gastar é preciso não cumprir a lei rigorosamente!... =

Ora, sr. presidente, eu sinto ver que a bolsa do contribuinte é aqui por tal modo tratada pelo sr. deputado, que apesar de ser não só improductiva e perdida uma importante despeza, não importa, faça se para cumprimento de uma formalidade!

Eis-ahi, sr. presidente, porque se as despezas em muitos ramos são exageradas, é porque o contribuinte é a ultima cousa em que se pensa! Que importa que esta despeza importante e imprevista não tivesse verba no orçamento; que importa que havendo um deficit tão grande no orçamento, vamos todos os annos augmentando a nossa divida publica, e por isso em vez de augmentar o deficit, seja nosso dever praticar tudo quanto conduzir a diminuir as despezas, o principal é a formula, o secundario é o bem do povo e a bolsa do contribuinte.

Eu não repugno votar fundos para caminhos de ferro e estradas, mas rejeitarei sempre para os desperdicios, em cujo caso classifico o que o illustre deputado queria que se despendesse, apesar de ser prejudicial á ordem publica o resultado d'essa despeza, como o sr. deputado mesmo confessou.

O governo não suspendeu o decreto na parte legislativa, suspendeu só o que dependia de ordens suas previas, como transferencias, etc.

O illustre deputado e meu amigo, o sr. Coelho de Carvalho, disse aqui no parlamento que = no ministerio da guerra se estava pagando a uns pela nova lei e a outros pela antiga =, e apontou as gratificações dos membros do supremo tribunal e as dos ajudantes dos regimentos, pagas pela nova lei, dizendo em geral que = havia outros a quem se recusava o pagamento pela nova lei =; mas eu senti que não indicasse algum dos ultimos casos para lhe mostrar que laborava em equivoco, visto que na repartição de fazenda do ministerio da guerra se attende ao decreto de 21 de dezembro para os pagamentos.

O sr. Coelho de Carvalho: — Eu apontei em especial que a uns ajudantes dos corpos se pagava pela nova lei a gratificação dos 5$000 réis e a outros se negava.

O Orador: — Ora pois assim é que se devem fazer as accusações, positivas e definidas, porque então tem logar o exame e a defeza, aliás são generalidades que não produzem effeito algum. A camara vae ver como é destituida de fundamento esta accusação.

E verdade que a uns ajudantes se está pagando a gratificação dos 5$000 réis pela nova lei e que a outros não se paga, porém a rasão em vez de se encontrar em uma violação do decreto de 21 de dezembro de 1863, encontra-se ao contrario no rigoroso cumprimento do mesmo decreto, o qual dispõe que em cada corpo haja só um ajudante, o qual ganhará, alem do soldo da sua patente, a gratificação de 5$000 réis, mas deixa dependente estas funcções de proposta do commandante do corpo e de nomeação do governo; ora como nos corpos de caçadores ha só um ajudante, sobre estes não podia haver duvida, e por isso fez-se-lhes o abono; emquanto aos de infanteria o abono se não póde fazer emquanto o commandante de cada corpo não escolher qual dos dois ajudantes ha de ser o que ha de exercer as respectivas funcções, e emquanto isso não se fizer não se póde dar o abono, porque falta saber a quem se deve fazer. Ora nos corpos de infanteria só um tem ajudante nomeado, segundo a nova lei, portanto só a esse se paga.

O sr. Coelho de Carvalho: — Mas ambos os ajudantes de cada corpo estão recebendo as forragens.

O Orador: — Eu, sr. presidente, não sei d'este caso, e o illustre deputado póde enganar-se, como formalmente se enganou na apreciação que fez sobre a gratificação dos 5$000 réis, e fique certo que ha de no fim encontrar legalidade em taes abono, se existem; mas eu, assim de repente, não posso responder a esta nova indicação, que em todo o caso não me parece muito grave, depois de destruidas sem replica as principaes, que são aquellas que trouxe aqui hontem.

Bem viu que a conservação do digno marechal de campo, Adrião Acacio da Silveira Pinto, no commando da divisão do Alemtejo, que s. ex.ª tanto accusou hontem como prova de violação de lei, se justifica pelas disposições do proprio decreto de 21 de dezembro. O illustre deputado não teve attenção ás conveniencias do serviço e á utilidade de conservar um funccionario tão digno, porque só viu o que a lei dispõe, e ella prohibe o governo de dar o commando d'aquella divisão a general de patente inferior a tenente general; mas o contrario é o que está no decreto, porque di-

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zendo-se ali que = aquella divisão será commandada por tenente general =, no mesmo artigo ha um paragrapho em que se lê que = o governo poderá alterar esta disposição segundo as conveniencias do serviço =. Logo em vez de prohibir o decreto permitte, e portanto póde aferir-se por esta as outras arguições.

Tambem chamaram marechal de campo ao sr. Passos na carta regia que o elevou ao pariato, e isso foi elevado á categoria de prova de violação do decreto. Emfim, passo este ponto, porque desde que um lapso da secretaria do reino, em objecto de redacção, se eleva a tal altura, nada é preciso mais dizer.

Mas, sr. presidente, quando vi o nobre deputado, o sr. Fontes, querer por força ver na redacção da portaria do sr. Passos a ordem para a suspensão de uma lei, não obstante elle dizer que se referia só ás transferencias e outros actos dependentes do executivo, parece-me ver no illustre deputado um zêlo muito vivo agora pelas attribuições do poder legislativo; eu porém, sr. presidente, parece-me que n'isto ha um só fim politico, porque me lembra que em 1851 o sr. deputado era membro de um governo que, assumindo a dictadura, se poz a fazer leis em tudo o que lhe lembrou; depois abriu o parlamento para as approvar, e como lhe não approvasse uma, foi dissolvido, e o governo tornou de novo a assumir a dictadura para fazer um saco de leis. Legislou, legislou emquanto quiz, e depois tornou a abrir o parlamento para lhe approvar as leis que fez. E não foi só para se resolver um ou outro caso urgente, foi até para um negocio que se havia de executar d'ahi a dez annos! Ora quando o parlamento se ía abrir dentro de quarenta dias, e a lei dos pesos e medidas pelo systema metrico havia de vigorar só em dez annos, e alem d'isso esta medida era por todos approvada, nada justifica aquella usurpação do poder legislativo — nem a necessidade, nem a urgencia, nem a opportunidade.

Ainda não esqueceu esse decreto de 3 de dezembro de 1853, assignado por s. ex.ª, com o qual rasgou não só as leis existentes; mas pagou metade da nossa divida com uma pennada, isto é, com a meia bancarota.

Erro economico, alem de injustiça, que bem caro nos tem custado, e basta ver o preço das nossas inscripções e compara-lo com a pontualidade dos pagamentos do juro desde 1851, para ver que muitas vezes temos pago e teremos de pagar aquella vantagem momentanea de reduzir a metade, por arbitrio do devedor contra o credor, a nossa divida fundada.

E isto não podia ser de outro modo. Os principios são geraes e eternos. Quando o devedor falta á fé dos contratos e faz bancarota quem o paga é elle proprio, quando depois tem de recorrer ao credito (apoiados).

Ora, sr. presidente, quando nós vimos aqui os governos posteriores, de que fez parte o illustre deputado, virem aqui á camara pedir umas vezes e aceitar outras o bill de indemnidade por terem violado a lei, como, por exemplo, em 1860, por haver applicado ás despezas ordinarias os fundos votados para caminhos de ferro, maravilha realmente ver agora nascer este zêlo pelo cumprimento de formulas prejudiciaes e condemnadas por todos.

Eu, sr. presidente, entendo que as leis se devem cumprir e não vejo prova de falta de cumprimento neste caso. Por ora não o vi provado, mas pelo contrario se desfizeram os pontos que aqui foram apontados como violações da lei. Porém o facto é que em geral as leis, quando são manifesta mente contrarias aos costumes, á justiça, á opinião geral e ao bem publico, cáem em letra morta, e a sua falta de cumprimento, emquanto se não revogam, não têem a importancia da violação das outras leis.

Existe uma lei que fixou em 5 por cento a taxa do juro nos contratos civis, e todos sabem que é quasi impossivel fazer taes operações por este preço; todos reconhecem o erro economico e a injustiça; a lei vigora, e comtudo ninguem receia dizer que faz negocios por preço mais elevado; e como ha de o parlamento fiscalisar o cumprimento d'esta lei, se elle proprio auctorisa o governo todos os annos a contratar por preço mais elevado.

Os artigos de guerra, se fossem cumpridos, haveria milhares de militares nos trabalhos publicos e na Africa; a pena de morte, que ha dezoito annos se não applica, apesar dos crimes horrorosos que se têem dado, não é uma prova de letra morta d'essa lei.

E não se diga que isso pertence ao poder moderador, e que os tribunaes a vão indicando em suas sentenças, porque o moderador póde moderar as penas conforme as circumstancias, mas não póde prescrever uma pena para todos os caros possiveis e para sempre, visto que isso não está no espirito da carta, e se o faz, e honra grande lhe cabe por isso, é porque a rasão, a natureza, a civilisação e o espirito nacional têem condemnado essa pena que, se existe de direito, acabou de facto. E como se havia de cumprir se já abolimos o carrasco? A lei existe, mas nós tirámos ao poder competente o meio de a executar. E fizemos bem. Muitas leis, sr. presidente, não se executam, porque estão condemnadas pela opinião publica, e ninguem faz barulho por isso.

Agora n'este caso só é que tanta celeuma se levanta, ainda mesmo daquelles que tantas vezes têem usurpado o poder legislativo, sendo governo, e porquê? Por um fim politico.

Este decreto, logo á nascença, foi condemnado por todas as classes dentro e fóra do parlamento; choveram as propostas para suspensão e revogação; declara mesmo o sr. deputado que rejeitava o decreto, e que seria prejudicial não o suspender; reconhece pois que elle sendo executado traria graves inconvenientes, e apesar d'isso acha um sacrilégio não o cumprir completamente o governo.

Eu, sr. presidente, então, fundando me mesmo nas palavras e argumentos do illustre deputado, quando se provasse, que não provou (antes pelo contrario) que o governo tinha violado a lei, votaria um bill de indemnidade ao governo pelo acto meritorio que teria praticado, visto que tinha salvado o paiz dos graves prejuizos, que o sr. Fontes notou, que viriam da execução do decreto; mas como não se provaram taes violações não vejo necessidade de perdão, por isso voto o parecer da commissão, e a moção apresentada pelo sr. relator da mesma para se passar á ordem do dia.

Muito mais tinha que dizer, porém o meu melindroso estado de doença não me permitte poder continuar a usar da palavra, e por isso termino aqui.

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que todas as propostas mandadas para a mesa, com relação ao parecer que se discute, sejam remettidas á commissão de guerra, para as tomar em consideração quando se tratar da proposta sobre a organisação do exercito. = Arrobas.

Foi admittida.

O sr. Placido de Abreu (sobre a ordem): — Principiarei por ler á camara a minha moção de ordem. É a seguinte (leu).

Agora direi algumas palavras em relação ás observações apresentadas hontem n'esta casa pelo sr. Fontes Pereira de Mello, em resposta ás que eu antes tinha feito; e não desejando por modo algum que este debate se alongue alem d'aquillo que deva ser, nem querendo tambem tirar a palavra a muitos srs. deputados que querem usar d'ella, limitarei estas minhas observações a muito pouco. Direi sómente ao illustre deputado, que teve a bondade de se referir á minha pessoa, e de responder aquillo que eu disse, que s. ex.ª poz na minha bôca cousas que eu não disse.

Eu disse que o governo tinha obrigação de executar o decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863, mas que não tinha obrigação de o executar n'um praso prefixo e absoluto; podia executa-lo mais ou menos detidamente, porque, como o illustre deputado sabe, quer as leis dependam de regulamentos que o governo tenha de publicar, quer dependam de outras quaesquer circumstancias, não ha nenhuma disposição que obrigue o governo a executa-las immediatamente que são publicadas. Ha leis que dependem de regulamentos, de que ellas mesmo fazem menção, e que não são executadas senão depois de publicados esses regulamentos; e ha leis, como o actual decreto de que trata o parecer da commissão, que, apesar de conter a disposição de que deve começar a ter execução no dia 10 de janeiro, essa prescripção é puramente regulamentar; e o governo, assim como determinou que o decreto começasse a vigorar no dia 10, podia determinar outro qualquer dia, dando-se circumstancias que motivassem essa necessidade.

Por consequencia o illustre deputado censurando-me por não ter lido nem a lei hypothecaria, nem o decreto com força de lei de 21 de dezembro, foi injusto comigo sem eu lh'o merecer, porque eu havia dito muito claramente que o governo tinha obrigação legal de cumprir as leis, logo que eram publicadas; mas nas circumstancias especiaes em que estava o decreto de 21 de dezembro, parecia que não era prudente, depois da camara avocar a si o exame do decreto, dar-lhe immediata execução, quando podia acontecer que a camara, em virtude d'esse exame, resolvesse fazer modificações importantes no mesmo decreto. Foi n'este sentido que apresentei as minhas observações, e não creio que n'isto ferisse em cousa alguma os principios liberaes, assim como tenho a convicção de que o nobre ministro da guerra, procedendo como procedeu, não atacou a liberdade, nem creio que ella perigue de modo algum estando á testa do governo homens, cuja vida, como todos sabem, tem sido constantemente applicada á defeza da mesma liberdade (apoiados). Não tenho medo que perigue a liberdade quando no governo estão homens, cujos precedentes são os do actual ministerio (apoiados).

Limito por ora as minhas observações ao que acabo de dizer, e se for preciso usar outra vez da palavra, como tenho a vantagem de ser relator da commissão usarei d'ella opportunamente, a fim de defender o parecer, que me parece não foi combatido por nenhum dos illustres deputados que têem tomado a palavra n'este assumpto; porque todos, desde o sr. Camara Leme até ao sr. Fontes Pereira de Mello, não fizeram senão declarar que não approvam o decreto de 21 de dezembro. O sr. Camara Leme queria a suspensão d'elle; o sr. Fontes declarou que o não approvava, e o mesmo fez o sr. Coelho de Carvalho, em relação a muitas das suas disposições. Por consequencia parece-me que o parecer da commissão está amplamente justificado até pelos illustres deputados que têem tomado a palavra n'este assumpto; quer dizer, os illustres deputados querem a suspensão do decreto ou rejeitam n'o, e a commissão propõe a revogação d'elle. A questão fica reduzida a questão de palavras.

Por ora limito a isto as minhas observações, e envio a minha proposta para a mesa.

É a seguinte:

PROPOSTA

A camara, reconhecendo que a circular do ministerio da guerra, de 18 de janeiro ultimo, não teve nem podia ter em vista invalidar actos legislativos, mas apenas graduar, conforme o exigiam as conveniencias publicas, a execução do decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863, e satisfeita com as explicações dadas pelo governo, passa á ordem do dia. = Placido de Abreu.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Poucas palavras direi sobre a questão, porque me parece que ella é de sua natureza simples, e que não exige uma larga discussão, e alem d'isso porque o meu estado de saude, não o digo por figura de rhetorica, não me permitte entrar largamente em qualquer discussão, e hoje foi com difficuldade que vim á camara.

Servindo-me pois dos apontamentos que hontem tomei quando fallava o sr. Fontes Pereira de Mello, responderei por parte do governo a alguns argumentos que foram produzidos por s. ex.ª, e ás arguições, a meu ver injustas, que elle dirigiu ao governo n'esta occasião.

Sr. presidente, uma cousa que se não póde deixar de notar, logo á primeira vista, é que o illustre deputado tratou antes de fazer um discurso politico (apoiados), do que da questão que ora occupa a attenção da camara. S. ex.ª, a respeito do exercito, pouco ou nada disse (apoiados), não mostrou interesse pela melhor organisação do exercito, nem tratou de elucidar a questão n'este ponto importante. Articulou uma serie de accusações dirigidas todas contra o governo, no intuito politico de provocar um voto de censura. Aqui está qual foi o discurso do illustre deputado e a feição puramente politica que deu a esta questão.

Falhando s. ex.ª pelo modo por que o fez vê-se logo que o seu discurso não póde deixar de se taxar de um pouco apaixonado, e partindo de um espirito aggressivo que tenta derribar o governo a proposito de qualquer assumpto (apoiados).

A questão é extremamente simples, não se precisava de uma aggressão d'esta ordem, e o que ella prova é a falta de recursos que ha para se aggredir o governo. Quando se lança mão de questões d'estas para intimar o governo a que largue estas cadeiras; quando se emprega a violencia da phrase e a paixão que anima o illustre deputado, desde logo se deixa ver que não ha argumentos concludentes e fortes, para se sustentar no campo da doutrina e na analyse dos factos aquillo que se pretende (apoiados). Recorre-se a meios exagerados, empregam-se allusões, torcem-se e invertem-se os factos para vir aggredir o governo, porque a analyse fria, desapaixonada e imparcial da questão não fornecia ao illustre deputado argumentos seguros.

A questão de que se trata, como disse, é a mais simples possivel. Concordam todos em que a reforma apresentada pelo nobre marquez de Sá não deve desde já executar-se, que tem muitas disposições que não são convenientes e que carecem de ser alteradas. Esta é a idéa em que todos concordam. (Apoiados.) Se todos estão concordes n'isto para que é necessario ir procurar argumentos para dirigir insinuações ao governo? Pois não são os proprios deputados da opposição que sustentam que a reforma deve ser alterada, não obstante ter disposições que podem ser aceitas e que merecem elogio?

A questão é de methodo: Na idéa fundamental todos concordam. Póde-se discordar da opinião do nobre marquez de Sá, sem se lhe fazer a menor injuria (apoiados). S. ex.ª fez um trabalho que tem merecimento.

Uma voz: — Muito.

O Orador: — Muito merecimento (apoiados). Muitas disposições são aceitaveis e dignas de se approvarem, e tem outras que podem ser vantajosamente substituidas. Em que ha aqui injuria? Se a houvesse, então a injuria tinha sido primeiro feita pelos membros da opposição (apoiados), que entenderam que a reforma se não podia approvar de modo nenhum; e julgaram então muito conveniente aggredir o nobre marquez de Sá, collocando-o em circumstancias de ter de saír do ministerio. É que um homem quando está no ministerio não merece, já não digo elogios e encomios da opposição, mas nem merece a sua contemplação. Tudo o que elle faz é mau, trata-se de desvirtuar todos os seus actos para elle saír do ministerio; mas desde que larga o poder já é optimo, todos os seus actos foram muito bons e canonisa-se por aquillo mesmo por que se tinha aggredido (apoiados).

Esta tactica é demasiada transparente para fazer impressão. Não discordâmos no respeito e veneração que todos nós tributâmos ao sr. marquez de Sá, não se trata d'isto, trata-se de julgar imparcialmente uma questão. E menos bem cabida é esta consideração especial para o nobre general; consideração que ninguem lhe nega e que todos nós professámos, menos bem cabida é, digo, da parte daquelles que dizem que se não deve ter a menor contemplação com o sr. ministro da guerra actual e illustre marechal de campo, o sr. José Gerardo Ferreira Passos. Pois se julgam a proposito invocar o nome respeitavel do sr. marquez de Sá para se ter em consideração essa circumstancia em qualquer deliberação que a camara haja de tomar a respeito deste negocio; se esta invocação foi feita ainda hontem pelo sr. Fontes, como é que esse mesmo orador póde censurar que se tenha a menor consideração para com o sr. general Passos? (Apoiados.) Pois o sr. general Passos não é tambem digno de consideração; elle que tem dedicado toda a sua vida á defesa da liberdade (apoiados).

O que é necessario é separar estas questões. Nós tratámos de julgar as cousas imparcialmente e debaixo do ponto de vista da conveniencia publica, sem de modo algum ferirmos em nossos juizos a consideração que é devida á qualquer (apoiados). Todos concordam na idéa, como eu disse, de que não convem executar esta reforma. Mas qual é o methodo a seguir? A questão é de methodo, é se convem mais suspende-la, ou se convem mais revoga-la; esta é a questão (apoiados).

Dizem os illustres deputados: «é melhor suspende-la e deixar em execução a parte que já esta executada»; e digo eu e dizem outros que são da minha opinião, que partilham a opinião do governo — isso não é tão conveniente, é melhor revoga-la, para depois se tratar de fazer a reforma que mais convier. E n'isto ha uma vantagem, porque o que resulta da suspensão? Resulta que fica em execução uma parte da reforma feita pelo decreto de 21 de dezem-

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bro do anno findo, e fica n'outra parte em rigor a legislação anterior; quer dizer que fica da reforma nova uma parte das disposições, que só podia ser levada á execução de um modo conveniente ligando-se com todas as outras disposições d'essa mesma reforma, mas que levada á execução isoladamente, e indo para assim dizer engastar-se na legislação actual, não está de accordo com essa legislação, e produz uma certa anarchia e desordem no exercito que é conveniente acabar (apoiados). Portanto é mais vantajoso revogar a reforma (apoiados).

O mesmo nobre deputado, o sr. D. Luiz da Camara Leme, que fallou muito proficientemente n'esta questão, disse e disse com muita rasão «Toda a reforma deve ter um pensamento assente sobre um plano, todas as suas disposições se ligam e se harmonisam». Como pois se póde ir executar uma parte de uma reforma e outra parte de outra legislação que não está em harmonia com ella? Não é possivel (apoiados).

Suspender a reforma, deixando em execução uma parte que já está executada, tinha graves inconvenientes, lançava a desordem no exercito e não produzia a melhor organisação. Logo o que é conveniente? Desembaraçar o terreno para edificar. Todos concordam em que é preciso edificar de novo, por isso que a reforma não satisfaz completamente a todas as indicações; n'esta opinião estão todos os lados da camara. Pois então revoguemos essa legislação, e edifiquemos de novo (apoiados).

Diz se (e aqui é que está o sophisma) — revogação equivale a condemnação ou rejeição de toda a reforma do sr. marquez de Sá. Não equivale tal (apoiados). Aqui a revogação quer dizer — não julgâmos agora conveniente suspender esta reforma e applicar uma parte d'ella; julgâmos que é mais conveniente revoga-la toda, para depois aproveitarmos as idéas que ha a aproveitar, e melhora las depois de termos, como disse, nivelado o terreno para edificar. Isto não significa pois rejeição de todas as idéas apresentadas pelo nobre marquez de Sá, isto significa o melhor methodo para agora nos desembaraçarmos das difficuldades presentes, e podermos aproveitar d'essa reforma tudo o que ella tem de aproveitavel (apoiados). A revogação d'esta lei é, repito, uma questão de methodo para chegarmos á melhor reforma, e não é uma questão de rejeição in limine. N'isto é que ha sophysma; nós não dizemos que rejeitámos todas as idéas da reforma promulgada pelo sr. marquez de Sá, não dizemos isso, dizemos que ha ali muitas idéas aproveitaveis (apoiados); dizemos que essas hão de ser aproveitadas, porque tratâmos de votar o methodo mais conveniente para depois se reorganisar o exercito, visto que o governo não abandona de modo nenhum a idéa da reforma (apoiados).

Não se diga que ha contradicção no modo de proceder do governo actualmente com o que fez em epocha anterior. O governo em epocha anterior pediu outra auctorisação. Diz se — é porque julgou necessaria e urgente a reforma, e agora propõe a revogação da lei da reforma. Pois ha aqui contradicção? Em quê? Pois se o governo julga util ou urgente uma reforma segue-se que julga util e urgente qualquer reforma, que julga util e urgente a reforma que fez o nobre marquez de Sá? Não. (Apoiados.)

A urgencia não implica a necessidade de admittir toda e qualquer reforma, porque a urgencia é sempre subordinada ao pensamento de admittir o que for mais util, mais vantajoso e mais racional. Logo não ha contradicção alguma entre ter pedido a auctorisação e propor agora a revogação; porque a revogação, como acabo de dizer, não significa senão uma questão de methodo para chegarmos a fazer a reforma do modo mais facil e o mais depressa que for possivel (apoiados). Já o meu collega, o sr. ministro da guerra, ainda agora a uma pergunta feita por um sr. deputado declarou que o seu pensamento, que o pensamento do governo era ainda nesta sessão apresentar as suas idéas sobre a organisação militar, de modo que possam ir á commissão com as propostas que já apresentou o sr. Camara Leme, e não sei se mais algumas, a fim de elaborar a reforma que for mais conveniente. Portanto as idéas do governo não são protrahir indefinidamente esta questão, mas apresentar o mais breve possivel, ainda mesmo n'esta sessão, as suas idéas, para resolver a questão do modo mais util, aproveitando-se muitas das idéas que estão na reforma do sr. marquez de Sá da Bandeira, e nas propostas do sr. Camara Leme.

Disse-se = que ha um principio de solidariedade, pelo qual os ministros deviam ter todos saído quando saíu o sr. marquez de Sá da Bandeira, por isso que s. ex.ª, que não é capaz de mentir, e effectivamente não é capaz, tinha dito que as bases tinham sido presentes ao conselho de ministros =. Aqui ha um equivoco, que já foi explicado na outra camara, e sinto que depois d'esta explicação ainda se volte a apresentar esta questão do modo menos exacto (apoiados). As bases que foram presentes ao conselho de ministros foram aquellas da primitiva auctorisação; bases que já foram votadas e sanccionadas pelo corpo legislativo (apoiados). É a isto que se referia o nobre marquez de Sá da Bandeira (apoiados), e não ás bases da nova organisação. São duas cousas essencialmente distinctas. Quer dizer, as idéas que o nobre marquez de Sá da Bandeira desenvolveu na sua nova organisação, não foram presentes ao conselho de ministros; as que foram presentes, foram as bases sobre as quaes os dois corpos legislativos votaram a auctorisação para a reforma. Em todo o caso o governo não renega de modo algum, mas antes aceita e sustenta a idéa de fazer uma reforma, e julga que o modo mais conveniente é este — é revogar um lei que todos assentam que não satisfaz ao fim para que é destinada, para depois se fazer a reforma do modo mais conveniente.

Disse-se, e foi o nobre deputado que hontem fez com isto uma tremenda accusação ao governo: «Aqui a questão principal é suspender uma lei na presença do corpo legislativo; e o poder executivo arrogar a si um direito que só pertence ao parlamento». (Apoiados da esquerda.) É esta a grande accusação que se dirige ao governo. Oh! Sr. presidente, pois porventura o governo usurpou algum direito que pertença ao corpo legislativo? O que fez o governo? O governo suspendeu do modo absoluto a execução da lei? Não, senhor; o governo não suspendeu do modo absoluto a execução da lei, como se pretende. O governo graduou a execução da lei do modo mais vantajoso ao estado, tendo em vista as conveniencias publicas. Pois uma lei votou-se... (Interrupção.) O governo é obrigado a executa-la de certo. Mas ha leia que se podem executar logo, e ha leis que, segundo a sua natureza, se podem executar em mais ou menos tempo, porque dependem de medidas privativas para se poderem levar á execução; e tanto isto é assim, que o mesmo decreto com força de lei de 1849 ainda hoje não tem sido executado em muitas das suas disposições (apoiados). Já depois d'esta epocha foi o Sr. Fontes ministro, foram-n'o outros muitos cavalheiros, deixaram todos de executar as disposições d'esse decreto (apoiados), com força de lei, porque foi feito em virtude de uma auctorisação das camaras, e ninguem os accusou por terem suspendido em parte a execução da lei, entendendo-se que ella estava dependente de circumstancias que ainda se não tinham dado.

Como é que se quer entender de outro modo este decreto para a organisação militar? Póde porventura suppor-se que um decreto d'esta ordem póde ser executado de um jacto, immediatamente, e que não se executando immediatamente em todas as suas partes equivale a revoga-lo? E depois neste decreto não se póde desconhecer que ha partes regulamentares que não têem o caracter legislativo, e que da acção do executivo depende regular a sua execução, segundo as conveniencias do serviço.

O mesmo acontece em outras leis. Aqui está a organisação de 20 de dezembro de 1849. Trata no capitulo 20.° da reunião dos corpos e campos de instrucção, e nunca se lhe deu cumprimento. O capitulo 21.° trata da reserva, e tambem se não cumpriram as disposições ali consignadas; pelo que respeita ao estabelecido no capitulo 16.°, artigo 1.°, em que se reduzem as divisões militares a tres, divididas em oito subdivisões, nunca se executou, e nunca ninguem aqui veiu accusar o governo de que tinha suspendido a execução da lei. E porque se deram circumstancias pelas quaes não foi possivel levar á execução estas diversas disposições do decreto com força de lei de 20 de dezembro de 1849.

Pois se n'um decurso de annos tão grande, desde 1849 até hoje, não tem sido possivel executar muitas das disposições d'aquelle decreto com força de lei, e se por isso se não tem feito accusação ao governo de o ter infringido nem de ter usurpado as attribuições do poder legislativo, como é que se quer agora fazer, nas circumstancias em que estamos, com relação ao decreto de 21 de dezembro, publicado ha dois dias? (Apoiados.)

Uma accusação d'esta ordem o que prova é animosidade (apoiados); o que prova é espirito politico e espirito de aggressão (apoiados); não prova imparcialidade.

São os mesmos homens que, sendo ministros, deixaram de executar um decreto com força de lei respectivo ao mesmo assumpto de organisação militar, que deixaram passar annos e annos sem dar execução a alguma das disposições do decreto, e que não entenderam por isso que deviam vir pedir um bill de indemnidade ás côrtes; os que vem agora accusar o governo no dia seguinte por não executar um decreto, que depende de muitas medidas e de circumstancias a que é indispensavel attender para o levar á sua plena e completa execução! (Apoiados.) Torno a repetir, isto prova muita parcialidade, muita paixão e muita injustiça no juizo dos homens e das cousas (apoiados); e não é por um juizo tão apaixonado, que uma camara recta e imparcial se deve decidir (apoiados).

De maneira que o governo é já um dictador terrivel, animado de um espirito violador da constituição, é já uma ameaça viva e permanente á liberdade do paiz, e é um invasor dos direitos do parlamento, porque n'estas circumstancias, quando um decreto está sujeito ao exame da camara, propõe a sua revogação!

O que será então o governo que, na ausencia das côrtes, sem nenhuma necessidade imperiosa, lança mão da dictadura? (Apoiados.) São os homens que procedem assim os que devem inspirar mais confiança de que hão de respeitar a constituição do estado, e nunca hão de attentar contra as liberdades patrias? (Apoiados.) Quando se apresentam argumentos d'esta ordem sujeitam-se os que os empregam a retaliações que eu desejava evitar; mas o governo sendo provocado ha de responder (apoiados).

Lastimo e deploro muito, que hontem o illustre deputado recorresse a esses argumentos e a essas invectivas, que não são verdadeiros argumentos, para arguir e aggredir o governo, em vez de mostrar mais imparcialidade, menos paixão, e um juizo mais frio como deve ter um homem que se apresenta á testa de um partido, e que pretende fundar um governo (apoiados).

Aquelles que trouxeram aqui uma grande quantidade de leis, a que até se chamou canastra de leis (riso), feitas na ausencia do parlamento, não têem auctoridade moral para virem fazer accusações de que este governo attenta contra a liberdade e usurpa as attribuições do parlamento (apoiados). Quantos bills de indemnidade não aceitou o illustre deputado, sem os pedir, que lhe foram aqui offerecidos (apoiados), e alguns até offerecidos pelo sr. Antonio José d'Avila? Quando se tem procedido assim conserva-se a liberdade completa de julgar dos actos do governo e de emittir livremente a sua opinião; mas deve-se ser mais cauteloso para não provocar reconvenções (apoiados).

Não vale a pena realmente de seguir o discurso do illustre deputado e as suas declamações completamente destituidas de fundamento, sem significação nem alcance algum; não vale a pena; são desabafos politicos (apoiados); são impaciencias que só prejudicam a s. ex.ª e mais ninguem.

Que significa esta apostrophe tremenda — o governo não faz nada; o governo trepida; o governo recua diante do decreto e diante de todas as medidas; não ousa cousa alguma? Que significa esta apostrophe feita pelo illustre deputado que, sendo ministro, trepidou diante da questão do tabaco, que nós agora apresentámos? (Apoiados.) Trepidou diante da questão das milicias (apoiados); trepidou diante da questão dos morgados (apoiados); emfim, trepidou e recuou por fórma tal que caiu de medo (hilaridade e susurro), tendo n'esta casa uma grande maioria (apoiados). Estes são os factos que se passaram e que ninguem ignora (apoiados). Toda a gente se recorda das accusações que por este acto de debilidade foram n'esta casa dirigidas ao governo de que s. ex.ª fazia parte, por aquelle grande orador que nós todos chorámos, o sr. José Estevão (apoiados); todos se recordam das expressões que foram dirigidas ao governo por aquelle nobre caracter e independente deputado, o sr. D. Rodrigo de Menezes, e pelo sr. deputado Fernando Mousinho de Albuquerque (apoiados); todos se recordam d'essas accusações dirigidas ao governo por haver caído por medo, imaginando uma revolução que caminhava para elle e o ía esmagar (apoiados).

Eu agora não trato de discutir se o governo fez bem ou mal em se retirar; o que digo é que quem recuou em medidas importantes como estas que acabo de citar; quem caiu com receio, tendo uma maioria no parlamento, embora n'essa quéda fosse animado pela convicção de que era conveniente ao paiz que se retirasse; quem procedeu assim não está moralmente habilitado para vir accusar o governo de que treme e recua diante da reforma (apoiados). O governo não treme nem recua diante da reforma, nem do cumprimento do seu dever.

E em referencia á reforma da legislação sobre os vinhos do Douro, o governo não renega o principio que proclamou; mas entende que as reformas não devem ser feitas á bayoneta (apoiados), e que se devem fazer depois que calam na convicção, empregando todos os meios, para poder acompanhar as medidas que se propõem, de outras que tendam a destruir as apprehensões que existam.

O governo não abandona a medida, mas entende que não deve applicar para se estabelecer a liberdade do Douro os meios violentos que um governo, que era regido por outros principios, applicou para estabelecer o regimen restrictivo (apoiados); o governo não ha de applicar os meios que applicou um grande ministro, mas tambem um homem que não recuava diante dos abusos da auctoridade (apoiados). O governo não póde nem quer proceder por tal fórma (apoiados).

Recuar diante de uma questão, quando prepara a sua resolução! Pois o que aconteceu em Inglaterra com a reforma da lei dos cereaes? Que fez sir Robert Peel, e os homens mais eminentes de Inglaterra, que nos servem de lição, e que como taes as trouxe? Esperou que a reforma ganhasse na opinião publica (apoiados); esperou emquanto Cobden, Wilson, Fox e outros propagavam estas idéas por meio de pamphletos, por meio da palavra e da imprensa. Esperou que a opinião publica fosse completamente favoravel a esta grande reforma, para depois apresentar o seu projecto de lei, consagrando esta idéa que já estava abraçada pela opinião. Não tratou de ir violentamente, mesmo contra os prejuizos ou preconceitos que estivessem arreigados; tratou em primeiro logar de esclarecer a opinião publica, e depois de esclarecida apresentou a reforma (apoiados).

Este é o modo como se procede nos governos constitucionaes. Não é impondo reformas a um districto á bayoneta (apoiados), nem respondendo ás apprehensões ou preconceitos, que possam existir, com a força; ha de responder-se-lhes com a rasão, com os argumentos derivados da verdade dos factos, e apresentando ao lado do regimen da liberdade, que se deseja estabelecer, instituições que garantam aos individuos e lhes dêem segurança de que não se hão de achar completamente abandonados (apoiados), instituições de credito especialmente e meios de communicação.

Sr. presidente, tambem se tem dito que o projecto que está sujeito á discussão ía ter effeito retroactivo, e que era este um dos principaes motivos por que devia ser rejeitado. Uma lei que revoga outra tem effeito retroactivo! A lei que revoga outra, não começa a vigorar senão desde a epocha em que começam a vigorar as leis depois de approvadas pelo poder legislativo, sanccionadas e promulgadas. E se começam a vigorar d'essa data em diante, não se ha de executar a lei em todas as suas disposições? Pois isto é ter retroactividade? Se é ter retroactividade, então todas as leis que revogam outras têem effeito retroactivo; mas nunca ninguem o entendeu assim.

Tudo o que existe feito em virtude do decreto de 21 de dezembro de 1863, até ser revogado esse decreto, deve ser respeitado e cumprido como lei; desde que o decreto for revogado, hão de se cumprir as disposições da lei nova que revogou a antiga.

Mas quer-se argumentar que, uma vez estabelecida uma certa organisação ao exercito, e dados certos soldos a certos vencimentos, não póde haver lei que altere essa organisação? Não póde ser; isto não se póde dizer, porque envolvia até a idéa da immobilidade absoluta do exercito, e a impossibilidade de fazer qualquer reforma. Se não fosse possivel alterar os postos e reformar os soldos, era impossivel fazer qualquer reforma (apoiados).

Esta reforma supprimiu a classe de marechaes de campo que tinham as suas patentes garantidas, e creou só duas classes de officiaes generaes, não fallando nos marechaes do exercito, que são os majores generaes e tenentes generaes.

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Pergunto, vieram os marechaes de campo argumentar que não podiam ser suprimidos os seus postos? Não, nem podiam vir, porque não se demittiu ninguem; mudou se a organisação e cada um passou a ter a designação que a nova organisação lhe dava.

É o que se ha de fazer com qualquer lei que altere a organisação actual. Ha de collocar-se o individuo na condição que lhe for correspondente.

A garantia das patentes refere-se á demissão dada pelo executivo, porque este não póde demittir official algum sem sentença que o condemne. É uma garantia que a lei dá ao official; mas esta garantia que o põe ao abrigo de qualquer arbitrio do executivo, não importa a negação do direito que ao legislativo assiste de fazer uma lei alterando outra lei (apoiados).

São duas cousas inteiramente distinctas, e pelas quaes se não atacam de nenhum modo as immunidades do exercito.

E certamente o exercito não poderia nem quereria entender a lei assim. Seria negar todo o progresso, se, nomeado uma vez um official para certo posto, e com certo ordenado, nunca mais se podesse mexer n'esse posto, nem n'esse ordenado. Nem isso podia ser; nem é isso o que se tem praticado.

É um principio de direito que as cousas se desfazem pelo modo por que se fazem. Uma lei faz uma outra organisação; outra lei póde desfazer essa organisação (apoiados).

Ora a idéa do governo não é deixar de attender ás conveniencias bem entendidas do exercito, deixar de considerar todas as disposições do decreto do sr. marquez de Sá, que são aceitaveis e dignas de consideração, deixar de ter em contemplação as situações creadas n'esse mesmo decreto; é pelo contrario attender de um modo racional e conveniente nos interesses do exercito e ás conveniencias publicas, dentro dos limites das leis.

Não é admissivel o principio de que, adoptando-se uma lei, que cria uma certa ordem de cousas, não possa ella ser alterada por outra lei.

E é tanto mais necessario que assim se faça, quanto alguma confusão ha que resulta deste estado de cousas.

Como se admiram os nobres deputados de que, por exemplo, a respeito de vencimentos, o sr. ministro da guerra mande fazer todos os abonos, em conformidade com o que determina o decreto de 21 de dezembro de 1863, e as suas ordens se não executem com toda a regularidade, de que haja enganos, erros, n'este primeiro momento, depois da camara ter avocado a si o exame d'esta questão, e depois de tudo o que tem havido a este respeito? Como se admiram de que os officiaes subalternos, a quem está commettido o serviço de notar os recibos, se enganem e commettam erros? E como podem deduzir d'aqui um argumento contra o sr. ministro?

O que isto prova é que no primeiro momento ha confusão como é natural, ha difficuldade em executar certas disposições da lei antiga cumulativamente com certas disposições da lei moderna; e que o que convem é revogar a lei moderna sem de modo algum abandonar o principio da reforma, e tratando de fazer a reforma da maneira mais plausivel.

Isto é o que é racional, logico e conveniente para o serviço, e não importa contradicção alguma, porque nós proclamámos a adopção do principio da reforma, sem infracção alguma dos principios que o governo já adoptou, muitos dos quaes foram consignados na proposta do sr. marquez de Sá, e importam uma medida util, necessaria e indispensavel nas circumstancias actuaes, para nos desembaraçarmos das difficuldades que existem e podermos tentar a reforma do modo mais proficuo.

Fizeram-se varias accusações, e uma d'ellas assentou em que o sr. ministro da guerra foi uma vez chamado major general, e outra marechal de campo. O empregado de uma repartição entendeu que devia chamar-lhe marechal de campo, e assim o fez, e o ministro que levou o decreto á assignatura real naturalmente não reparou.

Mas de que provém isto? Provém exactamente de estar em execução parte de um decreto moderno e parte de uma lei antiga. E d'esta confusão não se póde attribuir a responsabilidade ao sr. ministro.

Portanto o sr. ministro não suspendeu a execução do decreto, regulou-a em vista das circumstancias especiaes que se davam, de modo que o estado não fosse prejudicado (apoiados). Não suspendeu a execução da lei, porque a mandou executar em todas aquellas partes em que se podia perfeitamente executar sem inconveniencia publica.

E então não ha motivo, sobretudo, para se dizer que houve a menor intenção de violar a lei. Não se deve fazer essa injustiça ao governo, e especialmente a este honrado, virtuoso e digno caracter (muitos e prolongados applausos), que nunca podia ter a menor intenção de violar a lei, e de desconsiderar as prerogativas parlamentares (muitos apoiados.)

Se pois n'esta parte o decreto não foi perfeitamente executado é porque se não marcava o praso dentro do qual o devia ser. E ha uma parte em que a dependencia de certas medidas e circumstancias, que ao poder executivo competia regular, sem que tivesse o animo de não executar a lei dentro do praso em que o devia fazer, que o acoberta de toda a responsabilidade que lhe poderia competir de não a executar. Tanto é assim que muitas das disposições do decreto de 1849 não estão hoje ainda em vigor.

Mesmo a respeito dos majores generaes é conveniente que se revogue a lei, porque todos sabem que ha duvidas. Os majores generaes foram creados com data de 7 de janeiro, e o decreto de 21 de dezembro de 1863, por um dos seus artigos, só começava a vigorar de 10 de janeiro em diante, e por isso ha quem duvide se podem ser legalmente reconhecidos como majores generaes tendo sido despachados anteriormente á existencia legal dos majores generaes. — N'este estado de duvidas as conveniencias aconselham que se revogue o decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863.

Depois a lei da reforma virá acabar com todas as duvidas, sem deixar de attender a todas as conveniencias do exercito, e a todas as propostas que se apresentaram para melhorar a organisação do exercito, muitas das quaes de certo merecem consideração. N'este caso está, por exemplo, a do sr. Camara Leme, a quem eu faço a devida justiça pelos seus conhecimentos especiaes (muitos apoiados), devidos ao muito que se tem dedicado a este assumpto, e pelo modo imparcial com que procurou tratar a questão.

Effectivamente s. ex.ª não foi violento, procurou elucidar a questão e trata-la debaixo do seu verdadeiro ponto de vista (apoiados). Ha muitas idéas do sr. D. Luiz da Camara Leme, que são muito aproveitaveis (apoiados), e estou certo de que aproveitadas hão de ser (apoiados); pois quando as idéas são apresentadas com imparcialidade, não ha da parte do governo nenhum proposito de rejeitar as que forem convenientes ao bem do estado (apoiados). O que o governo não póde aceitar é a critica infundada, as arguições injustas e recriminações que não podem partir senão do azedume das paixões politicas (apoiados). Mas deixo já esta questão, que me parece ter reduzido aos termos mais simples.

Como disse no principio do meu discurso, entendo que isto é uma questão puramente de methodo — é se será melhor suspender a execução do decreto de 21 de dezembro, deixando vigorar a parte que d'elle se executa, ou continuar em execução a lei antiga, tratando immediatamente da reforma do modo mais conveniente. Aqui está a questão (apoiados).

É fóra de duvida que a revogação do decreto de 21 de dezembro faz entrar tudo no seu estado normal e regular, e facilita muito qualquer reforma que se queira fazer (apoiados).

Portanto é este o methodo que temos a adoptar e que me parece mais conveniente (apoiados).

Espero pois que, attendendo a camara a taes considerações, votará esta questão de methodo, que não é outra cousa, e dará de mão a todas essas questões politicas, que de proposito foram levantadas para pôr em sobresalto o espirito publico (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

(O sr. ministro não reviu este discurso.)

O sr. Torres e Almeida (sobre a ordem): — A commissão de inquerito, ultimamente nomeada, installou-se, e elegeu para seu presidente o sr. Oliveira Baptista, para relator o sr. Luciano de Castro e a mim para secretario.

A camara ficou inteirada.

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal) (sobre a ordem): — Mando para a mesa duas propostas: uma, supprimindo o logar de comprador junto ao conselho da administração da marinha; e a outra, ampliando o numero dos alumnos aspirantes a cirurgiões para a armada.

Ficaram para segunda leitura.

O sr. Levy: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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