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a rasão que o levou a attenuar a significação das palavras que deram causa ao meu protesto, pretendendo convencer-nos de que ellas exprimiam uma opinião vaga e indeterminada do digno par a respeito da questão eleitoral; a verdade porém, sr. presidente, é que o cavalheiro de quem se trata, emittiu uma opinião determinada a respeito da camara actual, e eu sem entrar na questão da interferencia dos governos e seus delegados nas lutas eleitoraes, questão para tratar a qual é competentissimo o illustre deputado, que, com honra sua o merecida distincção, tem sido chefe superior de alguns districtos do reino, limitei-me a protestar contra o que julguei offensivo do decoro e da dignidade da camara popular. A affirmativa de que em 1868, e n'um paiz civilisado como o nosso, uma eleição, que no geral reputo liberrimamente feita, não exprime a opinião do povo, mas só a vontade dos ministros, é bastante grave pela deducção fatal a que se presta, para que deva passar sem reparo por parte dos que amam o systema representativo (apoiados). Foi contra tal asserção que protestei solemnemente, porque se ella passasse sem contestação armaríamos os adversarios de tal systema com uma prova em manifesto desabono d'elle (apoiados).
Mais duas palavras e vou terminar. Não quero tomar tempo á camara, que o requer para assumptos mais importantes. Disse o illustre deputado que, em eleições, o melhor systema e o mais liberal, era apresentar-se o candidato aos seus eleitores, apresentar-lhes um programma, discuti-lo largamente com elles, ouvi-los, illustrados, ou deixar-se illustrar por elles.
Se me é licito entreter por um minuto a camara com a rapida exposição _das peripecias liberaes que precederam a minha, eleição direi que ao determinar-me propor a minha candidatura *pela terra da minha naturalidade, e antes mesmo de communicar ao governo tal intenção, fiz o meu programma, e apresentei-me aos meus eleitores em reuniões repetidas. Escutaram-me e escutei-os. Reconheci depois os salutares effeitos de tal systema; a minha eleição, sob diversos pontos de vista, obteve tão lisonjeiro resultado que, francamente o confesso aqui, foi muito alem da minha primitiva e natural espectativa, e da dos meus dedicados amigos. (O sr. Abranches: — Apoiado.) Não tenho mais que dizer.
O sr. Presidente: — Estando adiantada a hora, passa-se á primeira parte da ordem do dia, que é a interpellação do sr. Dantas Guerreiro ao sr. ministro da guerra.
Os srs: deputados que tiverem algumas propostas a mandar para a mesa, podem faze-lo. Tem a palavra o sr. Dantas Guerreiro.
O sr. Fernando de Mello: — Peço a palavra para um requerimento urgente.
O sr. Presidente — Já dei a palavra ao sr. Dantas Guerreiro para verificar a sua interpellação.
O sr. Fernando de Mello: — Mas o meu requerimento é para um negocio urgente.
O sr. Presidente: — Não lhe posso conceder a palavra sem vir á mesa declarar-me o objecto do seu requerimento; assim o determina o regimento.
ORDEM DO DIA
INTERPELLAÇÃO ANNUNCIADA PELO RR. DANTAS GUERREIRO AO SR. MINISTRO DA GUERRA, SOURE O DECRETO DE 12 DE MARÇO DO CORRENTE ANNO, REGULANDO OS EXAMES PARA AS PROMOÇÕES A POSTO DE MAJOR
O sr. Dantas Guerreiro: — Sr. presidente, aceitando o convite que v. ex.ª me fez para realisar a interpellação que tive a honra de annunciar ao nobre ministro da guerra na sessão de 4 de maio, eu não posso deixar de agradecer a s. ex.ª o ter-se dado por habilitado para responder a esta interpellação, porque eu considero de alguma importancia o assumpto sobre que ella versa.
Acho-me um pouco embaraçado para entrar n'esta questão, e o meu embaraço é tanto maior quanto é, para assim dizer, a primeira vez que levanto a minha voz n'esta casa, e no seio de uma assembléa tão respeitavel e tão illustrada.
E ha ainda uma outra circumstancia, qual é ter eu sido sempre admirador do sr. ministro da guerra, cujo caracter integro e probo merece o respeito e a estima de todos.
Mas acima do tudo esta o meu dever como militar. A minha posição n'esta casa impõe-me o dever de velar pelos interesses da classe a que pertenço, pelos interesses do exercito, principalmente n'esta crise que atravessamos, em que o exercito tem dado cabaes provas da sua prudencia e amor á disciplina, concorrendo poderosamente para a manutenção da ordem publica.
Se alguem houve que soubesse cumprir com os seus deveres n'esta occasião, foi sem duvida o exercito. Apello para o testemunho não só da camara, mas do paiz.
Disse que o dever me obrigava a entrar n'esta questão, porque tinha de velar pelos interesses do exercito; porém não é só isso, tenho tambem de velar pela dignidade de um estabelecimento importante do nosso paiz, a escola do exercito, que vejo um pouco compromettida pelo decreto de 12 de março, que o nobre ministro da guerra publicou e vem transcripto na ordem do exercito de 30 de abril.
Não pretendo, nem quero fazer opposição ao governo com esta questão. O governo pelo contrario terá o meu fraco apoio em todas as medidas que trouxer ao parlamento, e que eu entenda que são de proveito e beneficio para o paiz, que tendam a melhorar os diversos ramos de administração publica, e sobretudo que tendam a melhorar o nosso estado financeiro, porque julgo que são estes os desejos de toda a camara.
Esta questão é mais no interesse do proprio sr. ministro da guerra do que do exercito.
Dizendo isto,.digo uma verdade, porque é preciso que h. ex.ª, com as explicações que der á camara, faça desapparecer a má impressão que veiu produzir nas differentes armas do exercito com a publicação do decreto a que me refiro.
Quando. se effectua alguma reforma importante e radical em qualquer ramo do serviço publico, essa reforma é dictada ou pela má organisação do serviço em si, ou pela má execução por parte dos individuos encarregados de o levar a effeito, ou pela esperança de obter melhores resultados.
N'este supposto perguntarei ao nobre ministro da guerra se os majores das armas especiaes promovidos de 1837 para cá, muitos dos quaes são hoje tenentes coroneis, coroneis, e alguns até generaes, têem cumprido ou não cabalmente com os seus deveres durante todo este tempo nas diversas e muito variadas commissões de serviço que têem sido chamados a desempenhar. Se os majores de cavallaria e infanteria promovidos desde 10 de novembro de 1864, data do decreto que estabeleceu os tirocinios para major, têem cumprido com o serviço regimental rigorosamente, se têem concorrido ou não em summo grau para a manutenção da disciplina, e para o bom desempenho do serviço, e se s. ex.ª entende que pelo decreto do 12 de março, que estabelece exames elementarissimos, póde obter majores mais aptos para o serviço, mais disciplinadores, e que melhor saibam cumprir com os seus deveres.
E esta uma questão a que eu espero s. ex.ª responderá terminantemente, para desvanecer a má impressão de que o decreto de 12 de março foi publicado em consequencia da inhabilidade dos majores e mais officiaes superiores das armas especiaes para o serviço e diversas commissões que tenham sido chamados a desempenhar, e dos majores de cavallaria e infanteria promovidos desde as epochas a que me referi até hoje, ou se foi publicado pela falta do cumprimento dos seus deveres por parte dos individuos encarregados de dar e de levar á presença dos ministros da guerra, nas suas propostas, as convenientes informações sobre o bom ou mau desempenho do serviço. Faço inteira justiça ás intenções do nobre ministro da guerra, mas não posso deixar de confessar que s. ex.ª foi menos feliz com a publicação do decreto, porque este assenta sobre uma base falsa a consulta do supremo conselho de justiça militar de 24 de maio de 1837.
O sr. Sá Carneiro: — Peço a palavra; e peço-a, para sustentar o governo.
O Orador: — Não aggrido o governo, por isso não precisa ser sustentado; exponho simplesmente os factos. Disse falsa, no sentido em que é tomada no relatorio que precede o decreto a que me refiro; e parece-me alem d'isso ferirem pouco a lei de 2 de janeiro de 1790, que regula as promoções de engenheria, a lei de tantos de abril de 1835, denominada garantia dos postos, o decreto de 12 de janeiro de 1837 e o decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1864, que organisou a escóla do exercito; e ainda mais, parece-me que vae ferir, e ferir muito, um estabelecimento altamente importante no nosso paiz, a escola do exercito. (O sr. Camara Leme: — Apoiado, apoiado.) Importante não só pelos homens de sciencia que se acham á testa d’aquelle estabelecimento, mas importante ainda pelos individuos filhos d'aquelle estabelecimento, que têem desempenhado diversas e importantes funcções do serviço publico, tanto na classe militar, como no serviço de obras publicas; e muitos d'elles se têem sentado n'aquellas cadeiras (as dos srs. ministros). S. ex.ª, com a publicação do decreto de 12 de março, parece fazer uma grave censura á escola do exercito, porque vem dizer ao paiz que não confia nos diplomas conferidos por aquella escola, e não confia nas provas publicas por que passaram os diversos militares ali encarregados do ensino, porquanto sujeita aquelles que ainda não são officiaes superiores a um exame, em parto de disciplinas que ensinam com proficiencia, e em parte de materias que constituem os programmas para os exames dos officiaes inferiores.
Parece-me 'que s. ex.ª com este decreto não vae em harmonia com o que estabelece o artigo 117.° da carta constitucional da monarchia portugueza, porque ahi se determina que só as camaras é que poderão legislar sobre organisação de exercito, soldos e ordenança sobre promoções...
O sr. Ministro da Guerra: — Peço a palavra.
O Orador: — Peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para depois do sr. ministro da guerra fallar, porque ou terei de louvar o nobre ministro pelas medidas acertadas que tomou com a publicação d'este decreto, ou terei de fazer ainda mais algumas considerações sobre o assumpto.
O sr. Ministro da Guerra (J. M. de Magalhães); — Eis-me aqui outra vez chamado á auctoria, e porquê? Porque não fiz mais do que confeccionar um regulamento no plenissimo uso das minhas faculdades como ministro da corôa...
O sr. Camara Leme: — Peço a palavra.
Desde o regimento de 1645 até ao alvará de 1816, nas promoções até ao posto de brigadeiro, eram a antiguidade, saude e robustez condições essenciaes para os differentes postos; e os brigadeiros e officiaes generaes eram de livre escolha do Rei, attendendo-se sempre naquellas promoções principalmente á conducta e aptidão no serviço para o posto de major, para o qual as leis diziam que não bastava a antiguidade. Para regular essa aptidão entendeu o governo dever consultar o supremo tribunal de justiça militar, para que em sessão plena, e estudada a legislação sobre promoções, indicasse a maneira de promover os mais aptos ao posto para o qual a lei tinha tal condição como impreterivel.
Peço licença á camara para ler esta lei do estado (leu).
A resolução regia tomada sobre a consulta em 1837 foi feita em dictadura, sanccionada pelo corpo legislativo, é por consequencia é lei vigente do estado.
Já se vê que o poder supremo de fazer leis pertence a esta camara, e que a sua execução pertence ao poder executivo; mas o que fez então o poder executivo no plenissimo uso dos seus direitos? Fez o regulamento de 1848 que sujeitava os capitães de infanteria e cavallaria a exame para o posto de major. Este regulamento não satisfez, e mais tarde, em 4 de junho de 1851, publicou-se outro na ordem do exercito n.° 7, que no artigo 8.° determinou que o exame* fosse oral, por escripto e no campo, feito por uma commissão composta de quatro officiaes superiores e presidida por um official general. O antecedente regulamento de 1848 foi julgado inefficaz, tornou-se necessario reformar-se; e na verdade era justo que se adoptasse uma cousa melhor, porque o que hoje é bom póde não ser sufficiente ámanhã, e o governo entendeu em 1851 corrigir os defeitos do regulamento anterior, ou antes ampliar as provas que aquelle exigia.
Vigorou este até 1863, e em 1864 alterou-se a fórma das provas, que foi pelo do tirocinio, que seria muito bom, e seguramente o auctor d'elle o fez nas melhores intenções, mas que deu os peiores resultados. E sabe v. ex.ª porquê? Facil é de comprehender-se. Pois se o capitão que tem quinze ou dezeseis annos de tirocinio, o capitão que tem praticado no seu regimento com o seu major e o seu coronel, que vê todas as operações que faz o conselho administrativo, que presencia a sua escripturação, a contabilidade e emfim todos os recursos de serviço do corpo a que pertence, que quinze ou dezeseis annos esta no posto de capitão, que é este ordinariamente o termo medio de duração n'este posto para entrar no de major, e d'ahi por diante, e eu sou um exemplo, pois que tive de coronel dezeseis annos quatro mezes e sete dias, quasi que se póde dizer a vida de um homem, porque o nosso exercito é pequeno, e não póde n'elle ter logar o accesso com aquella rapidez que ha n'outros exercitos estranhos; infelizmente entre nós os officiaes demoram-se muito tempo nos seus postos, é muito morosa a passagem de uns para outros postos; mas, como ía dizendo, se o capitão que tem, termo medio, quinze ou dezeseis annos n'este posto, não aprende os deveres de major, que é o posto immediato a que aspira, o capitão que tem praticado com o seu major e o seu coronel, como disse, que assiste a todas as operações do conselho administrativo, que vê todo o movimento da escripturação e contabilidade, que observa como se executa todo o regimen disciplinar interno, etc.. se elle ali não aprendeu, como ha de aprender n'um corpo estranho, onde é havido por hospedo, em quatro mezes? E impossivel. Se não esta capaz no fim de quinze ou dezeseis annos, tambem o não esta no fim de quatro mezes.
Tendo a experiencia provado contra este regulamento, que fiz eu? Tratei de o aperfeiçoar, e quando fiz isto não foi senão facilitar melhor a execução da lei; é o que todos os dias se exige, que todos dêem garantias -de bem servir. Se quem administra deve saber administrar, é preciso que esteja ao correr de todas quantas, alterações vão occorrendo todos os dias no serviço do exercito, na sua gerencia e fiscalisação.
Pois será cousa indifferente que o homem, que se habilita para ser vogal permanente do conselho administrativo, para ser gerente effectivo dos fundos de um corpo, administrador d'esse mesmo corpo, fiscal de toda a legislação, de todas as ordens, de todo o serviço, de toda a contabilidade, de toda a escripturação de um corpo, que conheça, principalmente nos corpos de artilheria e cavallaria, pelo menos, as noções mais triviaes ácerca de remontas e trato dos animaes, para nas occasiões de compras ou em destacamentos, e isolado do veterinário, possa saber o modo de conservar ou de adquirir valores importantes que o estado confia á sua pratica esclarecida; será isto indifferente quando se gastam, termo medio, 200:000$000 réis em remontas? Os individuos que têem de fiscalisar este serviço devem ter um certo conhecimento das molestias a que os cavallos ou muares estão mais sujeitos. Eu bem sei que estes conhecimentos não se adquirem nas escolas; mas dar uma prova de saber administrar os fundos applicados para as remontas será indifferente? Será indifferente entre nós, mas na escola de Saumour exige-se muito mais, e para postos mais subalternos (faz-se d'isto até uma especialidade), do que se exige no decreto de 12 de março do corrente anno.
O illustre deputado interpellante fallou aqui em desconsideração para com a escola do exercito. A escola do exercito habilita os individuos para o primeiro posto, ministra-lhes a instrucção com que devem entrar na arma, para depois se lhes dar accesso no exercito (o que é regulado por outras leis, que não as disciplinas escolares), e habilita-os bem para aquelle fim; e honra seja feita ao professorado das nossas escolas militares, que possue bastante cabedal de intelligencia, que não tem inveja a nenhuns professores das nações estrangeiras, que esta ao par da sciencia, e de certo satisfaz á parte especulativa, e vae, no campo das applicações, até onde o permitte uma academia, mas que nunca suppre com vantagem a pratica do serviço.
O curso geral póde não assegurar mais do que a capacidade moral para saber, se quizer; os interesses do estado exigem que queira; cumpre que o major seja verdadeiro fiscal dos interesses da fazenda publica: é esta a sua principal funcção. Um major de artilheria ou de engenheria tem que administrar, e por consequencia precisa de estar ao facto de todas as leis e regulamentos do serviço interno, acompanhar a tactica, que todos os dias esta a mudar, acompanhar os progressos da sciencia, que todos os dias se aperfeiçôa.
Não ha portanto direito para condemnar o decreto de 12 de março, porque é regulamentar, e vae facilitar a execução de uma lei, que é o que incumbe ao poder executivo, e dar melhores garantias ao exercito e ao paiz.
E necessario que todos os officiaes que se propõem aos postos superiores dêem provas de que estão ao par de todos