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seus deveres? Têem ou não desempenhado dignamente todas as commissões para que têem sido nomeados? Se elles cumpriram rigorosamente com os seus deveres, o exame é inutil completamente, alem de o ser já para todos aquelles que têem os cursos completos. Ainda podia admittir-se o exame para aquelles, que não têem passado por algumas provas, mas nem mesmo para esses, porque lhes não proporcionaram os meios de se poder habilitar.
E, pergunto eu: com que direito, fundado em que lei se vae tolher a carreira a um homem, só porque não respondeu a esta ou aquella materia do exame, que tem prestado immensos serviços á causa da liberdade, e que não tem nas suas commissões militares uma só nota que mostre que elle as tem desempenhado mal?
Outra cousa que tambem perguntei na minha interpellação foi se os commandantes dos corpos, os commandantes das brigadas, os generaes commandantes das divisões, e os generaes commandantes das armas especiaes cumpriram ou não rigorosamente os seus deveres, quando davam as informações da aptidão dos capitães, seus subordinados, para o ascenso ao posto de major.
E a respeito d'estas questões, a que s. ex.ª se não dignou responder, que eu novamente insto para que o faça, porque é preciso que o exercito saiba sobre quem deve recaír a responsabilidade da medida.
O sr. Camara Leme (sobre a ordem): — A minha moção de ordem consiste no seguinte (leu).
Vou fundamentar esta moção.
Não ignoro, sr. presidente, que uma das condições essenciaes para que um exercito seja forte e desempenhe cabalmente as funcções, que a sociedade lhe impõe, consiste em que todos os commandos, desde os menos importantes até aos mais elevados na hierarchia militar, sejam exercidos por militares que ás mais condições, que devem distinguir sempre todo o homem de guerra, reunam certas habilitações correspondentes aos postos que exercem.
Sei que em todas as nações, cuja organisação se póde tomar hoje por modelo, a lei tem determinado as condições de capacidade que regulam as promoções nos diversos postos desde o simples soldado até ao de general. O principio geralmente admittido de que a cada funcção do serviço publico deve corresponder uma conveniente habilitação, não póde ser rejeitado na carreira das armas, porque seria rebaixar a nobilissima profissão militar ás condições de um mister mechanico em que a pratica menos esclarecida dispensasse o auxilio de toda a luz intellectual.
,A guerra é n'este seculo mais do que nunca uma sciencia vastissima, que pede auxilio a muitas outras sciencias.
Sei, sr. presidente, que os exercitos mais exemplares na sua organisação, na sua disciplina e na sua instrucção, e mais ennobrecidos com distinctos feitos no campo de batalha, são exactamente aquelles em que a sciencia preside a todos os trabalhos militares. Naquelles exercitos as palmas da intelligencia abraçam-se com os louros da victoria, o vigor do entendimento convive com os brios do coração.
Sei que em Portugal têem surgido muitas difficuldades para se attender á regeneração moral de muitos serviços do estado. Alguns fundamentos desconnexos se têem lançado para sobre elles se estabelecer a illustração do exercito, em harmonia com as instituições que nos regem; sei tambem que as habilitações não são ainda obrigatorias como conviria, que fossem para estes postos.
E fóra de duvida que um exercito convenientemente instruido é um seguro penhor de bons resultados da guerra e um elemento poderoso da civilisação do paiz. Ninguem póde contestar esta verdade.
Assegurar pois ao exercito uma nova origem de forças, de resplendor e de respeito social, é um pensamento que honra muito o sr. ministro da guerra; mas a questão que se ventila é outra. E uma questão de legalidade, de opportunidade e de summa importancia pelo lado economico, attendendo ao estado grave da fazenda publica.
A questão das promoções do exercito é muito difficil de resolver; affecta interesses adquiridos e póde dar logar a grandes injustiças.
Para que v. ex.ª comprehenda a difficuldade do assumpto, basta ouvir as duas opiniões em contrario dos relatorios apresentados pelo sr. ministro da guerra actual e o sr. ministro da guerra Passos; basta ver o relatorio que precede o decreto de 12 de março, do sr. ministro actual, e o que precede o projecto d'aquelle illustre ministro e honrado official (apoiados).
O sr. Passos diz que os exames não têem produzido bons resultados, que a experiencia tem provado que são uma pura ficção, e que podem dar logar ao patronato; o do sr. ministro da guerra actual, quasi que pelas mesmas palavras, diz o contrario.
Duas idéas inteiramente contrarias. Amanhã vem um outro ministro da guerra, e estabelece novamente o tirocinio e revoga os exames; e em resultado o official nunca póde calcular a sorte que o espera.
O illustre deputado fallou no artigo 117.° da carta, e eu peço licença para ler esse artigo, porque me parece que é muito explicito (leu).
Que quer dizer isto? Quer dizer que este objecto é de tal importancia, que o legislador da carta constitucional julgou conveniente que o corpo legislativo -se occupasse d'elle.
Mas ha ainda outra disposição, a que já se referiu o illustre deputado interpellante, que é a lei de 1835, que garante as patentes e o accesso dos officiaes em virtude das boas informações.
Ora, os fundamentos com que o sr. ministro da guerra legislou sobre este assumpto tão importante, não me parece que justifiquem tal medida. S. ex.ª estabeleceu os exames, não só para os cursos de infanteria e cavallaria, mas tambem para as armas scientificas. Isto não póde ser; é inter-vir nas attribuições do poder legislativo. Os officiaes das armas scientificas, satisfazendo a certas habilitações que a lei exigiu, comprehende-se que era para todos os postos
(Interrupção do sr. José de Moraes.)
Lá vou já á questão da despeza, e espero que o illustre deputado me apoiará.
O sr. José de Moraes: — Se apresentar boas economias, conte commigo.
O Orador: — A questão é de tal importancia, não só em Portugal, mas em todas as nações, cuja organisação militar se póde tomar por modelo, que acabo de receber ha dois dias a nova organisação do exercito prussiano, que julgo ninguem deixará de considerar uma das primeiras organisações da Europa, organisação que eu direi de passagem não ser outra cousa senão a nossa "organisação de 1816; organisação perfeita e que oxalá que ainda vigorasse em Portugal, porque a nossa independencia seria garantida, o que me parece que não acontece com tantas organisações deficientes que se têem decretado posteriormente.
Sobre o assumpto que se trata, que é exactamente sobre o accesso dos officiaes inferiores, eis-aqui o que diz a organisação do exercito prussiano em 1868:
«É o rei que decide o accesso dos officiaes, que póde ser feito pela antiguidade ou pela escolha. O ultimo modo tem a vantagem de fornecer ao exercito officiaes superiores novos e jovens generaes; tem porém o grave inconveniente de provocar a intriga e a injustiça e de offender a dignidade de um grande numero de bons officiaes.»
Isto é lá; agora imagine V. ex.ª e a camara a que graves inconvenientes daria logar este arbitrio na nossa terra.
Continúo a ler.
«Em França usa-se d'estes dois systemas de accesso, e elles se equilibram. Entre nós (na Prussia) o uso consagrou o da antiguidade, o que se acha justificado pela consideração que lá os officiaes, provindo da mesma origem, tendo uma identica instrucção, possuem em geral as mesmas qualidades militares, pois que têem tido que passar pelas mesmas provas. Tambem se admitte em principio que um official preterido por outro menos antigo, deve retirar-se ou pedir a sua reforma, ficando á sua disposição outros empregos, taes como os de officiaes nos semi-invalidos, na gendarmeria, etc...»
Aqui e que é o ponto grave. As escolas regimentaes que eu esperava que o nobre ministro apresentasse agora, porque dellas é que resulta esta instrucção uniforme, não mereceram a solicitude de s. ex.ª
Aqui tem V. ex.ª a importancia do assumpto, e como se considera n'uma das primeiras nações militares da Europa.
Considero-me n'uma posição embaraçosa, porque tenho a maior deferencia pelo nobre ministro; sou seu amigo particular: mas seja qual for a deferencia que tenha para com s. ex.ª, que de certo é muita, a minha posição de deputado e a minha consciencia obrigam-me a entrar n'esta questão, que eu reputo de tanta importancia, que o illustre ministro transacto não se atreveu a legislar sobre assumpto que eu considero da exclusiva competencia do corpo legislativo. Que fez? Nomeou uma commissão para tratar do objecto. Sabe v. ex.ª quanto tempo levou esta commissão a elaborar o seu excellente relatorio? Seis mezes; tal era a importancia do assumpto. Sabe v. ex.ª quem fazia parte d'esta commissão, excluindo-me? Era o sr. general Baldy, que é uma das primeiras illustrações militares do nosso paiz (muitos apoiados). O sr. general Palmeirim que sobre cousas militares é sabedor e competente (apoiados). O sr. barão de Wiederhold, que é um honrado caracter (apoiados), um homem mais de bem que conheço, um homem illustradissimo (apoiados), militar muito versado nas questões militares, que foi muito tempo empregado na secretaria da guerra, que as apalpa e as sabe. O sr. Latino Coelho, uma das primeiras illustrações litterarias e scientificas do nosso paiz (apoiados). O meu illustre amigo e camarada, o sr. José Paulino e muitos outros illustres officiaes. Pois esta commissão, depois de um estudo profundo, considerou a questão por todos os lados. Ora, tendo s. ex.ª o nobre ministro este projecto já prompto, estudado e meditado, porque o não seguiu e o apresentou ao parlamento? Basta ler o relatorio, que é elaborado por um dos seus mais distinctos membros, para avaliar este importante trabalho, que provavelmente ficará sepultado nos archivos da secretaria da guerra.
A respeito do assumpto em questão que se ventila, o sr. ministro da guerra entrincheirou-se na consulta do supremo conselho de justiça militar; mas parece-me que terei a fortuna de lhe fazer abandonar o terreno.
Que diz a consulta? Refere-se aos officiaes mais habeis; e tanto estas palavras — os mais habeis — foram tidas em consideração pelo supremo conselho de justiça militar, que elle as sublinhou.
Mas qual era a maneira de conhecer os mais habeis? Era por meio d'essas informações a que se referiu ainda agora o illustre deputado; era este o principio adoptado para não dar logar ao arbitrio.
Não eram os exames, eram as informações, porque as informações d'essa epocha não eram uma ficção, eram uma realidade.
Mas eu não desejo entrar em largas considerações; vou por isso fazer a diligencia por ser o mais conciso possivel.
Eu concordava em que o illustre ministro da guerra estabelecesse para as armas especiaes um exame em harmonia com as funcções que tem a desempenhar um major de engenheria ou de artilheria. Mas como legislou o nobre ministro para as armas especiaes?
Realmente exigir a um major de engenheiros que faça exame sobre, parece-me que é, escola de pelotão, é desconsidera-lo e rebaixa-lo da sua posição!,
Pois então um major de engenheria não tem funcções importantissimas a desempenhar, não ha conhecimentos mais importantes a exigir-lhe do que commandar uma escola de pelotão?!...
Mas s. ex.ª, legislando para as armas especiaes, excluiu o corpo d'estado maior, que é um corpo que deve ter conhecimentos especiaes para preencher o fim da sua elevada missão, quando por analogia podia exigir-lhe tambem exames; era logico exigir-lh'os.
E os absurdos que vão resultar d'esta medida? Quer V. ex.ª saber quem são os primeiros individuos que vão ser examinados? São dois ou tres lentes, officiaes distinctissimos da. escola do exercito (apoiados. — Vozes: — Ouçam). Ora, imagine V. ex.ª que estes individuos são reprovados no exame; em que posição ficam? (Apoiaãos.) Fallou-se no jury. Quem é o jury? O jury é constituido por officiaes, aliás muito habeis, mas que" têem conhecimento de muito menos materias que os examinados (apoiados). Veja v. ex.ª em que triste situação ficam estes officiaes, se porventura forem reprovados. Depois d'esse facto como hão de ir ensinar na escola do exercito? E impossivel (apoiados). Ficam sem auctoridade (apoiados). É exactamente o que poderá acontecer a homens illustrados e lentes distinctissimos da escola do exercito (apoiados).
Ainda mais. Realmente apresentar o sr. ministro da guerra como argumento para defender o seu decreto a exigencia que se faz aos officiaes de artilheria de terem noções de veterinaria, é uma cousa que não póde ser aceita. Que lhe exigisse terem noções, e estarem ao alcance de todas as questões importantes de artilheria, das questões que ácerca d'esta arma se agitam hoje em todos os exercitos bem organisados, do systema de carregar a peça pela culatra ou pela bôca, e se a artilheria deve ser de ferro, se de bronze, isso sim; mas questões de veterinaria, essas lá esta o alveitar para as tratar, e não o official de artilheria, cuja missão é muito mais elevada (apoiados).
Se o sr. ministro da guerra quer seguir a idéa que apresenta no seu decreto a respeito das habilitações que devem ter os majores, se essa idéa é boa, porque não vae s. ex.ª mais adiante? Porque é que dispensa os generaes? (Apoiaãos.)
O posto de general n'um exercito é um posto importante, e não vejo motivo para se lhe não exigirem habilitações (apoiados). O posto de general é um posto tão importantissimo que da decisão de um general depende muitas vezes a sorte de uma nação (apoiados). S. ex.ª para exigir essas habilitações não precisa lei nova, porque isto não é materia nova entre nós; já esta attendida no alvará de 1801. Não haja todo este rigor só para os pequenos, vá tambem aos generaes (apoiados). O sr. ministro não precisa para isso senão executar a lei vigente. A consulta, com que tanto se tem argumentado, diz que se escolhessem os coroneis mais habilitados; mas, alem d'isto, ha o alvará de 1801.
Desde já prophetiso á camara que se esta lei for approvada, de cada major que for provido, tres pelo menos pedirão a sua reforma. Ora, cada capitão que for reformado no posto de major, o que importa? N'um tenente que é promovido a capitão, n'um alferes a tenente, e n'um sargento a alferes!.. É sabe v. ex.ª o numero de despachos que ha annualmente para o posto de major? Anda, termo medio, por quatro ou cinco na infanteria e dois ou tres na cavallaria; e por conseguinte, multiplicando por cada um mais tres, dá em resultado dezoito majores reformados cada anno!!
Mas, como se vê, estes meus calculos e observações não dizem respeito aos officiaes das armas especiaes, porque esses estou convencido de que hão de ir ao exame e hão de ficar approvados.
Entretanto chamo para tudo isto a attenção da camara.
Como já disse, não desejo fazer opposição ao illustre ministro; mas como s. ex.ª apresentou a questão e tomou parte n'ella, vejo-me na obrigação de tambem entrar no debate como costumo com toda a franqueza.
Mas não quero realmente dar desenvolvimento a este debate, e por isso vou agora tratar da questão a que deu logar a minha moção, pondo de parte a da legalidade.
Quer V. ex.ª saber o que resulta d'esta lei? Resulta o augmento de despeza que vou explicar á camara. E n'este ponto creio que o illustre ministro concordará commigo =» parece-me que s. ex.ª não póde legislar em assumptos que pertencem ao corpo legislativo =.
A maior parte dos. officiaes que são hoje capitães de infanteria e cavallaria, têem praça de 1832 e 1833, entraram na vida militar n'uma epocha difficil, por conseguinte não tiveram tempo de cursar as escolas; e o que acontece em virtude d'esta lei? Acontece, se esse exame não for uma ficção, que pelo menos dois terços d'esses capitães não se julgam nas circumstancias de ir ao exame; e vendo-se n'essa situação difficil, vendo a sua carreira perdida, pedem a sua reforma. Ora, reforma o que quer dizer? Que passam a ter em logar de 400000 réis 450000.
E elles procedendo assim fazem muito bem.
Parece-me que s. ex.ª não attendeu a esta circumstancia.
Pois conte que se hão reformar, calculando pelo mais baixo, dezoito capitães de armas de cavallaria em todos os annos. E estes dezoito reformados, vencendo pela tarifa de 1714, augmentarão consideravelmente a despeza, sem se obterem os resultados que s. ex.ª imagina.
Ora, junte-se esta verba á verba avultadissima que é consumida pelos officiaes que estão hoje reformados, que anda por 500:000$000 réis, e teremos em pouco tempo elevada a mais 100:000$000 réis.
E digam-me se nas circumstancias em que esta o thesouro isto se póde sanccionar!
A proposito, permitta-me o nobre ministro que chame a sua attenção para um projecto que acaba de ser apresen-