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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Sessão de 1 de junho de 1868
PRESIDENCIA DO SR. JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA
Secretarios - os srs.
José Tiberio de Roboredo Sampaio.
Matos Camara
Chamada—73 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — os srs.: Rodrigues de Azevedo, Ornellas, Alvaro Seabra, Braamcamp, Alves Carneiro, A. de Azevedo, Falcão de Mendonça, Gomes Brandão, Silva e Cunha, Antas Guerreiro, A. J. da Rocha, A. J. Teixeira, Seabra Junior, Falcão e Povoas, Antonio Pequito, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Araujo Queiroz, Montenegro, Barão da Trovisqueira, Cunha Vianna, B. F. da Costa, Carlos Bento, C. Testa, Vieira da Motta, Conde de Thomar (Antonio), Custodio Joaquim Freire, Pereira Brandão, F. L. Gomes, Rolla, G. de Barros, Innocencio José de Sousa, Freitas e Oliveira, Meirelles Guerra, Almeida Araujo, Judice, Matos Camara, Assis Pereira de Mello, João de Deus, Gaivão, Cortez, J. Manuel da Cunha, Pinto de Vasconcellos, Albuquerque Caldeira, Fradesso da Silveira, Ribeiro da Silva, Joaquim Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Gusmão, Galvão, Bandeira de Mello, Klerk, Correia do Oliveira, Sousa Monteiro, Carvalho Falcão, Pereira de Carvalho, Lemos e Napoles, Costa e Silva, Achioli de Barros, Frazão, Ferraz de Albergaria, J. M. de Magalhães, Rosa, José de Moraes, Batalhoz, Tiberio, Lourenço de Carvalho, Camara Leme, Aralla e Costa, Botelho e Sousa, P. M. Gonçalves de Freitas, Galrão, Bruges.
Entraram durante a sessão — os srs.: Fevereiro, Annibal, Rocha París, Ferreira de Mello, Bernardino de Menezes, Sá Nogueira, Correia Caldeira, Ferreira Pontes, Barros e Sá, Azevedo Lima, A. J. de Seixas, Arrobas, Faria Barbosa, Lopes Branco, Torres e Silva, Falcão da Fonseca, Augusto de Faria, B. Garcez, B. Francisco Abranches, Esmeraldo de Castello Branco, E. Cabral, E. Tavares, F. da Gama, Fernando de Mello, F. F. de Mello, Silva Mendes, Dias Lima, Gavicho, Rocha Peixoto, Silveira Vianna, Van-Zeller, Moraes Pinto, Gaspar Pereira, Noronha e Menezes, Blanc, Silveira da Motta, Baima de Bastos, Santos e Silva, J. A. Vianna, João Maria de Magalhães, Aragão Mascarenhas, Xavier Pinto, José Antonio Maia, Costa Lemos, Sette, Dias Ferreira, Teixeira Marques, J. M. Lobo d'Avila, Rodrigues de Carvalho, Menezes Toste, Sá Carneiro, Pinto Basto, Levy, Ferreira Junior, Balthazar Leite, M. B. Rocha Peixoto, Penha Fortuna, Pereira Dias, Lavado de Brito, Quaresma, P. Augusto Franco, Mello Gouveia, Thomás Lobo, Deslandes. '
Não compareceram — os srs.: Costa Simões, Villaça, A. J. Castro Pinto de Magalhães, Saraiva de Carvalho, Albuquerque Couto, F. Coelho do Amaral, Bessa,.Ferrão, Ayres de Campos, Calça e Pina, Thomás Lobo d'Avila, Mardel, Pinho, Silveira e Sousa, Coelho do Amaral, Motta Veiga, M. J. J. Guerra, Mathias, Raymundo, Sebastião do Canto, Scarnichia.
Abertura — Ao meio dia e meia hora.
Acta — Approvada.
EXPEDIENTE
A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA
Requerimentos
1.° Requeiro que o governo, pelo ministerio dos negocios da marinha e ultramar, haja de enviar a esta camara um mappa demonstrativo dos processos civeis, crimes, commerciaes e orphanologicos, que annualmente têem sido distribuidos e julgados na relação de Angola, desde que & mesma relação começou a funccionar. = Bernardo Francisco de Abranches.
2.º Requeiro que o governo, pelo ministerio dos negocios da justiça, haja de enviar a -esta camara a lista nominal de todos os juizes de 1.ª instancia, segundo as classes a que elles pertencerem, e collocação que tiverem nas mesmas classes na data em que for feita a lista. = Bernardo Francisco de Abranches.
3.° Requeiro se officie ao governo, pelo ministerio dos negocios da fazenda, para que informe:
I Se esta encorporado nos proprios nacionaes o edificio do extincto recolhimento de Nossa Senhora da Conceição, sito na cidade de Penafiel, e a respectiva cêrca;
II Qual é a importancia da avaliação do edificio e cerca do extincto recolhimento;
III Se ha inconveniente em que se attenda - á prompta concessão do dito edificio, e da parte da terça, para fins de beneficencia e melhoramentos municipaes á camara do concelho de Penafiel. = A. Correia Caldeira.
Foram remettidos ao governo.
O sr. Fradesso da Silveira: — Mando para a mesa algumas propostas, e requeiro a urgencia para que possam ser remettidas quanto antes á commissão de fazenda.
Leram-se na mesa as seguintes
Propostas
1.ª São derogadas e ficam de nenhum effeito as auctorisações concedidas ao governo para a creação de novos titulos de divida fundada, interna ou externa, qualquer que seja o fim a que se destinem, e nenhuma auctorisação será de agora em diante concedida para a emissão de taes titulos.
2.ª Para pagamento da divida fluctuante que se liquidar em 30 de junho de 1868, o governo poderá emittir obrigações do thesouro, com juro de 6 por cento, integralmente admissiveis no pagamento do preço dos bens nacionaes do continente, das ilhas, e das possessões do ultramar que forem vendidos, assim como dos fóros, censos, pensões, laudemios e rendas, relativos ás propriedades do estado.
§ 1.° Por lei especial se regulará a emissão das, obrigações do thesouro, e o processo para a sua amortisação annual.
§ 2.° Os titulos de divida fundada, que servem de penhor á divida fluctuante, serão quando resgatados, remettidos pelo governo á junta do credito publico para serem inutilisados.
§ 3.° Por excepção ao determinado n'este artigo e no § antecedente poderá o governo dispor de uma parte d'estes titulos para a consolidação da divida fluctuante, quando seja indispensavel, nos termos do § unico do artigo 1.° da carta de lei de 1 de junho de 1867.
3.ª O orçamento da despeza ordinaria do estado comprehenderá os encargos da divida publica e todos os encargos do serviço ordinario dos ministerios.
4.ª A despeza publica ordinaria, organisados convenientemente os serviços com a mais rigorosa economia, será paga pela receita ordinaria, não podendo haver deficit.
5.ª O orçamento da despeza extraordinaria comprehenderá os gastos provaveis de todos os serviços extraordinarios e as verbas que houverem de ser despendidas com o pessoal excedente, em virtude da organisação dos serviços ordinarios a que se refere o artigo antecedente.
6.ª Para o pagamento da despeza publica extraordinaria, ou da parte d'ella, que o rendimento publico deixar a descoberto, é auctorisada a emissão de titulos com juro, amortisaveis por sorteio annual, em epochas determinadas.
7.ª Na execução do artigo 2.° da carta de lei de 1 de julho de 1867, e em todos os casos nos quaes por lei o governo teria de emittir inscripções para ò cumprimento de contratos, serão estas substituidas pelos titulos com juro da nova divida amortisavel.
8.ª A divida publica sem juro será liquidada até 31 de dezembro de 1868, e os titulos respectivos serão invertidos dentro do praso de um anno contado da referida data, em titulos da nova divida sem juro, e amortisaveis, votando-se annualmente em côrtes a verba que deverá ser applicada para esta amortisação.
§ unico. Por lei especial serão determinados para a inversão os valores dos diversos titulos que esta divida abrange e as condições da inversão.
9.ª A quantia necessaria para o pagamento da amortisação annual da nova divida publica com juro ou sem elle, a somma em que os juros importarem, e a quantia precisa para pagamento de juro e amortisação das obrigações do thesouro, serão, comprehendidas no orçamento da despeza ordinaria.
10.ª Os titulos ou obrigações dos emprestimos municipaes poderão, ser invertidos em titulos da nova divida publica, ficando em, deposito os primeiros, feitos com as camaras os devidos accordos.
11.ª O governo, ordenará para 1 de julho proximo o principio dos trabalhos relativos á formação das matrizes para os impostos directos, e á collecção de todos os elementos necessarios para a justa distribuição e effectiva cobrança dos mesmos impostos. Para a mesma data ordenará os trabalhos indispensaveis relativos ao serviço dos proprios nacionaes, facilitando assim a execução da proposta 2.ª
12.ª Metade do rendimento do imposto de viação em cada districto será applicado nas despezas da viação districtal e concelhia da respectiva circumscripção.
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13.ª O pessoal da força publica será augmentado, e o exercito organisado de maneira que uma parte d'elle seja empregado nas obras de viação.
14.ª Todo o serviço da contabilidade publica será dirigido por uma contadoria geral, sendo extinctas as repartições de contabilidade dos diversos ministerios.
Sala das sessões da camara, em 1 de junho de 1868. = Fradesso da Silveira.
Proposta 1.º
A despeza do estado, para o exercicio de 1868-1869, é auctorisada, segundo o mappa annexo a esta proposta, e que d'ella faz parte, em...............19.942:346$246
a saber:
1.º A junta do credito publico................... 7.960:985$544
2.º Ao ministerio dos negocios da fazenda
Encargos geraes........... 1.885:413$308
Serviço proprio do ministerio 1.347:7790595 3.233:192$903
3.º Ao ministerio dos negocios do reino........... 1.774:521$000
4.º Ao ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça...................................... 610:670$108
5.º Ao ministerio dos negocios da guerra.......... 3.537:684$636
6.º Ao ministerio dos negocios da marinha e ultramar 1.537:433$020
7.º Ao ministerio dos negocios estrangeiros........ 214:666$856
8.º Ao ministerio das obras publicas, commercio e industria................................... 1.073:192$179
19.942:346$246
Proposta 2.ª
A despeza extraordinaria, para o dito exercicio de
1868-1869, é fixada em....................... 2.397:208$000
segundo o mappa annexo a esta lei, e que d'ella faz parte;
a saber
1.º Ao ministerio da fazenda (o).................. 100:000$000
2.º Ao ministerio do reino (6).................... 50:000$000
3.º Ao ministerio da justiça (c)................... 5:2080000
4.° Ao ministerio da marinha e ultramar (d)....... 322:000$000
5.º Ao ministerio das obras publicas, commercio e industria (e)................................ 1.920:000$000
2.397:208$000
Proposta 3.º e 8.ª
São os artigos do 3.° a 8.° da proposta da lei da despeza.
Proposta 9.ª
A diminuição da despeza publica, por esta lei determinada como providencia temporaria applicavel durante o anno de 1868—1869, poderá ser effectuada por deducções nos vencimentos de qualquer natureza, reducções no custo do expediente dos diversos serviços, adiamento nos provimentos dos logares vagos, e aproveitamento e melhor distribuição do pessoal, estabelecendo o governo as regras que lhe parecerem convenientes para que esta diminuição se realise sem prejuizo das reformas de quadros, e da organisação definitiva dos serviços a que deve proceder-se em cumprimento do decreto de 20 do corrente.
Proposta 10.ª
Na proposta de lei de despeza para o anno economico de 1869—1870 serão as despezas calculadas segundo as disposições das propostas que o governo apresentará para a distribuição e organisação geral dos serviços.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 1 de junho de 1868. = Fradesso da Silveira.
NOTAS
(a) Para as despezas com todas as matrizes das contribuições. (6) Para as despezas com subsidios ás camaras municipaes.
(c) Vide mappa da proposta de lei de 21 de abril de 1868.
(d) Para as despezas no melhoramento da cordoaria 20:000$000 réis, e 302:000$000 réis para as applicações indicadas no referido mappa.
(e) Vide mappa acima citado.
Mappa das alterações na despeza ordinaria do estado para o exercicio de 1868-1869 a que se refere a proposta 1.º n'esta data (a)
[Ver Diario Original]
(a) O mappa aqui referido é aquelle que acompanha a proposta de 21 do abril com as alterações aqui indicadas.
Mappa das alterações na despeza extraordinaria do estado para o exercicio de 1868-1869
[Ver Diario Original]
Votada a urgencia, foram admittidas e enviadas para a commissão de fazenda.
O sr. Guilhermino de Barros: — Agradeço a v. ex.ª o ter-me concedido a palavra n'esta occasião, ainda que é certo have-la solicitado ha bastantes dias; tinha de occupar-me do que dissera n'esta camara um sr. deputado e meu collega em referencia a algumas considerações feitas na outra casa do parlamento por um digno par e meu amigo. Acrescia ter necessidade, como é obvio, de o fazer immediatamente; entretanto V. ex.ª não me póde conceder a palavra até hoje, e por isso só agora me é possivel realisa-lo.
O sr. Presidente: — Devo observar ao sr. deputado que não lhe tenho dado a palavra, assim como a outros senhores, por não ter sido possivel, em consequencia de se passar á ordem do dia.
O Orador: — Não quero dizer que v. ex.ª deixasse de cumprir o seu dever; desejo apenas dar a conhecer ao sr. deputado e á camara o motivo por que não tomei a palavra desde logo; seria indesculpavel, tendo o illustre deputado proferido algumas palavras n'esta casa com relação a um amigo meu que prezo e venero pelos altos dotes de seu nobre coração, e sendo essas palavras, não direi em desfavor d'este cavalheiro, mas uma explicação menos rasoavel das suas opiniões, seria indesculpavel, digo, se de motu proprio eu não tivesse logo tomado a palavra. Portanto foi com o fim de dar uma explicação á camara e ao sr. deputado que fallei em ter só agora obtido a palavra, e não para dirigir uma censura a v. ex.ª
Depois d'esta explicação, e antes de proseguir nas considerações que vou fazer, permitta-me v. ex.ª que mande para a mesa dois requerimentos e uma nota de interpellação; referem-se aquelles a duas propostas do sr. ministro da fazenda. Solicito uma indicação do numero de inventarios de bens desamortisados e dos que estão por desamortisar; dos inventarios concluidos, e dos que estão por concluir, parecendo-me que não poderá apreciar-se devidamente aquella importantissima medida sem tal nota estatistica; assim como desejo igualmente conhecer o valor dos bens desamortisados e que se acham remidos ou vendidos.
Peço uma nota dos bens dos passaes pelo mesmo motivo. Escuso dizer que pretendo apenas, com isto, esclarecer o meu espirito, despido dos intuitos de opposição n'este caso (á qual pertenço não obstante), mas ao mesmo tempo entendo que devemos empenhar-nos antes em remediar os males que nos affligem, graves e profundos, que em augmentados com opposição mal cabida, acintosa e apaixonada em assumpto de finanças; tambem peço ainda uma nota da cifra de exportação de vinhos que se tem realisado pelos differentes portos do continente nos ultimos annos. Ha pouco vi em um jornal que a exportação d'este genero para Inglaterra de proveniencia hespanhola tinha duplicado no ultimo anno.
Trata-se de aggravar o imposto sobre os vinhos portuguezes por uma das propostas do sr. ministro da fazenda. Succede isto quando em Inglaterra se procura reduzir o imposto de 2 shellings e meio a 1, como acontece aos vinhos francezes. Augmentar pois em Portugal, o direito de exportação seria pouco explicavel, apesar de ser sempre anti-economico, se não se houver obtido uma larga exportação d'este valioso genero. É por isso que desejo esclarecer-me com relação a este objecto.
A nota de interpellação a que me referi, e que vou apresentar, diz respeito a dois importantes melhoramentos do districto que ha pouco tive a honra de administrar; á ponte sobre o Tejo entre Villa Velha e a estrada de Niza, e o outro á continuação dos estudos da estrada de Castello Branco a Penamacor, estrada do circulo, sempre independente e distincto, que me honrou com o seu mandato.
Recommenda o primeiro assumpto a necessidade de communicar as duas margens d'aquelle rio em um ponto de grande lavor commercial, e que é o caminho mais direito para os productos, e o segundo a miseria profunda e terrivel que ha naquelle districto, que na realidade excede quanto possa dizer-se principalmente na raia, onde se morre litteralmente á fome, não obstante as providencias adoptadas pelo anterior e actual ministro das obras publicas, que sinto não ver presente, porque queria agradecer-lhe a attenção prompta e immediata com que considerou aquella desgraçada parte do paiz logo que lhe foi representada a situação de miseria em que se achava.
Começou o segundo lanço da estrada a que alludo, mas como é facil a sua construcção, os trabalhos acabarão d'aqui a pouco tempo, sendo necessario portanto prevenirmo-nos desde já com os estudos para que os trabalhos continuem e a miseria se extinga, devendo eu lembrar a conveniencia de se principiar agora os da villa de Penamacor como a mais importante.
Em seguida passo a tratar de outro objecto a que me referi no principio.
Um digno par a quem me ligam ha muitos annos estreitos laços da mais intima e profunda amisade emittiu na outra camara uma opinião, e um sr. deputado referiu-se a ella (de um modo proprio do decoro d'esta camara, não posso nega-lo). E incontestavel pois que na exposição que vou fazer não vou levado por espirito de animosidade contra o sr. deputado, mas desejo explicar a opinião d'aquelle digno par, pela posição em que me acho com relação a elle, e por me parecer que o sr. deputado a não apreciou bem.
Aquelle digno par, opposição ou não opposição, ha muito tempo que sustenta o principio de que as auctoridades, quaesquer que ellas sejam, não devem de modo algum interferir nas eleições. Esta opinião não é de hoje, nem de hontem; foi emittida e existe expressa nos annaes parlamentares, e por consequencia quando na camara dos dignos pares alludiu a isto, não fazia aquelle cavalheiro mais do que sustentar uma opinião que já existia. O digno par sustentou esta doutrina em relação á actualidade de uma maneira um pouco viva, como é proprio de quem tem uma convicção profunda, e o sr. deputado a que me refiro, achou que esta apreciação era menos justa, inqualificavel e sem fundamento solido de verdade.
O sr. Eduardo Tavares: — Peço a palavra.
Disse o sr. deputado que lhe parecia menos regular que aquelle digno par, membro da outra camara, se referisse a esta. Não me parece que esta opinião do sr. deputado seja exacta. As opposições entenderam sempre que os actos eleitoraes que por via de regra lhes correm desfavoraveis são feitos pela coacção e pela violencia. Não pareça ao illustre deputado pelo que vou explicar que confirmo a sua opinião.
Disse-se isto sempre n'esta casa e na outra, e nunca pessoa alguma se persuadiu de que houvesse desfavor da parte de quem tinha esta opinião, deixando-se a cada um exprimir livremente o seu modo de ver n'este assumpto como nos outros e com rasão.
Gosto muito de expor a verdade e por isso direi a v. ex.ª, sr. presidente, que é meu parecer que n'esta terra todos os governos, este e os passados, têem pelas suas auctoridades influido nas eleições. Esta é a verdade, todos a sabem, e porque não havemos pois dizer aqui o que o paiz sabe?
Se isto é assim, é evidente que o governo influiu nas eleições, como effectivamente influiu; se eu quizer adduzir provas, de certo me não faltam. Vejo um sr. deputado diante de mim que ainda ha poucos dias asseverou que = nem em todo o seu districto tinha havido influencia do governo =; diante de mim esta o nobre presidente do conselho que respeito, o qual ao partir um seu delegado para a Madeira e asseverando-lhe este que certo cavalheiro não podia deixar de saír eleito, s. ex.ª respondeu: «Pois então deixe-o sair»; ouvimos a s. ex.ª, sr. presidente, e ao sr. Coelho do Amaral quererem fazer o accordo de demittir todos os empregados que tinham influido nas eleições; escutámos finalmente um sr. deputado em um brilhante discurso, proferido por occasião em que se discutiu uma eleição, e pelo mesmo modo o sr. Ferreira de Mello e muitos outros srs. deputados referiram-se á intervenção das auctoridades administrativas nas eleições de 22 de março.
Para que havemos pois de achar extraordinaria e injusta uma opinião que já esta formada em numerosas provas, e tem sido emittida aqui frequentes vezes, principalmente por occasião da constituição da camara.
Aquelle digno par exprimiu esta idéa de uma maneira um pouco viva, e referindo-se a esta casa do parlamento em especial, expoz uma doutrina com relação a todas as camaras. Por consequencia quando o digno par emittiu esta opinião, ficou perfeitamente qualificado; não teve desfavor para esta camara, disse aquillo que frequentemente se tem dito aqui. Além d'isso quantas vezes exprimimos nós n'esta camara opiniões adversas ao modo de ser actual da camara dos dignos pares? Haverá por isso desfavor contra a outra casa do parlamento? Portanto fica provado que a opinião do digno par nem é inqualificavel, porque esta nas praticas das duas camaras, nem injusta, porque se confirmam de algum modo as asserções dos srs. deputados de todos os lados da camara, nem deixa do ter solidos fundamentos de verdade, como testemunham as palavras do sr. presidente do conselho.
Queria eu tambem, como o digno par a que me referi, que as auctoridades por modo algum influissem nos actos eleitoraes, e que os candidatos não procurassem nas antecamaras dos srs. ministros o mandato que lhes abre aporta do parlamento, mas que se apresentassem nas salas dos co-
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micios, e no meio das multidões, e dissessem qual o seu modo de ver as cousas publicas, e d'essa maneira, sem a mais leve intervenção das auctoridades, obtivessem os seus diplomas.
Esta doutrina tem tido muitos apostolos, principalmente na imprensa; porém não se põe em pratica. Os governos esquecem-na; esquecem-na os candidatos e esquece-a o povo infelizmente, deixando-se arrastar a actos que não illustram a sua historia, nem caracterisara a sua independencia, ou auxiliam os seus interesses.
Se isto é assim, digo eu que estou convencido (continuarei a dizer o que sinto francamente) que tarde será possivel empregar outro systema eleitoral, e a causa é simples, é porque não sei se teremos a illustração necessaria para o pôr em pratica.
Tenho observado que nas eleições, onde não ha adversarios que se gladiem, se dá a completa abstenção da parte dos eleitores. Este facto tristissimo indica-me que uma parte do povo não sabe ou não quer comprehender a alta missão que desempenha perante a uma. Portanto o mal é profundo e difficil de debellar; estou certo porém de que só pela instrucção levada ás ultimas classes (estamos sempre a fallar n'isto infelizmente!) seria possivel conseguir-se este fim (apoiados).
Não esta presente o sr. Mártens Ferrão, e por consequencia posso dizer desassombradamente que é digno de todo o louvor pelos esforços, continuo trabalho luminoso e incessante que empregou, a fim de derramar nas populações do paiz a instrucção primaria e profissional.
O sr. Presidente do Conselho: — Apoiado.
S. ex.ª levantou-se um pedestal (e o apoiado do sr. presidente do conselho mostra bem que s. ex.ª não tem a opinião de outros a respeito do cavalheiro a quem me refiro) onde póde vitupera-lo o presente, mas em que estou convencido ha de o futuro não só fazer-lhe inteira justiça, mas até votar-lhe admiração.
E o sr. Mártens Ferrão não é só digno de louvor pelos seus trabalhos a respeito da instrucção publica, como é patente dos actos administrativos de s. ex.ª, e ainda ha pouco se viu no brilhante discurso que lhe ouvimos, e que se -acha impresso; porque, a par da instrucção, a beneficencia, a exposição, a policia, como todos os ramos de administração publica, lhe mereceram a mais subida attenção.
O sr. Presidente do Conselho: — Apoiado.
A lei de 6 de junho de 1864, de iniciativa do sr. Braamcamp, e que é relativa, como se sabe, á viação municipal, applicou tambem o illustre ex-ministro toda a sua actividade, possuindo eu a convicção de que dentro em pouco poderá e deverá ter o paiz um grande numero de kilometros de estradas municipaes.
Por tanto o sr. Mártens Ferrão merece a consideração do paiz, estou persuadido de que todos lhe hão de fazer justiça, e vejo com muita satisfação que o sr. presidente do conselho lh'a faz já.
O sr. Presidente do Conselho: —Apoiado.
Mas visto que o sr. presidente do conselho faz justiça á intelligencia e aos actos do sr. Mártens Ferrão, e em s. ex.ª ha muitos recursos para bem administrar, espero que siga o caminho de uma administração tão zelosa, esclarecida e activa, como foi a d'aquelle cavalheiro.
Folgo que se me haja prestado similhante occasião para dar este merecido testemunho áquelle cavalheiro; já se vê que não é favor nem lisonja. S. ex.ª não é ministro, nem é costume saudar-se o sol no occaso (permitta-se a expressão), não é costume saudar-se quando desappareceu no horisonte...
Uma voz: — Mas quando nasce.
O Orador: — Sim, quando nasce, como diz o meu collega, e é verdade. Veremos o que acontece quanto a este, que ha de dar o seu giro e apparecer de novo no oriente com o mesmo brilho com que desceu ao occaso. Creio isto, e tambem que. não hei de estar entre os admiradores do poder que surgir então.
O sr. Gusmão: — Mando para a mesa os seguintes requerimentos (leu).
A importancia dos esclarecimentos que peço resulta do enunciado d'elles.
Peço a urgencia na expedição dos requerimentos.
O sr. José de Moraes: — Mando para a mesa os seguintes requerimentos (leu).
Peço estes esclarecimentos constantes do meu requerimento, a fim de me servir d'elles na discussão do orçamento do ministerio da guerra, e espero que s. ex.ª o respectivo ministro satisfaça á remessa d'elles com urgencia.
Levantam-se todos os dias clamores de que ha grandes desperdicios no ministerio da guerra, o paiz sabe que com elle se gastam 3.600:000$000 réis, e igualmente todo o mundo sabe que na repartição central do ministerio da guerra se gasta o dobro do que em igual repartição do ministerio da guerra da Belgica.
Combinando nós o que se passa n'outros paizes mais civilisados e mais adiantados do que Portugal, e que são administrados melhor do que o nosso paiz, com o que se passa aqui, encontrâmos uma grande anomalia em relação ao objecto a que me refiro.
Portanto peço e espero que o sr. ministro da guerra mande, quanto antes, os esclarecimentos que peço, a fim de saber se na 1.ª e 2.ª repartição do ministerio da guerra, alem dos empregados a quem se pagam forragens e gratificações, ha tambem folhas addicionaes para outros empregados.
Eu não sei se isto é verdade, argumento por hypothese. Se o facto é verdadeiro, mande o sr. ministro os documentos; se não é verdadeiro, declare s. ex.ª isso, que eu fico satisfeito.
Desejo tambem saber se se abonam forragens, gratificações e bagageiras a empregados da secretaria da guerra, que não são officiaes arregimentados, porque me consta que nunca foi esse o costume.
Quando se pedem novos tributos ao povo, é preciso saber como se applicam os que já estão votados.
Preciso tambem chamar a attenção da respectiva commissão de verificação de poderes, sem designar se 1.ª, 2.ª ou 3.ª, porque pelos numeros dos circulos a que vou referir-me saber-se-ha a que commissão pertence o negocio: digo, chamo a attenção da commissão de poderes sobre as eleições dos circulos de Arouca e Sabrosa.
Ha quarenta e sete dias que esta camara esta aberta e a commissão de poderes, 1.ª, 2.ª ou 3.ª, emfim aquella onde estão os respectivos processos, ainda não deu o seu parecer em relação a essas eleições. Velho, como sou, n'esta casa nunca vi que uma commissão de poderes demorasse tanto tempo em seu podér os processos eleitoraes sem dar parecer. Isto nunca aconteceu; portanto peço á illustre commissão que dê o seu parecer sobre as eleições de Arouca e Sabrosa, porque a commissão não tem direito de fechar na gaveta os processos que lhe são remettidos, tem sim obrigação de dar parecer pró ou contra, e a camara o direito de discutir e approvar ou rejeitar.
Não é decente que esteja a camara reunida ha quarenta e sete dias sem a commissão dar parecer, tanto mais quando já um dos membros da commissão, que não vejo presente, me disse que na quarta ou quinta feira da semana finda viria o parecer sobre as eleições de Arouca e Sabrosa, o que eu lhe agradeci; mas estamos hoje em segunda feira da semana presente, e o parecer não se apresentou.
Parece que ha um enigma n'estas duas eleições, e enigma que estimarei muito me não obriguem a decifrar; não sou eu que o digo, é o publico lá fóra que diz que ha enigma, e qual elle é. Mas seja o que for; o que peço é que a commissão, seja ella qual for, não entro na questão se é a 1.ª, 2.ª ou 3.ª, se estas duas estão dissolvidas e só existe a 1.ª, não entro n'essa questão; peço sómente que dê parecer sobre as eleições de Arouca e Sabrosa, a favor ou contra, mas que venha parecer.
Eu mesmo não sei como votarei n'esta questão. Já vi um dos processos, hei de ver o outro; mas entendo que não posso querer, nem a camara póde querer, que as commissões possam demorar quanto tempo quizerem um processo, porque em quarenta e sete dias havia tempo, não só para formular um parecer, mas para formular uma duzia.
O sr. Alves Carneiro: — O illustre deputado o sr. José de Moraes, disse que não desejava ter questões com o sr. Freitas e Oliveira, e eu digo que não desejo ter questões com o sr. José de Moraes. O meu desejo é dar-lhe explicações que o satisfaçam, ou pelo menos abrandasse algum tanto a indisposição com que se apresenta contra a commissão de poderes.
Devo dizer a s. ex.ª que as duas unicas eleições duvidosas, que estão affectas á commissão de verificação de poderes, são as de Arouca e de Sabrosa. O processo de Arouca já esta relatado pelo meu illustre collega o sr. Mardel, mas ha um membro da commissão que parece divergir do parecer do nobre relator, e pediu o processo para melhor o entender e apreciar, o que já fez, não sendo esta comtudo a rasão da demora da apresentação do parecer. A commissão tem-se demorado alguns dias na apresentação do parecer, porque tem estado ausentes dois dos seus illustres membros, sendo um d'elles o seu digno presidente o sr. deputado Pequito, que já hoje compareceu, e por isso espero que s. ex.ª reunirá brevemente a commissão, e que ella trará á camara, e quanto antes, o seu parecer ácerca da mesma eleição.
Quanto ao parecer sobre a eleição de Sabrosa, devo dizer que motivos imperiosos, e por todos sabidos, têem obstado a que elle tenha vindo á camara, mas tambem espero que muito brevemente elle será apresentado, e satisfeitos assim os desejos do nobre deputado o sr. José de Moraes. S. ex.ª faz-me de certo a justiça de acreditar, que eu não quero nem directa nem indirectamente influir, tanto a favor do illustre deputado eleito, como do candidato que foi vencido, e muito menos influir na demora da apresentação d'esse parecer (apoiados).
Talvez alguem me não faça essa justiça, mas a verdade é que sou absolutamente indifferente ao resultado d'essa eleição. Não poucos desgostos tenho tido por causa d'isso, mas assevero a s. ex.ª que hei de ser completamente imparcial n'este negocio até ao fim; espero que a commissão se possa reunir pela comparencia de todos os seus membros, e que n'essa reunião se decida a eleição de Sabrosa, que desejo venham á camara com tanta brevidade como desejo que venha aqui a de Arouca.
Estou certo de que o illustre deputado, o sr. José de Moraes, ha de ficar satisfeito com estas explicações, ou ao menos convencido de que não ha da parte da commissão o menor desejo de demorar a entrada de qualquer sr. deputado eleito n'esta camara, ou de o excluir d'ella; e deve concordar tambem em que, estando ausente o digno membro da commissão, o sr. Pequito, não podiamos prescindir do seu voto, nem deixar de ter para com s. ex.ª a consideração que nos merece como collega e como presidente da commissão.
O sr. F. L. Gomes: — Mando para a mesa um parecer da commissão do ultramar, sobre a extincção do conselho ultramarino.
Mando tambem uma nota de interpellação e um requerimento, no qual peço a copia da consulta do conselho ultramarino, que precedeu a promulgação da lei do sêllo para as provincias ultramarinas. Consta-me que esta consulta era contraria áquella promulgação, e não podia deixar de ser assim, porque tem ali causado grande transtorno essa lei.
A nota de Interpellação é para tomar parte na que foi annunciada pelo sr. deputado Bernardo Francisco da Costa, sobre o regulamento da lei da remissão de fóros no estado da India, e sobre mandados de casamento.
O sr. Teixeira Marques (sobre a ordem): — Mando para a mesa quatro requerimentos (leu).
O sr. Presidente: — Devo dizer ao sr. deputado que não ha palavra «sobre a ordem» senão nas discussões.
O sr. Teixeira Marques: — Supponho então que foi equivoco da minha parte.
O sr. Freitas e Oliveira: — Depois das explicações dadas pejo meu collega o sr. Alves Carneiro, parece que o sr. José de Moraes deve estar satisfeito. A 2.ª commissão de verificação de poderes já não existe; foram membros d'ella os srs. Aragão Mascarenhas, Motta Veiga, Rocha Peixoto (Manuel), Calça e Pina e eu, e o ultimo trabalho d'esta commissão foi o parecer sobre a eleição de Celorico da Beira, o qual já foi approvado. Portanto, esta commissão terminou as suas funcções.
Agora aproveito a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei como emenda á lei eleitoral; é um trabalho posthumo do fallecido cidadão José Estevão Coelho de Magalhães, que eu additei com algumas disposições que entendi necessarias para completar o pensamento do auctor do projecto (leu).
Como se acha presente o nobre presidente do conselho e ministro do reino, aproveito ainda a palavra para chamar a attenção de s. ex.ª para um acontecimento que tem excitado um pouco o espirito publico. Refiro-me á entrada da corveta Damão.' Diz-se que se desenvolveu na guarnição d'este navio uma epidemia que se reputa ser febre amarella, e da qual falleceram seis pessoas. Não sei se póde classificar a doença desenvolvida a bordo como febre amarella, se como febres da Africa; se for a febre amarella, todas as cautelas são poucas, e em tal caso estou convencido de que o sr. ministro ha de ter dado todas as providencias para defender a população da capital de similhante epidemia.
Devo ainda dizer que se infelizmente for a febre amarella, então talvez sejam necessarias outras providencias emanadas pelo ministerio da marinha. Refiro-me á necessidade que haverá de fazer mergulhar immediatamente a corveta. Isto é só no caso de ser febre amarella, porque se forem as febres da Africa, estas não tem o caracter de contagiosas, nem são tanto para receiar.
Pretendo chamar ainda a attenção do governo para outro facto, que é extremamente grave. Refiro-me á falta de aguas que se sente hoje em Lisboa. E por esta occasião pedia aos srs. deputados por Lisboa, que de certo se interessam por este negocio, que façam todas as diligencias perante os poderes publicos, para que esta falta cesse quanto antes.
Diz-se que a companhia das aguas tomou conta de todas as aguas e mandou fechar os chafarizes, de uma certa hora da noite em diante. Ora, na cidade ha muitas pessoas pobres que costumam ir de noite abastecer-se da agua aos chafarizes, e não a vão buscar senão tarde, para se furtarem a um certo vexame, que julgam lhes resulta de fazerem esse serviço.
Hontem disse-se que cada barril de agua se chegou a vender por 120 réis, e se assim é, a camara reconhecerá que resulta d'ahi um imposto pesadíssimo para a maior parte da população de Lisboa.
Ainda que não esta presente o sr. ministro das obras publicas, pareceu-me que talvez os seus collegas possam e queiram dar algumas explicações a este respeito, explicações que são dadas mais á camara e ao publico do que a mim. Este negocio é muito importante para o municipio de Lisboa, e espero que merecerá por parte do governo a mais seria attenção.
O sr. Ministro do Reino (Conde d'Avila): — Satisfarei da fórma possivel ás perguntas que o illustre deputado acaba de me dirigir, e fa-lo-ía cabalmente se tivesse sido prevenido antes de vir para a camara; entretanto devo declarar que o illustre deputado praticou um acto de cortezia e de benevolencia para commigo, que muito lhe agradeço, perguntando-me se haveria algum inconveniente em me interrogar n'este momento sobre os assumptos a que se referiu.
Não posso portanto dizer agora, quanto á primeira pergunta, senão que fui informado em tempo, de que se suspeitava que havia motivo para receiar que a corveta Damão não estava em circumstancias normaes, quanto ao estado sanitario da sua tripulação. Immediatamente officiei ao conselho de saude, e posso affirmar a v. ex.ª e á camara que, por aquella estação se tomaram as providencias para impedir qualquer inconveniente, no caso que as informações que me deram fossem verdadeiras.
Não posso dizer mais nada agora; entretanto asseguro desde já ao illustre deputado, e asseguro á camara, que o conselho de saude tem cumprido, como costuma, o seu dever, e que hão de ser tomadas todas as providencias necessarias, porque, ainda mesmo que não haja motivo real para receio, é conveniente que se veja que os poderes publicos não dormem sobre um objecto de tamanha gravidade.
-Em relação á falta de agua, declaro ao nobre deputado que fui d'isso prevenido no sabbado passado, e fui prevenido de mais alguma cousa que felizmente não aconteceu. Vieram dizer-me que na noite de sabbado para domingo já não havia agua, que os padeiros não podiam cozer pão, e que se estava ameaçado de não haver pão para o fornecimento do mercado nem agua para o abastecimento da capital no domingo seguinte.
Felizmente, na occasião em que esta noticia chegou ao meu conhecimento, entrava em minha casa o sr. ministro das obras publicas e juntamente o engenheiro inspector da companhia das aguas, e logo foram tomadas todas as providencias necessarias.
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Effectivamente hontem houve agua na capital; não digo que a houvesse com a abundancia ordinaria, mas não houve a falta absoluta que se receiava, e que era realmente para lamentar que se desse.
Não sei quaes foram as outras providencias que se têem tomado por parte do ministerio das obras publicas, mas estou convencido de que hão de ter sido efficazes quanto seja possivel, e portanto tenha o illustre deputado a certeza de que o governo não descura nenhum dos assumptos importantissimos sobre que s. ex.ª chamou a minha attenção.
O sr. Freitas e Oliveira: — Agradeço as explicações que me deu o nobre ministro do reino, dou-me por satisfeito com ellas, e espero que o sr. ministro das obras publicas fará quanto estiver ao seu alcance para evitar a continuação da excessiva falta de agua que se esta sentindo na capital.
O sr. Lopes Branco: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo.
O sr. Rodrigues de Azevedo: — -Sr. presidente, tarde e bem tarde me chega a palavra, apesar de ter eu sido o primeiro a pedi-la; mas não me admiro, porque já na sessão passada V. ex.ª me prejudicou no meu direito, não dando a palavra pela ordem por que foi pedida.
O sr. Presidente: — Se prejudiquei o sr. deputado foi sem intenção, e convido-o a vir á mesa ver a ordem por que foi inscripto na sessão antecedente. Eu costumo consultar os srs. secretarios a esse respeito, porque muitas vezes pedem ao mesmo tempo a palavra muitos srs. deputados; póde pois haver involuntariamente alguma preterição: mas se o sr. deputado tem sido prejudicado, tambem o têem sido muitos senhores, a quem ainda não foi possivel dar a palavra. Emquanto houver esta avidez em pedirem a palavra ao mesmo tempo muitos senhores, hão de acontecer d'estes inconvenientes.
O Orador: — -Agradeço a v. ex.ª a explicação; mas é certo que na sessão passada, quando entrei n'esta casa, lia O sr. Tiberio um officio da secretaria das obras publicas em resposta a um requerimento que eu tinha feito em uma outra sessão.
O sr. Secretario (José Tiberio): — V. ex.ª dá licença
Isso prova que v. ex.ª não foi prejudicado na inscripção da sessão passada, porque apenas se leu a acta, muitos srs. deputados pediram a palavra antes da ordem do dia, e quando li o expediente já todos a tinham pedido. O sr. deputado pediu a palavra depois de lido o expediente, para dizer que lhe não tinham respondido como desejava ao seu requerimento.
O Orador: — Peço perdão, mas o facto é que eu pedi a palavra em seguida ao illustre deputado o sr. Costa Mendes, e em seguida a mim pediu a palavra o illustre deputado o sr. Coelho do Amaral, cavalheiro a quem aliás muito respeito. Quando acabou de fallar o sr. Costa Mendes, deu o sr. presidente a palavra ao sr. Coelho do Amaral, e eu que devia estar inscripto primeiro, fiquei sem fallar n'essa occasião, o que senti, e tanto mais, que estando presente o nobre presidente do conselho e ministro do reino, eu desejava chamar a attenção de s. ex.ª para um objecto que reputo de summa importancia.
Senti, mas não posso nem desejo persuadir-me de que V: ex.ª deixasse de dar-me a palavra senão porque, ou o seu orgão auditivo lhe foi infiel ou os seus óculos se embacearam n'aquelle momento, impedindo-o de ver o meu nome na inscripção.
Senti pois que isto acontecesse, mas não o attribui a menor consideração; se pensara de outra fórma, apesar do profundo respeito que tributo á pessoa de v. ex.ª e do logar que v. ex.ª occupa, protestaria energicamente, não por mim, mas por honra do districto, que tenho a honra de representar, e mesmo porque não reconheço differença de direitos entre os srs. deputados, seja qual for a localidade que cada um represente n'esta casa.
O sr. Secretario (José Tiberio): — Se v. ex.ª dá licença vou ler a inscripção, para lhe provar que muitos outros srs. deputados pediram a palavra antes de v. ex.ª e ficaram sem ella. Foram os senhores (leu).
Já V. ex.ª vê que muitos outros srs. deputados ficaram privados de fallar, tendo pedido a palavra, e não lhes chegou, porque teve logar a discussão de um incidente, que se deu com o sr. ministro dos negocios estrangeiros.
O Orador: — Eu já declarei estar persuadido que não foi por menor consideração que isto teve logar, mas sim por uma falta qualquer, e nunca por falta de consideração, e estou firmemente persuadido que a mesa por dignidade propria e do logar que occupa, ha de conservar a todos os mesmos direitos.
Antes de usar da palavra para o objecto para que especialmente a tinha pedido, aproveito a presença do nobre ministro do reino para me dirigir a s. ex.ª e chamar a sua attenção sobre um objecto que considero de summa importancia.
Tenho a honra de representar aqui um dos circulos eleitoraes do districto de Ponta Delgada. Ha muitos annos que a ilha de S. Miguel, districto de Ponta Delgada, apesar do seu clima ser saluberrimo, tem tido a infelicidade de ser atacada nas suas diversas povoações por endemias mais ou menos extensas e mais ou menos intensas. Estes factos têem-se repetido quasi periodicamente, e para se combaterem estas endemias tem sido preciso, alem de outros meios, recorrer á caridade publica, a que ali se não costuma recorrer em vão, e da qual se tem obtido muitos contos de réis.
É certo que os michaelenses nunca se recusaram nem se recusarão a dar o seu obolo para obras de caridade e beneficencia; mas é forçoso confessar que isto póde ter um limite, e que os poderes publicos têem obrigação de procurar outros meios para occorrer do prompto a calamidades d'esta ordem.
As juntas geraes do districto, e de algumas coube-me tambem a honra de fazer parte, têem por mais de uma vez pedido em suas consultas serem auctorisadas a quotisar as confrarias, irmandades, misericordias e camaras com uma verba para formar um fundo de reserva, destinado a occorrer ás necessidades de que acabei de fallar, logo que por desgraça appareçam; e quando não seja necessario gastar aquella quantia, capitalisa-la.
Sei que, seja qual for a iniciativa de um membro d'esta casa, difficilmente, pela multiplicidade de negocios, ella chegará ao fim desejado, se não é ajudada e apoiada pelo governo.
Como esta presente o nobre presidente do conselho, peço a s. ex.ª tome este objecto na consideração que elle merece, e o auxilie por fórma a que n'esta mesma sessão legislativa seja votada a medida que peço para ser creado aquelle fundo de reserva.
Passo agora a fallar do objecto para que especialmente tinha pedido a palavra.
Na sessão passada, quando entrei na sala, lia-se na mesa um officio do ministerio das obras publicas em resposta a um requerimento que eu tinha feito n'uma outra sessão, declarando-se n’esse officio que lá não existiam os esclarecimentos que eu pedia; nem outra resposta se poderia esperar, porque eu no meu requerimento pedia os esclarecimentos pela secretaria da guerra e não das obras publicas.
Pedi aquelles esclarecimentos, não porque carecesse realmente d'elles, mas porque, tratando-se de um negocio que interessa muito á localidade que represento, e sabendo por outro lado que similhantes negocios se tornam difficeis, e mesmo impossiveis, quando o governo n'elles não concorda, fallei particularmente com o illustre ministro da guerra, que depois de me ter ouvido com a maior urbanidade e attenção, prometteu examinar o negocio de que aliás não tinha conhecimento algum, e foi elle mesmo que me indicou o pedir os esclarecimentos, pois que O meu requerimento na secretaria seria um meio de lhe avivar a memoria e recordar o exame do negocio, depois do que me diria se o governo podia ou não annuir á pretensão que a junta da doca tem de obter o edificio em questão. Não julgue V. ex.ª que eu sou impertinente, fallando n'este negocio, que é de summa importancia, e como indispensavel para a doca.
Consta-me que na repartição da guerra ha sempre grande resistencia a ceder qualquer edificio que lhe pertença; sei mesmo que já a respeito d'este apparecem difficuldades, e se allega ser um edificio no qual se gastaram para mais de 200:000$000 réis. Mas que importa isso, se como defeza militar não vale hoje 100$000 réis.
Este edificio hoje serve apenas para quartel da bateria de artilheria, e para dar as salvas do estylo nos dias e occasiões proprias, o que é ainda uma grave calamidade pelos motivos que vou expor.
Junto" daquelle castello esta situado o hospital que é um magnifico edificio, é um estabelecimento de 1.ª ordem, e dos mais bem administrados que eu conheço, devido tudo á philanthropia, patriotismo e dedicação dos habitantes d'aquella> parte do paiz.
Ora, eu declaro a v. ex.ª que é raro que algum doente dos affectados de padecimentos cerebraes, ou de outros com forte reacção sobre o cerebro, não succumba por occasião das salvas dadas naquelle castello. Quando não houvesse outra rasão, era de justiça e pedia a humanidade que o castello fosse applicado a outro serviço, ou ao menos que se prohibisse expressamente que ali se dessem salvas.
Aquelle edificio não póde nem deve ter outro destino senão o que já disse; porque, como obra de defeza, nada vale. Toda a gente sabe que grandes modificações se têem feito na artilheria, assim como no systema de ataque e defeza das fortalezas; pois n'aquelle castello ainda existe tudo como no tempo desgraçado em que vergámos debaixo do peso dos Filippes!
Assim como esta não serve aquelle edificio para cousa alguma boa, emquanto que, se fosse dado á junta da doca, como ella pretende, tinha logo e promptamente uma mui util applicação, concorrendo para aperfeiçoar as condições d'aquella obra grandiosa com relação á ilha, a primeira do seu genero no nosso paiz, inferior mesmo ás forças do districto a cujos recursos* só tem ali hoje estado entregue.
Dando-se áquelle edificio o destino que se pede, fazia-se ainda um grandioso serviço ao commercio; facilitava-se o embaraço á prancha, evitando por esta fórma muitas despezas, muitos incommodos e muita perda de tempo. Demais o genero que constitue uma das principaes riquezas daquelle districto, a laranja embarcada, como é actualmente, chega muito maguada, pisada e parte feita em liquido, em quanto que, se o carregamento se fizesse á prancha, a exportação daquelle genero fazia-se em muito mais favoraveis condições; e isto não é cousa indifferente.
Todos sabem que a laranja é a principal riqueza do districto, pois tem soffrido ultimamente no mercado uma grave depreciação devida especialmente ao mau estado em que ali chega, para o que concorre, alem de outras causas, o modo por que é embarcada.
Insisto n'este objecto, porque o districto de Ponta Delgada merece toda a importancia e consideração, e para mostrar a consideração em que deve ser tido basta dizer que o seu imposto produz não só o necessario para satisfazer a todos os encargos da sua administração civil, da relação e administração da justiça, aos encargos da policia, á tropa, etc.. etc.. mas tambem subsidia um outro districto com réis 30:000$000 annuaes, e alem de tudo isto dá de sobras para o thesouro para cima de 100:000$000 réis!
Ora, um districto d'esta ordem, d'esta riqueza e importancia, merece ser considerado devidamente pelos poderes publicos, e tem direito a não ser olhado com desdém.
Se acaso o castello tivesse alguma importancia como obra de defeza na actualidade, ainda se comprehenderia a difficuldade e reluctancia em o conceder; mas não servindo, como não serve, não posso comprehender as difficuldades para a cedencia; e tanto mais que em todo o caso pede a humanidade que seja desartilhado, a fim de não ser nocivo aos desgraçados doentes do hospital que lhe fica proximo.
Parece-me portanto que o castello esta no caso de ser concedido para o fim indicado, e tenho esperança de que justiça ha de ser feita.
O sr. Testa: — Tenho unicamente a mandar para a mesa um requerimento, a fim de poder estudar com conhecimento de causa alguns assumptos de administração.
O requerimento é o seguinte (leu).
O sr. Paim de Bruges: — -Mando para a mesa um requerimento.
O sr. Menezes Toste: — Participo á camara que se acha installada a commissão de regimento, tendo nomeado para presidente o sr. Gaspar Pereira da Silva, e a mim para secretario.
O sr. Innocencio de Sousa: — Mando para a mesa um requerimento do alferes Emygdio Vidigal da Gama.
Esta occasião não é opportuna para avaliar os fundamentos da pretensão d'este official, e por isso limito-me a pedir a v. ex.ª que, sem prejuizo de qualquer outra commissão a que o requerimento tenha de ser enviado, o mande á commissão de guerra com promptidão, a fim de se fazer justiça ao requerente.
O sr. A. J. da Rocha: — Fui encarregado pelo sr. Motta Veiga de participar á camara que s. ex.ª não póde comparecer por incommodo de saude, resultante do incendio que houve hoje ás oito horas no predio em que habitava, salvando elle apenas a vida com muito custo e perdendo quasi tudo que tinha em casa.
Por esta occasião peço á mesa que tenha a bondade de me informar se já vieram da secretaria dos negocios do reino os esclarecimentos que pedi com respeito ao projectado asylo da infancia desvalida em Aveiro.
O sr. Secretario (José Tiberio): — -Ainda não vieram.
O Orador: — -Esperarei que cheguem para então poder fallar mais largamente sobre a materia.
Acredito que não tenham vindo ainda esses esclarecimentos por haver na secretaria um grande numero de negocios a tratar; nó entanto parece-me que este objecto devia merecer ali mais alguma consideração, porque depois do meu requerimento feito na sessão de 20 do mez passado fui informado de que, alem dos subsidios dados pelas camaras municipaes do districto, mais 1:000,000 réis tinha sido arranjado pelo meu amigo e patricio o sr. José Estevão Coelho de Magalhães, e outra quantia tinha sido mandada ministrar áquelle projectado estabelecimento pelo sr. Braamcamp, quando ministro do reino.
Parece-me pois que este negocio devo merecer alguma consideração, a fim de que se saiba onde estão esses dinheiros, ou se se lhes deu alguma applicação, devendo antecipadamente declarar que eu entendo que elles devem unica e exclusivamente ser applicados ao projectado asylo.
Quando os esclarecimentos chegarem, peço a v. ex.ª que tenha a bondade de me prevenir.
O sr. Eduardo Tavares: — Ouvi com toda a attenção, como me cumpria, as palavras que o illustre deputado o sr. Guilhermino de Barros pronunciou ha pouco a respeito do protesto solemne que aqui lavrei ha dias contra o que na outra camara tinha dito ácerca d'esta casa do parlamento o seu muito particular amigo, o digno par o sr. Vaz Preto Giraldes.
Louvo e respeito o nobre motivo que determinou o illustre deputado a proceder por tal fórma, e agradeço o favor da sua consideração pessoal que muito prezo.
Convencido como estou, sr. presidente, de que não devemos perder tempo em questões, que não sejam aquellas cuja resolução prompta o paiz deseja e reclama, muito estimaria poder aceitar em silencio as explicações que o illustre deputado deu a respeito da asserção proferida, a meu ver, em desabono dos eleitos do povo, na outra estação parlamentar pelo seu prezado amigo; nao o posso porém fazer: tal silencio pela minha parte importaria a confissão tacita de que ou não tinha comprehendido as palavras aliás clarissimas do digno par, das quaes a folha official nos deu conhecimento, ou tinha vindo aqui de má fé e por acinte, dar a essas palavras um sentido muito differente do que tem, só para ter o gosto de protestar contra ellas. Estas duas hypotheses são assás desagradaveis, e eu peço a v. ex.ª e á camara me permittam que as afaste de sobre mim.
Fui o primeiro a fazer inteira justiça ás intenções do digno par, e isto mesmo o confessou o illustre deputado o sr. Guilhermino de Barros. Eu era incapaz de proceder acintosamente para com quem quer que fosse, e principalmente para com o sr. Vaz Preto de quem não tenho o menor aggravo.
Sr. presidente, ao entrar na sala da representação nacional impuz-me o rigoroso dever de medir todo o alcance dos meus actos e das minhas palavras, para não dar nunca aos meus adversarios politicos o direito á censura merecida ou á represalia justificada.
Tambem aqui declarei que reconhecia a plena liberdade do digno par manifestar na tribuna parlamentar todas as suas opiniões; mas igual direito tenho eu, sr. presidente, para protestar aqui contra essas opiniões quando as reputar offensivas da dignidade d'esta camara, uma vez que o faça guardando todas as conveniencias, e acatando tudo quanto especialmente na minha situação de deputado, me cumpre cautelosamente respeitar. D'esse direito usei, mas sem offender sequer de leve aquelle cavalheiro, nem adulterar o sentido genuino e claro do texto do seu discurso.
O illustre deputado declarou que era amigo intimo do sr. Vaz Preto. Esta simples circumstancia basta para explicar
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a rasão que o levou a attenuar a significação das palavras que deram causa ao meu protesto, pretendendo convencer-nos de que ellas exprimiam uma opinião vaga e indeterminada do digno par a respeito da questão eleitoral; a verdade porém, sr. presidente, é que o cavalheiro de quem se trata, emittiu uma opinião determinada a respeito da camara actual, e eu sem entrar na questão da interferencia dos governos e seus delegados nas lutas eleitoraes, questão para tratar a qual é competentissimo o illustre deputado, que, com honra sua o merecida distincção, tem sido chefe superior de alguns districtos do reino, limitei-me a protestar contra o que julguei offensivo do decoro e da dignidade da camara popular. A affirmativa de que em 1868, e n'um paiz civilisado como o nosso, uma eleição, que no geral reputo liberrimamente feita, não exprime a opinião do povo, mas só a vontade dos ministros, é bastante grave pela deducção fatal a que se presta, para que deva passar sem reparo por parte dos que amam o systema representativo (apoiados). Foi contra tal asserção que protestei solemnemente, porque se ella passasse sem contestação armaríamos os adversarios de tal systema com uma prova em manifesto desabono d'elle (apoiados).
Mais duas palavras e vou terminar. Não quero tomar tempo á camara, que o requer para assumptos mais importantes. Disse o illustre deputado que, em eleições, o melhor systema e o mais liberal, era apresentar-se o candidato aos seus eleitores, apresentar-lhes um programma, discuti-lo largamente com elles, ouvi-los, illustrados, ou deixar-se illustrar por elles.
Se me é licito entreter por um minuto a camara com a rapida exposição _das peripecias liberaes que precederam a minha, eleição direi que ao determinar-me propor a minha candidatura *pela terra da minha naturalidade, e antes mesmo de communicar ao governo tal intenção, fiz o meu programma, e apresentei-me aos meus eleitores em reuniões repetidas. Escutaram-me e escutei-os. Reconheci depois os salutares effeitos de tal systema; a minha eleição, sob diversos pontos de vista, obteve tão lisonjeiro resultado que, francamente o confesso aqui, foi muito alem da minha primitiva e natural espectativa, e da dos meus dedicados amigos. (O sr. Abranches: — Apoiado.) Não tenho mais que dizer.
O sr. Presidente: — Estando adiantada a hora, passa-se á primeira parte da ordem do dia, que é a interpellação do sr. Dantas Guerreiro ao sr. ministro da guerra.
Os srs: deputados que tiverem algumas propostas a mandar para a mesa, podem faze-lo. Tem a palavra o sr. Dantas Guerreiro.
O sr. Fernando de Mello: — Peço a palavra para um requerimento urgente.
O sr. Presidente — Já dei a palavra ao sr. Dantas Guerreiro para verificar a sua interpellação.
O sr. Fernando de Mello: — Mas o meu requerimento é para um negocio urgente.
O sr. Presidente: — Não lhe posso conceder a palavra sem vir á mesa declarar-me o objecto do seu requerimento; assim o determina o regimento.
ORDEM DO DIA
INTERPELLAÇÃO ANNUNCIADA PELO RR. DANTAS GUERREIRO AO SR. MINISTRO DA GUERRA, SOURE O DECRETO DE 12 DE MARÇO DO CORRENTE ANNO, REGULANDO OS EXAMES PARA AS PROMOÇÕES A POSTO DE MAJOR
O sr. Dantas Guerreiro: — Sr. presidente, aceitando o convite que v. ex.ª me fez para realisar a interpellação que tive a honra de annunciar ao nobre ministro da guerra na sessão de 4 de maio, eu não posso deixar de agradecer a s. ex.ª o ter-se dado por habilitado para responder a esta interpellação, porque eu considero de alguma importancia o assumpto sobre que ella versa.
Acho-me um pouco embaraçado para entrar n'esta questão, e o meu embaraço é tanto maior quanto é, para assim dizer, a primeira vez que levanto a minha voz n'esta casa, e no seio de uma assembléa tão respeitavel e tão illustrada.
E ha ainda uma outra circumstancia, qual é ter eu sido sempre admirador do sr. ministro da guerra, cujo caracter integro e probo merece o respeito e a estima de todos.
Mas acima do tudo esta o meu dever como militar. A minha posição n'esta casa impõe-me o dever de velar pelos interesses da classe a que pertenço, pelos interesses do exercito, principalmente n'esta crise que atravessamos, em que o exercito tem dado cabaes provas da sua prudencia e amor á disciplina, concorrendo poderosamente para a manutenção da ordem publica.
Se alguem houve que soubesse cumprir com os seus deveres n'esta occasião, foi sem duvida o exercito. Apello para o testemunho não só da camara, mas do paiz.
Disse que o dever me obrigava a entrar n'esta questão, porque tinha de velar pelos interesses do exercito; porém não é só isso, tenho tambem de velar pela dignidade de um estabelecimento importante do nosso paiz, a escola do exercito, que vejo um pouco compromettida pelo decreto de 12 de março, que o nobre ministro da guerra publicou e vem transcripto na ordem do exercito de 30 de abril.
Não pretendo, nem quero fazer opposição ao governo com esta questão. O governo pelo contrario terá o meu fraco apoio em todas as medidas que trouxer ao parlamento, e que eu entenda que são de proveito e beneficio para o paiz, que tendam a melhorar os diversos ramos de administração publica, e sobretudo que tendam a melhorar o nosso estado financeiro, porque julgo que são estes os desejos de toda a camara.
Esta questão é mais no interesse do proprio sr. ministro da guerra do que do exercito.
Dizendo isto,.digo uma verdade, porque é preciso que h. ex.ª, com as explicações que der á camara, faça desapparecer a má impressão que veiu produzir nas differentes armas do exercito com a publicação do decreto a que me refiro.
Quando. se effectua alguma reforma importante e radical em qualquer ramo do serviço publico, essa reforma é dictada ou pela má organisação do serviço em si, ou pela má execução por parte dos individuos encarregados de o levar a effeito, ou pela esperança de obter melhores resultados.
N'este supposto perguntarei ao nobre ministro da guerra se os majores das armas especiaes promovidos de 1837 para cá, muitos dos quaes são hoje tenentes coroneis, coroneis, e alguns até generaes, têem cumprido ou não cabalmente com os seus deveres durante todo este tempo nas diversas e muito variadas commissões de serviço que têem sido chamados a desempenhar. Se os majores de cavallaria e infanteria promovidos desde 10 de novembro de 1864, data do decreto que estabeleceu os tirocinios para major, têem cumprido com o serviço regimental rigorosamente, se têem concorrido ou não em summo grau para a manutenção da disciplina, e para o bom desempenho do serviço, e se s. ex.ª entende que pelo decreto do 12 de março, que estabelece exames elementarissimos, póde obter majores mais aptos para o serviço, mais disciplinadores, e que melhor saibam cumprir com os seus deveres.
E esta uma questão a que eu espero s. ex.ª responderá terminantemente, para desvanecer a má impressão de que o decreto de 12 de março foi publicado em consequencia da inhabilidade dos majores e mais officiaes superiores das armas especiaes para o serviço e diversas commissões que tenham sido chamados a desempenhar, e dos majores de cavallaria e infanteria promovidos desde as epochas a que me referi até hoje, ou se foi publicado pela falta do cumprimento dos seus deveres por parte dos individuos encarregados de dar e de levar á presença dos ministros da guerra, nas suas propostas, as convenientes informações sobre o bom ou mau desempenho do serviço. Faço inteira justiça ás intenções do nobre ministro da guerra, mas não posso deixar de confessar que s. ex.ª foi menos feliz com a publicação do decreto, porque este assenta sobre uma base falsa a consulta do supremo conselho de justiça militar de 24 de maio de 1837.
O sr. Sá Carneiro: — Peço a palavra; e peço-a, para sustentar o governo.
O Orador: — Não aggrido o governo, por isso não precisa ser sustentado; exponho simplesmente os factos. Disse falsa, no sentido em que é tomada no relatorio que precede o decreto a que me refiro; e parece-me alem d'isso ferirem pouco a lei de 2 de janeiro de 1790, que regula as promoções de engenheria, a lei de tantos de abril de 1835, denominada garantia dos postos, o decreto de 12 de janeiro de 1837 e o decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1864, que organisou a escóla do exercito; e ainda mais, parece-me que vae ferir, e ferir muito, um estabelecimento altamente importante no nosso paiz, a escola do exercito. (O sr. Camara Leme: — Apoiado, apoiado.) Importante não só pelos homens de sciencia que se acham á testa d’aquelle estabelecimento, mas importante ainda pelos individuos filhos d'aquelle estabelecimento, que têem desempenhado diversas e importantes funcções do serviço publico, tanto na classe militar, como no serviço de obras publicas; e muitos d'elles se têem sentado n'aquellas cadeiras (as dos srs. ministros). S. ex.ª, com a publicação do decreto de 12 de março, parece fazer uma grave censura á escola do exercito, porque vem dizer ao paiz que não confia nos diplomas conferidos por aquella escola, e não confia nas provas publicas por que passaram os diversos militares ali encarregados do ensino, porquanto sujeita aquelles que ainda não são officiaes superiores a um exame, em parto de disciplinas que ensinam com proficiencia, e em parte de materias que constituem os programmas para os exames dos officiaes inferiores.
Parece-me 'que s. ex.ª com este decreto não vae em harmonia com o que estabelece o artigo 117.° da carta constitucional da monarchia portugueza, porque ahi se determina que só as camaras é que poderão legislar sobre organisação de exercito, soldos e ordenança sobre promoções...
O sr. Ministro da Guerra: — Peço a palavra.
O Orador: — Peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para depois do sr. ministro da guerra fallar, porque ou terei de louvar o nobre ministro pelas medidas acertadas que tomou com a publicação d'este decreto, ou terei de fazer ainda mais algumas considerações sobre o assumpto.
O sr. Ministro da Guerra (J. M. de Magalhães); — Eis-me aqui outra vez chamado á auctoria, e porquê? Porque não fiz mais do que confeccionar um regulamento no plenissimo uso das minhas faculdades como ministro da corôa...
O sr. Camara Leme: — Peço a palavra.
Desde o regimento de 1645 até ao alvará de 1816, nas promoções até ao posto de brigadeiro, eram a antiguidade, saude e robustez condições essenciaes para os differentes postos; e os brigadeiros e officiaes generaes eram de livre escolha do Rei, attendendo-se sempre naquellas promoções principalmente á conducta e aptidão no serviço para o posto de major, para o qual as leis diziam que não bastava a antiguidade. Para regular essa aptidão entendeu o governo dever consultar o supremo tribunal de justiça militar, para que em sessão plena, e estudada a legislação sobre promoções, indicasse a maneira de promover os mais aptos ao posto para o qual a lei tinha tal condição como impreterivel.
Peço licença á camara para ler esta lei do estado (leu).
A resolução regia tomada sobre a consulta em 1837 foi feita em dictadura, sanccionada pelo corpo legislativo, é por consequencia é lei vigente do estado.
Já se vê que o poder supremo de fazer leis pertence a esta camara, e que a sua execução pertence ao poder executivo; mas o que fez então o poder executivo no plenissimo uso dos seus direitos? Fez o regulamento de 1848 que sujeitava os capitães de infanteria e cavallaria a exame para o posto de major. Este regulamento não satisfez, e mais tarde, em 4 de junho de 1851, publicou-se outro na ordem do exercito n.° 7, que no artigo 8.° determinou que o exame* fosse oral, por escripto e no campo, feito por uma commissão composta de quatro officiaes superiores e presidida por um official general. O antecedente regulamento de 1848 foi julgado inefficaz, tornou-se necessario reformar-se; e na verdade era justo que se adoptasse uma cousa melhor, porque o que hoje é bom póde não ser sufficiente ámanhã, e o governo entendeu em 1851 corrigir os defeitos do regulamento anterior, ou antes ampliar as provas que aquelle exigia.
Vigorou este até 1863, e em 1864 alterou-se a fórma das provas, que foi pelo do tirocinio, que seria muito bom, e seguramente o auctor d'elle o fez nas melhores intenções, mas que deu os peiores resultados. E sabe v. ex.ª porquê? Facil é de comprehender-se. Pois se o capitão que tem quinze ou dezeseis annos de tirocinio, o capitão que tem praticado no seu regimento com o seu major e o seu coronel, que vê todas as operações que faz o conselho administrativo, que presencia a sua escripturação, a contabilidade e emfim todos os recursos de serviço do corpo a que pertence, que quinze ou dezeseis annos esta no posto de capitão, que é este ordinariamente o termo medio de duração n'este posto para entrar no de major, e d'ahi por diante, e eu sou um exemplo, pois que tive de coronel dezeseis annos quatro mezes e sete dias, quasi que se póde dizer a vida de um homem, porque o nosso exercito é pequeno, e não póde n'elle ter logar o accesso com aquella rapidez que ha n'outros exercitos estranhos; infelizmente entre nós os officiaes demoram-se muito tempo nos seus postos, é muito morosa a passagem de uns para outros postos; mas, como ía dizendo, se o capitão que tem, termo medio, quinze ou dezeseis annos n'este posto, não aprende os deveres de major, que é o posto immediato a que aspira, o capitão que tem praticado com o seu major e o seu coronel, como disse, que assiste a todas as operações do conselho administrativo, que vê todo o movimento da escripturação e contabilidade, que observa como se executa todo o regimen disciplinar interno, etc.. se elle ali não aprendeu, como ha de aprender n'um corpo estranho, onde é havido por hospedo, em quatro mezes? E impossivel. Se não esta capaz no fim de quinze ou dezeseis annos, tambem o não esta no fim de quatro mezes.
Tendo a experiencia provado contra este regulamento, que fiz eu? Tratei de o aperfeiçoar, e quando fiz isto não foi senão facilitar melhor a execução da lei; é o que todos os dias se exige, que todos dêem garantias -de bem servir. Se quem administra deve saber administrar, é preciso que esteja ao correr de todas quantas, alterações vão occorrendo todos os dias no serviço do exercito, na sua gerencia e fiscalisação.
Pois será cousa indifferente que o homem, que se habilita para ser vogal permanente do conselho administrativo, para ser gerente effectivo dos fundos de um corpo, administrador d'esse mesmo corpo, fiscal de toda a legislação, de todas as ordens, de todo o serviço, de toda a contabilidade, de toda a escripturação de um corpo, que conheça, principalmente nos corpos de artilheria e cavallaria, pelo menos, as noções mais triviaes ácerca de remontas e trato dos animaes, para nas occasiões de compras ou em destacamentos, e isolado do veterinário, possa saber o modo de conservar ou de adquirir valores importantes que o estado confia á sua pratica esclarecida; será isto indifferente quando se gastam, termo medio, 200:000$000 réis em remontas? Os individuos que têem de fiscalisar este serviço devem ter um certo conhecimento das molestias a que os cavallos ou muares estão mais sujeitos. Eu bem sei que estes conhecimentos não se adquirem nas escolas; mas dar uma prova de saber administrar os fundos applicados para as remontas será indifferente? Será indifferente entre nós, mas na escola de Saumour exige-se muito mais, e para postos mais subalternos (faz-se d'isto até uma especialidade), do que se exige no decreto de 12 de março do corrente anno.
O illustre deputado interpellante fallou aqui em desconsideração para com a escola do exercito. A escola do exercito habilita os individuos para o primeiro posto, ministra-lhes a instrucção com que devem entrar na arma, para depois se lhes dar accesso no exercito (o que é regulado por outras leis, que não as disciplinas escolares), e habilita-os bem para aquelle fim; e honra seja feita ao professorado das nossas escolas militares, que possue bastante cabedal de intelligencia, que não tem inveja a nenhuns professores das nações estrangeiras, que esta ao par da sciencia, e de certo satisfaz á parte especulativa, e vae, no campo das applicações, até onde o permitte uma academia, mas que nunca suppre com vantagem a pratica do serviço.
O curso geral póde não assegurar mais do que a capacidade moral para saber, se quizer; os interesses do estado exigem que queira; cumpre que o major seja verdadeiro fiscal dos interesses da fazenda publica: é esta a sua principal funcção. Um major de artilheria ou de engenheria tem que administrar, e por consequencia precisa de estar ao facto de todas as leis e regulamentos do serviço interno, acompanhar a tactica, que todos os dias esta a mudar, acompanhar os progressos da sciencia, que todos os dias se aperfeiçôa.
Não ha portanto direito para condemnar o decreto de 12 de março, porque é regulamentar, e vae facilitar a execução de uma lei, que é o que incumbe ao poder executivo, e dar melhores garantias ao exercito e ao paiz.
E necessario que todos os officiaes que se propõem aos postos superiores dêem provas de que estão ao par de todos
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os melhoramentos da respectiva sciencia, tactica, manobras, etc...
Foi com este sentido que eu publiquei este decreto, que me parece que facilita mais a execução da lei.
Entendo por consequencia que não violei nenhum principio, que não offendi nenhum direito legitimo, que não desconsiderei ninguem. Não ha quem considere mais do que eu o corpo docente.
N'estes termos a interpellação do illustre deputado veiu muito a proposito; e na materia da propria interpellação está a justificação de que os professores não temem a com ração com os das nações estrangeiras; estão ao par da sciencia, caminham com ella.
Mas se é verdade que os alumnos sáem das escolas perfeitamente habilitados para entrarem nos primeiros postos, será isto rasão sufficiente para que assim continuem até subirem aos postos superiores sem mais nenhuma prova, sem mais nenhuma garantia? Pois não esta todos os dias a sciencia a caminhar; não estão a cada momento a apparecer os inventos n'esta arte de matar gente, na arte da guerra, que tão aperfeiçoada esta para mal da humanidade? Então porque um discipulo saíu da escola, em um anno, habilitado com o diploma de um dos cursos scientificos (e, honra seja feita aos nossos alumnos, temos hoje uma officialidade brilhante em todas as armas), não será necessario ver se durante quinze e mais annos se habilitou para o posto de major, tem continuado a estar ao par da sciencia, a tem acompanhado? Eu entendo que é.
E d'onde vem d'aqui desconsideração para a escola? Os professores podem estar, e estão de certo, ao facto das descobertas que se vão fazendo de dia para dia; e o discipulo, que já deixou a escola e esta arregimentado ou não, póde ignora-las.
É preciso que nós todos demos ao paiz garantias de que sabemos da nossa profissão theorica e praticamente.
Para não tornar a cansar a attenção da camara, vou responder antecipadamente ao sr. Camara Leme, comquanto não tivesse fallado ainda.
Sei que s. ex.ª quer tomar parte na interpellação, para que eu explique as rasões por que não inclui n'este decreto os capitães de estado maior...
O sr. Camara Leme: — Não tem a certeza.
O Orador: — Consta-me isto. Eu vou dizer á camara e a v. ex.ª que não inclui os capitães do corpo de estado maior, porque não posso fazer leis, e para os incluir era preciso fazer uma lei.
• Em primeiro logar não existia o corpo de estado maior quando se fez esta lei, e por consequencia fez-se menção dos capitães de artilheria e de engenheiros, e não se fez menção do que não existia, nem podia legislar-se sobre uma cousa que não existia.
Depois entendeu-se provavelmente, como os capitães de estado maior não têem que administrar, que não era essencial ampliar-lhes desde já as disposições da lei.
Em todo o caso eu não podia sujeita-los ao exame, porque não estavam incluidos na lei; não desespero comtudo de apresentar mais tarde medida que os alcance tambem, porque estes devem reunir tanto quanto se exigir a todos os outros.
Entendo que tenho respondido á interpellação do illustre deputado e meu nobre amigo, e a camara entenderá em sua sabedoria se fiz bem ou mal.
O sr. Presidente: — Alguns srs. deputados pediram a palavra para tomar parte n'esta interpellação, mas eu não lh'a posso dar sem consultar a camara. Vou consulta-la.
Resolveu-se affirmativamente.
O sr. Presidente: — Tem a palavra pela segunda vez o interpellante.
O sr. Dantas Guerreiro: — Sinto realmente não poder concordar com as explicações que acaba de dar o nobre ministro da guerra, meu amigo e parente. E não posso concordar, porque as palavras de s. ex.ª, ou algumas dellas, parecem-me estar em contradicção com o que se acha estabelecido no relatorio e decreto de 12 de março, com a ultima disposição da ordem do exercito de 30 de abril, em que vem publicado o dito decreto, e mesmo com as consultas do supremo conselho de justiça militar de 13 e 24 de maio de 1837.
Diga-se a verdade: a promoção ao posto de major tem merecido a maior attenção dos poderes publicos, não sei se com maior justiça por ser quasi exclusiva d'este posto.
As nossas leis a tal respeito são muito antigas, e na consulta de 13 de maio vem compilado tudo ou quasi tudo o que se achava legislado até áquella epocha sobre promoções.
Estas leis são muito explicitas em relação a algumas das armas do exercito, e principalmente em relação á engenheria, porque a lei de 2 de janeiro de 1790 diz, no § 4.°, que =no corpo de engenheiros preferem nas promoções, independentemente de antiguidade, os que tiverem feito o novo curso militar =.
Portanto parece-me que, quanto aos officiaes de engenheria, não póde haver disposição regulamentar para a promoção, porque vae de encontro á disposição da lei, que é muito expressa.
S. ex.ª fallou nos exames que havia para a artilheria, mas estes exames, estabelecidos pelo alvará de 14 de junho de 1766 e officio de 22 de novembro de 1779, foram decretados em occasião em que ainda não havia um curso regular, e em que ainda não estava prohibida a entrada na arma de artilheria aos officiaes não habilitados com o respectivo curso, como se determinou pelo artigo 40.° do decreto de 12 de janeiro de 1837, que creou a escola do exercito, e regulou as habilitações scientificas que deviam possuir estes officiaes e os das outras armas especiaes.
Passando á consulta de 24 de maio, direi que s. ex.ª não leu a consulta toda, na intenção de não cansar a camara, como disse, mas talvez fosse outro o seu intento; todavia eu peço licença para ler a primeira parte d'essa consulta, porque a acho importantissima. O nobre ministro não leu a primeira parte, que. é muito explicita, e não admitte os exames, e não os admitte para evitar arbitrio, queixas ou reclamações.
Peço pois licença para ler essa consulta na sua integra (leu).
Já se vê que pela doutrina da consulta não se deprehende que deve haver 'exames, pelo contrario propõe sejam presentes as informações semestraes para se formularem as propostas, como o unico meio, note bem a camara, de evitar arbitrio, queixas ou reclamações.
Não sei se todos os srs. deputados conhecem a significação d'estas palavras informações semestraes, mas eu as explico. As informações semestraes eram dadas pelos commandantes, dos corpos e versavam sobre o comportamento do individuo, sobre as suas habilitações scientificas, as companhias que frequentava, a sua aptidão para o serviço, e sobretudo a aptidão que o individuo mostrava para o posto immediato (continuou a ler).
Vou agora entrar na parte que s. ex.ª o sr. ministro da guerra leu exclusivamente á camara, porque esta limita-se simplesmente a applicar as disposições estabelecidas (na parte que já li), para a infanteria e cavallaria, aos corpos de artilheria e engenheria, mas não leu a materia essencial da consulta (leu).
E preciso que a camara note que estes exames para as promoções em artilheria a que n'esta parte da consulta se allude, referem se a epochas muito anteriores á sua data, porque foram estabelecidos, como já disse, por alvará de 1766, epocha em que não havia uma cadeira onde se leccionassem cursos completos e regulares d'esta especialidade, como se estabeleceram pelo decreto dê janeiro de 1837, e por consequencia o exame era puramente scientifico, versava mais sobre a especialidade da arma do que sobre os proprios regulamentos; e emquanto aos engenheiros, esses lá têem a sua lei de promoções de 1790. O que se quer dizer aqui é que não bastam só estas habilitações, é preciso tambem as informações. E o que se tem seguido até agora, os exames são os feitos nas escolas, as informações são as que dão os officiaes dos corpos e generaes commandantes das diversas armas (leu).
O illustre ministro excluiu do exame os officiaes do estado maior, e excluiu muito bem, porque n'este ponto cumpriu perfeitamente a lei. Os officiaes do estado maior não têem nunca de commandar nenhum corpo, não têem mesmo de fazer serviço no quartel. Mas, parece-me que não é realmente isto o que se infere do terceiro periodo do relatorio, que precede o decreto de 10 de março ultimo, porque s. ex.ª refere-se ás promoções em todos os graus da hierarchia militar (leu).
Pergunto eu agora a s. ex.ª — se os officiaes do estado maior não aspiram ao generalato, se não podem ser promovidos a generaes? E quando o forem não devem ter conhecimento de todos os seus deveres? Devem de certo, e então direi a v. ex.ª e direi á camara, se ha alguem que precise ter conhecimento de todas as armas, são os officiaes do estado maior, e tanto, que antes de entrar para o corpo vão fazer tirocinio em todas ellas menos engenheria.
O illustre ministro disse mais que = é preciso que os officiaes tenham perfeito conhecimento dos regulamentos =. É exacto, concordo n'esta parte com s. ex.ª, mas o illustre ministro parece-me que não mandou ver, quando estabeleceu os exames, os programmas das cadeiras que se leccionam na escola do exercito, porque se os mandasse ver, havia de lá encontrar essas materias que se estabelecem no decreto.
A escola do exercito lecciona legislação, administração, grande tactica, pequena guerra, castramentação, hippologia, etc... e as que se não encontrarem nos programmas da escola, encontram-se nos programmas para os exames dos officiaes inferiores, e menos ainda de cabo, tal é a nomenclatura de arreio e reparos diversos.
Diz s. ex.ª que = o official quando sáe das escolas não tem ainda conhecimento profundo da organisação das armas e dos regulamentos em vigor =! E não é isto o que ensina a escola do exercito? Permitta-me v. ex.ª que lhe diga que sinto não ter aqui os documentos que mandei pedir pelo ministerio da guerra, porque desejava fazer presente á camara a consulta que v. ex.ª assignou, e todos os dignos membros dos jurys reunidos, dos exames de habilitação, porque ahi propõem-se, segundo me parece, que estes exames sejam simplesmente de classificação de merito e não de exclusão, porque o individuo depois de ter passado por tantos annos de provas, não póde ser excluido da entrada na arma a que se destina, só porque não satisfez cabalmente áquelle exame.
Ora, diz s. ex.ª que é preciso que o official tenha perfeito conhecimento das innovações que a arte de matar gente (assim chama ás innovações da arte da guerra) tem soffrido.
Concordo com s. ex.ª, mas realmente não vejo nos exames estabelecidos pelo decreto de 12 de março um só ponto em que se diga que o capitão que aspirar a ser major tem de dar provas de perfeito conhecimento d'essas innovações; o que vejo é tratar-se simplesmente de regulamentos. E pergunto á camara, se algum sr. deputado se lembrou nunca de propor que o sr. presidente fosse examinado sobre o regimento d'esta casa, para o fazer cumprir! A questão é saber se os principios geraes, e os regulamentos não são mais do que a applicação d'esses principios. E seria preciso mais, seria preciso que em seguida á publicação de cada regulamento se estabelecesse que os officiaes fizessem exame d'elle, porque aliás não podiam nem estavam habilitados a pólo em execução, e nem poderiam mesmo passar ao posto immediato, qualquer que fosse sua graduação.
Diz s. ex.ª, no relatorio que precedeu o decreto = o tirocinio estabelecido na ordem do exercito de 10 de novembro de 1864 não satisfaz, porque, se não é uma ficção, pelo menos é uma inutilidade e um enfado sem proposito, porquanto não é possivel que o official se possa habilitar durante quatro mezes para desempenhar bem as funcções de major =. E na ultima disposição da ordem do exercito diz que =os exames se devem espaçar quatro mezes, para que os capitães mais antigos na escala do accesso se possam preparar convenientemente, ficando mantido o praso estabelecido pela disposição de 22 de outubro de 1864, isto é, o praso de quatro mezes estabelecido para o tirocinio =.
Não posso combinar bem a doutrina d'estas duas disposições, que esta em perfeita contradicção.
Diz ainda mais s. ex.ª que o tirocinio é inadmissivel. Peço tambem licença para ler á camara a conta em que eram tidos os exames, ou principalmente o que diz respeito á suppressão dos exames, para a camara poder ver o que os exames podem ser, porque o systema é o mesmo que o de 1851, com a differença dos jurys permanentes. E o que póde ter de peior (leu).
Já vê pois a camara o juizo que o illustre e respeitavel general Passos formava dos exames, quando ministro da guerra; «são uma completa ficção, e podem ser instrumento de saciar más paixões ou de dar aso ao patronato».
Não quero irrogar censura aos membros que compõem o jury dos exames, porque tenho por todos a maior consideração, sou amigo de alguns d'elles e faço justiça ao seu saber, á sua honradez e á sua integridade; mas o facto é que os exames estabelecidos em 1848 não se poderam levar á execução, como se deprehende do aviso do ministerio da guerra de 4 de maio de 1850, que determinou que ninguem podia ser promovido ao posto de major de cavallaria e infanteria sem satisfazer ás habilitações anteriormente exigidas, mas ainda assim, só depois, em 4 de junho de 1851, é que definitivamente se estabeleceram os exames por uma determinação do commando em chefe do exercito.
O nobre ministro, referindo-se aos officiaes que sáem das escolas, expressou-se nos seguintes termos: «Saem habilitados, mas é preciso mais garantias».
Chamo a attenção da camara ainda para este facto.
Pois são precisas garantias para um official de engenheria ser promovido ao posto de major?
Quaes são essas garantias?
E um exame sobre legislação e sobre administração de um corpo, e um exame sobre escola de pelotão!
Sr. presidente, um major não commanda um pelotão, é-lhe dada uma força superior, e póde-se dizer, sem perigo de errar, o official de engenheiros só em circumstancias excepcionaes é que póde commandar força; a sua missão é mais elevada, é puramente scientifica (apoiados).
Agora pergunto aos meus collegas, que são engenheiros, se o serviço de engenheria desempenhado por coroneis, tenentes coroneis, majores e capitães, não póde ser desempenhado por tenentes?
As commissões de engenheria são muito variadas; a commissão do corpo é muito secundaria, e o que digo em relação á engenheria póde dizer-se em relação á artilheria, que esta no mesmo caso.
Quer V. ex.ª e a camara saber as -variadas commissões em que os officiaes de engenheria, não fallo dos officiaes do estado maior, porque esses foram muito bem excluidos dos exames, olhando á legalidade mas não á equidade, podem ser empregados?
Peço licença para ler o artigo 21.° da carta de lei de 23 de julho de Í864, que diz as differentes funcções em que os officiaes podem ser empregados (leu).
Agora pergunto ¦—- se um official de engenheria, dada a hypothese que não satisfaça ao exame de pelotão (menos do que se exige ao sargento, porque a este exige-se-lhe a manobra de batalhão), fica fóra do accesso unicamente por esta circumstancia? Parece que sim.
Isto é uma cousa que não se póde admittir, porque as commissões em que podem ser empregados são muito mais importantes.
Agora lerei tambem o artigo 29.°, que se refere ás commissões desempenhadas pelos officiaes de artilheria (leu)!
Ora, já vê V. ex.ª que os officiaes das armas especiaes sáem das escolas habilitados para desempenharem qualquer ramo de serviço ou qualquer commissão scientifica, não têem concorrencia em hierarchia, scientificamente fallando, tem-na apenas nas repartições que demandam maior responsabilidade e categoria para a sua direcção.
Já vê pois V. ex.ª e a camara que os officiaes das armas especiaes, passando por um grande numero de provas por espaço de muitos annos, depois de passarem mesmo pelo exame final de habilitação e classificação, não podem sem repugnancia sujeitarem-se a um concurso de tão pequena importancia. Nem mesmo por hypothese se póde admittir que elles possam ser excluidos da promoção a major só porque não satisfizeram a um exame tão elementar (apoiados).
Emquanto ao programma estabelecido para os exames, já claramente demonstrei que uma parte das materias n'elle mencionadas são leccionadas na escóla do exercito; portanto os alumnos, quando sáem da escola, mesmo os de infanteria e cavallaria, podem dizer-se completamente habilitados.
Quando eu fiz a minha interpellação, dirigi algumas perguntas ao nobre ministro da guerra, e pedi-lhe que tivesse a bondade de me responder cabalmente, porque das suas explicações dependia o fazer desvanecer a má impressão que no exercito produziu o decreto que estabeleceu os exames.
Perguntei a s. ex.ª se os majores das armas especiaes, alguns dos quaes são hoje tenentes coroneis, coroneis e até generaes, têem ou não cumprido escrupulosamente com os
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seus deveres? Têem ou não desempenhado dignamente todas as commissões para que têem sido nomeados? Se elles cumpriram rigorosamente com os seus deveres, o exame é inutil completamente, alem de o ser já para todos aquelles que têem os cursos completos. Ainda podia admittir-se o exame para aquelles, que não têem passado por algumas provas, mas nem mesmo para esses, porque lhes não proporcionaram os meios de se poder habilitar.
E, pergunto eu: com que direito, fundado em que lei se vae tolher a carreira a um homem, só porque não respondeu a esta ou aquella materia do exame, que tem prestado immensos serviços á causa da liberdade, e que não tem nas suas commissões militares uma só nota que mostre que elle as tem desempenhado mal?
Outra cousa que tambem perguntei na minha interpellação foi se os commandantes dos corpos, os commandantes das brigadas, os generaes commandantes das divisões, e os generaes commandantes das armas especiaes cumpriram ou não rigorosamente os seus deveres, quando davam as informações da aptidão dos capitães, seus subordinados, para o ascenso ao posto de major.
E a respeito d'estas questões, a que s. ex.ª se não dignou responder, que eu novamente insto para que o faça, porque é preciso que o exercito saiba sobre quem deve recaír a responsabilidade da medida.
O sr. Camara Leme (sobre a ordem): — A minha moção de ordem consiste no seguinte (leu).
Vou fundamentar esta moção.
Não ignoro, sr. presidente, que uma das condições essenciaes para que um exercito seja forte e desempenhe cabalmente as funcções, que a sociedade lhe impõe, consiste em que todos os commandos, desde os menos importantes até aos mais elevados na hierarchia militar, sejam exercidos por militares que ás mais condições, que devem distinguir sempre todo o homem de guerra, reunam certas habilitações correspondentes aos postos que exercem.
Sei que em todas as nações, cuja organisação se póde tomar hoje por modelo, a lei tem determinado as condições de capacidade que regulam as promoções nos diversos postos desde o simples soldado até ao de general. O principio geralmente admittido de que a cada funcção do serviço publico deve corresponder uma conveniente habilitação, não póde ser rejeitado na carreira das armas, porque seria rebaixar a nobilissima profissão militar ás condições de um mister mechanico em que a pratica menos esclarecida dispensasse o auxilio de toda a luz intellectual.
,A guerra é n'este seculo mais do que nunca uma sciencia vastissima, que pede auxilio a muitas outras sciencias.
Sei, sr. presidente, que os exercitos mais exemplares na sua organisação, na sua disciplina e na sua instrucção, e mais ennobrecidos com distinctos feitos no campo de batalha, são exactamente aquelles em que a sciencia preside a todos os trabalhos militares. Naquelles exercitos as palmas da intelligencia abraçam-se com os louros da victoria, o vigor do entendimento convive com os brios do coração.
Sei que em Portugal têem surgido muitas difficuldades para se attender á regeneração moral de muitos serviços do estado. Alguns fundamentos desconnexos se têem lançado para sobre elles se estabelecer a illustração do exercito, em harmonia com as instituições que nos regem; sei tambem que as habilitações não são ainda obrigatorias como conviria, que fossem para estes postos.
E fóra de duvida que um exercito convenientemente instruido é um seguro penhor de bons resultados da guerra e um elemento poderoso da civilisação do paiz. Ninguem póde contestar esta verdade.
Assegurar pois ao exercito uma nova origem de forças, de resplendor e de respeito social, é um pensamento que honra muito o sr. ministro da guerra; mas a questão que se ventila é outra. E uma questão de legalidade, de opportunidade e de summa importancia pelo lado economico, attendendo ao estado grave da fazenda publica.
A questão das promoções do exercito é muito difficil de resolver; affecta interesses adquiridos e póde dar logar a grandes injustiças.
Para que v. ex.ª comprehenda a difficuldade do assumpto, basta ouvir as duas opiniões em contrario dos relatorios apresentados pelo sr. ministro da guerra actual e o sr. ministro da guerra Passos; basta ver o relatorio que precede o decreto de 12 de março, do sr. ministro actual, e o que precede o projecto d'aquelle illustre ministro e honrado official (apoiados).
O sr. Passos diz que os exames não têem produzido bons resultados, que a experiencia tem provado que são uma pura ficção, e que podem dar logar ao patronato; o do sr. ministro da guerra actual, quasi que pelas mesmas palavras, diz o contrario.
Duas idéas inteiramente contrarias. Amanhã vem um outro ministro da guerra, e estabelece novamente o tirocinio e revoga os exames; e em resultado o official nunca póde calcular a sorte que o espera.
O illustre deputado fallou no artigo 117.° da carta, e eu peço licença para ler esse artigo, porque me parece que é muito explicito (leu).
Que quer dizer isto? Quer dizer que este objecto é de tal importancia, que o legislador da carta constitucional julgou conveniente que o corpo legislativo -se occupasse d'elle.
Mas ha ainda outra disposição, a que já se referiu o illustre deputado interpellante, que é a lei de 1835, que garante as patentes e o accesso dos officiaes em virtude das boas informações.
Ora, os fundamentos com que o sr. ministro da guerra legislou sobre este assumpto tão importante, não me parece que justifiquem tal medida. S. ex.ª estabeleceu os exames, não só para os cursos de infanteria e cavallaria, mas tambem para as armas scientificas. Isto não póde ser; é inter-vir nas attribuições do poder legislativo. Os officiaes das armas scientificas, satisfazendo a certas habilitações que a lei exigiu, comprehende-se que era para todos os postos
(Interrupção do sr. José de Moraes.)
Lá vou já á questão da despeza, e espero que o illustre deputado me apoiará.
O sr. José de Moraes: — Se apresentar boas economias, conte commigo.
O Orador: — A questão é de tal importancia, não só em Portugal, mas em todas as nações, cuja organisação militar se póde tomar por modelo, que acabo de receber ha dois dias a nova organisação do exercito prussiano, que julgo ninguem deixará de considerar uma das primeiras organisações da Europa, organisação que eu direi de passagem não ser outra cousa senão a nossa "organisação de 1816; organisação perfeita e que oxalá que ainda vigorasse em Portugal, porque a nossa independencia seria garantida, o que me parece que não acontece com tantas organisações deficientes que se têem decretado posteriormente.
Sobre o assumpto que se trata, que é exactamente sobre o accesso dos officiaes inferiores, eis-aqui o que diz a organisação do exercito prussiano em 1868:
«É o rei que decide o accesso dos officiaes, que póde ser feito pela antiguidade ou pela escolha. O ultimo modo tem a vantagem de fornecer ao exercito officiaes superiores novos e jovens generaes; tem porém o grave inconveniente de provocar a intriga e a injustiça e de offender a dignidade de um grande numero de bons officiaes.»
Isto é lá; agora imagine V. ex.ª e a camara a que graves inconvenientes daria logar este arbitrio na nossa terra.
Continúo a ler.
«Em França usa-se d'estes dois systemas de accesso, e elles se equilibram. Entre nós (na Prussia) o uso consagrou o da antiguidade, o que se acha justificado pela consideração que lá os officiaes, provindo da mesma origem, tendo uma identica instrucção, possuem em geral as mesmas qualidades militares, pois que têem tido que passar pelas mesmas provas. Tambem se admitte em principio que um official preterido por outro menos antigo, deve retirar-se ou pedir a sua reforma, ficando á sua disposição outros empregos, taes como os de officiaes nos semi-invalidos, na gendarmeria, etc...»
Aqui e que é o ponto grave. As escolas regimentaes que eu esperava que o nobre ministro apresentasse agora, porque dellas é que resulta esta instrucção uniforme, não mereceram a solicitude de s. ex.ª
Aqui tem V. ex.ª a importancia do assumpto, e como se considera n'uma das primeiras nações militares da Europa.
Considero-me n'uma posição embaraçosa, porque tenho a maior deferencia pelo nobre ministro; sou seu amigo particular: mas seja qual for a deferencia que tenha para com s. ex.ª, que de certo é muita, a minha posição de deputado e a minha consciencia obrigam-me a entrar n'esta questão, que eu reputo de tanta importancia, que o illustre ministro transacto não se atreveu a legislar sobre assumpto que eu considero da exclusiva competencia do corpo legislativo. Que fez? Nomeou uma commissão para tratar do objecto. Sabe v. ex.ª quanto tempo levou esta commissão a elaborar o seu excellente relatorio? Seis mezes; tal era a importancia do assumpto. Sabe v. ex.ª quem fazia parte d'esta commissão, excluindo-me? Era o sr. general Baldy, que é uma das primeiras illustrações militares do nosso paiz (muitos apoiados). O sr. general Palmeirim que sobre cousas militares é sabedor e competente (apoiados). O sr. barão de Wiederhold, que é um honrado caracter (apoiados), um homem mais de bem que conheço, um homem illustradissimo (apoiados), militar muito versado nas questões militares, que foi muito tempo empregado na secretaria da guerra, que as apalpa e as sabe. O sr. Latino Coelho, uma das primeiras illustrações litterarias e scientificas do nosso paiz (apoiados). O meu illustre amigo e camarada, o sr. José Paulino e muitos outros illustres officiaes. Pois esta commissão, depois de um estudo profundo, considerou a questão por todos os lados. Ora, tendo s. ex.ª o nobre ministro este projecto já prompto, estudado e meditado, porque o não seguiu e o apresentou ao parlamento? Basta ler o relatorio, que é elaborado por um dos seus mais distinctos membros, para avaliar este importante trabalho, que provavelmente ficará sepultado nos archivos da secretaria da guerra.
A respeito do assumpto em questão que se ventila, o sr. ministro da guerra entrincheirou-se na consulta do supremo conselho de justiça militar; mas parece-me que terei a fortuna de lhe fazer abandonar o terreno.
Que diz a consulta? Refere-se aos officiaes mais habeis; e tanto estas palavras — os mais habeis — foram tidas em consideração pelo supremo conselho de justiça militar, que elle as sublinhou.
Mas qual era a maneira de conhecer os mais habeis? Era por meio d'essas informações a que se referiu ainda agora o illustre deputado; era este o principio adoptado para não dar logar ao arbitrio.
Não eram os exames, eram as informações, porque as informações d'essa epocha não eram uma ficção, eram uma realidade.
Mas eu não desejo entrar em largas considerações; vou por isso fazer a diligencia por ser o mais conciso possivel.
Eu concordava em que o illustre ministro da guerra estabelecesse para as armas especiaes um exame em harmonia com as funcções que tem a desempenhar um major de engenheria ou de artilheria. Mas como legislou o nobre ministro para as armas especiaes?
Realmente exigir a um major de engenheiros que faça exame sobre, parece-me que é, escola de pelotão, é desconsidera-lo e rebaixa-lo da sua posição!,
Pois então um major de engenheria não tem funcções importantissimas a desempenhar, não ha conhecimentos mais importantes a exigir-lhe do que commandar uma escola de pelotão?!...
Mas s. ex.ª, legislando para as armas especiaes, excluiu o corpo d'estado maior, que é um corpo que deve ter conhecimentos especiaes para preencher o fim da sua elevada missão, quando por analogia podia exigir-lhe tambem exames; era logico exigir-lh'os.
E os absurdos que vão resultar d'esta medida? Quer V. ex.ª saber quem são os primeiros individuos que vão ser examinados? São dois ou tres lentes, officiaes distinctissimos da. escola do exercito (apoiados. — Vozes: — Ouçam). Ora, imagine V. ex.ª que estes individuos são reprovados no exame; em que posição ficam? (Apoiaãos.) Fallou-se no jury. Quem é o jury? O jury é constituido por officiaes, aliás muito habeis, mas que" têem conhecimento de muito menos materias que os examinados (apoiados). Veja v. ex.ª em que triste situação ficam estes officiaes, se porventura forem reprovados. Depois d'esse facto como hão de ir ensinar na escola do exercito? E impossivel (apoiados). Ficam sem auctoridade (apoiados). É exactamente o que poderá acontecer a homens illustrados e lentes distinctissimos da escola do exercito (apoiados).
Ainda mais. Realmente apresentar o sr. ministro da guerra como argumento para defender o seu decreto a exigencia que se faz aos officiaes de artilheria de terem noções de veterinaria, é uma cousa que não póde ser aceita. Que lhe exigisse terem noções, e estarem ao alcance de todas as questões importantes de artilheria, das questões que ácerca d'esta arma se agitam hoje em todos os exercitos bem organisados, do systema de carregar a peça pela culatra ou pela bôca, e se a artilheria deve ser de ferro, se de bronze, isso sim; mas questões de veterinaria, essas lá esta o alveitar para as tratar, e não o official de artilheria, cuja missão é muito mais elevada (apoiados).
Se o sr. ministro da guerra quer seguir a idéa que apresenta no seu decreto a respeito das habilitações que devem ter os majores, se essa idéa é boa, porque não vae s. ex.ª mais adiante? Porque é que dispensa os generaes? (Apoiaãos.)
O posto de general n'um exercito é um posto importante, e não vejo motivo para se lhe não exigirem habilitações (apoiados). O posto de general é um posto tão importantissimo que da decisão de um general depende muitas vezes a sorte de uma nação (apoiados). S. ex.ª para exigir essas habilitações não precisa lei nova, porque isto não é materia nova entre nós; já esta attendida no alvará de 1801. Não haja todo este rigor só para os pequenos, vá tambem aos generaes (apoiados). O sr. ministro não precisa para isso senão executar a lei vigente. A consulta, com que tanto se tem argumentado, diz que se escolhessem os coroneis mais habilitados; mas, alem d'isto, ha o alvará de 1801.
Desde já prophetiso á camara que se esta lei for approvada, de cada major que for provido, tres pelo menos pedirão a sua reforma. Ora, cada capitão que for reformado no posto de major, o que importa? N'um tenente que é promovido a capitão, n'um alferes a tenente, e n'um sargento a alferes!.. É sabe v. ex.ª o numero de despachos que ha annualmente para o posto de major? Anda, termo medio, por quatro ou cinco na infanteria e dois ou tres na cavallaria; e por conseguinte, multiplicando por cada um mais tres, dá em resultado dezoito majores reformados cada anno!!
Mas, como se vê, estes meus calculos e observações não dizem respeito aos officiaes das armas especiaes, porque esses estou convencido de que hão de ir ao exame e hão de ficar approvados.
Entretanto chamo para tudo isto a attenção da camara.
Como já disse, não desejo fazer opposição ao illustre ministro; mas como s. ex.ª apresentou a questão e tomou parte n'ella, vejo-me na obrigação de tambem entrar no debate como costumo com toda a franqueza.
Mas não quero realmente dar desenvolvimento a este debate, e por isso vou agora tratar da questão a que deu logar a minha moção, pondo de parte a da legalidade.
Quer V. ex.ª saber o que resulta d'esta lei? Resulta o augmento de despeza que vou explicar á camara. E n'este ponto creio que o illustre ministro concordará commigo =» parece-me que s. ex.ª não póde legislar em assumptos que pertencem ao corpo legislativo =.
A maior parte dos. officiaes que são hoje capitães de infanteria e cavallaria, têem praça de 1832 e 1833, entraram na vida militar n'uma epocha difficil, por conseguinte não tiveram tempo de cursar as escolas; e o que acontece em virtude d'esta lei? Acontece, se esse exame não for uma ficção, que pelo menos dois terços d'esses capitães não se julgam nas circumstancias de ir ao exame; e vendo-se n'essa situação difficil, vendo a sua carreira perdida, pedem a sua reforma. Ora, reforma o que quer dizer? Que passam a ter em logar de 400000 réis 450000.
E elles procedendo assim fazem muito bem.
Parece-me que s. ex.ª não attendeu a esta circumstancia.
Pois conte que se hão reformar, calculando pelo mais baixo, dezoito capitães de armas de cavallaria em todos os annos. E estes dezoito reformados, vencendo pela tarifa de 1714, augmentarão consideravelmente a despeza, sem se obterem os resultados que s. ex.ª imagina.
Ora, junte-se esta verba á verba avultadissima que é consumida pelos officiaes que estão hoje reformados, que anda por 500:000$000 réis, e teremos em pouco tempo elevada a mais 100:000$000 réis.
E digam-me se nas circumstancias em que esta o thesouro isto se póde sanccionar!
A proposito, permitta-me o nobre ministro que chame a sua attenção para um projecto que acaba de ser apresen-
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tado pelo sr. ministro da fazenda relativamente ás aposentações e reformas.
Eu entendo que, a palavra reformas se refere aos militares; porém não vejo o sr. ministro da guerra assignado no projecto, e por isso ignoro se s. ex.ª está de accordo em que aquelle principio é extensivo á classe militar...
O sr. Ministro da Guerra: — A todas as classes.
O Orador: — Como s. ex.ª não vem lá assignado, entendi que era agora occasião de perguntar a s. ex.ª se estava de accordo.
Aproveitarei entretanto ainda a palavra para, de passagem, fazer outra pergunta as. ex.ª
Referi-me ind'agora ao corpo de estado maior. Correm ás vezes boatos que não têem fundamento, mas a verdade é que se diz que s. ex.ª não estabeleceu os exames no corpo de estado maior, porque tem tenção de extinguir aquelle 'Corpo.
O sr. José de Moraes: — E eu voto!
O Orador: — O illustre deputado vota tudo, e é capaz de votar o maior absurdo d'este mundo.
O illustre deputado é entendidissimo n'estas cousas militares, e é de parecer que o corpo de estado maior deve ser extincto.
Pois saiba que o resultado da memoravel batalha de Sadowa se deve exactamente ao corpo de estado maior prussiano. Este corpo é considerado em todas as nações militares como um dos principaes elementos dos exercitos modernos; no nosso paiz tem prestado importantes serviços em tempo de paz, e seria para lamentar que o sr. ministro 'da guerra propozesse a sua extincção. Em occasião opportuna tratarei d'esse objecto mais desenvolvidamente. Agora não desejo tomar mais tempo á camara.
Mando para a mesa a minha moção de ordem, e peço á camara desculpa de lhe ter roubado a attenção por tanto tempo. (Vozes: — Muito bem.)
O sr. Presidente: — Como não ha proposta alguma em 'discussão, os srs. deputados podem apreciar a moção do sr. Camara Leme.
Tem a palavra o 'sr. ministro da guerra.
O sr. Ministro da Guerra: — Sr. presidente, sinto ter de tomar novamente a palavra, mas não posso deixar de o fazer; comtudo, direi muito pouco, mesmo porque a hora já vae bastante adiantada.
Quod volumus, facile credimus. O illustre deputado engendrou um discurso ad terrorem, para fazer crer á camara que ha augmento de despeza. A respeito das suas considerações, e das outras reflexões que fez, não é possivel acompanha-lo, assim como o não posso acompanhar na sua eloquencia, porque isso só acontece a quem tem facilidade de fallar, e eu, infelizmente, não a possuo.
Começo por negar o augmento de despeza, e quando o illustre deputado e a camara considerarem bem que nas propostas que o sr. ministro da fazenda apresentou se diz que =não póde ninguem ser reformado, aposentado e jubilado sem que se prove por uma junta de saude que existe impossibilidade physica, moral ou intellectual = ver-se-ha que não póde haver esse receio do augmento de despeza, porque effectivamente não o ha.
Uma voz: — Ha prasos fixos.
O Orador: — Direi que me maravilha sobre modo que o illustre deputado esteja em contradicção comsigo mesmo, porque o illustre deputado fez parte da commissão que tratou da organisação do exercito, das leis de reformas, da lei de recompensas, promoções, etc. e no relatorio d'essa commissão, que vou ler, diz-se (leu).
Não combate a conveniencia da medida; isto é relativo á promoção.
Uma experiencia não se adquire nas academias; as sciencias estudam-se, mas não se profundam sem a pratica; a experiencia só se adquire com a pratica, e esta alcança-se nos corpos, fazendo e praticando o ensino das academias...
(Interrupção do sr. Guerreiro, que se não percebeu.)
Peço ao illustre deputado que me não interrompa; as interrupções fazem gastar mais tempo, e eu não desejo tomar muito tempo á camara, o que é tambem uma economia; isto é que é a primeira economia, e não o vir com argumentos ad hominem, ad terrorem, dizer que a medida que adoptei produz augmento de despeza.
Tenho feito muitas economias sem ferir os interesses de ninguem, nem com prejuizo de serviço, porque não entendo economias quando o bom serviço soffra; mas hei de faze-las sem offender os interesses do exercito que eu tenho a peito tanto, como o bem do paiz.
Diz mais o sr. deputado no relatorio (leu).
Esta aqui outro official distincto, o sr. Sá Carneiro, que tambem foi membro d'esta commissão, e este relatorio acha-se redigido por verdadeiros ornamentos do nosso exercito, começando pelo presidente e acabando no secretario.
Mais adiante diz a commissão (leu).
Ora, isto é dito por uma commissão de que faz parte o sr. D. Luiz da Camara Leme. E pergunto ainda a s. ex.ª a que proposito vem os exames nas armas scientificas? O proprio illustre deputado é que confessa que elles são necessarios.
Como fallou da Prussia, eu quero tambem trazer de lá exemplos, e vou ler portanto o regulamento da arma de artilheria (leu).
Ora aqui esta como s. ex.ª chamou absurdo ao systema de exigir um exame na passagem do posto de capitão para o de major.
O sr. Camara Leme: — Eu chamei absurdo o resultado da legislação que v. ex.ª estabeleceu.
O Orador: — Disse o illustre deputado que = n'outro tempo as informações eram exactas, conscienciosas e verdadeiras, e que por consequencia se podia julgar sobre ellas como sobre as tábuas da lei, mas que agora são uma ficção =. Se são uma ficção, entendo eu que é esse mais um fortissimo motivo para se estabelecer os exames, a fim de se conhecer se os commandantes faltaram á verdade, ou se as informações foram dadas com conhecimento e consciencia dos factos.
Emquanto ao generalato, direi que me querem fazer dictador á força, e eu não quero ser. Eu não quero senão facilitar a execução das leis, e promover o seu melhor andamento; e se fosse estabelecer exames para os generaes, então legislava por minha conta, e isso é que eu não desejos
E os capitães do estado maior que ficaram de fóra?! É verdade que sim, porque eu não quero, como já disse, legislar com o parlamento aberto; mas descansem os illustres deputados que hei de chegar aos generaes e a todos, desde o primeiro grau ao mais infimo da hierarchia militar.
E preciso estabelecer as escolas regimentaes, disse o illustre deputado; e eu concordo. Bem sei que isso traz augmento de despeza, mas ha de fazer-se, porque não se póde obrigar um funccionario a apresentar certos e determinados conhecimentos, e passar por provas que demonstrem se os tem ou não tem sem que se lhe facilite os meios de adquirir esses conhecimentos; e a maneira de conseguir esse fim é estabelecendo as escolas regimentaes, regidas por homens competentes, para que ninguem passe do grau A sem saber o que é o grau B. etc... Isto trará talvez algum augmento de despeza, mas creio que bem compensado ha de ser, porque vae garantir ao paiz bons servidores, sendo portanto completamente justificado esse augmento.
Estes são os meus principios; firmado n'elles é que eu lavrei o decreto de 12 de março de 1868, embora isso peze a alguem; mas não me importa. A lei permittia-me que eu fizesse o que fiz; estou pois no circulo das minhas attribuições e a camara decidirá sobre se eu fiz bem ou mal.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte:
Proposta
Considerando que a execução do decreto de 12 de março do corrente anno, que regula o accesso do posto de major nas armas especiaes, e nas de cavallaria e infanteria do exercito, envolve necessariamente augmento de despeza, a qual no decurso de poucos annos subirá a uma importante verba;
Considerando quanto é grave, nas actuaes circumstancias, o estado da fazenda publica:
Proponho que seja suspensa a execução do referido decreto, até que o governo apresente ás côrtes uma proposta de lei que estabeleça as convenientes regras ácerca das promoções do exercito. = Camara Leme.
Foi admittida.
O sr. Sá Nogueira: — A proposta do illustre deputado o sr. Camara Leme envolve uma censura ao governo, por ter transgredido as leis, e propõe s. ex.ª que fique propenso o decreto de 12 de março d'este anno, publicado pelo ministerio da guerra.
Ou o governo transgrediu a lei ou não: se transgrediu, não podemos tomar resolução alguma sem ouvirmos as estações competentes; mas se não transgrediu, irá a camara atacar as attribuições do poder executivo, o que não se deve fazer por modo algum.
Entendo pois que o modo de se saír convenientemente d'este embaraço, se isto é embaraço, é que a proposta do sr. Camara Leme seja remettida á commissão de infracções, para sobre ella dar o seu parecer, ouvida a commissão de guerra, que é aquella que mais deve conhecer as leis militares.
Então se saberá se o governo transgrediu ou não. Mando para a mesa uma proposta n'este sentido.
É a seguinte:
Proposta
Proponho que sobre esta proposta dê o seu parecer a commissão de infracções, ouvida a commissão de guerra. = Sá Nogueira.
Foi admittida.
O sr. Ministro da Guerra: — Sei sem ninguem m'o dizer o fim d'esta interpellação e o caminho a que me querem levar, mas isso para mim é indifferente, porque já declarei de uma vez para sempre que não metti empenhos para ser ministro; o espirito de obediencia é que me faz estar aqui, e emquanto aqui estiver hei de fazer toda a diligencia para cumprir com o meu. dever. Mas permitta-me v. ex.ª que lhe diga, respeitando, como respeito, o illustre deputado, o sr. Sá Nogueira, que me parece que isso importa uma proposta de adiamento da execução de um decreto que o poder executivo promulgou no uso do seu direito.
Parece-me por consequencia que isso é uma cousa que não póde ser admittida, sem perturbar completamente os esteios em que se firma a divisão dos poderes.
O sr. Freitas e Oliveira: — Poucas palavras direi para justificar a minha moção. Não me parecia inconveniente que se ouvisse a commissão de guerra, se por acaso na disposição do decreto promulgado pelo sr. ministro da guerra tivesse havido uma infracção de lei; mas não a ha, porque o sr. ministro estava no uso das suas funcções como governo (apoiados). Esta é a minha opinião. Parece-me pois escusado ir a uma commissão; sobretudo á commissão de infracções por modo algum.
Mando pois a minha moção para a mesa (leu).
(Interrupção do sr. Camara Leme que se não percebeu.)
Não me assusta isso muito, visto que vae ser posta á discussão em pouco tempo a proposta do governo, na qual. se acaba com as reformas e aposentações; e desde o momento que a camara vote, como estou persuadido votará, acabam os receios do sr. Camara Leme, porque não haverá aquella despeza das reformas.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
A camara, ouvidas as explicações do governo, passa á ordem do dia. = Freitas e Oliveira.
Foi admittida.
O sr.. Sá Carneiro: — Vou começar a fallar sobre um assumpto para que não pedi a palavra, mas para fazer uma observação a uma moção apresentada pelo sr. Camara Leme.
N'esta moção falla-se em augmento de despeza, mas não sei d'onde elle possa provir! Declaro que me fez muita impressão, porque não sei aonde s. ex.ª achou esse augmento de despeza, ou como elle possa resultar do decreto que fez objecto da interpellação do sr. Guerreiro.
E sabe o illustre deputado por que não póde haver augmento de despeza? E por que estou certo que o sr. ministro da guerra, no conjuncto de medidas que ha de apresentar ao parlamento, ha de trazer uma reducção nos quadros que não podem ficar como estão (apoiados).
Ahi é que vae uma grande economia. Se tenho a convicção intima e profunda de que o sr. ministro, uma vez que faz parte de um governo essencialmente economico (e se o não for é impossivel sustentar-se, porque então o paiz ha de repelli-lo), já se vê que não posso concordar com a moção do illustre deputado quanto ao augmento da despeza.
Não posso comprehender que haja um exercito de 18:000 homens, que tenha na infanteria 40 coroneis, na artilheria 18, e na engenheria 7 ou 13; isto não póde ser (apoiados).
Na Belgica, que dentro de poucos dias póde reunir um exercito de oitenta ou cem mil homens, ha dezeseis coroneis de infanteria!
A respeito de exames poderei ámanhã apresentar na mesa um livro publicado em maio ultimo, em que se diz que = o accesso dos postos na Prussia são por concurso =.
(Interrupção.)
Quanto á legislação moderna, fallaremos.
Na Inglaterra de tres em tres mezes se apresenta a relação dos officiaes promovidos, dando o motivo por que um que era mais' moderno foi promovido e deixou de ser outro mais antigo.
Agora direi que não sei o motivo por que o sr. Guerreiro não quer que se sujeitem os officiaes scientificos a certas provas.
(Interrupção do sr. Dantas Guerreiro.)
Perdoe o illustre deputado, mas a sua argumentação tende a esse fim (apoiados). Quer salvar a honra da escola do exercito; mas n'esse caso tambem os lentes do lyceu de Lisboa e dos de 1.ª classe deviam queixar-se da escola polytechnica, aonde se fazem os exames de madureza, em que muitos alumnos dos lyceus têem ficado reprovados!
Direitos adquiridos. O primeiro direito é o do paiz, que tem jus a ser bem servido (apoiados).
Todos sabem que o paiz não esta bem servido com o systema de promoções que temos.
Eu não digo que possamos chegar de uma vez á perfectibilidade, mas vamos aperfeiçoando pouco e pouco. De mais a mais não temos os professores necessarios; e digo isto porque o sr. ministro da guerra fez-me a honra de me nomear para um jury de exame de officiaes, já se vê da minha arma, e eu não pedi a minha exoneração d'aquelle logar, não obstante conhecer a minha insufficiencia, porque não queria que se dissesse que me negava a prestar o meu insignificante apoio ao sr. ministro da guerra. Portanto aceitei, mas aceitei com bastante repugnancia.
Aproveito a occasião para declarar que não me agrada o jury permanente, porque estabelece certos preconceitos, e faz com que os officiaes olhem para os examinadores com os sentimentos de dependencia, de antipathia ou de receio que venha a ser a causa da morte da sua carreira, quando demais entre elle e o examinador tenha havido motivo de indisposição; receio infundado, porque não creio que no exercito portuguez houvesse um militar que se servisse da sua posição official para prejudicar um camarada com que não sympathisasse. Eu não supponho que o houvesse; entretanto desejaria muito, por estes e outros motivos, que o jury não fosse permanente, para acabar os preconceitos que porventura possam ter alguns officiaes com individuos que hajam um dia de ser seus jurados.
Emquanto aos concursos, eu declaro á camara que não me parece que o sr. ministro da guerra infringisse a lei com relação ás armas de artilheria e engenheria; pelo contrario. Parece-me que havendo o concurso, que a final de contas não vale nada em si, segundo a opinião do interpellante, tira-se a vantagem de acabar gradualmente com um grande defeito, que ha no nosso exercito, que é o estarmos muito apaixonados. Um homem de modos beatíficos posto á frente de soldados, não fará nada. O commandante de uma força precisa apresentar-se á frente de seus soldados com um certo ar de petulância, permitta-se-me a phrase, que inculque audacia e vigor, para que não succeda como succede na musica que se dansa, como se toca; se a musica é monótona, a dansa se-lo-ha tambem. Commandar um corpo é só para um homem vigoroso e robusto, porque na velhice são sempre maus os commandos. Fallo contra mim. Eu reconheço a necessidade de reformar o exercito. Muita gente esta com medo de reformas e economias. Por esta occasião eu declaro já que no caminho das economias hei de acompanhar os srs. ministros, e quando os não acompanhe, provavelmente sairei d'esta casa, para que se não diga que, com o meu voto e com o meu espirito de opposição, quiz pôr embaraços ás economias do governo. Poucas esperanças tenho nos seus projectos financeiros, mas faço votos para que elle resalve o problema satisfactoriamente.
Pela minha parte declaro que entendo, que o exercito não póde eximir-se a fazer sacrificios, se lh'os exigirem (apoiados). Se todas as outras classes do funccionalismo houve
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rem de fazer sacrificios, não os ha de fazer o exercito? Não tem outro remedio senão faze-los. Na classe dos officiaes inferiores, isto é de capitão para baixo, tirar alguma cousa é tirar o pão (apoiados); mas de major, ou de coronel para cima, deve-se deduzir alguma cousa a favor do estado. Seria até uma indignidade para o exercito não fazer sacrificios, quando todas as outras classes o fizessem.
A respeito dos exames, declaro que me admira muito que se façam tantos esforços para evitar que os exames tenham logar. Pois quem ha de recusar-se a mostrar o seu merecimento? Um homem, que tem verdadeiro merecimento, deseja até ter muitas occasiões para o manifestar. E se os exames são uma phantasmagoria, se não prestam para nada, como dizem, para que se levantam contra elles?
O sr. Guerreiro: — Eu não me insurgi contra os exames; referi-me só á infracção da lei: disse que me parecia que a consulta em que se fundava o sr. ministro da guerra não devia ser tomada no sentido em que s. ex.ª a tomou.
O Orador: — Bem; o illustre deputado não faz questão do exame, mas sómente da fórma por que o sr. ministro da guerra os decretou.
Ora, se a opinião do illustre deputado é favoravel ao exame, e se a questão é só de fórma, salvemos as formas e salvo fica o fundo da questão.
Haja pois o exame, mesmo por honra dos officiaes das armas scientificas, que não se devem eximir a elle. Pois se o pobre official de infanteria e cavallaria, a que a classe dos scientificos chama tarimbeiros, se sujeita ao exame, por que não se hão de sujeitar a elle aquelles de quem a sciencia deve irradiar para todo o exercito?!
Creio pois que o illustre deputado esta de accordo, pelo que respeita ao exame, e que apenas differe emquanto á fórma por que o sr. ministro o decretou.
A este respeito ouvi fallar em novissima reforma na Prussia.
Eu hei de trazer aqui o que ainda hontem li ácerca dos exames militares na Prussia de posto para posto. A Austria ainda ultimamente decretou a mesma cousa, e na Inglaterra ha tambem o merito. De tres em tres mezes publica-se pela imprensa a relação dos officiaes promovidos, declarando-se o motivo por que são promovidos em prejuizo de outros que eram mais antigos.
Como a hora esta quasi a dar, nada mais digo a este respeito.
O sr. Galrão (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se a materia esta sufficientemente discutida.
Consultada a camara resolveu affirmativamente.
O sr. Presidente: — Vou pôr á votação a moção do sr. Freitas e Oliveira, e, se ella for approvada, ficam prejudicadas as outras.
O sr. Rolla (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer votação nominal.
Consultada a camara, resolveu negativamente.
O sr. Pereira Dias: — Peço que se leia a moção.
Leu-se na mesa a moção do sr. Freitas e Oliveira, e posta á votação foi approvada.
O sr. Correia Caldeira: — Mando para a mesa a ultima redacção do projecto n.° 4.
O sr. Rodrigues de Azevedo: — Mando para a mesa o diploma do sr. deputado eleito Bicudo Correia.
O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a discussão do parecer n.° 5.
Está levantada a sessão.
Eram quatro horas da tarde.