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748 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

modificar a penalidade relativa ao descaminho e occultação de tabacos, sabe bem que o seu mandato não lhe permittia ir alem da que estava em vigor.
Vamos, pois, modificar e aggravar a penalidade sobre os crimes de contrabando e descaminhos de direitos. Examinemos as rasões que se allegam para isso.
O sr. ministro da fazenda diz, no seu relatorio que, as bases d'esta reforma em muito se conformam com as ponderações de uma commissão especial nomeada por s. exa. para estudar os melhoramentos necessarios no serviço da alfandega de Lisboa, no intuito do remediar inconvenientes que haviam sido indicados pela associação commercial d'esta cidade.
Deve-se crer que s. exa. acceitou n'esta parte as ponderações d'aquella illustrada commissão, constantes do parecer especial que ella proferiu.
Não encontrando, portanto, no relatorio do sr. ministro da fazenda, rasões sufficientes para fundamentar o aggravamento da penalidade, vejo-me forçado a referir-me a esse documento, que é official e está publicado no relatorio do sr. ministro da fazenda, d'este anno e sob o n.º 26.
Diz-se ahi que a associação commercial solicitara a attenção dos poderes publicos para o contrabando que se estava introduzindo pela raia secca, especialmente em tabaco e tecidos, pois se affirmava, note a camara, que nas povoações proxima da raia se encontravam em grande quantidade artigos introduzidos por contrabando, offerecidos, sem rebuço, mesmo nas povoações mais importantes e afastadas da fronteira, sendo tal a importancia, dos artigos estrangeiros importados pela raia, que, em alguns casos, os similava nacionaes ou estrangeiros entrados pelas alfandegas maritimas não encontravam consumo algum em certas povoações.
Qual é, porem, o meio de precaver este mal prejudicial, não sé aos interesses fiscaes, mas aos particulares, aliás muito legitimos e que eu respeito?
Dizia a associação commercial que vogava entre a classe commercial a opinião de ser a pouca severidade das penas incentivo para tal abuso.
Assim pareceu tambem á commissão; e tanto que sendo esse o primeiro assumpto que mais seriamente occupou a sua attenção, votou unanimemente, em uma das primeiras sessões, as bases de um severo regimen penal para os delictos de contrabando e descaminho, e concordou a final em solicitar do governo uma proposta de lei aggravando, no descaminho de direitos, a penalidade.
O principal fim do projecto é a aplicação da pena de prisão ao crime de descaminho de direitos, ao qual não era, até hoje, salvo com respeito ao tabaco, applicavel.
Mas o governo e o partido regenerador têem as suas opiniões compromettidas no sentido de que os crimes de modo algum se cerrigem com a severidade das penas, mas pelo contrario com a sua reducção e a sua proporcionalidade.
Eu não sei o que sejam penas brandas e penas severas. As penas devem ser proporcionaes aos delictos: nada mais e nada menos.
Mas qual é o documento em que o governo tem a sua opinião compromettida n'este sentido?
Eu o vou mostrar á camara.
O governo e a maioria regeneradora do anno passado approvaram uma importantissima reforma que modificou completamente o nosso systema penal.
Eu não fazia parte da camara, mas declaro que, respeitando muito a illustração de quem propoz essa reforma, e reconhecendo que n'esse trabalho se revelam grandes conhecimentos juridicos, se eu estivesse na camara tel-a-ia combatido com a minha palavra e com o meu voto.
Mas porque é que se fez a reforma do codigo penal? Porque é que o governo entendeu - e por isso n'esta parte está completamente compromettida a responsabilidade do sr. ministro da fazenda - que se devia fazer esta larga reforma penal?
Está escripto. É o principio do relatorio do sr. ministro da justiça de então.
«As penalidades exageradas escandalisam, como o crime, a consciencia publica, que se revolta indignada contra iodas as injustiças, ou ellas provenham da violação da lei, ou do seu cumprimento e observancia, e influem, por consequencia, tanto mais na impunidade, quanto produzem no espirito do jurado a superior ingressão sempre resultante do facto actual (a imposição da pena excessiva} em relação á cansada por um facto passado, e não presenciado pelo jury (o crime). O jury quando profere o seu veredictum não ousa desaggravar em conformidade com a lei a socioedade affendidade, sem que a desaffronta se lhe afigure cruel e iniqua pela sua deshumanidade ou pela notavel desproporção com a gravidade da offensa...
«O nosso codigo penal é severo e por vezes draconiano...»
A illustrada commissão de legislação que deu parecer a respeito d'esse projecto acceitou perfeitamente estas reflexões, e declarou tambem no seu relatorio:
«Não póde ter contestada a asserção que se encontra no relatorio do governo, guando nos diz que o nosso codigo penal é severo e por vezes draconiano.
«Todos, que têem pratica dos tribunaes, conhecem por experiencia propria, que as penalidades exageradas, longe de constituirem um remedio, são sempre a rasão determinativa da impunidade dos crimes.
«Quem reflectir nas disposições que se encontram em muitos artigos do nosso codigo penal, conhece facilmente que não só as penas aplicaveis em muitos casos são desiguaes em relação ás applicaveis a crimes da mesma natureza, mas são tambem por tal férma severas, que os jurados hesitam naturalmente em proferir um veredictum condemnatorio, porque á sua consciencia repugna a applicação de uma pena extraordinariamente grave para um delicto muito pequeno...
«Era conhecida a causa do mal e urgia prover-lhe de remedio, tanto mais que a causa era justa, porque a penalidade em muitos casos era excessiva.»
Taes são os principios do actual governo e do partido regenerador.
Sendo assim não fallarei já no parecer dado pela commissão especial, a proposito d'aquella representação dirigida pela associação commercial de Lisboa; mas como é que hoje, o mesmo governo, o mesmo partido, vem sustentar que, para reprimir os crimes e por isso para tornar menos frequentes os descaminho de direitos o de contrabando, é preciso tornar as penas mais severas?
É isto uma contradicção, que só algum dos illustres membros do partido regenerador me póde explicar.
Mas devo dizer a v. exa. que tanto no parecer da commissão aduaneira como no da de fazenda, não vejo senão meios para reprimir o descaminho de direitos e não o contrabando, e a camara sabe muito bem, de certo, que o crime de contrabando é completamente differente do de descaminho de direitos.
(Interrupção do sr. Pinto de Magalhães.)
Ora o illustre deputado, de certo que me faz a minima justiça suppondo e acreditando, que eu sei perfeitamente distinguir o contrabando do descaminho de direitos!
Tendo-se, pois, reclamado providencias contra o contrabando, aconselharam-se só contra o descaminho de direitos.
Diz a commissão aduaneira:
«por ser esse crime um rigoroso furto.»
Ora realmente eu não comprehendo que se possa equiparar o crime de descaminho de direitos ao furto.
«com as circumstancias aggravantes de se riolarem preceitos economicos e fiscaes e de se produzirem graves prejuizos...?
Pois isto será proventura uma circumstancia aggravante