884 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
rem desertas durante sessões e sessões. Como quer v. exa. explicar isso? Explica-se pela falta absoluta do confiança no parlamento portuguez. São passados duas sessões e ainda até hoje não saiu do parlamento um unico projecto de lei destinado, já não digo a salvar, mas a attenuar a gravidado da situação da fazenda publica; e o povo que vê isso, vae perdendo dia a dia a sua confiança até ao ponto do abandonar por completo as discussões parlamentares.
Eu poderia discutir este projecto; não o faço porque não quero por modo algum que o conselheiro, meu collega muito estimado, que requereu a v. exa. para consultar a camara sobre se dispensava o regimento, a fim de que elle podesse entrar em discussão, pense, um momento sequer, que eu, ao levantar aqui a minha debil voz, a minha modestissima palavra, pretendo impugnar um projecto em que s. exa. tinha interesse, sob o ponto de vista politico, entende-se, por maneira a suppor que eu por qualquer fórma lhe queria ser desagradavel. Nada d'isso. Eu quero significar que em todas as epochas, em todas as sessões parlamentares quando o paiz estava melhor e mais feliz e o parlamento não tinha perdido o prestigio e o criterio que vae perdendo, a votação de projecticolos, assim chamados os projectos de iniciativa particular, representára aos olhos do publico...
(Interrupção do sr. Alfredo de Oliveira.)
O que diz v. exa.?
O sr. Alfredo de Oliveira: - Projecticulos, o diminuitivo.
O Orador: - V. exa. é um deputado antigo.
O sr. Alfredo de Oliveira: - E velho, que é peior ainda.
O Orador: - Não deve desconhecer que um illustre membro d'esta camara classificou os projectos que costumam ser apresentados á discussão de tres ordens: projectos projecticulos e projectotes. Projectos, os que em regra assentam sobre propostas de iniciativa do governo; projecticulos, os que podem ser de grande importancia local, que podem assentar em rasões muito fortificadas e legitimas, mas que são de importancia relativamente pequena em fronte dos projectos que assentam sobre propostas do governo; projectotes, os que nem são de interesse geral nem de interesse particular, mas uma d'estas cousas de que nós nos servimos mais de uma vez para sermos agradaveis ao campanario. Não queira, por isso, o illustre deputado ver na minha expressão cousa que signifique menos consideração para com o projecto, menos consideração para com quem o apresentou, menos consideração para a commissão que deu parecer sobre elle e menos consideração para com o illustre deputado que pediu que se dispensasse o regimento afim d'elle entrar em discussão. Com esta expressão só quero significar a v. exa. e á camara que este projecto, é de importancia minima em frente da importancia extraordinaria ou gravidade da situação em que o paiz e o thesouro se encontram.
Estamos a quinze dias de prorogação depois do termo da sessão ordinaria, e n'esta altura ainda esta camara não votou um unico projecto que visasse a nossa regeneração economica ou que seja attinente a restaurar as finanças do thesouro arruinado, pois nem a propria lei de receita e despeza do estado está votada.
Póde acabar a sessão no dia 30 de abril, é naturalissimo que acabe, mas fiquemos bem certos que ao paiz, se não podemos levar nem leis sobre que assente a nossa regeneração economica, nem sobre que assente a nossa regeneração financeira, podemos levar projecticulos de natureza particular.
Não quero fazer abstrucionismo, por conseguinte termino aqui as minhas considerações e declaro que tive unica o simplesmente em vista lavrar o meu protesto no sentido de que se ponha um entrave, não digo a este projecto, mas á serie de projectos, projecticulos, se o meu amigo e collega mo o permitte, que costumam apresentar-se no fim da sessão.
O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Não contesta que seja grave e angustiosa a situação que o paiz está atravessando, e concorda em que ao parlamento cumpre dar remedio a esta situação; mas deve fazer sentir tambem que e exactamente n'estas circumstancias que o leader da opposição, o sr. João Franco, se ausenta do paiz, e que a mesma opposição, imitando os rapazes das escolas, joga de parte com o fim de não haver o numero necessario para poder a camara funccionar.
Protesta, portanto, contra o procedimento da minoria, quando pretende levantar difficuldades á approvação de um projecto, que é de interesse publico, e espera que a maioria cumprirá o seu dever, não se deixando dominar pelas imposições opposicionistas.
(O discurso será publicado na integra, e em appendice, guando s. exa. o restituir.}
O BT. Malheiro Reymão:- Antes de entrar propriamente no assumpto do projecto, permitta-me v. exa. que eu manifeste a estranheza e sensação desagradavel que me causaram as palavras do illustre collega que me precedeu.
Circumstancias de ordem particular, que não são para aqui discutir, obrigaram a sair do reino, e, por consequencia, a deixar de vir a esta casa, um nosso queridissimo amigo, que para todo o paiz é uma esperança e uma gloria. Homem d'estado considerado, homem de energia e probidade como poucos... (Muitos apoiados.)
O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Rasão de mais para estar aqui.
O Orador: - V. exa., que todos os dias abandonam as sessões da camara por bailes e por Duses, julgam-se no direito de censurar um homem que sáe do seu paiz por attendiveis rasões que se impõem á consideração de todos. .. (Apoiados.)
O sr. Teixeira de Sousa: - Não andaram elles dois annos de braço dado com os republicanos lá fóra!
O Orador: - Todos os dias temos estado na camara, muitas vezes temos feito numero á abertura das sessões, quando isso não é o nosso dever, e os senhores, porque ha representações ou bailes, deixam de vir aqui e apresentam-se em numero de trinta ou poucos mais, quando são mais de cem. Pois são os senhores que se julgam com direito, de duvidoso bom gosto, de trazer para a tela da discussão quem aqui não está, e por motivos imperiosos teve de sair do paiz. (Apoiados.)
Eu creio que não estava nas intenções do illustre deputado que me precedeu, increpar um acto que é de sua natureza respeitavel, mas não acho de bom gosto as suas considerações.
Eu pedia a y. exa., sr. presidente, que mandasse ler na mesa o additamento que foi feito ao projecto, porque não o ouvi.
(Foi lido na mesa.)
Desejava tambem que v. exa. me dissesse a que horas declarou v. exa. que se entrava na ordem da noite.
O sr. Presidente: - As dez horas.
O Orador: - Eu não tinha a intenção, nem tenho e proposito de embaraçar a discussão de um projecto d'esta ordem, que reputo realmente de alguma importancia depois da leitura que fiz d'elle, e devidamente discutido e competentemente apreciado é possivel que nos convencessemos da sua utilidade. Pergunto porém aos illustres deputados, que são tão largos em encomios aos projectos da sua iniciativa, porque motivo a projecto de tal magnitude queriam dar esta pressa de ser approvado no meio do tumulto, sem que podessemos apreciar os beneficios n'elle contidos, os proveitos que d'elle devem derivar e que porventura tão largos e tão grandes serão, que em vez de fazerem um projecto limitado a tres districtos, dever