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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

45.ª SESSÃO

EM 11 DE AGOSTO DE 1909

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta dá-se conta do expediente. - Teem segundas leituras um projectos de lei do Sr. Caeiro da Matta, referente á captação de aguas e saneamento do concelho de Redondo; uma proposta de renovação para iniciativa do projecto de lei n.° 89-A, apresentado na sessão de 1902, do mesmo Sr. Deputado; e uma proposta do Sr. Brito Camacho, pedindo um inquerito parlamentar á Caixa Geral de Depósitos. - O Sr. Alexandre de Albuquerque pede providencias ao Governo sobre factos graves occorridos em Mesão-Frio, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho de Ministros. - O Sr. Costa Lobo manda para a mesa um projecto de lei reformando a organização da instrucção secundaria, defendendo-o cem varias considerações. - O Sr. Moreira de Almeida enuncia os assuntos que opportunamente deseja tratar pelos Ministérios da Guerra e da Marinha e refere-se ao discurso do Sr. Costa Lobo, cujas opiniões perfilha. - Os Srs. José Cabral e Pinto dos Santos mandam requerimentos e o Sr. Anselmo Vieira uma declaração para a mesa.

Na ordem do dia: (continuação da discussão do projecto de lei n.° 8, reorganização da Caixa Geral de Depósitos). - O Sr. Ministro da Justiça lê e manda para a mesa seis propostas de lei, que são enviadas á commissão de legislação criminal. - Usa da palavra sobre a ordem o Sr. Abel Andrade, que lê uma moção, justificando-a com varias considerações. - Por falta de numero foi encerrada a sessão.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim da Mendes Leal

Secretarios os Exmos. Srs.:

João José Sinel de Cordes
João Pereira de Magalhães

Primeira chamada: - Ás 2 horas e meia da tarde.

Presentes: - 6 Srs. Deputados.

Segunda chamada: - Ás 2 horas e 50 minutos da tarde.

Presentes: - 61 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel de Mattos Abreu, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, thtonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio ergio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde de Castro e Solla, Conde de Mangualde, Diogo Domingues Peres, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Francisco Miranda da Costa Lobo, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João do Canto e Castro Silva Antunes; João Carlos de Mello Barreto, João Duarte de Menezes, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhães, Joaquim Heliodoro da Veiga, Jorge Vieira, José de Ascensão Guimarães, José Augusto Moreira de Almeida, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim da Silva Amado, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria Joaquim Tavares, José Maria Pereira de Lima, José Maria de Queiroz Velloso, José Mathias Nunes, José Ribeiro da Cunha, Lourenco Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Nunes da Silva, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Roberto da Cunha Baptista, Rodrigo Affonso Pequito, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Visconde de Coruche, Visconde da Torre.

Entraram durante a sessão os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Nogueira, Augusto César Claro da Ricca, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, João Ignacio de Araujo Lima, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Simões, José Paulo Monteiro Cancella, Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça, Visconde de Olliva, Visconde de Villa Moura.

Não compareceram a sessão os Srs.: Abilio Augusto de Madureira Beça, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Affonso Augusto da Costa, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Braga. Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Alberto Charulla Pessanhã, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio José de Almeida, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Pinto de Miranda Mpntenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde de Arrochella, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Reboredo Sampaio e Mello, Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Jardim de Vilhena, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, Henrique de Mello Archer da Silva, João Augusto Pereira, João Correia Botelho Castello Branco, João Henrique Ulrich, João José da Silva Ferreira Neto, João de Sousa Calvet de Magalhães, João de Sousa Tavares, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Mattoso da Camara, Joaquim Pedro Martins, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Antonio da Rocha Lousa, José Caeiro da Matta, José Caetano Rebello, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Vieira Ramos, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Mattos, José Osorio da Gama e Castro, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis Filippe de Castro (D.), Luis da Gama, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Francisco de Vargas, Manuel de Sousa Avides, Manuel Telles de Vasconcellos, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Reguengo (Jorge).

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SESSÃO N.º 45 DE 11 DE AGOSTO DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do Ministerio do Reino, remettendo copia do orçamento geral da receita e despesa da Camara Municipal do concelho do Barreiro, na parte que diz respeito á verba orçada para pagamento das despesas feitas com a vedação do Paço do Lavradio, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Estevam de Vasconcellos.

Para a secretaria.

Telegrammas

Tabuaço, 1 hora e 20 minutos. - Exmo. Presidente Camara Deputados. - Lisboa. - Camara deste concelho roga V. Exa. digne lembrar Camara sua digna presidencia maxima conveniencia negociar se urgentemente tratado commercio vinhos com Brasil, onde representantes especiaes França e Italia tentam negociar identicos tratados, que podem- acarretar completa ruina commercio vinhos portugueses. = Arthur Ribeiro, presidente.

Para a secretaria.

Villa Real de Santo Antonio. - Exmo. Sr. Presidente da Camara Deputados. - Pedimos a urgencia da approvação do projecto apresentado pelo Deputado Ramirez para reconstrucção dos paços do concelho, devido a estarem pessimamente installados, e pagarem exorbitantes rendas. = O Presidente da Camara, Jacintho José de Almeida.

Á secretaria para se enviar á commissão de administração publica.

Segundas leituras

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 89-A apresentado a esta Camara em sessão de 26 de abril de 1902 pelo Sr. Deputado Mariano Prezado.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 2 de agosto de 1909. = José Caeiro da Matta.

Foi admittida e mandada enviar á commissão de fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° E o Governo autorizado a dispensar a contribuição de registo por effeito dos contratos de emphyteuse das 208 courelas, de 1 hectare cada uma, em que se acha dividida á herdade da Toura, sita na freguesia de S. Miguel de Machede, no concelho de Evora.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Projecto de lei

De ha muito se vem fazendo sentir na villa de Redondo a necessidade de obviar a dois grandes males que affligem aquella importante região alemtejana: as condições de extrema insalubridade e a falta de agua para consumo dos seus habitantes.

Por parte das corporações que nos ultimos annos se teem succedido na administração dos interesses municipaes tem sido tentada a realização de obras tendentes á transformação das condições hygienicas d'aquella villa, mas a importancia da melhoramentos materiaes a realizar é incompativel com a exiguidade das receitas ordinarias do municipio, que difficilmente chegam para os encargos obrigatorios. E porque se verifica a hypothese de existirem em caixa, no celleiro comraum do nosso concelho, fundos cuja applicação áquelles fins representaria inilludivelmente um altissimo serviço prestado aos municipes do concelho de Redondo, impõe-se á interferencia do poder legislativo no sentido de preterir a disposição do artigo 3.° da lei de 25 de junho de 1864, segtmdo o qual o rendimento do celleiro commum fará parte da receita municipal ou parochial.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° E autorizada a Camara Municipal de Redondo a levantar, dos fundos do celleiro commum que administra e existem em caixa, até a quantia de 3 contos de réis para ser applicada á captação de aguas e canalização e ao saneamento da sede do concelho.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 10 de agosto de 1909. = José Caeiro da Matta.

Foi admiitido e enviado á commissão de administração publica.

O Sr. Presidente: - O Sr. Antonio Cabral pede á Camara autorização para se retirar para o estrangeiro a fim de tratar da sua saude.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se ás segundas leituras.

(Leram-se)

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara.

Vae ler-se a proposta hontem mandada para a mesa pelo Sr. Brito Camacho.

Proposta

Entre a publicação dos dois ultimos relatorios e contas da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia decorreu um periodo largo de dezaseis annos. O facto obedeceu ao proposito confessado de occultar do publico o estado chaotico e ruinoso daquelle estabelecimento, cuja administração, dada a proveniencia da maior parte dos fundos que lhe são entregues, deveria ser feita com os maiores escrupulos de honestidade administrativa, tão clara e tão patente ao exame de todos que nem a mais leve suspeita pudesse recair sobre ella.

Agora, mais pela força das circunstancias que pela virtude dos homens, tornou-se conhecido o systema de falsidades que tem enredado a administração d'aquelle estabelecimento publico, que vende e põe em giro muitos milhares de contos.

Considerando que é indispensavel averiguar ácerca da verdadeira situação da Caixa, não só quanto ás suas relações com o Thesouro Publico, mas tambem quanto ás imprescindiveis garantias que ella pode effectivamente offerecer aos individuos e colectividades que voluntariamente ou por disposição da lei vão ali depositar valores;

Considerando que mais prejudica o credito de uma tal instituição a suspeita que sobre ella paire quanto a zelo, probidade e competencia com que se administra do que o conhecimento dos erros ou faltas que se hajam commettido na sua administração.

Proponho que seja autorizada a presidencia a nomear uma commissão de inquerito parlamentar á Caixa Geral, de Depositos e Instituições de Previdencia, abrangendo o periodo que decorre desde 1890, entrando nessa commissão elementos de todos os grupos da Camara. = Brito Camacho.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. João de Menezes: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a V. Exa. só lha posso dar nos termos do regimento, do artigo 58.°, n.° 6. Já o outro dia ficou estabelecida esta jurisprudencia.

O Sr. Moreira de Almeida: - Eu só quero saber o que se vota.

Continua a leitura da proposta.

O Sr. João de Menezes: - Peço a palavra. V. Exa. disse aqui que nunca recusaria a palavra sobre o modo de votar.

Requeiro a V. Exa. que consulte a Camara sobre se entende que deve haver votação nominal sobre a proposta do Sr. Brito Camacho.

O Sr. Presidente: - O que eu disse não é nada contrario ao regimento. S. Exa. só pode ter a palavra nos termos do regimento, depois da segunda leitura. Antes disso ninguem pode ter a palavra.

O Sr. João de Menezes: - Já se fez a segunda leitura.

O Sr. Presidente: - Está-se afazer.

A proposta foi admittida e enviada á commissão.

O Sr. Presidente: - Agora já posso dar-lhe a palavra.

O Sr. João de Menezes: - Agora não é preciso.

O Sr. Presidente: - O Sr. Alexandre de Albuquerque deseja tratar em negocio urgente o seguinte assunto.

Deseja fazer algumas perguntas ao Governo sobre a tentativa de aliciação para queimar a repartição de fazenda de Mesão Frio.

Os Srs. Deputados que consideram este assunto urgente teem a bondade de se levantar.

Foi considerado urgente.

O Sr. Alexandre de Albuquerque: - Sr. Presidente: acabo de ter communicação de um facto que reputo gravissimo: que era Mesão Frio appareceram cobertas de pasqiuns as paredes, aliciando o povo a fazer exactamente o mesmo que sé fez em Valpaços, Murça e Alijo, isto é dizendo ao povo que não pague contribuições e incitando-o a fazer ir pelos ares as repartições do Estado, imitando exactamente o que se fez, com escandalo do país inteiro, n'aquellas tres villas do norte. Eu quero perguntar ao Sr. Presidente do Conselho se S. Exa. tem conhecimento d'este facto e se S. Exa. tem tambem conhecimento de um conflicto que se deu á porta da repartição de fazenda d'aquelle concelho, de Mesão Frio, entre o escrivão de fazenda e um professor, conflicto que, embora se diga que foi pessoal, deu como resultado reunir-se o povo e este começar a clamar que o melhor era proceder como se tinha feito n'aquellas outras tres villas.

Em Mesão Frio dá-se, alem disso, uma circunstancia extraordinaria: é que o administrador do concelho não reside ali e, portanto, aquellas duas repartições, de fazenda e recebedoria, estão á mercê das iras populares.

Se portanto, Sr. Presidente, o Governo não tomar em breve providencias energicas para evitar tão grande escandalo, teremos a repetição dessa serie de attentados que estão ainda por punir, praticados nas tres localidades que citei.

Sim, porque a verdade é que, apesar de se terem feito accusações concretas, apontado as pessoas mais responsaveis naquelles incendios das repartições de Valpaços, Murça e Alijo, até hoje ainda não tem havido a satisfação que é necessario dar á opinião publica, indignada e cheia de colera.

Este assunto, porem, tenho de tratá-lo em aviso prévio,, e, portanto, abstenho-me de lhe fazer hoje mais considerações. O que por agora peço ao Sr. Presidente do Conselho é que S. Exa. me diga se está resolvido a manter energicamente a ordem, de maneira que as repartições publicas não sejam incendiadas.

Desejarei que S. Exa. me responda afirmativamente, pois de contrario, proseguindo-se no systema iniciado, em pouco tempo esse incendio pode alastrar-se ao país inteiro e causar graves prejuizos não só ao principio da autoridade, mas ás proprias receitas do Estado.

E já que estou com a palavra, peço ao Governo, por intermedio do Sr. Presidente do Conselho, como Ministro do Reino, e dos Srs. Ministro da Fazenda e da Justiça, para me mandarem o mais depressa que possam os documentos que nesta Camara pedi sobre os incendios das repartições de Valpaços, Murça e Alijo.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - O Sr. Deputado Alexandre de Albuquerque chamou a attenção do Governo para acontecimentos que se teempassado no concelho de Mesão Frio. Referiu-se S. Exa., em primeiro logar, ao facto de terem apparecido n'aquelle concelho pasquins aliciando o povo para proceder á queima dos papeis existentes na repartição de fazenda; e depois a um conflicto occorrido entre o escrivão de fazenda e um professor. Deve dizer que esses factos só chegam ao seu conhecimento n'esta occasião, pelo que a S. Exa. acaba de ouvir, pois o Sr. governador civil de Villa Real, até hoje, não o informou a tal respeito.

O que pode assegurar é que immediatamente se vae dirigir a essa autoridade pedindo-lhe o informe, e que o Governo usará de toda a energia para que o facto denunciado não se pratique impunemente e os seus promotores sejam castigados.
Acerca dos acontecimentos a que S. Exa. alludiu, passados em outros concelhos, Alijo, Murça e Valpaços, essas occorrencias, como S. Exa. sabe, não se deram desde que o actual Governo está nos Conselhos da Coroa, mas nem por isso tem elle deixado de empregar todos os meios ao seu alcance para descobrir os seus autores e puni-los. Fizeram-se tres investigações: uma pelo Ministerio da Fazenda, outra administrativa e a outra judicial.

Crê que as investigações a que se procedeu pelo Ministerio da Fazenda não deram como resultado o poder ha ver qualquer procedimento, e as outras proseguem ainda, podendo S. Exa. ter a certeza de que o Governo, se alguma cousa se apurar, saberá proceder com energia.

O que pode assegurar a S. Exa., repete, é que, emquanto estiver nos Conselhos da Coroa, ha de empenhar-se em dar plena execução ás leis do país e em manter a ordem. O Governo, pode S. Exa. estar certo, procederá sempre com firmeza e energia.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Valerio Villaça: - Mando para a mesa o parecer das commissões de obras publicas e de negocios estrangeiros e internacionaes sobre a proposta de lei n.° 5-D de 1909, que tem por fim approvar, para ser ratificada, a convenção-telegraphica entre as colonias do Congo Português e do Congo Francês.

Foi mandado imprimir.

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SESSÃO N.° 45 DE 11 DE AGOSTO DE 1909 5

O Sr. Costa Lobo: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a mesa uma proposta de reforma do ensino secundario.

Com grande satisfação vejo presente o illustre Presidente do Conselho, que á alta situação de chefe do Governo allia a de Ministro da Instrucção Publica, é certo complicada com a de Ministro do Reino, tendo por isso a seu cargo a politica, a ordem publica e os serviços de saude e beneficencia.

Tenho o prazer de conhecer S. Exa. desde os bancos da Universidade, impondo-se já então pelo seu caracter, pelo seu espirito superior e pelas suas faculdades de trabalho, o que tudo em pouco tempo notabilizou o professor distincto que S. Exa. é, e lhe marcou um logar eminente na politica portuguesa (Apoiados), e estou certo de que S. Exa. saberá vencer tão ardua tarefa, e de que não me estranhará que eu ponha sobretudo confiança, attento o primitivo impulso que o seu espirito teve, em que lhe mereçam especial consideração os assuntos que entram na esfera do que vou tratar.

Confio mesmo, Sr. Presidente, em que encontrará decidido e efficaz apoio no Governo a iniciativa que tenho a honra de tomar, convencido como estou da necessidade urgente de serem convertidas em lei do país as medidas consignadas n'esta proposta, e na alta capacidade que o Governo tem para as apreciar, com tres Ministros que são distinctos ornamentos da instrucção publica superior, e tres considerados officiaes do estado maior, que pelos seus cursos tiveram occasião de pôr se em contacto com o ensino que mais preciso se torna diffundir, encontrando-se todos nas mais favoraveis circunstancias para reconhecerem a necessidade de dar ao ensino uma orientação tal que nos forneça com a maior brevidade homens que possuam uma educação solida e pratica, capaz de os habilitar o mais cedo possivel para triumpharem na luta social, que, mesmo quando não é sangrenta, nem por isso deixa de ser bem rude e cheia de provações. (Apoiados).

E já facto banal, Sr. Presidente, encarecer-se o assunto de que se trata.

Não fugirei a essa regra, - nem devo deixar de o fazer, tão preciso eu julgo chamar repetidas vezes, com a maior insistencia, com a maior energia mesmo, a attenção dos Governos, tantas vezes enredados em futeis ou estereis questões, para o ramo de serviços que comprehende o assunto de que vou occupar-me - para a instrucção publica do país, para o educação deste povo, que só pela educação poderá conseguir occupar no convivio mundial um logar condigno, que só pela instrucção poderá evitar que dia a dia se veja mais distanciado das modernas civilizações. (Apoiados).

Todos devemos estar convencidos, de tanto o ouvir, que sobre todas primam a questão ou questões financeiras. A Fazenda Publica tornou-se o cauchemar da nossa administração, e bem pode dizer-se que tudo se encontra parado, absorvidos todos os médicos, que á nau do Estado assistem, no receio de que sobrevenha alguma crise fatal.

E assim succede serem descuradas as medidas que com o tempo a deveriam .melhorar eficazmente.

Triste situação de que é preciso sair se por uma vez, com decisão e energia.

Qual é a solução do problema financeiro, do problema nacional? Provocar rapidamente um largo incremento da riqueza publica.

Temos para isso as medidas financeiras? Tudo ficará resolvido quando se tiver conseguido o almejado equilibrio orçamental?

É decerto importante e preciso que seja equitativamente distribuido o imposto. E verdade que são bem diversos os criterios que para se conseguir este fim se encontram em luta.

E se em geral se conserva ainda o da proporcionalidade, que em muitos casos significa progressão decrescente, noutros, e como natural reacção, passa-se já ao da progressão crescente.

Pôde com a distribuição do imposto provocar-se o desenvolvimento da riqueza publica? Pôde, de um modo indirecto e com uma acção lenta. Devemos, porem, confessar que até agora pouco tem sido encarado o problema debaixo deste ponto de vista.

Na reducção dos encargos do Thesouro pode ser importante a acção financeira, especialmente quando esses encargos são devidos aos países estrangeiros, que por intervenção da divida publica se collocam numa especie de suzerania, a suzerania do capital, que tantas vezes desgraçada influencia tem sobre a economia e destinos de um país pequeno.

É debaixo deste ponto de vista indispensavel é que seja sem o menor desvio cumprida a doutrina de serem postas absolutamente de parte todas as transacções que acarretem compromissos a curto prazo, ou estabeleçam direitos especiaes.

Porem, apesar de toda a sua importancia, é visivel que não é a questão financeira a que primacialmente se impõe aos nossos cuidados: é evidentemente a questão economica, e o maior valor da acção financeira encontramo-lo mesmo na influencia que pode ter sobre o desenvolvimento economico; e pode ser incontestavelmente enorme, quando bem comprehendida a forma como deve ser orientada. (Apoiados).

Mas sendo como é verdade que a nossa preoccupação deve ser a resolução do problema economico, facil é então de ver que, embora muita importancia tenham para esse effeito os trabalhos que possam ser realizados pela pasta do Reino, assegurando a ordem e a saude publica; pela Justiça, garantindo os direitos individuaes e collectivos; pela Fazenda, attendendo ás considerações que já fiz; pela Guerra, assegurando nos a integridade da pátria; pelo Ultramar, concorrendo para o mesmo fim e dando vida ás colonias; pelos Estrangeiros, estabelecendo com os outros países relações que nos assegurem vantagens; e, emfim, pelas Obras Publicas, fazendo obras, todos esses esforços terão minguado effeito se, sobretudo, não for resolvido com urgencia, com energia, direi mesmo, com coragem, o problema da educação nacional - educação theorica e technica, educação artistica, moral, social e civica.

Pouco pode adeantar hoje o homem se se encontrar reduzido ao seu esforço physico.

Para ter logar nas modernas civilizações torna-se preciso que multiplique o seu esforço por meio da machina. Mas nenhum instrumento poderá dar maior expoente ao seu valor do que a instrucção. (Apoiados).

Quanto ella produzirá é bem sabido de todos quantos me ouvem. E só ella poderá resolver o problema economico, só com ella ficará consequentemente resolvido o problema financeiro.

Attente-se em que quando se consiga valorizar, seja, em mais 20 réis a media do trabalho diario da nossa população, logo a riqueza publica será aumentada annualmente de cerca de 40:000 contos réis, e fácil é ver quanto o instrumento da instrucção, operando com a machina, dirigindo com superior, conhecimento os trabalhos, tornando consciente o operario multiplicará a producção actual. Nem de outro modo poderia comprehender se o grande desenvolvimento attingido por outros países que, para a Hollanda, por exemplo, país da mesma ordem do nosso em população, se traduz por um movimento commercial de cerca de 1.500:000 contos de réis, doze vezes maior do que o nosso.

Ahi está o grau de inferioridade em que nos encontramos, e que aumentará se não nos resolvermos a caminhar deliberadamente.

Referi-me á instrucção theorica e technica. Reconheço já quanto é difficil assinar-lhes limites. É comtudo uma primeira divisão acceitavel, entendendo-se que não deve ser

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

organizado qualquer ramo de ensino sem primeiro ser estabelecido um quadro geral, e ser-lhe assegurada a funcção que nesse quadro lhe caiba.

Todos os ramos de conhecimentos se relacionam, mas sendo preciso ensiná-los em harmonia com a idade do alumno e fonações a. que este se destina, comprehende-se a necessidade de estabelecer methodo na sua educação, de modo que possa seguir o caminho que mais convenha ao fim que tem em vista, e por forma que seja o mais curto e ao mesmo tempo seguro, podendo parar na altura que julgue conveniente. (Apoiados).

Acceito que um dos ramos do ensino seja o theorico, dividido em primario, secundario e superior, preciso é estabelecer a sua gradação e dar-lhe estações de onde o alumno possa partir sem esforço pelas estradas dos conhecimentos technicos que devem completar a sua educação, para se tornar um homem util, e bem a tempo de ser a seu turno uma força productora de riqueza.

É restricto o projecto que apresento a um ramo de ensino, é certo de capital importancia, porque comprehende a educação num dos periodos mais melindrosos da vida humana, em que o homem se põe conscientemente em contacto com o mundo e firma o seu caracter esboçado ao entrar na vida, e que a educação deverá modificar no melhor sentido.

Mas, pelas considerações que já fiz, assegurado está que eu não daria este passo se não tivesse pensado um plano geral de educação, e n'elle tivesse marcado o logar e a organização que a este ensino deve ser assinado.

Ligará elle immediatamente com a instruccão primaria theorica, que numa mais conveniente organização não deverá terminar antes dos onze annos, e com a instruccão superior, igualmente theorica, por meio de uma ponte que proponho para mais facil se tornar a passagem.

Mas se a educação theoriea é por si importante, e seja preciso banir por uma vez a ideia de que por formulas e tábuas tudo se resolve, quando é certo estar apurado que o engenheiro não poderá exercer honesta e utilmente as suas funcções se não possuir larga instrucção theorica, chamando assim á que deve adquirir nos cursos de analyse, de physica mathematica, e outros que se encontram no vertice da instrucção superior; que para não citar outro exemplo, na Allemanha uma fabrica de tintas se vê obrigada a sustentar entre o seu pessoal quarenta chimicos constantemente dedicados ás mais elevadas especulações da sciencia. que professam, é evidente que em regra ella deve ser completada por uma solida educação technica, que, utilizando a instrucção adquirida, habilite para os trabalhos precisos para a producção da riqueza. (Apoiados).

Como já disse, estes estudos devem estar ligados aos differentes graus do ensino theorico pela melhor forma, e entendo que chegado a elles o alumno deverá concentrar toda a sua attenção na especialidade a que vae dedicar-se.

Ao contrario, considero de toda a conveniencia que a educação theorica seja sempre acompanhada de trabalhos praticos, de exercicios manuaes e de uma cuidada educação artistica, que elevará o espirito e embellezará a vida, fornecendo pelo menos agradaveis distracções, e contribuindo alem d'isso para descobrir vocações e orientar a educação, que de outra forma seguiria, como actualmente succede na maior parte dos casos, errado caminho, geralmente com a mim no emprego publico. (Apoiados).

Sr. Presidente: a hora está adeantada, e feitas as rapidas considerações que deixo expostas e que, como esperava, pelo assunto de que se trata, tão benévolo acolhimento mereceram, passarei á leitura da proposta que tenho a honra de submetter ao esclarecido criterio da Camara. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Bem grato é ao seu espirito ter de responder ao brilhante discurso proferido pelo Sr. Deputado Costa Lobo em justificação do seu projecto reformando o ensino secundario.

Esse seu illustre collega no magisterio superior recordou os tempos que haviam passado juntos na Universidade, onde S. Exa. entrou como alumno e se engrandeceu como professor. Teve S. Exa. palavras de benevolencia para aquelle que o havia precedido nas lutas academicas, palavras que ao seu espirito sensibilizaram profundamente e que o seu coração effusivamente agradece.

Se ha assunto que seja para elle, orador, agradavel, é sem duvida o que se refere ao ensino, porque, comquanto seja um modesto professor, foi sempre devotado apostolo da instruccão e não esquece que como professor iniciou a sua vida publica, podendo assegurar que é sempre na sua cadeira de professor que encontra as mais gratas recordações da sua vida passada e as melhores impressões da sua vida presente.

São complexos os assuntos que correm pela pasta do Reino; pela administração politica e civil, hygiene, beneficencia e direcção geral dá politica tem de dividir a sua attenção, mas o que mais captiva a sua sympathia é o da instrucção, e captiva o não só porque foi para ella que sempre se voltou o seu espirito, como porque é sua convicção de que instruindo um povo é que se lhe prepara uma vida feliz. E por isso que tem sempre grande satisfação quando ouve, tanto nesta Camara como na dos Dignos Pares, qualquer dos seus membros versar o assunto e chamar para elle a attenção do Governo. Nunca se recusa a tratar com elles essa questão, e folga com semelhantes iniciativas, que honram o Parlamento português.

Disse S. Exa., e muito bem, que tres são os problemas que actualmente mais interessam ao país, o financeiro, o economico e o da instrucção, mas elle, orador, pede licença para fazer á ultima parte uma ligeira rectificação, e é de que primeiro que á instrucção se deve attender á educação nacional.

Para elle, orador, a educação é mais do que a instruccão, e Portugal, que muito se tem occupado da instrucção, raramente tem voltado a sua attenção para a educação nacional.

S. Exa. pensa que é indispensavel transformar a organização geral da instrucção em Portugal, e pela sua parte entendeu que devia começar por trazer ao Parlamento um projecto reformando a instrucção secundaria.

Não comprehende elle, orador, que seja possivel fazer proficuamente a reforma isolada de qualquer dos grupos em que se reparte o ensino, primario, secundario, superior e especial, sem que haja uma organização bem ponderada, bem amadurecida e bem estudada de todos elles. Qualquer tentativa de reforma que se fizesse de um só d'esses graus do ensino seria na pratica menos util porque não encontraria os outros adaptados por forma a com ella viverem e se desenvolverem.

A instrucção secundaria, não o desconhece, é o grau de ensino que mais prende as attenções da sociedade portuguesa e que mais prende em geral a de todas as sociedades cultas, porque é a chamada instrucção da burguesia, a de todos que mais ou menos teem interferencia na gestão nos negocios publicos.

Este problema da instrucção secundaria, que é sem duvida o que mais tem apaixonado os espiritos, o que tem encontrado soluções mais variadas, não é, porem, no seu entender, aquelle que mais interessa ao desenvolvimento das nações, pois elle, orador, liga mais importancia aos dois extremos da instrucção, a primaria e a superior, e sobretudo á superior. Não quer isto dizer que não seja preciso prover de remédio aos males de que enferma a inetrucção secundaria.

O Sr. Costa Lobo, pela sua vastissima illustração, conhece bem as diversas soluções apresentadas para o problema do ensino secundario e sabe que, comquanto sejam variadas ás que tem sido seguidas, é certo que nenhuma

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se encontra isenta de macula e que não ha uma que todos acceitem como boa e merecedora de ser preferida.

Não quer tomar tempo á Camara com uma larga exposição do assunto, mas .parece-lhe pelo que ouviu ao Sr. Costa Lobo que S. Exa. era partidario da chamada instrucção integral. Elle, orador, por sua parte, é contrario a esse ensino porque se limita a fornecer uma summula de todos os conhecimentos humanos dando assim aos que seguiram tal curso a noção de possuirem uma sciencia que realmente não teem. Quer a educação geral, mas não o ensino integral.

O systema geralmente seguido é o allemão, mas elle, orador, preferia o inglês se fosse possivel adoptá-lo. O que está provado é que não pode haver ensino perfeito sem bons professores e programmas adaptados ao meio.

Refere-se ao recrutamento do professorado, e declara que uma das disposições do projecto com que concorda é a que se refere ao estabelecimento de escolas normaes para os que se destinam ao magisterio secundario.

E porque está a dar a hora e não quer alongar mais as suas considerações dirá apenas que entende que o programma adoptado para o ensino secundario deve ser o mesmo para todos os lyceus. O contrario daria por assim dizer o fraccionamento da alma nacional.

Julga ainda que é necessario que o ensino se levante acima do seu estado actual utilitario, e que haja n'elle uma parte de ideal que eleve os espiritos e moral da nação.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Moreira de Almeida: - Sr. Presidente: eu desejava chamar a attenção dos Srs. Ministros da Guerra e da Marinha. Com o Sr. Ministro da Guerra eu queria conversar ácerca do processo que em Coimbra foi instaurado contra o segundo sargento, estudante, Montalverne de Sequeira e com o Sr. Ministro da Marinha ácerca das condições desastrosas em que se está fazendo a viagem do cruzador D. Amelia. Mas como a hora vae adeantada, eu reservo-me para tratar destes assuntos numa das proximas sessões pedindo simplesmente ao Sr. Ministro da Marinha que com urgencia me mande os documentos que já ha dias requeri pelo seu Ministerio, relativos á questão do cruzador D. Amelia.

Aproveitando o pouco tempo que me resta permitta-me V. Exa. que eu me refira ao brilhante trabalho do Sr. Costa Lobo. Entendo que este assunto deve merecer a attenção da Camara e partilho em absoluto da opinião do nobre Sr. Presidente do Conselho, que diz que acima do problema da instrucção está o problema da educação.

A iniciativa particular tem prestado bellos serviços á causa do ensino, desenvolvendo-o por forma muito louvavel, e a essas ligas nacionaes de educação é de instrucção eu presto o meu mais caloroso elogio.

Folgo de ver que alguém nesta Camara se levanta contra a reforma de 1895, que foi inoportuna e que nunca deu os resultados desejados, pela falta de professores e de material. Tambem é preciso haver uma selecção rigorosa na admissão de professores, e que essa escolha se faça sempre por concurso, para não succeder, como agora succede, de estarem muitos professores regendo cadeiras nos diversos lyceus do reino a que foram admittidos sem concurso.

Visto ter dado a hora de se passar á ordem do dia, eu termino por aqui as minhas considerações.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a apresentar podem faze-lo.

O Sr. Ministro da Justiça (Francisco Medeiros): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Francisco Medeiros): - Pedi a palavra para mandar para a mesa as seguintes propostas que vou ler:

Leu.

1.ª

Responsabilidade ministerial.

Foi enviada á commissão de legislação criminal, depois de publicada no "Diario do Governo".

2.ª

Regulando a forma do processo penal. Foi enviada á commissão de legislação criminal, depois de publicada no "Diario do Governo".

3.ª

Adoptando diversas providencias sobre a organização judiciaria.

Foi enviada ás commissões de legislação civil e de fazenda, depois de publicada no "Diario do Governo".

4.ª

Sobre a intervenção do jury em todas as questões de facto, suscitadas nos julgamentos criminaes.

Foi enviada á commissão de legislação criminal, depois de publicada no "Diario do Governo".

5.ª

Regulando a liberdade de imprensa.

Foi enviada á commissão de legislação criminal, depois de publicada no "Diario do Governo".

6.ª

Sobre a correcção de menores delinquentes, com menos de dezoito annos ao tempo da perpetração do delicto.

Foi enviada ás commissões de legislação criminal e de fazenda, depois de publicada no "Diario do Governo".

O Sr. José Cabral: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Justiça e Direcção dos Negocios Ecclesiasticos, me seja enviada, com urgencia, copia integral do decreto que apresentou na Igreja do Espirito Santo, concelho da Calheta, diocese do Funchal, o presbytero Julio Antonio do Valle. = José Cabral.

Mandou-se expedir.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Peço que me seja enviada, com a possivel brevidade, copia do relatorio sobre execuções fiscaes e respeitante á 2.ª secção dessas execuções no Ministerio da Fazenda.

Sala das sessões, em 11 de agosto de 1909. = Pinto dos Santos.

Mandou-se expedir.

O Sr. Anselmo Vieira: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que deitei na caixa das petições um requerimento de Caetano Alberto Vidal, segundo official da Secretaria de Estado das Obras Publicas, Commercio e Industria, pedindo que lhe seja applicada a doutrina do artigo 220.° da reorganização do Ministerio das Obras Publicos, Commercio e Industria, approvada pelo decreto de 21 de janeiro de 1903.

Sala das sessões, 11 de agosto de 1909. = Anselmo Vieira.

Para a secretaria.

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ORDEM DO DIA

Continuação do projecto n.° 8 Organização da Caixa Geral de Depositos

O Sr. Presidente: - Vae ser lido para entrar em discussão o artigo 3.° do projecto.

O Sr. Abel de Andrade: - Começa por mandar para a mesa a sua moção de ordem. Em seguida declara que vae analisar o projecto em discussão com toda a imparcialidade, despido de quaesquer considerações politicas. E, sem duvida, pode fazer essa analise com absoluta liberdade de pensamento, porque o Sr. Ministro da Fazenda declarou que podia viver sem esta providencia legal.

Alguns Ministros da Fazenda anteriores assumiram a responsabilidade deste projecto: os Srs. Conselheiros Espregueira e Soares Branco; d'elle tomou a iniciativa o conselho fiscal da caixa; os Sr. Soares Branco e Rodrigues Nogueira, como relatores, tiveram intervenção na economia deste diploma. Apesar disso, o projecto, na sua totalidade, não merece a approvação da Camara. E não vae n'esta apreciação o menor desrespeito pelas individualidades mencionadas. Qualquer das pessoas visadas, se quisesse trabalhar, organizaria um projecto melhor do que este. Faz-lhes esta justiça.

Este projecto foi organizado para se deixar a impressão de que, ao reorganizar a Caixa, se liquidavam as contas entre o Thesouro e aquelle estabelecimento de credito.

Mas, afinal, o que apenas se pretendeu - o com muita razão - foi ultimar essa liquidação de contas.

Consta o projecto de tres partes distinctas: o arranjo financeiro para saldar o mutuo credito e debito do Thesouro e da Caixa, o regime dos empregados temporarios e, propriamente, a reorganização da Caixa.

O Sr. Deputado Rodrigues Nogueira, que sobre o projecto falou tres vezes, e com muita proficiencia, sustentou, de modo especial, a necessidade do projecto por fechar, as contas entre o Thesouro e a Caixa, e resolver a situação dos empregados temporarios. O Sr. Ministro da Fazenda, no seu ultimo discurso, pareceu sympathizar com esse arranjo financeiro. Pois bem. A sua orthodoxia partidaria leva-o a acceitar o arranjo financeiro do projecto e a admittir, pelo processo do projecto ou por outro qualquer, um regime de legalidade a respeito dos empregados temporarios.

Vota, portanto, o arranjo financeiro do projecto, embora reconheça que a commissão deve ponderar devidamente as considerações a tal respeito apresentadas pelo Deputado, Sr. Dr. Centeno.

Do mesmo modo entende que deve publicar-se uma providencia legal relativamente aos empregados temporarios.

Mas parece-lhe que a organização da Caixa, constante do projecto, deve ser posta de parte.

Na verdade este projecto de lei está muito mal organizado. Não se refere por emquanto á sua orientação geral.

Basta estudá-lo na sua simples contextura.

Este projecto de lei podia ser organizado de dois modos ou constituindo um corpo de doutrina, que representasse a materia nova no actual regime vigente, ou substituindo todo o regime vigente por um unico texto de lei. Ambas as orientações são defensaveis. Parece, pela economia do projecto e, sobretudo, pelo artigo 6.°, que revoga a legislação em contrario, que se pretendeu seguir a primeira orientação. Mas a verdade é que nem a um, nem a outro criterio, obedeceu a organização do projecto.

O projecto não contém apenas materia nova no regime vigente. Os artigos 6.° e 7.° da base 1.ª, e o artigo 1.°, n.ºs 2.° e 3.° da base 2.ª reproduzem textualmente os artigos 9.° e 118.°, n.ºs 2.° e 3.° do regulamento de 23 de junho de 1897. E significam apenas alterações, puramente formaes, algumas disposições dos artigos 2.°, 3.º e 4.° da base 1.ª, os artigos 1.°, n.ºs 1.°, 6.°, 7.°, 9.° e 12.° do artigo 1.º da base 2.ª, o artigo 6.° da base 3.ª, e os artigos 1.°, 5.°, 6.° e § unico, 7.°, 12.° e 13.° da base 4.ª

Tambem não encerra o projecto toda a materia legislada sobre este assunto. Ao contrario, continuam a vigorar, em parte, as leis de 10 de abril de 1876, e de 21 de maio de 1896, e o regulamento de 1897. Basta consultar o n.° 1.° do artigo 2.° da base 1.ª do projecto, e compará-lo com o artigo 15.° do regulamento de 1897. A Caixa Economica Portuguesa continua regida pela doutrina do projecto e pelas leis de 26 de abril de 1880, 15 de julho de 1885 e 21 de maio de 1906 (lei de 21 de maio de 1896, artigo 22.°).

Parecia razoavel que, organizado o projecto sobre bases, apenas contivesse a materia substancial da nova organização. Não devia abranger materia regulamentar. Entretanto, aparte poucas disposições, todo o projecto é constituido por materia regulamentar, sendo os respectivos artigos calcados muitas vezes sobre o regulamento de 1897. E escusado citar quaesquer disposições.

Não se observa no projecto uma organização methodica da doutrina. Trata-se, simultaneamente, do regime dos depositos que resultam da disposição da lei, e dos outros depositos. Apparece indifferentemente uma disposição relativa á Caixa Geral dos Depositos, ou á Caixa Economica Portuguesa.

Que consideravel differônça entre este projecto e a lei de 10 de abril de 1876!

Para reduzir ás suas justas proporções este projecto de lei, convém n'elle distinguir os artigos que copiam textualmente as disposições do regime vigente, os que, modificando-as por vezes em pontos secundarios, constituem, pelo menos, uma innovação formal, - e os que na verdade traduzem novas disposições de caracter doutrinario ou regulamentar.

Copiam as disposições vigentes, sem qualquer alteração formal: na base 1:ª, os art. 6.° (lei de 1896, art. 14.°; regulamento de 1897, art. 9.°; lei de 1876, art. 7,°; reg. de 1881, art. 5.°) e 7.° (lei de 1896, art. 17.°); na base 2.ª, o art. 1.°, n.° 2.° (reg. de 1897, art. 118.°, n.° 2,°), n.° 3.° (reg. de 1897, art. 118.°. n.° 3.°), n.° 5.° (reg. de 1897, art. 118.° n.° 4.°).

Alteram as disposições vigentes, por vezes em pontos de caracter secundario: na base 1.ª, os art. 1.° (lei de 1896, art. 1.°; reg. de 1897, art. 1.°), - 2.° (lei de 1896, art. 8.°, 18.° e 19.°; reg. de 1897, art. 16.° e 79.°), - 3.° (lei cit., art. 7.°; reg. cit., art. 12.° e 13.°), - 4.° (lei cit., art. 10.°, 11.°, 16.° § 2.°; reg. cit., art. 120.° § 8.°-, etc.); na base 2.ª, o art. 1.°, n.ºs 1.° (reg. cit., art. 118.° n.° 1.°), - 6.° (reg. cit., art. 18.° n.° 6.°), - 7.° (reg. cit., art. 118.°, n.° 7.°), - 9.° (reg. cit., art. 118.°, n.° 9.°; lei cit., art. 16.°), - 10.° (reg. -cit., art. 118.° n.° 5.°); na base 3.ª, o art. 6.° (reg. cit., art. 267.°, 275.° § 2.° e 276.°); na base 4.ª os art. 1.° (reg. cit., art. 10.°), - 3.° (reg. cit., art. 150.°), - 4.° (reg. cit., art. 90.°), - 5.° (reg. cit., art. 14.°), - 6.° e § un. (reg. cit., art., 68.°- e 69.°), - 7.° (lei cit:, art. 13.°; reg. cit., art. 43.°), - 8.° (reg. cit., art. 156.°), - 10.° (reg. cit., art. 45.°), - 12.° (reg. cit., art. 280.°, 275.°, § 1.°), - 13.° (reg. cit., art. 10.°), - 20.° e 21.° (reg. cit., art. 267.°).

Constituem disposições novas do projecto: na base 1.ª os art. 2.° e § un., 5.° e § un., 8.° e 9.°; na base 2.ª o art. 1.° n.ºs 4.°, 8.°, 11.° e 12.°; na base 3.ª, os art. 1.° a 5.°, e 7.° a 13.°; na base 4.ª, os art. 2.°, 9.° e § un., 11.°, 14.°, 15.°, I6;°, 17.°, 18.°, 19.° é 22.°

Deve proceder com inteira sinceridade, declarando que este serviço não se encontra bem organizado em algumas nações estrangeiras.

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SESSÃO N.° 45 DE 11 DE AGOSTO DE 1909 9

A Caixa Geral de Depositos e Consignações, de França, rege-se ainda hoje por diplomas, que vão desde 1816 a 1876, occupando um logar importante as ordenanças de 28 de abril, 22 de maio e 2 de julho de 1816, o decreto de 1 de maio de 1801 e a lei de 6 de abril de 1876. A Caixa de Depositos e Emprestimos, de Italia, regula-se pelas leis de 17 de maio de 1863 e 27 de maio de 187o. Não é recente o regime de Espanha, de que conhece apenas o decreto real de 12 de maio de 1861. Na Allemanha, o Banco do Imperio, instituido por lei de 14 de março de 1875, é obrigado a receber os depositos, cuja consignação é prescrita pelo Codigo Civil do mesmo imperio, §§ 1:682.°, 1:392.°, 1:667.°, 1:808,°, 1:814.°, 2:116.° (Conf. Laband, Le droit public de Empire Allemand, Paris, 1902, livro III. pag. 23).

Não é muito diverso, ao seu parecer, o regime de Inglaterra.

Mas essas nações teem preferido conservar uma organização que reconhecem ser defeituosa, a modificá-la, quando ainda pode haver duvidas sobre os pontos capitaes da sua organização.

Convém analisar, neste momento, as disposições que representam innovação no projecto. São as seguintes:

Os depositos voluntarios superiores a 20 contos de réis só são recebidos quando effectuados pelos corpos admnistrativos de estabelecimentos publicos de instrucção, ou quando forem especialmente destinados a compra de titulos (base 1.ª, artigo 2.°).

O Governo pode alterar a taxa de juro dos depositos voluntarios, em determinadas condições (base 1.ª, artigo 2.° e § unico).

A Caixa Geral dos Depositos e Instituições de Previdencia fica autorizada a comprar e a vender titulos e a levantar por empréstimo quaesquer quantias sobre o penhor dos mesmos titulos, em certas condições (base 1.ª, artigo 5.°).

Os corpos administrativos só podem fazer os seus depositos de fundos na Caixa Geral de Depositos ou na Caixa Economica Portuguesa (base 1.ª, artigo 8.°), sendo appii-cavel aos thesoureiros que infringirem esta disposição a penalidade do artigo 99.° do Codigo Administrativo (base 1.ª, artigo 9.°).

A Caixa, entre as suas operações, pode fazer emprestimos em conta corrente, caucionadas por titulos da divida publica e dentro de limites previamente estabelecidos, - comprar titulos de divida publica - descontar, depois de devidamente acceites, as letras sacadas sobre os cofres dos Ministerios - descontar warrants nos termos da lei de 18 de setembro de 1908 - e effectuar quaesquer outras operações permittidas por lei (base 2.ª, n.ºs 4.°, 8.°, 11.° e 12.°).

Administração superior da caixa por um administrador e um conselho da caixa (base 3.ª, artigos 1.° a 5.° e 7.° a 13.°).

Equiparação da caixa ás Secretarias de Estado (base 4.ª, artigo 2.°).

Os depositos necessarios, que durante 50 annos não tenham tido qualquer movimento, deixam de ser exigiveis e revertem a favor da caixa, salvo mostrando-se que ha processo judicial pendente. (Começa a vigorar esta disposição dez annos depois desta lei (base 4.ª, artigo 9.° e § unico).

Centralização de todos os fundos em um só cofre, embora haja contas especiaes - constituição do fundo de reserva - quadro do pessoal - aumento deste quadro - extincção da actual repartição da Caixa de Aposentações e Monte de Piedade - situação do visitador - regime dos empregados temporarios - gratificação por serviços extraordinarios (base 4.ª, artigos 11.°, 14.º, 15.°, 16.°, 17.°, 18.°, 19.°. e 22.°).

Extincção do Monte de Piedade Nacional (Base 1.ª, artigo 1.°; lei de 1896, artigo 1.°; regulamento de 1897, artigo 1.°).

Entre as suas operações, a Caixa pode fazer emprestimos ao Governo, a longo prazo, desde que estejam devidamente autorizados e que os respectivos encargos estejam descritos no Orçamento Geral do Estado, como encargo permanente (Base 2.ª, artigo 1.°, n.° 9.°), - e a estabelecimentos publicos, a corporações administrativas e institutos de piedade, beneficencia e instrucção, nos termos dos n.ºs 2.° e 9.° do artigo 1.° da base 2.ª do projecto Base 2.ª, artigo 1.°, n.° 10.°).

Substituição do administrador nos seus impedimentos (Base 3.ª, artigo 6.°; regulamento de 1897, artigo 276.°).

Remessa do orçamento da Caixa ao Ministerio da Fazenda (Base 4.a, artigo 1.°; regulamento de 1897, artigo 10.°).

Isenções das operações effectuadas pela Caixa Economica Portuguesa e impossibilidade de serem penhorados ou arrestados certos depositos (Base 4.ª, artigo 3.°; regulamento de 1897, artigo 100.°).

Regime especial sobre o levantamento de certos depositos (Base 4.ª, artigo 4.°; regulamento de 1897, artigo 90.°).

Dispensa dos editos de sessenta dias para a venda dos depositos de ouro, prata, joias e outros objectos preciosos, em certas condições (Base 4.ª, artigo 10.°; regulamento de 1897, artigo 75.°).

Altera as condições de provimento de certos emprega- dos da Caixa (Base 4.ª, artigo 20.° e 21.°; regulamento de 1897, artigo 267.°).

Estamos longe de admittir todas estas innovacões do projecto.

Quanto á limitação dos depositos voluntarios na Caixa Economica Portuguesa a 20:000$000 réis, nos termos do artigo 2.°-A do projecto, sem desconhecer os motivos que a justificam, dirá que, nas instituições congéneres estrangeiras, começa de seguir-se orientação contraria. É escusado insistir em considerações de qualquer ordem para demonstrar esta these. Bastará citar o decreto de 20 de abril de 1906 sobre caixas economicas, no cantão de Fribourg, cujas, operações podem ser garantidas pelas propriedades communaes (artigo 1.°, alinea a), que, no artigo 5.°, dispõe o seguinte:

"As caixas economicas autorizadas recebem depositos de 1 franco para cima, sem limitação de quantia. A caderneta deve mencionar o juro a pagar e as condições do reembolso. A taxa de juro, que deve ser paga aos depositantes, é fixada, no principio do anno, pelo comité, e vigora durante o anno".

Sobre a alteração da taxa de juro dos depositos voluntarios, pelo Governo, como dispõe o § unico do artigo 2.°-A do projecto, parece preferivel a disposição contida no artigo 5.° da lei do cantão de Fribourg; essa taxa deve ser fixada pelo conselho, no principio do anno e não mais se alteraria, essa taxa durante o anno. (Base 3.ª, artigo 3.°, n.° 2.°).

Já foi indicado o perigo, que haveria, em permittir que a Caixa e as instituições de previdencia pudessem levantar por emprestimos, quaesquer quantias sobre o penhor dos seus titulos, embora com autorização do Governo. Para esse perigo chama a attenção da Camara.

Do mesmo modo não concorda com a redacção dos artigos 8.º e 9.° da base 1.ª do projecto.

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Dizem os artigos 8.° e 9.° da base 1.ª:

"Os corpos administrativos só poderão fazer os seus depositos de fundos na Caixa Geral de Depositos ou na Caixa Economica Portuguesa.

A penalidade imposta pelo artigo 99.° do Codigo Administrativo é applicavel aos thesoureiros que transgredirem as disposições do artigo anterior".

Esta disposição não vinha no regime vigente. E, pelo modo como está redigido o artigo 8.° e 9.°, reputa-a inconveniente.

Toda a doutrina do artigo 8.°, tirante a parte que se refere á Caixa Economica Portuguesa, vem no Codigo Administrativo, artigo 99.° e 201.°

Diz o Codigo Administrativo, artigo 99.°:

"O thesoureiro municipal ou o exactor, que exercer as funcções d'elle, é obrigado, sob pena de demissão imposta pelo Governo, e de procedimento, nos termos do § 2.° do artigo 188.° do Codigo Penal, a transferir para a Caixa Geral de Depositos, independentemente de deliberação camararia, no prazo maximo de quinze dias depois de arrecadadas e á proporção que o forem, as receitas especiaes do fundo de viação municipal, as do fundo de instrucção primaria e as que tenham, por lei decreto ou contrato applicação especial".

Artigo 201.° Em tudo o que diz respeito á contabilidade parochial se observará na parte applicavel o disposto para a contabilidade municipal.

Portanto, as receitas especiaes do fundo de viação municipal, do fundo de instrucção primaria e quaesquer outras que por lei, decreto ou contrato tenham applicação especial, só podem ser depositadas na Caixa Geral de Depositos. E nem as camaras municipaes, nem as juntas de parochia teem outros depositos a fazer.

Mas qual a sancção do preceito consignado no artigo 99.° do Codigo Administrativo e, com a ampliação conhecida, no artigo 8.° do projecto? Pela leitura do artigo 9.° parece que a unica sancção consta do citado artigo 99.° do Codigo Administrativo - demissão do thesoureiro ou exactor, e procedimento contra esse funccionario por desobediencia qualificada, nos.termos do Codigo Penal, artigo 188.°, § 2.°. E, entretanto, não succede assim, como resulta dos decretos de 6 de agosto de 1896 e de 2 de março de 1899. O decreto de 1896, que se refere ao fundo de viação, no artigo 8.°, e o decreto de 1899, que se refere ás receitas especialmente consignadas á satisfação de encargos de determinados emprestimos, no artigo 6.°, dispõem:

"Os governadores civis dos diversos districtos fiscalizarão assiduamente o cumprimento das disposições deste decreto por parte das camaras e empregados municipaes, e promoverão que se tornem eifectivas pelos meios competentes as responsabilidades em que tiverem incorrido as mesmas corporações e funccionarios, segundo o disposto nos artigos 99.°, 407.°, 409.° e 423.° do Codigo Administrativo e mais legislação applicavel".

É certo, em verdade, que a sancção do disposto no artigo 99.° do Codigo Administrativo, se encontra nos artigos 407.°, 409.° e 423.° do mesmo codigo.

O thesoureiro ou exactor, que preterir o disposto no Codigo Administrativo, artigo 99.°, alem da demissão em que incorre e do procedimento criminal contra elle intentado, por desobediencia qualificada, deve ser condemnado ou a restituir a importancia extraviada por causa do seu procedimento illegal, ou á multa de 10$000 a 400$000 réis, segundo a gravidade da falta (Codigo Administrativo, artigo 407.°). E os corpos administrativos, cujos vogaes teem responsabilidade solidaria para a hypothese de qualquer indemnização (Codigo Administrativo, artigo 423.°), se tiverem qualquer responsabilidade na preterição do preceito consignado no artigo 99.° do Codigo Administrativo, incorrem na multa de 50$000 a 200$000 réis (Codigo Administrativo, artigo 409.°).

Assim, a redacção dos artigos 8.° e 9.° do projecto, dá margem ás seguintes duvidas:

- O projecto, tal como está redigido o artigo 9.°, reconhecendo a sancção do artigo 99.° do Codigo Administrativo para o exactor, aboliu a sancção consignada no artigo 407.° para o mesmo exactor, e nos artigos 409.° e 423.° para os corpos administrativos? Ou conserva toda a doutrina dos citados artigos do Codigo Administrativo para a sancção do proceito em discussão, menos a que resulta do artigo 403.° do mesmo codigo?

Parece-me que não foi intuito do projecto modificar o regime vigente; mas, nesse caso, os artigos 8.° e 9.° deviam ser redigidos deste modo:

- Os depositos dos corpos administrativos podem ser feitos na Caixa Geral de Depositos, como determina o Codigo Administrativo, artigos 99.° e 201.°, e nos termos dos decretos de 6 de agosto de 1896 e 2 de marco de 1899, ou na Caixa Economica Portuguesa.

§ unico. A transgressão do disposto neste artigo será punida nos termos do Codigo Administrativo, artigos 99.°, 407.°, 409.° e 423.°

Porque não se sujeitam ao mesmo regime as corporações administrativas (Codigo Administrativo, artigo 203.° § unico)? Tudo aconselha que, sob este ponto de vista especial, as corporações, associações e institutos de piedade e beneficencia, sujeitas á inspecção do governador civil, sejam equiparadas aos corpos administrativos. A ellas se referem, na base 1.ª, o artigo 2.° n.° 2.°, e, na base 2.ª, o artigo 1.° n.° 10.°

Toda a base 3.ª se occupa da administração superior da Caixa por um administrador e um conselho da Caixa. Regressa-se um pouco á organização italiana de 17 de maio de 1862 e á francesa de 1876.

A fiscalização das operações da Caixa francesa é feita, sob a autoridade do poder legislativo, por uma commission de surveillance, composta de dez membros: dois Senadores eleitos pelo Senado, dois Deputados eleitos pela respectiva Camara, dois membros do Conselho de Estado nomeados pelo Governo, um dos presidentes do Tribunal de Contas designado por esse tribunal, o governador ou vice-governador do Banco de França designado pelo respectivo conselho, o presidente ou um dos membros da Camara de Commercio de Paris por ella designado, o director do movimento geral dos fundos do Ministerio das Finanças. Não tem qualquer remuneração (lei de 6 de abril de 1876).

A fiscalização das operações da Caixa italiana é feita pela Commissione annuale di vigilanza delle Casse Depositi e prestiti e delle gestioni annesse, composta de Senadores, Deputados, Conselheiros de Estado e do Tribunal de Contas.

Reputa mesquinha a remuneração dos membros do conselho, como resulta do artigo 13.° da base 3.ª As commissões de serviço que exigem competencia e dedicação não podem, em regra, ser efficazmente exercidas, sem remuneração condigna.

Comprehende a Camara que é delicado discutir este capitulo da reorganização da Caixa; mas nada o impede de affirmar que a mesquinha remuneração de 300$000 réis nem compensa o serviço de Deputados e Pares do Reino, que não recebem subsidio, nem forçará os vogaes nomeados a desviar a sua attenccão do exercicio de func-

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ções, que, pelas correspondentes remunerações, são necessárias á vida de cada um. Toda a Camara subscreve estas observações.

E não se compare o conselho da Caixa do projecto com a commission de surveillance, de Franca. A Caixa francesa é dirigida superiormente por um director geral, dois subdirectores e um thesoureiro, exercendo a commission apenas uma funcção fiscal: vota o orçamento das despesas administrativas, aprecia trimensalmente a conto do director, verifica mensalmente, pelo menos, a Caixa, e apresenta todos os annos ao Senado e á Camara um relatorio sobre a situação material e moral da Caixa.

Ao contrario o conselho do projecto tem uma intervenção, quasi diaria, em todo o serviço da caixa. Basta ler o artigo 3.° da base 3.ª. Não ha assunto importante ou secundario em que não tenha de intervir o conselho. Na realização de quaesquer contratos, na fixação da taxa de juro, na abertura de contas correntes, nas operações da caixa, finalmente em tudo, intervem o conselho, deliberando ou aconselhando.

E por todo este serviço fixa-se a remuneração do projecto!

Nem se invoque a gratuitidade do serviço da commissão francesa. Quasi todas as corporações, a que pertencem os seus vogaes, sem excluir os Deputados, são largamente estipendiadas.

Tambem não comprehende a representação, neste conselho, do Supremo Tribunal Administrativo em logar do Tribunal de Contas, cujas attribuições lhe davam especial preferencia. O exemplo estrangeiro vae neste sentido. Nem se julgue que o nosso Supremo Tribunal Administrativo, embora proveniente da desintegração do antigo Conselho de Estado, se parece com o Conselho de Estado, de França e Itália. O Conselho de Estado, de Itália, tem 1 presidente, 4 presidentes de secção, 32 conselheiros, 8 relatores,, 1 secretario geral, 4 secretários de secção. O Conselho de Estado, de França, tem 32 conselheiros ordinarios, 18 extraordinários, 30 relatores e 36 auditores. O Conselho de Estado, assim organizado, corresponde ao antigo Conselho do Rei, eliminado em 1789; é^ a notável instituição política, a que pertencem funcções, dispersas entre nós, pela Procuradoria Geral do Coroa, Conselho de Estado, Supremo Tribunal Administrativo, e outras, a que em Portugal não corresponde qualquer órgão especial, por exemplo, a sua ingerência na preparação das leis. Comprehende a representação deste Conselho de Estado: não entende a do Supremo Tribunal Administrativo, que se justifica, é certo, como por exemplo, a do Supremo Tribunal de Justiça.

Porque se elimina a representação do Tribunal de Contas? Não era este o instituto naturalmente aconselhado ?! Elimina-se por ter de julgar as contas da caixa?! Mas, nesse caso, elimine-se tambem a representação da Camara dos Deputados que tem de apreciar o relatorio...

A que vem a representação do director geral da thesouraria, que não existe na lei italiana, e que, pelas suas especiaes funcções, nem está indicado, nem tem materialmente tempo para exercer este novo encargo?! A Camara não o ignora.

Illude-se quem confiar exageradamente no conselho da caixa criado pelo artigo 7.° da base 3.ª do projecto. A historia da caixa contém a esse respeito preciosos ensinamentos.

Criada a caixa por lei de 10 de abril de 1876, foi confiada a sua administração á Junta de Credito Publico, que funccionou até á lei de 21 de maio de 1896.

Nos termos da Lei de 8 de junho de 1843, a Junta de Credito Publico era constitnida por cinco membros: um eleito pela Camara dos Pares, um eleito pela Camara dos Deputados, um nomeado pelo Governo e dois eleitos pelos juristas. (artigo 21.°). Recebia cada um destes vogaes réis 600$000 por anno a que accresceram 400$000 réis em 1881 pela commissão do serviço da caixa (regulamento de 17 de agosto de 1881, artigo 87.°). A constituição da j unta não recebeu, sob este ponto de vista, alteração sensível no decreto com força de lei de 14 de agosto de 1893, artigo 2.°, e nos regulamentos de 2 de outubro de 1896, artigo 1.° e de 8 de outubro de 1900, artigo 1.° Pelo diploma de 1893 ficou composta de cinco membros: um eleito pela Camara dos Pares, outro pela Camara dos Deputados, um nomeado pelo Governo, dois eleitos pelos portadores dos titulos. consolidados de assentamento.

Como cumpriu as suas obrigações a Junta de Credito Publico, em que se encontrava representado o Parlamento, e que era independente do poder executivo?

Nos termos da legislação de 1876 e 1881 os depósitos, ou os titulos em que elles se converteram, só podiam ser , levantados por quem a elles tivesse direito, e o Estado, tirante a contribuição estipulada por lei de 30 de junho de 1887 e decreto de 30 de junho de 1898, não tinha direito a retirar da caixa quaesquer valores. Apesar disso, o Governo, em 1890, extorquiu á caixa 60:000 obrigações de 4,5 por cento. E nesta monstruosa illegalidade consentiu a Junta de Credito Publico!

Ainda pelo diploma de 1887 a Caixa era obrigada a entregar ao Governo uma determinada percentagem dos seus lucros. De 1890. até 1896 a Junta não cumpriu essa obrigação!

Peio artigo 10.° do regulamento de 1881, a Junta devia enviar annualmente ao Parlamento um relatorio especial sobre os actos e factos da gerencia da Caixa.

De 1890 até 1896 não se cumpriu esta formalidade!

E não tinham sancção estas obrigações? Dececto. Dizia o artigo 4.° do regulamento de 1881 que os agentes do Ministério Publico exerceriam ex-officio a fiscalização e vigilancia que lhes incumbe como fiscaes da lei. - Este é o ensinamento tirado da II isto na da Caixa.

Em conclusão: melhor seria confiar a administração da Caixa á Junta do Credito Publico, como serviço independente e especialmente remunerado. O prestigio da Junta e a sua independência - que ao presente todos, no país e, no estrangeiro, reconhecem - faria bem á vida da Caixa. Mas, a conservar-se a organização ^proposta, substitua-se ao menos o director geral da Thesouraria por um vogal nomeado pelo Tribunal de Contas.

Não concorda ainda com o recurso dê certas deliberações do conselho, porque pode determinar situações illogicas e, sobretudo, por offender o principio da autonomia da, Caixa (artigo 11.° da base 3.ª).

A economia das caixas d'este genero obedece ao criterio de às tornar, na sua acção, independentes do poder executivo. Por isso são, de modo especial, collocadas sob a fiscalização e garantia do poder legislativo.

Assim o regulamento de 1897 e o projecto, no artigo 6.° da base 3.% dispõem que o administrador geral só pode ser demittido nos termos e pela forma por que o podem ser os vogaes do Tribunal de Contas, isto é, por sentença (regulamento de 1897, artigo 270, § 2.°; regimento de 30 de agosto de 1886, artigo 7.°). -

Diz a commissão no relatorio do projecto: -a independência da Caixa é a condição da sua existencia.

Pois bem, o projecto, no artigo 11.° da base 3.ª, attenta irremediavelmente contra a autonomia e independencia da Caixa; o Governo pode intervir na realização de certos contratos, e - o que é gravíssimo! - na applicação das disponibilidades é do fundo de reserva da Caixa. Esta attribuição, na vida da Caixa, é tudo.

Não comprehende o alcance, que deve ser meramente

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decorativo, do disposto no artigo 2.°, da base 4.ª, que equipara a Caixa às secretarias de Estado.

Na lei de 30 de junho de 1898, artigo 6.°, § 1.° dizia-se: que competiam ao administrador geral todas as honras, prerogativas e direitos dos directores geraes do Ministerio da Fazenda. Isto comprehendia-se. Não succede o mesmo com esta disposição do projecto.

Mas, se a Caixa fica equiparada às secretarias de Estado, não pode consultar a Coroa, porque nessa situação se encontram os directores geraes de todos os Ministerios. O artigo 2.° da base 3.ª collide com o artigo 112.° da base 4.ª

- Repugna-lhe admittir a doutrina relativa á caducidade de prescrição dos depositos necessarios, em certas condições, no fim de cincoenta annos. Esta disposição tem um aspecto gravíssimo e prova o pouco cuidado que, nas organizações successivas da Caixa, tem havido ultimamente um pouco de princípios e de historia.

Em materia de deposito rege o Codigo Civil que, no artigo 1448.°, diz:

"O depositario deve restituir a cousa depositada, a todo o tempo em que a restituição lhe seja requerida pelo depositante, ou por seu legitimo representante, ainda que deposito fosse estipulado por tempo determinado, salvo se for judicialmente embargada a cousa depositada, ou o depositário intimado para não a entregar".

Não dispõe de modo diverso o Codigo Commercial, nos artigos 403.° e seguintes.

Resulta esta doutrina do Codigo Civil, artigo 510.º

Havia motivos para, no regime da caixa, modificar esta disposição de lei? Não.

Havia motivos, sim, para a applicar á caixa, se não fosse preceito geral. O interesse da caixa é que os depositos se perpetuem, por assim dizer; seria a garantia do seu rendimento perpetuo. A possibilidade de a caixa converter os depositos, o facto de, em geral, não ser obrigada a pagar juros de juros (Regulamento de 1897, artigos 42.° e 43.°), disposições estas que estão asseguradas no nosso regime, desfazem, quaesquer duvidas que possam apparecer.

Vamos á historia. Em 31 de março de 1871 um incêndio devorou o archivo ou secretaria da caixa francesa, no departamento do Sena. O Governo francês procurou reconstruir o processo dos depositos feitos até essa data, nesse departamento. Publicou, portanto, uma lei relativa á reconstituirão das consignações efectuadas no departamento do Sena anteriormente a 31 de março de 1871. Essa lei tem a data de 15 de setembro de 1871, e, entre muitas providencias, encerra esta:

8.° As pessoas que tiverem direito a depósitos, ou consignações feitas em Paris, anteriormente a 31 de março de 1871, que não tiverem feito qualquer reclamação ou justificação num período de 30 annos, a partir da promulgação da presente lei, perderão definitivamente o direito a reclamá-los da Caixa. Esta disposição applica-se a menores e interditos, salvo o recurso delles contra os tutores respectivos".

Publicou-se á lei de 1876, o regulamento de 1881 e a lei de 1896, sem a menor referencia a esta doutrina. Mas no regulamento de 1897, no artigo 156.°, diz-se:

"Cessam de ser exigíveis e revertem a favor da Caixa Geral de. Depósitos e Instituições de Previdencia todos os depositos que no prazo de 30 annos não tenham sido reclamados nem aumentados".

E a copia do disposto na lei de excepção francesa de 15 de setembro de 1871, que se justifica pela necessidade de fechar o período da reconstituição das consignações feitas até 31 de março de 1871.

Mas - abyssus abyssun invocat. No projecto, para os depositos obrigatorios, vem o artigo 9.° Nem a doutrina do artigo 156.° do regulamento do 1897, nem a do projecto, no artigo 9.°, são admissíveis. Mas a do projecto é revoltante. A caducidade dos depositos voluntarios é insustentavel; mas quem não se conformar com ella não recorre á Caixa. Não pode, porem, admittir-se a caducidade dos depósitos obrigatorios, que os depositantes são obrigados a fazer.

Alem de que o disposto no artigo 9.° do projecto representa uma nova condição imposta aos contratos de depósitos anteriormente feitos, sem o acordo da outra parte contratante. Isto em direito representa uma extorsão.

De alguns depósitos desta ordem sabe que não tem sido levantados, porque as pessoas que para isso teem competencia, não teem meio de fazer a sua habilitação judiciais que às vezes é muito dispendiosa.

Creia a Camara que, á sombra da violencia imposta por este artigo, devem constituir-se empresas para comprar, por quantias ridículas, o direito, a esses depósitos. E os interessados, apertados pela caducidade dos depósitos, prestar-se-hão á exploração.

Do mesmo modo reputa perigosa a doutrina do artigo 10.° da base 4.ª Reputa preferível o artigo 75.° do regulamento de 1897.

E o projecto, que desce a tantas disposições escusadas, de caracter regulamentar, não modifica o final do artigo 75.°, visto extinguir o Monte de Piedade.

Não concorda com a extincção do Monte de Piedade Nacional. Se o Monte de Piedade, como está organizado no regulamento de 1897, não satisfaz aos seus fins, reforme se; mas não deve extinguir-se. Todos os países procuram aperfeiçoar este instituto delicado. Como processo de o aperfeiçoar referem-se algumas providencias3 e, entre ellas, por exemplo, a prohibição absoluta de qualquer negocio sobre os conhecimentos dos depósitos. A verdade é que, ainda recentemente, no Gran Ducado de Bade e na Republica Argentina, foram instituídos Montes de Piedade, por aviso de 19 de novembro de 1904 e lei de 30 de setembro do mesmo anno.

A redacção e doutrina do artigo 2.° da base 1.ª está muito longe de ser acceitavel. A designação de attribuições da caixa ao determinar os depositos que deve receber e outras operações, que no exercício das suas funcções, pode praticar, é deveras infeliz. Muitos dos números do artigo 2.° deviam estar no artigo 4.° Sob este ponto de vista era mais acceitavel o processo seguido nas leis de 1876 e de 1896.

Devia o projecto começar por definir ou designar os depósitos obrigatórios e voluntários, que entravam na caixa, O processo da designação foi usado em França nas duas ordenanças de 3 de julho de 1816: O artigo 2.° da primeira ordenança indicou todos os depósitos obrigatórios, artigo 1.° da segunda ordenança designou os depósitos voluntários dos particulares.

O processo da definição foi seguido, entre nós, pela lei lê 1876, completada, por insufficiente, com as leis de 1 de abril de 1880 é 22 de março de 1881, e, mais tarde, doptado na lei de 1896. Os artigos 2.° da lei de 1876 e 8.° e 18.° da lei de 1897 são preferíveis, embora incompletos, á miscellanea do artigo 2.° da base 1.ª Na verda-

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de, o n.° 1.° do artigo 2.°; dispensa os n.ºs 3.°, 8.° e 9.°; os n.ºs 5.° e 7.° não deviam entrar neste artigo, etc.

Mas o projecto nem segue qualquer dos systemas, define no n.° 1.° e enumera nos n.ºs 2.°, 3.° e 8.°. ..

A melhor doutrina, que, de meu conhecimento, existe, é a definição dos depósitos obrigatorios, consignada no regulamento da contabilidade, de Italia, e que já vinha na citada lei de 17 de maio de 1863, que bem poderia adaptar-se a Portugal:

Art. 614.° Pertencem á caixa dos depositos e emprestimos os depositos prescritos pelas leis ou regulamentos, ou, em qualquer caso, ordenados pela autoridade judicial ou administrativa, e aquelles que a lei indica para um determinado effeito jurídico. Pertencem igualmente á dita caixa os depositos para qualquer caução e aquelles que se fazem para emprego de capitães.

Mas analysemos algumas innovações, constantes deste artigo 2.°, quanto a novas operações da caixa:

Contratar com o Governo a cottocação de títulos de qualquer emprestimo, legalmente emittido, ou de outros valores na posse do Estado. - Não pode ficar no projecto esta invocação perigosissima, cuja pratica é sempre cheia de suspeições, como mostrou a historia do ultimo emprestimo.

Administrar a caixa de aposentações para as classes operarias e trabalhadoras.-Sobre essa innovação devia ser ouvida a commissão do bill. Preferível seria não a inserir no projecto. E nada se perdia, porque, a ser approvado esse regime, o decreto de 29 de agosto, artigo 5.° e o regulamento de 19 de dezembro de 1907, artigo 1.°, consignam a doutrina do projecto.

Do mesmo modo, não pode admittir-se toda a doutrina do artigo 1.° da base 29.º principalmente na parte que contem innovações.

Assim, a disposição que permitte os empréstimos em conta corrente, a que se refere o n.° 4.° do artigo 1.° da base 2.ª, ou constituirá letra morta, ou representará um perigo para os depositantes que, de resto, são forcados a fazer os seus depositos. E o disposto no n.° 12.° do mesmo artigo 1.° constitue decerto um lapso, que, a persistir no projecto, permittiria á caixa realizar todas as operações permittidas pelo Codigo Commercial. Não ha disposição similar, do meu conhecimento, nos diplomas anteriores.

Ainda não concorda com a innovação relativa á substituição do administrador.

Prefere á doutrina do artigo 6.° :da base 3.ª a do artigo 276.° do regulamento de 1897. Harmoniza-se mais com a funcção, exercida pelo administrador- único laço que prende a Caixa ao Governo.

A que vem a innovação do artigo 1.° da base 4.a?, Ainda ha pouco tempo, a lei de 20 de marco de 1907, estipulou no artigo 10.°:

"Os diversos Ministerios, a Junta do Credito Publico e todas as entidades que tenham administração especial remetterão, até o dia 15 de setembro, os orçamentos respectivos ao Ministerio da Fazendas.

Para que modificar a lei da contabilidade?

O artigo 4.° da base 4.ª do projecto representa uma substancial alteração no disposto no artigo 90.° do regulamento de 28 de junho de 1897.

Diz esse artigo 4.°:

"Os depositos provenientes de depósitos ultramarinos ou consulares, bem como os: depositos constituídos por pessoas que vierem a fallecer, não excedendo 1 conto de réis, podem ser entregues por despacho do administrador geral a quem provar ter direito a esses depósitos, mediante habilitação administrativa, nos termos das leis de 2 de agosto de 1845 (deve ser - lei de 24 de agosto de 1848), 5 de agosto de 1864 e 1 de julho de 1886".

O artigo 90.° do regulamento de 28 de junho de 1897 dispunha:

"Os depositos provenientes de espólios ultramarinos ou consulares, quando não sejam superiores a 200$000 réis, podem ser entregues por despacho do administrador gerar a quem, por habilitação administrativa, nos termos das leis de 24 de agosto de 1848, 5 de agosto de 1854 e 1 de julho de 1885, provar ter direito a elles".

§ 1.°:

"Os depósitos provenientes de espolios ultramarinos, quando superiores a 200$000 réis, serão levantados nos termos do artigo 34.° do regimento de 22 de julho de 1885".

§2.°:

"Os depositos provenientes de espolios arrecadados pelos consules, quando superiores a 200$000 réis, serão levantados nos termos do artigo 694.° do Codigo do Processo Civil".

Portanto, segundo o disposto no artigo 90.° do regulamento de 1897, o levantamento dos depositos provenientes de espolios ultramarinos ou consulares obtem-se por processo diverso conforme as diversas hypotheses:

-nos depositos ultramarinos ou consulares não superiores a 200$000 réis emprega-se a habilitação administrativa, segundo dispõe a lei de 24 de agosto de 1848, isto é, o administrador da Caixa faz publicar, pelo Diario do Governo, os nomes e demais circunstancias da pessoa ou pessoas que requereram a entrega do deposito, assinando o prazo de sessenta dias para comparência de algum terceiro, que se diga prejudicado, - e do requerente ou requerentes exigirá a apresentação dos documentos justificativos e legaes que julgar indispensáveis, depois de ouvido o procurador geral de fazenda;

- nos depósitos ultramarinos superiores a 200$000 réis emprega-se o processo estabelecido no artigo 34.° do regimento de 22 de julho de 1885, que confere ao juiz de direito da naturalidade do depositante fallecido competencia para julgar a habilitação do requerente ou requerentes, em contrario do que dispunha o artigo 694.° do Codigo do Processo Civil, que assinalava essa competência ao juízo da 1.ª vara da cidade de Lisboa.

- Nos depósitos consulares superiores a 200$000 réis, emprega-se o processo estabelecido no artigo 694.° do Código do Processo Civil, que confere ao juizo da 1.ª vara de Lisboa competência para julgar as respectivas habilitações.

Qual o alcance da reforma introduzida pelo artigo 4.° do projecto? Manda empregar o processo de habilitação administrativa da lei de 1848 no levantamento dos depositos ultramarinos ou consulares e quaesquer outros constituidos por pessoas que vierem a fallecer, desde que não sejam inferiores a 1 conto de réis, e confere ao administrador competencia para fazer a respectiva entrega.

Julga perigosa esta inovação. Reconhece a necessidade, de modificar o Codigo do Processo Civil na parte relativa às habilitações; mas julga delicado tornar dependente de um processo tão inefficaz, como o processo de habilitação administrativa, a definição de direitos que interessam a quantias que, embora diminutas, consideradas em si mesmas, podem representar uma importância considerável para os seus legítimos possuidores. Que efficacia podemos reconhecer no processo de habilitação administrativa, nos termos da lei de 1848?!

Assim se tem entendido.

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A lei de 24 de agosto de 1848 permitte que os herdeiros dos empregados do Estado recebam, por esta habilitação, os ordenados do fallecido, se não forem superiores a 240$000 réis a lei de 5 de agosto de 1854 consentiu, após a habilitação por este processo, averbar a quem de direito títulos de divida publica fundada, cujo total nominal não excedesse 400$000 réis.

Mas Q que é mais curioso, assim se entendeu ainda ha pouco. A proposta da caixa foi apresentada em 6 de março de 1909; pois, em 20 de março desse mesmo anno, um Ministro do mesmo Ministerio, a que pertencia o Sr. Conselheiro Espregueira, o Sr. D. Luís de Castro, apresentava sobre o mesmo assunto doutrina completamente diversa, isto é, conservava o regime de 1897.

Diz assim o artigo 2.°, §4.° da proposta de lein.°2-J, sobre a Caixa Economica Postal:

"Os herdeiros de titulares de cadernetas, quando os saldos destas não excedam 200000 réis, podem ser reembolsados por despacho do administrador da caixa, habilitando-se aquelles administrativamente, perante a Caixa Economica Postal, nos termos em que se acham estabelecidos nas leis de 24 de agosto de 1848 e 5 de agosto de 1864".

Tem-se encaminhado um pouco em sentido contrario na Junta do Credito Publico.

No regulamento de 2 de outubro de 1896 dizia o artigo 38.°:

"O averbamento a favor de qualquer dos herdeiros dos possuidores dos titulos de divida fundada ou amortizavel, poderá effectuar-se por meio de habilitação administrativa perante a junta, quando a quota parte respectiva não exceda pela cotação do dia da transmissão o valor de réis 400$000".

No regulamento vigente de 8 de outubro de 1900, o artigo 41.°, fonte immediata do artigo 4.° do projecto, diz-se:

"O averbamento a favor dos herdeiros de possuidores de títulos de divida consolidada e amortizavel poderá effectuar-se por meio de habilitação administrativa, perante a Junta do Credito Publico, quando a quota parte respectiva não exceda pela cotação do dia da transmissão o valor de 1 conto de réis, precedendo editos de 30 dias nas heranças abertas no continente do reino; quando forem abertas nas ilhas adjacentes, províncias ultramarinas ou no estrangeiro, será o prazo de 60 dias para as províncias, e para as segundas e terceiras será o prazo fixado pela junta, não podendo exceder a 90 dias".

§1-°:

"As habilitações de que trata este artigo estão sujeitas ao pagamento do emolumento de 1 por cento em relação ao valor real dos títulos, segundo a cotação do mercado".

Não concorda com esta orientação. O remedio para a doutrina do Codigo do Processo Civil, relativa a habilitações, não consiste em dar competencia a quem a não tem para julgar; mas apenas em modificar, tornando mais simples e expedito, em determinadas hypotheses, o processo de habilitação. Não é isto o que se faz no projecto.

Mas, se a commissão insistir afinal em inserir esta disposição no projecto, deve redigi-la deste modo:

"Todos os depositos voluntarios, cujo valor não exceder 1 conto de réis, podem ser levantados pelos herdeiros dos respectivos depositantes, por meio de habilitação administrativa, perante o conselho da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Providencia, precedendo editos de trinta dias nas heranças abertas no continente do reino; quando forem abertas nas ilhas adjacentes, províncias ultramarinas ou no estrangeiro, será o prazo de sessenta dias para as primeiras, e para as segundas e terceiras será o prazo fixado pelo conselho, não podendo exceder a noventa dias".

Encontra-se chegado ao fim das suas considerações. Do projecto em discussão, algumas disposições não alteram a doutrina vigente. As novas disposições, na sua quasi totalidade, ou são insustentaveis, ou, quando modificam o regime vigente, não lhe levam vantagem.

Mas não basta criticar; é necessario organizar. E vae expor as bases a que deve obedecer uma organização da Caixa.

1) A Caixa deve regressar á sua individualidade de 1876 e 1881, representando o enxerto de 1896, que na época podia ser desculpado, uma anomalia insustentavel, sob todos os pontos de vista. E a evolução de todos os estabelecimentos para a especificação. Faça se em Portugal o mesmo que se fez em França em 1816 (lei de 28 de abril, artigo 118.°), quando se separou a Caixa dos Depositos e Consignações da Caixa da Amortização. Esta Caixa deve ser apenas a Caixa dos Depósitos e dos Emprestimos.

Caixa de Depositos e Instituições de Previdencia?! Nunca. Os princípios em que assenta a Caixa dos Depositos são, por vezes, completamente diversos dos principios que bem quadram, ao regime das instituições de previdencia.

A Caixa Geral de Depositos, de modo generico, arrecada, sob garantia do poder publico, os depositos litigiosos e os depositos de instituições de previdencia ou utilidade publica, cuja productividade deve procurar aumentar, sem qualquer risco da segurança dos respectivos capitães. Esta é a sua funcção social.

Como é diversa a funcção das instituições de previdencia!

Ha annos, ao começo da organização da previdencia, julgar-se-hia possível accumular no mesmo orgão administrativo da Caixa o exercicio das funcções administrativas das instituições de previdencia.

Mas no momento presente....

A previdência social assume formas, por vezes tão delicadas, que, necessitando de maior ou menor auxilio do Estado, exige sempre uma competencia e dedicação, jamais exagerada, dos respectivos corpos directores.

2) Ao organizar-se a Caixa devemos prepará-la para auxiliar, emprestando capitães e recebendo as contribuições sociaes, as diversas instituições de previdencia, que constituem a nota predominante do actual momento historico. Os serviços das caixas economicas, nas suas diversas formas, economica, nacional, local, de exclusiva iniciativa particular, administrada pelo Estado, economica postal, do cheque postal, patronal, escolar, dos Montes de Piedade, das aposentações dos operarios, nas suas diversas formas, devem assentar na organização da Caixa. Mas as administrações destes serviços devem ser independentes embora coordenados para depositos e emprestimos, em cada caixa.

Cita um exemplo para concretizar, as suas ideias.

A ideia da caixa economica postal, que pela primeira vez appareceu em 1807, na Inglaterra, existe ao presente em quasi todas as nações da Europa. Na Inglaterra desde 1861, na França desde 1862, na Italia desde 1876, na Hollanda desde 1881, e a seguir em todo o mundo culto: Constitue uma vergonha nacional a demora na adaptação, a Portugal desta ideia económica europeia.

A lei italiana de 27 de maio de 1870, regulamentada por decreto de 9 de dezembro do mesmo anno, pode, nas suas linhas geraes, ser adaptada a Portugal. E, entretanto, nenhuma disposição vem no projecto que trate da caixa

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economica postal, cuja organização em Portugal deve obedecer às seguintes bases:

- installação da caixa economica postal na Direcção Geral dos Correios e Telegraphos e estações suas subordinadas, com administração autonoma;

- organização da caixa economica escolar, pelo menos das escolas officiaes, conjugada com a caixa economica postal;

- fixação das relações entre a caixa economica postal e a Caixa Geral de Depósitos, quanto ao recebimento dos depositos da Caixa Economica Postal pela Caixa Geral de Depositos, quanto á fixação de juro que esta deve pagar áquella, quanto á conversão dos depositos em títulos de capitalização do juro, na caixa economica postal.

3) Em Portugal, como em França, a caixa tem sido, sobretudo, na frase do Sr. Anselmo de Andrade, o Monte de Piedade do Thesouro.

Comentando o regime de 1896-1897, escreve o Sr. Anselmo de Andrade:

"Os capitães depositados na caixa geral estão na maior parte empregados em empréstimos ao Thesouro e em fundos publicos. A sua funcção principal consiste em acudir às necessidades do Thesouro e em sustentar a cotação das inscrições, amparando-as no mercado. Uma das attribuições que a lei lhe confere (lei de 1896, artigo 17.°) é emprestar fundos ao Monte de Piedade para que este faça emprestimos ao publico, mas esta attribuição tem sido letra morta. Tudo é pouco para o Thesouro. Ultimamente (novembro de 1897) tem-se falado em applicar 100 ou 100 contos dos fundos da Caixa Geral às operações do Monte de Piedade; mas para isso só não vale a pena alterar e actual regime de administração, segundo o qual a Caixa Geral de Depósitos é apenas o Monte de Piedade do Thesouro".

Na verdade urge que a Caixa não seja apenas caixa do Thesouro e venha em auxilio da agricultura, industria e commercio, sem prejuízo da segurança dos seus capitães. Não resulta esta orientação da miragem de novos lucros, mas da influencia que tão avultados capitães devem exercer na sociedade portuguesa.

Commercio, industria, agricultura morrem á falta de capitães.

Ainda vae concretizar as suas observações. São muito limitadas as nossas instituições de credito agrícola: celleiros communs, irmandades, misericordias, syndicatos agrícolas, caixas economicas, warrants agrícolas. Nellas pode, entretanto, o capital da Caixa exercer poderosa influencia. Mas quando se resolva, a valer, o problema do credito agrícola com as caixas municipaes de credito agrícola, como queria Herculano, com um grande banco agrícola, como pretendia Oliveira Martins, ou com a junta de credito predial, como sustenta o Sr. Basilio Telles, a Caixa será chamada a representar um papel importante.

Bastará referir o exemplo da Belgica. Ahi por 1894, as dificuldades do credito agrícola belga eram extraordinárias. O Conselho Superior de Agricultura pediu ao Governo que interviesse e conseguisse que a Caixa Geral Economica e de Aposentações fosse autorizada a collocar fundos á disposição das caixas Raiífeisen, das cooperativas Schulze-Delizoch e das caixas Haas. Publicou-se a lei belga de 21 de junho de 1894, ordenando que a Caixa Geral Económica e de Aposentações empregasse parte do seu fundo disponível em emprestimos feitos aos agricultores, ou às sociedades cooperativas de credito agrícola.

É possível conciliar esta applicação dos capitães da caixa com a segurança que deve presidir a todas as operações de um estabelecimento desta ordem.

Esta orientação impõe-se ainda, porque, não podendo continuar, indefinidamente o nosso regime de deficits e de divida fluctuante, sendo absolutamente urgente equilibrar o orçamento e consolidar a divida fluctuante, convém preparar uma productiva applicação dos capitães da caixa.

4) Deve a Caixa ser, na sua organização e acção, independente do Estado, não soffrendo com as crises do Governo.

Todas estas ideias se compendiam no período do relatorio da commissão de fazenda, que precedeu a lei de 1876.

"A ideia fundamental desta proposta é, a exempla da pratica, propriamente estabelecida em outros países, dar unidade e homogeneidade ao novo systema de depositos, tanto judiciarios, como administrativos e fiscaes, e tornar utilmente productiva a importantíssima somma de capitães que esses depositos absorvem, sem prejuízo da segurança ou integridade dos mesmos depositos, e com manifesta vantagem dos depositantes, do publico e do Estado".

(Parecer da commissão de fazenda da Camara dos Senhores Deputados, sobre o projecto de lei n.° 8, na sessão legislativa de 1876, pg. 330).

O projecto que se discute não individualiza a caixa. Não a prepara para a vida das instituições de previdencia. Não auxilia o commercio, a industria e a agricultara (Base 2.ª, art. 1.°, n.ºs 5, 8 e 10; Base 1.ª, art. 1.°). Sacrifica a independencia, que é a propria razão da existencia da caixa. (Base 3.ª) art. 11.°, (Regulamento de 1897, art. 119.°), art. 6.° (Regulamento de 1897, art. 276.°).

Concretiza o seu voto na seguinte moção:

"A Camara approva a liquidação de contas entre o Estado e a Caixa Geral dos Depositos, de que tratam os artigos 2.° a 6.° do projecto, reconhece a necessidade de legalizar a situação dos empregados temporários, a que se refere o artigo 19.° da base 4.ª, e, enviando o projecto á commissão respectiva para ser reaorganizado convenientemente e apreciado na próxima sessão legislativa, continua na ordem do dia.

Terminando, manda para a mesa as suas propostas de emenda.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. João de Menezes: - Mando para a mesa um requerimento pedindo a contagem.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Só estão presentes 37 Srs. Deputados, numero insuficiente para a Camara poder funccionar.

A proxima sessão é na sexta feira, 13, com a mesma ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 55 minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão Propostas de lei apresentadas pelo Sr. Ministro da Justiça

Proposta de lei n.° 22-A

Senhores.- Venho apresentar-vos e submetter ao vosso judicioso criterio uma proposta de lei sobre responsabilidade ministerial.

Ha oitenta e tres annos que a Carta Constitucional) depois de estatuir no artigo 103.° os casos de responsabilidade dos ministros de Estado, estabeleceu no artigo 104.° que uma lei particular especificasse a natureza dos respectivos delictos e a maneira de proceder contra elles. Toda-

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via, apesar de tão largo decurso de tempo, essa lei particular não existe ainda!

E comtudo o principio da responsabilidade ministerial, destinado a servir de garantia às liberdades publicas, aos interesses do país e do proprio Rei, e á justiça do povo contra Ministros que lhe arruinem o patrimonio e a fazenda, posterguem as leis e os direitos individuaes, só poderá ser util quando for praticável e por isso uma cousa séria, deixando de ser outra cousa pitorescamente precipua apenas, como entre nós ha sido até hoje.

A funcção do Governo é o mais nobre e o mais bello exercício das faculdades humanas. Mas, porque todo o poder tende para o abuso, é preciso que contra os seus excessos haja a garantia da repressão certa e pronta.

Destinada, sem duvida, para isto a lei de responsabilidade ministerial, servirá tambem para defesa dos proprios Ministros contra todas as exigencias dos prepotentes da política, de ordinário oppostas á lei e attentatorias do bem da nação.

Tendo sido malogradas diversas tentativas anteriores, todas patrióticas, tendentes á confecção d'aquella lei, venho tambem ao Parlamento com o meu modesto esforço. E, sendo esta a primeira proposta que vos apresento e para cujo êxito feliz peço a collaboração e a benevolencia dos corpos legisladores, darei assim a todos os meus concidadãos uma prova inequívoca de que tenho o proposito firme de cumprir o meu dever e bem servir o meu país, observando e fazendo observar a lei, como a mais imperiosa de todas as nossas necessidades publicas.

Proposito bem sincero este meu, como de quem deseja traduzir nos seus actos de Ministro o mesmo espirito de justiça em que, mercê de Deus, procurou inspirar-se sempre nas suas decisões como juiz.

O meu despretensioso trabalho é em muitos pontos modelado pela proposta de lei de responsabilidade ministerial apresentada á Camara dos Senhores Deputados, em 1 de maio de 1900, pelo meu illustre antecessor Sr. Conselheiro José Maria de Alpoim, sendo então Presidente do Conselho de Ministros o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro. E natural era que, dada a circunstancia de eu ter, a convite honroso e obrigante destes notabilissimos homens públicos, collaborado intensamente com elles na alludida proposta progressista, o meu espirito propendesse fortemente para ella. Tão natural, como é certo que a minha referencia, nada indiscreta, a tal circunstancia só é trazida ao caso como explicação da conformidade, que ha em muitos pontos das duas propostas de lei.

Conformidade nos pontos e divergencias importantes noutros. No decurso d'esta singela exposição, occupar-me-hei dos objectos de algumas dessas divergencias, alem de outros assuntos da proposta, que me parecem dignos de especial, menção.

Creio ter definido de um modo preciso e claro a responsabilidade dos Ministros pelos actos do poder moderador e do poder executivo, pelas omissões voluntarias de actos que deviam praticar em observância da lei, e pelos actos e omissões dos funccionarios seus subordinados; a é individual qual responsabilidade ou solidaria, política, criminal e civil, verificando-se e tornando-se exequível de differentes maneiras?

Emquanto á solidariedade na responsabilidade ministerial, estabelecida entre nós pela lei de 23 de junho de 1855, provê a proposta de modo diverso, e que deve parecer justo, ácerca da responsabilidade política e da responsabilidade criminal ou civil.

É explicavel, conveniente e boa doutrina da responsabilidade política dos Ministros pelas omissões e actos praticados pelos seus collegas, se, tendo completo conhecimento d'aquellas e d'estes, não fizerem anullar os actos e reparar as omissões, ou não se exonerarem. A mesma censura parlamentar deve incidir sobre o que faz o mal e sobre o que com elle se conforma.

Seria, porem, injusto e iníquo que a solidariedade na responsabilidade criminal e civil dos Ministros, pelos actos e omissões dos seus collegas, fosse alem dos mesmos actos e ommissões, que approvassem em Conselho de Ministros. A pena correspondente ao delicto e a indemnização devida em razão dos prejuízos causados pela lesão não podem recair sobre quem não praticou o delicto, nem causou o damno, nem de modo algum, directa ou indirectamente, contribuiu para elles. É assim a justiça; e legislar de outro modo seria uma sem razão.

Os crimes ministeriaes são apenas os de que fala o artigo 103.° da Carta, dentro do qual podia aliás metter-se quasi um codigo penal inteiro. Na especificação desses crimes e tambem na fixação das respectivas penas procurei ser claro, cauteloso e justo, de modo a evitar que o arbítrio ficasse arvorado em regra de administração de justiça, e de mais a mais em casos de tanta gravidade e de tamanhos melindres.

Deixar o indeterminado, o indefinido, a incerteza em tal assunto era imprudente, contra a razão e um perigo. A melhor lei será sempre a que menos arbítrio permittir aos juizes.

A tal respeito, assim como quando estabeleço que no processo preparatorio se declare e decida que não ha logar á accusação e julgamento do Ministro arguido, se logo, durante aquelle processo, se mostrarem comprovadas circunstancias que justifiquem o facto delicioso, quis proceder como quem apenas procurava elaborar disposições acertadas e justas, e não tinha como ponto de partida a melancolica supposiçao abominavel de que os Ministros deixam de ser homens de bem só pelo facto de serem Ministros.

A accusação dos Ministros importa diminuição da sua autoridade moral, maior ou menor desprestigio d'elles e sempre enfraquecimento do seu poder; não deve por isso ser permittida quando se mostre explicada satisfatoriamente a infracção. Parece-me incontravertivel isto.

Occorreu-me estabelecer na proposta uma disposição igual ou analoga às consignadas no artigo 5.° do parecer da commissão de legislação criminal da Camara dos Senhores Deputados, de 19 de março de 1880, sobre responsabilidade ministerial, e no § 1.° do artigo 5.° da alludida proposta de lei de 1 de maio de 1905, no sentido de reservar o julgamento dos Ministros só para os casos graves, a que fosse applicavel alguma das penas mencionadas nos artigos 55.° e 57.° do codigo penal.

Ainda hoje tenho como ponderosas as razões com que tal defendi naquelle parecer de 19 de março, como seu relator. Talvez que esse formidavel processo do julgamento dos Ministros só deva applicar-se nas grandes violações da lei e dos interesses publicos. Talvez que seja inconveniente envenenar e enervar com mil prevenções mínimas a acção do poder executivo, que, para poder ser enérgico e fecundo, deve ter força e prestigio. Hesitei, porem, em consignar na proposta aquella doutrina para não parecer que estava assim preparando cuidadosamente a impunidade dos Ministros pelos pequenos delictos, que, por serem pequenos, não deixam de ser delictos, e ainda porque não deve recusar-se ao Ministro arguido á justiça do seu julgamento para documentar com elle a sua innocencia perante o país inteiro.

Relativamente á disposição da proposta, que considera réu de traição o Ministro que praticar ou autorizar qualquer facto attentatorio da soberania ou independencia da nação ou da integridade do seu territorio, e emquanto á outra disposição, que pune, como dissipador dos bens publicos,, o Ministro que fizer contratos manifestamente lesivos para p país, pode entender-se, acaso, que, approvado pelo Parlamento o acto praticado pelo Ministro, deve cessar a applicação de taes disposições.

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Ha de todavia parecer que o Ministro só pelo facto de praticar aquelles actos, embora dependentes da approvação das Côrtes nos seus effeitos, pode comprometter gravemente os interesses da nação, devendo por isso soffrer o castigo correspondente á sua culpa. E quantas vezes os votos dados pelos membros do Parlamento a taes actos significam menos annueneia consciente e livre do que a dura necessidade de assim proceder para evitar maiores males ao país!

Emquanto ao crime de falta de observancia da lei avulta na proposta a disposição onde se diz que "não é punível a inobservancia dos decretos do poder moderador que não forem promulgados nos termos da constituição; dos regulamentos, instrucções e decretos do poder executivos contraios á lei, e tambem dos promulgados por elle com excesso da respectiva autorização legal, ou arrogando-se attribuições do poder legislativo, salvos os casos restrictos e precisos dos §§ 33.° e 34.° do artigo 145.° da Carta Constitucional e do artigo 15.°, §§ 1.°e 2.º da lei constitucional de 5 de julho de 1852; e bem assim a inobservencia das proprias leis ordinarias oppostas às disposições constitucionais, como as define o artigo 144.° da mesma Carta".

O pensamento fundamental d'esta disposição vem do artigo 12.°, § unico, da proposta de lei de responsabilidade ministerial de 4 fevereiro de 1880; do artigo 12.°, § 3.°, do parecer da commissão de legislação criminal da Camara dos Senhores Deputados, de 19 de março do mesmo anno; do artigo 10.° da proposta de lei de reforma constitucional de 14 de março de 1900; do artigo 11.° do parecer da respectiva commissão especial da referida Camara, de 2 deste anno ; e do artigo 13.°, n.° 3.°, da dita proposta de lei de responsabilidade ministerial de 1 de maio de 1905.

Bella tradição progressista esta! E como é grato ao meu coração de homem liberal ter-lhe associado o meu humilde nome na qualidade de relator d'aquelle parecer de 19 de março de 1880 e como collaborador da proposta de lei de 1 de maio de 1905, já citada.

Este magno assunto é largamente versado por mim no relatorio de outra proposta de lei, que hoje apresentarei tambem á vossa consideração; e por isso não o explanarei neste logar.

Qual deve ser o tribunal julgador dos crimes dos Ministros?

A tal respeito afasto-me por completo dos preceitos contidos nos artigos 37.° e 41.°, § 1.°, da Carta Constitucional, por entender que isso satisfaz os votos publicos, e sobretudo porque é justo.

Em abono dessa doutrina apraz-me dizer aqui, como se diz no relatorio da referida proposta de lei progressista, de 1 de maio de 1905, que

"Corresponderá a uma forte corrente de opinião a reforma que tire á Camara dos Deputados a faculdade de decretar ou não a accusação dos Ministros por crimes commettidos no exercício das suas funcções, ou seja por crimes ministeriaes, e á Camara dos Pares a faculdade de os julgar.

"Ainda que o pariato fosse somente a consagração social das reputações formadas na suprema direcção dos negocios do Estado, nas lutas da tribuna, nas pugnas da imprensa, nos labores da sciencia, na funcção da judicatura, na pratica da administração, no apostolado do ensino, no exercício do cominando, e finalmente em quaesquer serviços publicos relevantes; nem por isso se devia esquecer que a Camara dos Pares é um corpo essencialmente político, vacillando nessa qualidade entre as encontradas correntes da direcção das cousas publicas, e sempre sujeito por índole propria ao influxo das paixões partidarias, que muitas vezes são a negação do direito.

"Mais fundadamente ainda pode dizer-se isso da Camara dos Deputados, onde as paixões políticas costumam ser mais vivas e actuar com maior intensidade.

"E nestas condições é pelo menos imprudente confiar às ditas corporações a funcção da justiça, que nem sempre ficará immaculada ao lado dos interesses partidarios.

"Demais: aquella competencia privilegiada é contraria á índole e independencia dos poderes políticos, que é preciso manter acima de tudo, como suprema garantia de ordem e primeira salvaguarda dos direitos individuaes e das liberdades cívicas. A missão do poder legislativo é fazer é interpretar as leis; julgar pertence ao poder judicial. Ora, depois de a sociedade estabelecer assim a divisão dos poderes, deve ella ser mantida e não se autorizar de modo algum a confusão dos mesmos poderes, contra que a mesma sociedade tanto quis precaver-se".

Portanto, nem a Camara dos Senhores Deputados deve autorizar a accusação dos Ministros, nem a Camara dos Dignos Pares os deve julgar. E, pela regra de direito de que cumpre dar-se a cada um o que naturalmente lhe pertence, entendi que devia entregar o julgamento dos Ministros ao Supremo Tribunal de Justiça, tanto pelos crimes ministeriaes, como pelos crimes communs; sendo o processo preparatorio feito por uma commissão de tres membros do mesmo tribunal para os crimes ministeriaes; pelo respectivo juiz de direito criminal para os crimes communs, e o julgamento effectuado sempre em tribunal pleno. Logo, porem, que o Ministro arguido seja exonerado ou demittido, o seu processo por crimes communs voltará para os tribunaes ordinarios para se proseguir n'elle em conformidade com a lei geral do processo.

Isto me pareceu bem e isto proponho. Mas, se o Parlamento entender na sua alta sabedoria que o tribunal julgador dos Ministros pelos crimes ministeriaes deve ser constituído nos termos indicados na referida proposta de lei de 1 de maio de 1905, não serei eu que tente oppôr qualquer resistência á realização desse pensamento.

Estabelecida a competencia do tribunal, era preciso fixar quem podia requerer, quem podia accusar e quaes, os tramites processaes a seguir. E isso faz a proposta de um modo claro e que se me afigura tambem racional.

A respeito dos crimes communs; salva a competência privativa do Supremo Tribunal de Justiça para o julgamento, mantenho em tudo o mais a lei geral do processo penal.

Relativamente aos crimes ministeriaes entendo que não só os offendidos como tambem qualquer cidacião português, no gozo dos seus direitos civis e políticos, podem participar qualquer facto criminoso dos Ministros ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o que aliás é conforme ao direito commum estabelecido no artigo 891.° da Novíssima Reforma Judiciaria; e que qualquer commissão parlamentar, que no exercício das suas funcções descobrir algum crime ministerial, deve participá-lo tambem áquelle alto magistrado. Quem participar o crime em juízo pode juntar á participação rol de testemunha e documentos, assim como indicar qualquer determinada diligencia tendente á averiguação da verdade.

Ouvido o Ministro arguido, a commissão instructora procederá às diligencias indicadas nas participações iniciaes e na resposta do Ministro, e ainda officiosamente às que lhe parecerem indispensaveis para a, constatação do crime e indagação dos seus responsaveis.

O Ministerio Publico não intervém no processo preparatorio. Effectuada, porem, a pronuncia definitivamente, a accusação só pode ser feita pelo offendido, ainda que não interviesse no processo preparatorio, e pelo Ministerio Publico,

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representado pelo Procurador Geral da Coroa, cuja intervenção é então necessaria e obrigatoria para se assegurar a acção publica contra o Ministro indiciado como delinquente.

Pareceu-me que, alem do offendido e do Ministerio Publico, a ninguem mais devia ser permittida a faculdade de accusar, para ella não ser convertida em instrumento de perseguição política e de política odiosa. E afigura-se-me tambem que da subordinação hierarchica do Ministerio Publico ao Governo nada há que recear, porque acima de todos está a lei, que ordena a accusação dos Ministros pelo Ministerio Publico em conformidade da pronuncia lançada pela commissão instructora.

O Ministerio Publico não pode assim enleiar-se em quaesquer hesitações, nem desvairar-se na opção do caminho a trilhar, pois só tem um dever inilludivel a cumprir. E para o caso improvavel e inesperado de elle não accusar, a proposta provê de modo a assegurar a intervenção da acção publica.

Devo referir-me ainda ao artigo (transitorio) da proposta, em que se diz que "só depois de revogados o artigo 37.° da Carta Constitucional, o artigo 41.° e § 1.° da mesma Carta na parte respeitante a Ministros de Estado, e o artigo 4.° da lei constitucional de 24 de julho de 1885, relativamente a Pares e Deputados, que sejam Ministros, começará a vigorar a lei da responsabilidade ministerial na parte attinente á responsabilidade criminal dos Ministros"; acrescentando-se ainda na mesma disposição que a Camara dos Deputados, que se seguir immediatamente depois da presente legislatura, será eleita com poderes especiaes para se fazer na legislação constitucional a reforma declarada n'este artigo".

Tal disposição representa outra divergencia entre esta proposta e a de 1 de maio de 1900, na qual se entendia que as Camaras ordinarias podem, não obstante os artigos 37.° e 41.° e § 1.° da Carta e artigo 4.° do Acto Addicional de 24 de julho de 1880, tirar á Camara dos Deputados e á Camara dos Pares as faculdades que ahi lhes são attribuidas.

Por mim entendi sempre e entendo ainda que, sendo constitucionaes as citadas disposições da Carta e Acto Addicional de 1885, só pode legislar-se validamente contra ellas ou em sentido diverso d'ellas, tendo a Camara dos Deputados poderes especiaes para isso.

Ora que as alludidas disposições são constitucionaes demonstra-se pelo artigo 144.° da Carta, onde se declara constitucional tudo o que diz respeito aos limites e attribuições respectivas dos poderes políticos, e pela circunstancia de as mesmas disposições conterem attribuições da Camara dos Deputados e da Camara dos Pares, que são os dois ramos do Poder Legislativo.

É verdade que a materia dos artigos 37.° e 41.° da Carta não faz parte das attribuições das Cortes, segundo o artigo 15.° da mesma Carta, e foi regulada nas disposições privativas da Camara dos Deputados e da Camara dos Pares. Isso, porem, não lhes tira a sua constitucionalidade, porque, sendo as duas Camaras os dois ramos do Poder Legislativo, são constitucionaes tanto as attribuições communs a ambas, como as privativas de cada uma d'ellas.

Porque assim o entendo, nessa conformidade redigi a presente proposta, seguindo a formula de um projecto de lei apresentado á Camara dos Senhores Deputados em 1 de junho de 1866 pelo grande publicista e illustre homem de Estado Antonio Rodrigues Sampaio, com o fim de se declarar competente o poder judicial para conhecer dos delictos dos Deputados durante o periodo da legislatura.

Alguns outros pontos da proposta, como a responsabilidade politica e a responsabilidade civil, mereciam especial referente. Não a farei, porem, para não alongar demasiadamente esta modesta exposição, que vou terminar com os meus votos mais sinceros no sentido de que o Parlamento do meu país faça uma boa lei de responsabilidade ministerial. É, feita ella, não mais se poderá dizer que a responsabilidade ministerial não passa entre nós de uma phrase inventada para os ambiciosos políticos em disponibilidade darem vaias aos ambiciosos políticos em exercício.

Por mim cumpro d'este modo, sem mystificações de especie alguma, lealmente, honradamente e como sei, o meu dever ácerca deste assunto. E agora os corpos legisladores da nação cumprirão certamente o seu, bem merecendo, por isso, do povo e do Rei, da justiça e da liberdade.

Proposta de lei n. 1

Responsabilidade Ministerial

CAPITULO I

Disposições geraes sobre a responsabilidade dos Ministros de Estado

Artigo 1.° Os Ministros de Estado são responsáveis, nos termos desta lei, pelos actos do poder executivo e do Poder Moderador, e pelas, omissões de actos que deviam praticar, assim como pelos actos e omissões dos funccionarios seus subordinados.

§ 1.° Á responsabilidade ministerial é individual ou solidaria, politica, criminal e civil.

§ 2.° A ordem do Rei, verbal ou escrita, não derime nem attenua a responsabilidade dos Ministros.

Art. 2.° Os Ministros são individualmente responsáveis pelos actos do poder executivo, que assinarem, referendarem, praticarem, ordenarem ou autorizarem ; pelos actos do Poder Moderador, que referendarem; pelas omissões voluntarias de actos que, em observancia da lei, deviam praticar; e pelos actos e omissões illegaes dos funccionarios seus subordinados, se, tendo cabal conhecimento d'aquelles e d'estas, deixarem subsistir os actos e não fizerem reparar as omissões.

§ 1.° A acceitação do cargo é já um acto da responsabilidade do Ministro.

§ 2.° Pertence exclusivamente ao Presidente do Conselho de Ministros a responsabilidade pela sua nomeação.

Art. 3.° E sempre solidaria a responsabilidade política dos Ministros pelas omissões e actos praticados pelos seus collegas no exercício das suas funcções, se, tendo completo conhecimento d'aquellas e destes, não fizerem annullar ou emendar os actos e reparar as omissões, ou não se exonerarem; mas a responsabilidade criminal e civil dos Ministros será solidaria apenas pelos actos e omissões dos seus collegas, que tiverem approvado em Conselho de Ministros.

Art. 4.° A responsabilidade política dos Ministros verifica-se perante as Côrtes por meio de moções de censura ou desconfiança, cuja approvação será immediatamente communicada ao Rei pela Camara que as approvar.

§ unico. A rejeição de qualquer proposta de lei governamental pelo Parlamento não significa censura ou desconfiança politica.

Art. 5.° A responsabilidade criminal dos Ministros, que comprehende tanto os delictos commettidos por estes no exercício das suas funcções, como os crimes communs, torna-se effectiva pela imposição das respectivas penas nos termos prescritos n'esta lei.

Art. 6.° Os crimes que os Ministros de Estado podem commetter no exercício das suas funcções são os mencionados no artigo 103.° da Carta Constitucional, como elles são especificados n'esta lei em observância do artigo 104.° ! da mesma Carta.

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Art. 7.° Quando para algum dos crimes comprehendidos no artigo antecedente não estiver de qualquer modo estabelecida pena em alguma lei, será applicada a pena correccional, que for mais adequada á natureza e gravidade do delicto.

Art. 8.° Sempre que a lei impuser a pena de demissão, será esta substituída pela de privação ou suspensão dos direitos políticos.

Art. 9.° Não haverá accusação criminal do Ministro por qualquer crime previsto no artigo 6.° d'esta lei, e assim se decidirá no respectivo processo preparatorio, quando neste estiver comprovado que o mesmo crime foi praticado em circunstancias que o justifiquem.

Art. 10.° Nem o Ministerio Publico poderá em caso algum abster-se de accusar nos termos d'esta lei, ou desistiu da accusação; nem a desistencia da participação do crime ou da accusação particular, assim como o perdão do offendido, farão sustar o processo intentado por delictos especiaes dos Ministros.

Art. 11.° O procedimento judicial criminal pelos delictos dos Ministros, praticados no exercicio das suas funcçõess, prescreve passados dois annos desde a sua exoneração ou demissão, ou desde o ultimo acto do processo que houver sido instaurado; e as penas impostas prescreverão nos termos da lei commum.

Art. 12.° A responsabilidade criminal dos Ministros pelos delictos communs prescreverá nos termos do Codigo penal.

Art. 13.° A responsabilidade civil dos Ministros regula-se sempre pelos principios do Codigo Civil, pode cumular-se com a respectiva acção penal, transmitte-se aos herdeiros e representantes d'elles, e prescreve nos termos do mesmo codigo.

CAPITULO II

Dos crimes commettidos pelos Ministros no exercício das suas funcções

Art. 14.° Os Ministros de Estado são responsaveis:

1.° Por traição; 2.° Por peita, suborno ou concussão;

3.° Por abuso de poder;

4.° Por falta de observancia das leis;

5.° Pelo que obrarem contra a liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos;

6.° Por qualquer dissipação dos bens publicos.

Art. 15.° Os Ministros são responsaveis por traição:

1.° Quando commetterem qualquer dos crimes previstos nos artigos 141.° a 176.° do Codigo Penal;

2.° Quando praticarem ou autorizarem qualquer facto attentatorio da soberania ou independencia da nação, ou da integridade do seu territorio;

3.° Quando, sem o concurso das Cortes, revogarem ou reformarem a constituição no todo ou em parte, ou a suspenderem fora dos casos e termos mencionados no § 34.° do artigo 145.° da Carta Constitucional.

§ unico. Nos casos previstos em o n.° 1.° deste artigo serão applicadas as respectivas penas do Codigo Penal; e nos casos previstos em os n.ºs 2.° e 3,° do mesmo artigo será applicada a pena do artigo 170.° do referido codigo.

Art. 16.° São responsaveis por peita, suborno ou concussão os Ministros que commetterem qualquer dos crimes previstos nos artigos 314.° a 323.° do Codigo Penal, sendo-lhes applicadas as respectivas penas ahi declaradas.

Art. 17.° São responsaveis por abuso de poder os Ministros :

1.° Que praticarem qualquer dos crimes previstos nos. artigos 291.° a 309.° do Codigo Penal;

2.° Que, fora dos casos previstos no artigo 15.° do Acto Addicional de 5 de julho de 1852, decretarem, sem o concurso das Cortes, providencias de caracter legislativo;

3.° Que excederem as respectivas autorizações legaes.

§ unico. Nos casos do n.° 1.° as penas applicaveis serão as que lhes corresponderem no Codigo Penal; o caso do n.° 2.° será punido nos termos do artigo 301.° do mesmo codigo; e no caso do n.° 3;° observar-se-ha o disposto no artigo 7.° d'esta lei.

Art. 18.° Os Ministros são responsaveis por falta da observancia da lei quando violarem de qualquer modo o direito expresso, ou consentirem que os seus subordinados o façam.

§ unico. Não é punivel a inobservancia dos decretos do poder moderador, que não forem promulgados nos termos da Constituição; dos regulamentos, instrucções e decretos do poder executivo contrarios á lei e tambem dos promulgados por elle com excesso da respectiva autorização legal, ou arrogando-se attribuições do poder legislativo, salvos os casos restrictos e precisos dos §§ 33.° e 34.° do artigo 145.° da Carta Constitucional e do artigo 15.° §§ 1.° e 2.° da lei constitucional de 5 de julho de 1852; e bem assim das proprias leis ordinarias oppostas a disposições constitucionaes como as define o artigo 144.° da mesma Carta.

Art. 19.° Os Ministros são responsaveis pelo que praticarem contra a liberdade, segurança e propriedade dos cidadãos:

1.° Quando, não estando suspensas as garantias, as offenderem na pessoa ou propriedade de algum cidadão;

2.° Quando, estando suspensas as garantias, forem excedidos os limites da necessidade dessa suspensão.

Art. 20.° Os Ministros são responsaveis por dissipação dos bens publicos:

1.° Quando commetterem o crime de peculato previsto no artigo 313.° do Codigo Penal;

2.° Quando ordenarem ou autorizarem despesas que a lei não autorize, ou sem a observancia das formalidades legaes;

3.° Quando desviarem quaesquer bens, valores e receitas do Estado, da sua applicacão legal ou lhes derem destino não autorizado expressa e especialmente por lei;

4.° Quando praticarem actos e celebrarem contratos manifestamente lesivos para a nação, ou favorecerem fraudes de terceiro contra o Estado, ou não obstarem dolosamente aos prejuízos que d'ellas possam dimanar;

5.° Quando por falta de vigilancia compatível com os deveres do seu cargo, deixarem despender mais do que era necessario para se conseguir o fim da lei, que autorizou a respectiva despesa, ou que se percam ou sejam desviados do seu destino legal quaesquer bens, valores e rendimentos do Estado.

§ unico. Nos casos deste artigo serão applicadas às penas dos crimes de peculato, furto, burla, abuso de confiança e damno, que mais apropriadas forem, attendendo-se ao valor do prejuízo causado.

CAPITULO III

Da competencia do tribunal de julgamento dos Ministros por crimes commettidos no exercicio das suas funcções" e do respectivo processo preparatorio e de julgamento.

Art. 20.° Os Ministros serão processados, pelos crimes commettidos no exercicio das suas funcções, perante o Supremo Tribunal de Justiça exclusivamente, quer o processo seja instaurado durante aquelle exercício, quer depois d'elle terminar.

§ 1.° Uma commissão de tres membros do tribunal, composta do presidente e dos dois juizes mais modernos, procederá á formação do processo preparatorio.

§ 2.° O julgamento será feito pelo tribunal pleno, cujas decisões somente serão validas quando tomadas pelos votos conformes da maioria de todos os membros do tribunal.

§ 3.° O presidente do tribunal ordenará, em qualquer caso, os termos a seguir e proverá ácêrca do expediente do processo, no qual servirá de escrivão o director geral da secretaria do mesmo tribunal.

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20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Art. 22.° Ás pessoas directa e immediatamente offendidas, e a qualquer cidadão português no gozo dos seus direitos civis e políticos, é permittido participar qualquer facto criminoso dos Ministros ao presidente do tribunal, sendo as assinaturas dos participantes reconhecidas por notario, e podendo os mesmos participantes juntar às participações documentos e roes de testemunhas, assim como indicar qualquer determinada diligencia necessária para-a averiguação da verdade.

§ unico. Se alguma commissão parlamentar descobrir no exercício das suas funcções qualquer crime ministerial, assim o participará ao presidente do tribunal.

Art. 23.° Recebidas as participações, reunir-se-ha com a possível brevidade a commissão instructora para tratar do processo preparatorio, remettendo logo uma copia d'ellas e dos documentos e roes de testemunhas ao Ministro arguido, que no prazo de dez dias poderá allegar o que se lhe offerecer.

Art. 24.° Para a formação do processo preparatorio, a commissão instructora procederá às diligencias indicadas nas participações iniciaes e na resposta do Ministro arguido, e ainda officiosamente às que lhe parecerem indispensaveis para a constatação do crime e indagação dos seus responsaveis, requisitando do Governo ou de quaesquer autoridades o que para Isso for necessario.

§ unico. As diligencias de que fala este artigo serão effectuadas sem caracter secreto e sob a presidencia do presidente da commissão instructora ou de qualquer membro d'elle em quem aquelle delegar; de modo que o processo preparatorio esteja concluído dentro dos trinta dias seguintes aquelle em que terminar o prazo para a resposta do Ministro.

Art. 25.° Ultimadas as diligencias investigatorias, a commissão instructora proferirá no processo preparatorio, dentro de cinco dias, um accordão fundamentado, em que conclua, ou pela não existencia de delicto, ou pela justificação d'este, ou pela accusação do Ministro por determinado crime ministerial.

§ unico. Se o Ministro arguido tiver co-reus, não serão elles pronunciados no accordão de que fala este artigo, mas será remettida copia do processo ao respectivo juízo criminal, a fim de ahi proseguir o dito processo contra estes.

Art. 26.° O accordão, que concluir pela accusacão, será equivalente da pronuncia, e terá os seguintes effeitos:

1.° A suspensão do exercício de quaesquer funcções publicas e inhabilidade para ellas até final sentença;

2.° A obrigação de responder perante o tribunal de julgamento dos Ministros de Estado;

3.° A prisão preventiva do accusado, quando o crime não admittir fiança nos termos da lei geral do processo.

§ unico. A prisão do Ministro será feita por qualquer membro do tribunal, indicado para isso pelo seu Presidente; e as intimações pessoaes do arguido serão effectuadas no processo do julgamento pelo Director Geral do Supremo Tribunal de Justiça.

Art. 27.° O accordão de que fala o artigo 25.° desta lei, será publicado immediatamente no Diario do Governo, e d'elle poderão aggravar de petição para o tribunal pleno, no prazo de cinco dias a contar da publicação, o Ministro arguido e os participantes do crime mencionados no artigo 22.° e § unico d'esta lei, sendo esse recurso julgado no prazo de trinta dias seguintes, para o que terá cada membro do tribunal vista, dos autos por quarenta e oito horas, e sendo o respectivo accordão tambem publicado immediatamente no Diario do Governo.

Art. 28.° Nos crimes previstos nos artigos 244.° e 245.° do Codigo Penal, commettidos contra Ministros de Estado, a pena de prisão maior cellular nunca será inferior a quatro annos no caso do artigo 244.°; a pena de prisão correcional nunca será inferior a um anno e a multa a réis 200$000, no caso do § único do mesmo artigo 244.°; e no caso do artigo 245.° a pena será de seis meses a dois annos de prisão correcional e 100$000 réis de multa, ou de um anno a dois annos de prisão correcional e multa de 2QO$000 réis, conforme, a participação calumniosa tiver sido feita por pessoas que se diziam directamente offendidas, ou por outras quaesquer, com excepção das commissões parlamentares a que sé refere o § unico do artigo 22.° d'esta lei.

§ 1.° Estas penas serão impostas no competente juízo criminal e pela forma estabelecida na lei geral do processo penal.

§ 2.° As respectivas perdas e damnos serão exigidas no competente juizo eivei em conformidade do Codigo Civil e do Codigo do Processo Civil.

§ 3.° Não é calumniosa a participação quando o processo preparatorio constatar os factos denunciados, embora não se verifique ou cesse por qualquer motivo a accusação, ou seja absolvido o arguido.

Art. 29.° Pronunciado definitivamente o Ministro, a acção publica será representada na accusação e julgamento d'elle pelo Procurador Geral da Coroa e Fazenda, podendo os offendidos accusar também, ainda que não fossem participantes do crime.

Art. 30.° O Ministerio Publico deduzirá sempre o libello accusatorio em harmonia com a pronuncia, no prazo de oito dias seguintes aquelle em que os autos lhe forem em vista; e dentro do mesmo prazo a parte offendida deduzirá tambem o seu libello, podendo aquelle e esta juntar documentos e roes de testemunhas.

§ único. Se o Procurador Geral da Coroa e Fazenda não deduzir o libello no prazo legal, o Tribunal nomeará immediatamente, em sessão plena, um agente especial do Ministerio Publico para accusar o réu.

Art. 31.° O Ministro accusado apresentará a sua contestação no prazo de oito dias seguintes aquelle em que lhe forem dadas copias dos libellos, dos documentos e dos roes de testemunhas com elles juntos, podendo o mesmo accusado offerecer com a contestação rol de testemunhas e documentos.

Art. 32.° Inquiridas as testemunhas, que tenham de o ser por meio de carta de inquirição, e feita qualquer outra diligencia legal, requerida pelas partes no libello ou na contestação como meio de prova, será designado dia para julgamento, avisando-se todos os membros do tribunal e intimando se o Ministerio Publico, a parte offendida,

O accusado e as testemunhas que hajam de depor oralmente.

Art. 33.° O accusado nomeará até tres defensores, aos quaes não se exigirá qualquer habilitação profissional e somente a qualidade de cidadão português no gozo dos seus direitos civis e políticos.

Art. 34.° O julgamento será publico e verbal, e a decisão do tribunal, quer absolutoria, quer condemnatoria, será immediatamente publicada no Diario do Governo.

Art. 35.° Nos casos para que esta lei não providenciar, proceder-se-ha em harmonia com as disposições da lei geral .do processo, que sejam applicaveis.

CAPÍTULO IV

Da responsabilidade dos Ministros por crimes communs

Art. 36.° Os Ministros de Estado serão processados em conformidade da lei geral do processo penal por qualquer crime commum, sendo, porem, julgados pelo Supremo Tribunal de Justiça em sessões reunidas, ao qual será para o effeito remettido o processo logo que passar em julgado o despacho de pronuncia nos casos em que esta pode ter logar, ou o despacho que houver por constituído o corpo de delicto nos mais casos.

§ 1.° O presidente do Supremo Tribunal de Justiça proverá sobre o ordenamento -dos termos regulares do processo de accusação e julgamento.

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SESSÃO N.° 40 DE 11 DE AGOSTO DE 1909 21

§ 2.° Durante o exercício das funcções do Ministro arguido a prisão d'elle será feita pelo juiz de direito instructor do processo, ou pelo juiz de direito da sua residência, que para isso seja deprecado, e as intimações pessoaes do mesmo Ministro serão feitas por meio de officio assinado pelo magistrado que presidir á instrucção ou á accusação e julgamento d'elle.

§ 3.° Logo que o Ministro seja deinittido ou exonerado, deixarão de verificar-se a accusação e julgamento perante o Supremo Tribunal de Justiça, voltando o processo para o competente juizo criminal, para ahi se proseguir nos seus termos, em conformidade da lei geral do processo penal.

CAPITULO V

Da responsabilidade civil dos Ministros

Ar t. 37.° A responsabilidade civil dos Ministros será julgada sempre pelas justiças eiveis ordinárias, em conformidade com o Codigo do Processo Civil e com o disposto no artigo 13.° desta lei.

CAPITULO VI Disposições flnaes

Art. 38.° (transitorio). Só depois de revogados o artigo 37.° da Carta Constitucional, o artigo 41.° e § 1.° da mesma Carta, na parte respeitante a Ministros de Estado, e o artigo 4.° da lei constitucional de 24 de julho de 1880 relativamente a Pares e Deputados, que sejam Ministros, começará a vigorar esta lei na parte attinente á responsabilidade criminal dos Ministros.

§ unico. A Camara dos Deputados, que se seguir immediatamente depois da presente legislatura, será eleita com poderes especiaes para se fazer na legislação constitucional a reforma declarada n'este artigo.

Art. 39.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, 11 de agosto de 1909. = Francisco José de Medeiros.

Proposta de lei n,° 22-B

Senhores. - A presente proposta de lei versa sobre differentes assumptos importantes de processo penal.

Acerca de alguns desses pontos encontram-se sempre em luta o interesse geral na repressão do crime e o das immunidades cidadãs, a tradição com todos os seus preconceitos e o progresso com todos os seus anceios, o principio da liberdade individual com a reivindicação de todos os direitos e o principio da ordem publica com a exigem da de todas as obrigações. E a justa combinação d'aquelles interesses e destes princípios, sem espirito de rotina nem exaltações desordenadas, ou seja o feliz acordo do respeito pelo passado e das tendências para o futuro, das tradições fortes e das grandes esperanças, é o problema de todos os tempos, que aos estadistas, e aos legisladores cumpre resolver no momento e no meio em que legislam e governam.

Não tenho a vaidosa pretensão de affirmar que as disposições da proposta contenham essa combinação difficil, e somente sei ter empregado para ella os meus esforços mais desvelados. Nos pontos, porem, em que as minhas diligencias não foram coroadas do anhelado exito, o Parlamento proverá como for justo, conveniente e necessario ao bem publico, que, servido pela justiça e pela liberdade, deve ser o escôpo da acção política de nos todos.

A proposta dispõe com a necessária precisão e clareza ácêrca do juizo, onde deve ser intentada a acção penal, que começa com o processo preparatorio, e ácêrca tambem das pessoas que a podem intentar.

Não me parecendo conforme á boa rasão a acção popular por todos os crimes e contra todas as pessoas, o que converteria cada tribunal criminal em verdadeiro Pretorio de Pilatos, fazendo da nobre e alta funcção da justiça uma cousa odiosa, entendo que, resalvada a disposição do artigo 124.°,da Carta Constitucional, e aparte o direito que pelo artigo 891.° da Novíssima Reforma Judiciaria tem qualquer pessoa do povo de participar crimes ao juiz ou ao Ministerio Publico da circunscrição, em que elles foram commettidos, a acção penal só deve ser permittida a este e ao offendido ou seus representantes legaes.

Ha, porem differenças a accentuar.

Uma d'ellas é que, nos casos dependentes da accusação ou requerimento do offendido, a intervenção do Ministerio Publico cessa, se a accusação d'aquelle cessar.

Outra é que nos casos dependentes de queixa, denuncia ou participação do offendido, dadas estas, é obrigatoria a intervenção do Ministerio Publico, que não cessa, ainda que o offendido desista d'ellas.

Não era razoavel que, por exemplo, nos crimes de adulterio e nos de injuria e diffamação os quaes, principalmente os primeiros pelos seus extraordinarios melindres pessoaes e familiares, importam quasi exclusivamente aos offendidos, o Ministerio Publico fosse obrigado a accusar sempre, ainda mesmo que aquelles desistissem da reparação judicial.

E nos casos, que só dependem de queixa, ha de parecer que, depois de quebradas pelo offendido as reservas, que a exigencia d'ella respeitava, a retirada da mesma queixa já não deve fazer cessar a intervenção do Ministerio Publico.

Relativamente á acção do juiz no processo preparatorio estabelece a proposta que, originariamente, nunca elle interfira sem promoção do Ministerio Publico, ou requerimento do offendido ou de quem legalmente o represente; mas, instaurada a acção criminal a requerimento de parte legitima, poderá elle proceder officiosamente a qualquer diligencia, que tenda verosimilmente á averiguação da verdade, ou á constatação de qualquer circunstancia dirimente da responsabilidade criminal.

Dada a passividade da funcção judicial e devendo o Juiz ser impassível para poder ser imparcial, ficaria desvirtuada aquella alta funcção e contrariada essencialmente a indole do juiz, impondo-se-lhe o dever de instaurar e formar o respectivo processo preparatorio pelos crimes occorridos na área da sua jurisdição, quando para tal não fosse requerido.

O juiz, para agir, precisa de ser provocado. E não é sobre elle, mas sobre o Ministerio Publico, orgão da sociedade perante o poder judicial, que devem pesar as preoccupações do restabelecimento da tranquilidade publica pela punição do crime, que a perturbou.

Para transigir com a tradição legal permitte se ao juiz que, depois de instaurada a acção criminal, proceda officiosamente a uma ou outra diligencia, tendente ao descobrimento da verdade. Não se deve, porem, ir mais longe. E, porventura, já aquella concessão tornara o juiz suspeito de parcialidade contra ou a favor do arguido.

Devo ainda consignar que segundo a proposta deixam de existir os tribunaes criminaes collectivos na 1.ª instancia; que os tribunaes criminaes podem conhecer, para os effeitos penaes somente, de todas as questões, qualquer que seja a sua natureza, que respeitarem aos elementos constitutivos do crime; e que a instauração e o proseguimento do processo criminal não dependem em caso algum da previa decisão de outro qualquer juizo. O que é um punhado de reformas, que se me afiguram importantes. E d'este modo acabam os tribunaes collectivos das leis de 12 de junho de 1901, e de 11 de abril de 1907 para julgamento dos crimes de moeda e notas falsas e de alguns delictos de imprensa, por serem manifestamente desnecessários, dado o recurso para as Relações.

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22 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A respeito de prisão preventiva, especialmente tratada na proposta, a regra dominante nesta, assim como na legislação vigente, é que, sem culpa formada com o respectivo despacho de pronuncia, ninguém pode ser preso por motivo algum e por quem quer que seja.

Esta regra, porem, tem excepções, autorizadas pelo artigo 145;°, § 7.°, da Carta Constitucional; e soffre essas excepções estatue a proposta, admittindo sete casos de prisão sem culpa formada.

O primeiro destes casos, é o de flagrante delicto, que aliás e por motivos obvios não pode haver nas coimas e contravenções de regulamentos administrativos e municipaes, e que não ha tambem nos crimes, cuja punição depende de accusação, requerimento, queixa, denuncia ou participação do offendido, salvo intervindo este na prisão, pelo simples motivo de que, fora destes termos, a prisão do offensor em flagrante delicto, não tendo de se lhe seguir necessariamente o respectivo processo criminal, seria por via de regra uma violência inútil e mero alarde de força oppressora.

Sem duvida a proposta admitte a prisão em flagrante delicto por crimes leves, ou seja naquelles a que corresponde processo de policia correccional, pelos quaes, segundo a jurisprudência corrente, ella não tem logar. A doutrina, porem, da prisão em flagrante delicto por infracções insignificantes é facilmente justificavel pelas simples considerações de que é essa a logica do flagrante delicto, e de que os crimes leves são muitas vezes o inicio, o incitamento e a provocação de crimes graves, que mais vale prevenir do que castigar.

E devo accentuar tambem que a doutrina da prisão em flagrante delicto por crimes leves não é contraria á legislação vigente, e antes se conforma com o artigo 145.°, § 1.° da Carta, com os artigos 920.° e 1:019.° da Novíssima Reforma Judiciaria e com o artigo 2.° da lei de 15 de abril de 1886, que não prohibem a prisão em flagrante delicto por essas infracções, e somente determinam que o preso não seja conduzido á cadeia ou nella conservado, como a proposta tambem estatue, exigindo-se apenas para isto o reconhecimento da identidade do preso e o termo da residencia d'elle, se for de fora, da comarca.

Ò segundo caso de prisão sem culpa formada, segundo a proposta, é respeitante aos crimes que o artigo 1:023.° da Novíssima Reforma Judiciária chama de alta traição e que todos entendem hoje como crimes contra a segurança do Estado, previstos e punidos nos artigos 141.°a 176.° do Codigo Penal.

Destes crimes ficam excluídos, na minha formula, aquelles a que não corresponder qualquer das penas maiores de prisão, degredo ou expulsão do reino sem limitação de tempo. Vou com a tradição legal até aqui; mas não, emquanto aos crimes punidos com penas inferiores a estas, parecendo-me que elles não legitimam a violenta precaução da prisão sem culpa formada.

O terceiro caso de prisão sem culpa formada é o do crime de furto, previsto e punido no artigo 425.° do Codigo Penal, que é o que mais se parece e melhor se coaduna com o furto domestico, de que falla o referido artigo 1:023.° da Novíssima Reforma Judiciaria.

Também nesta parte vou com a tradição legal, entendendo, porem, que a disposição deve ampliar-se ao furto previsto e punido noutro qualquer artigo daquelle codigo, se este crime for habitual no arguido. Essa ampliação é com effeito uma restricção á liberdade individual, mas é tambem útil e justa cautela e mesmo legitima defesa contra os que teem por modo de vida viver do alheio, e especialmente contra a gatunagem, que infesta e infama os grandes povoados. I

O quarto caso de prisão sem culpa formada é o do crime

de roubo, ou seja o de furto violento declarado no artigo 1:023.° da Novíssima Reforma Judiciaria, salvo o disposto j no artigo 439.° do Codigo Penal, que figura uma hypothese, em que o crime de furto ou de roubo não pode deixar de considerar-se fortemente attenuado.

O quinto caso de prisão sem culpa formada é o que no referido artigo 1:023.° da Novíssima Reforma Judiciaria se chama crime de levantamento de fazenda alheia e que a proposta traduz por crime de abuso de confiança, previsto e punido no artigo 453.° do Codigo Penal, limitando todavia a disposição ao caso de ser excedente a 100$000 réis a importancia do dinheiro dissipado ou o valor dos objectos desencaminhados. Nem me parece que seja necessario levar mais longe a precaução.

Sexto caso de prisão sem culpa formada é o do homicídio voluntário. O citado artigo 1:023.° da Novíssima Reforma Judiciaria diz homicídio somente, abrangendo assim por igual e, portanto, sem justiça o homicídio voluntário e o involuntário, e de alguma maneira tambem o crime de offensa corporal voluntaria, que, sendo commettida sem intenção de matar, occasionou todavia a morte. Segui, porem, rumo diverso na proposta: E acertadamente me parece, attentas as diversas responsabilidades emergentes d'aquelles tres crimes.

Eu sei, até pela minha pratica judicial, que às vezes é muito difficil classificar criminalmente um facto, que violentamente pôs termo á vida de alguém, hesitando a consciência entre o homicídio voluntário e o homicídio involuntario, entre este e o homicídio sem culpas, e entre o homicídio voluntario e o crime de offensa corporal voluntaria, que, sendo commettida sem intenção de matar, occasionou comtudo a morte do offendido.

Todavia essa difficuldade não é razão bastante para se deixarem as cousas no estado confuso em que as collocou a Novíssima Reforma Judiciaria, e que se presta a verdadeiras violencias iníquas e desnecessárias; sendo, pelo contrario, um forte motivo a mais para a hypothese ser melhor regulada e para que a autoridade legitima que, nos termos do artigo 145.° do § 9.°, da Carta Constitucional, tem de dar a ordem escrita de prisão sem culpa formada, proceda com toda a circumspecção em negocio de tamanho melindre.

O setimo e ultimo caso de prisão sem culpa formada é o do crime de anarchismo, a que corresponder alguma das penas maiores de prisão ou degredo. Nem deve parecer estranho que, salva a transformação radical da legislação respeitante ao anarchismo, a sociedade se defenda d'aquelle modo contra os anarchistas a valer, inimigos seus verdadeiramente excepcionaes.

É provavel que ácêrca deste assunto da prisão sem culpa formada, a proposta seja malsinada por uns como demasiadamente repressiva, e como liberal em excesso por outros. Não o.ella, porem, nenhuma destas cousas. Sendo todavia o que é, sempre quero^accentuar que, elaborando a, não me propus servir nenhumas paixões, nem as revolucionarias nem as reaccionarias, e apenas fazer algumas indicações proveitosas á causa publica.

Mas ainda bem que a proposta, em compensação de alguma culpa ordeira, contém affirmações tão liberaes como sinceras, tão justas como intemeratas.

Assim, não se permitte a ninguem, a nenhuma autoridade judicial, administrativa ou policial, e por nenhum motivo, prender sem culpa formada noutros casos que não sejam os sete acima mencionados e n'estes, com excepção do flagrante delicto, a prisão ha de ser feita com ordem escrita da autoridade legitima, conforme o § 9.° do artigo 145.° da Carta. D'este modo acaba a detenção por suspeitas, por desconfianças e para averiguações, isto é, a prisão por nada e por tudo, para tudo e para nada, como actualmente é permittida pelo artigo 51.°, § unico, do regulamento de 21 de dezembro de 1876, pelos artigos 25;°, n.° õ.°, 27.°, n.° 3.°, e 28.° da lei de 3 de abril de 1886,

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SESSÃO N.° 45 DE 11 DE AGOSTO DE 1909 23

e pelo artigo 20.°, n.° 4.°, e 21.°, n.° 3.°, do decreto de 20 de janeiro de 1898; legislação esta bem menos liberal certamente do que a do tempo de Antonio. Bernardo da Costa Cabral.

Outro exemplo. Não pode ninguém estar preso, sem culpa formada, por mais de oito dias, nem incommunicavel por mais de quarenta e oito horas, como foi o antigo direito dos artigos 973.° e 988.° da Novíssima Judiciaria, em contrario do que actualmente dispõem a lei de 3 de abril de 1896, artigo 28.°, §§ 1.° e 2.°, e o decreto de 20 de janeiro de 1898, artigo 21.°, n.° 3.°, onde se autoriza a fácil e interminavel prorogação destes prazos, de modo a poderem os arguidos apodrecer nos calabouços policiaes, lobregos e sombrios, por dias, semanas e meses!

Ainda outro exemplo, que merece uma referencia especial.

Depois de se obrigar as autoridades administrativas e policiaes, consoante a nossa tradição legal, anterior já ao artigo 278.°, n.° 28.° do Codigo Administrativo vigente, a entregarem immediatamente os presos ao respectivo juiz, impõe-se a este o dever, cousa differente de outorgar-lhe a faculdade, de avocar a si os presos de quem os detiver, seja quem for, logo que finde o prazo de quarenta e oito horas seguintes á prisão ou á entrada dos presos na cadeia, conforme as circunstancias, sem estes lhe terem sido entregues. Esta disposição da proposta é a sequencia natural, o corolario logico do direito administrativo portugues.

Sublime majestade a da lei; singelo espectaculo commovedor e edificante, este! Um juiz só, grave como a sua beca, sereno como a firmeza, indomavel como a força, de consciencia branca como a vara da justiça, e armado apenas com a lei, ou vencerá, só, os arbítrios do poder oppressor, ou a liberdade em Portugal será apenas uma palavra vã.

E se os juizes faltarem a Ião sagrado dever do seu officio, e, sendo requeridos, denegarem aos presos o seu direito, deve então ser coberta de luto a estatua da Justiça. Em tal caso o juiz não será o pae do opprimido, o tribunal o abrigo da innocencia, nem a justiça o nervo do Estado. Desgraçados juizes que falseando assim a sua alta funcção de garantia, attrahirem sobre o seu nome um estigma inapagavel!

A caução de liberdade é, como a prisão preventiva, um objecto em que as franquias individuaes brigam viva e tenazmente com os interesses da segurança social por meio da repressão do crime, em que é principio da liberdade mais contende com o principio da ordem.

Será muito difficil sempre encontrar o justo meio, em que estes dois princípios coexistam regularmente, sem offensas reciprocas, ou seja sem excessos de predomínio e sem humilhações e desfallecimentos de um com relação ao outro; porque nunca será facil determinar as raias do direito de cada um perante o justo interesse de todos, e do legitimo interesse individual perante o direito da collectividade.

Não é absolutamente verdadeiro que a sociedade o seja apenas um meio para o indivíduo realizar o seu destino, assim como tem grandes laivos de erro que o indivíduo seja mera cousa da sociedade.

Tudo tem direito e avesso. E sem duvida os bens e os males estão tão misturados na natureza humana que uma cousa, que é um bem, é ao mesmo tempo um mal. Mas o modo como estão redigidas as disposições da proposta sobre caução de liberdade mostrará que procurei fazer as devidas, convenientes e justas concessões áquelles antagonicos interesses, sendo principio dominante na materia que a substituição da prisão preventiva por caução deve ser permittida sempre que esta der garantias de que não será fraudada a acção da justiça.

A proposta deixa subsistente a lei de 15 de abril de 1886 com diversas modificações, às quaes farei algumas referencias.

Em regra não se admitte caução quando ao crime corresponder alguma das penas fixas de prisão maior ou degredo; mas, se logo no decurso do processo, antes do julgamento, estiverem completamente provadas umas certas circunstancias attenuantes, que, não sendo contrapesadas por outras determinadas aggravantes, possam, segundo a lei, fazer descer a pena até á correspondente às infracções que a admittem, deve a mesma caução ser permittida.

Por exemplo, no crime de homicídio voluntario commettido sem premeditação e provocado por pancadas ou outras violencias graves para com as pessoas.

A sociedade, na hypothese, enunciada, já não tem perante si o réu de um crime gravíssimo, que seria perigoso deixar em liberdade, e somente um delinquente, a cuja responsabilidade criminal não repugna a caução, que por isto e em nome da coherencia, que a todos obriga, deve ser-lhe concedida.

Mais tarde, por occasião do julgamento, podem, é certo, ser dadas como são provadas as alludidas attenuantes, em vista de novos elementos de prova, ou porque quem julga não achou sufficientes as provas que havia nos autos; mas isso não deve obstar a que antes do julgamento se admitia a caução em virtude das provas, que eram o estado de cousas existente noproccesso até esse momento.

Como garantia, porem, deve-se impor uma forte caução, neste caso, para não ser illudida a acção da justiça. E ninguem pode estranhar que muito se exija a quem tanto se concede.

Por via de regra admittem caução, antes do julgamento, as infracções a que corresponder algumas das penas maiores não fixas de prisão ou degredo; mas tambem me parece que deve ella ser recusada aos réus desses crimes contra quem concorrer alguma das circustancias aggravantes da premeditacão, reincidencia, successão ou accumulação de crimes praticados em occasiões diversas, se essas aggravantes não forem contrapesadas por alguma das circunstancias attenuantes da provocação por pancadas ou outras violencias graves, da offensa directa á honra da pessoa, da provação, do exercício da intelligencia e bem assim da embriaguez, nos termos dos artigos 39 n.° 4.°, 50.°, 370.° e 374.° do Codigo Penal.

Esses delinquentes denotam por taes circunstancias uma índole tão incorrigel, ou pelo menos tão propensa ao mal que torna bem cabidas todas as desconfianças de que elles procurarão por todos os meios furtar-se á imposição e cumprimento das penas correspondentes aos seus malefícios. E a sociedade tem o inquestionavel direito de se assegurar da punição d'elles, prevenindo se é acautelando-se contra a .sua fuga. A cada um o que lhe. pertence.

Já está legislado que, se o réu for condemnado em qualquer pena maior de degredo ou prisão, não lhe será admittida caução durante os recursos interpostos, ainda que a infracção a admitta. E agora acrescenta-se uma disposição nova no sentido de que ao réu condemnado em pena correccional deve ser permittida caução durante os recursos interpostos, embora o crime a não admittisse. É tão justo isto, como admira que não tenha sido estabelecido, desde muito, clara e expressamente na lei.

Ainda outra disposição da proposta. O réu de qualquer crime, absolvido por sentença de que se recorrer, deve ser posto em liberdade sem necessidade de caução em caso algum durante a pendencia do recurso interposto, seja este qual for.

Este principio foi já, por insinuação minha, admittido e consignado no parecer da commissão de legislação da Camara dos Senhores Deputados, de 12 de março de 1871, sobre fiança criminal, do qual fui relator.

Na verdade é isso direito irrecusavel do réu absolvido. A sociedade já não tem perante ella em tal caí o, durante

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24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a pendencia do recurso interposto da sentença absolutoria, um criminoso e sim um innocente, como tal declarado pelos orgãos judiciaes dessa mesma sociedade, juizes e jurados.

A prisão, sem se admittir a respectiva caução, seria uma injustiça monstruosa. A caução, substituindo a prisão, como is o direito vigente, significa manifestamente a denegação de meia justiça e por isso uma injustificavel violencia feita á liberdade individual.

Certamente, admittidas as disposições da proposta sobre caução, ficará, relativamente ao direito vigente, restringida nalguns casos aquella importantíssima garantia liberal, e noutros casos ampliadas às franquias individuaes. Isso, porem, serve os meus propositos, que eram encontrar o justo meio em que a liberdade e a ordem se combinassem racionalmente sobre os assuntos tratados na proposta.

A matéria dá prisão e da caução segue-se naturalmente, na estructura do processo criminal, o interrogatorio do réu, que lhe será feito no prazo de quarenta e oito horas, contadas da prisão ou da entrega d'elle ao respectivo juiz, ou da caução, conforme as circunstancias e sempre depois de lhe ser dada a nota da sua culpa.

O interrogatorio do arguido é um assunto grave e melindroso, e na organização judiciaria nenhum outro serve melhor para se estudar por essa historia fora as evoluções que se teem dado no processo criminal.

O interrogatorio do réu, como elemento de instrucção do processo, tem má procedencia. Vem do processo inquisitorial, onde foi introduzido, apparelhado e aperfeiçoado como a principal peça de resistencia do mecanismo judiciário. Era destinado ahi a obter, através de tudo, a confissão dos delinquentes, que se reputava a prova real, por acabar com todas as incertezas. E, para se conseguir tal fim, não se hesitava na applicação dos mais pérfidos e violentos meios, desde as suggestões capciosas, com todas as suas velhacarias, até a tortura com todos os seus horrores. Ainda hoje faz arripiar a simples leitura do que então sé praticava em nome da justiça e até em nome de Deus. Em nome da justiça, como se á justiça não repugnassem absolutamente as promessas enganosas, os ardis da astúcia, as mentiras impudentes, as ameaças terríveis, as brutalidades de toda a casta e as carnicerias ferinas!

Em nome de Deus, como se invocar o santo nome de Deus, para cobrir com elle tantas atrocidades diabolicas, não fosse apenas uma blasfemia!

Pois, apesar disto, não obstante a negra historia do interrogatorio dos réus, como elemento de instrucção do processo peaal, ahi fica elle admittido na proposta, mas com outros intuitos, e para ser applicado com honestidade e com lealdade, embora tambem com habilidade e firmeza. Sem duvida alguma o interrogatorio do réu é um importante meio de instrucção, e deve ser empregado não só como elemento de averiguação da verdade, mas tambem para collocar o réu em estado de defesa.

Não ha, porem, objecto a respeito do qual deva o juiz ter, sentir e affirmar mais serenidade, mais frieza, mais imparcialidade e maior correcção, para que tal meio de investigação, destinado a ser bom e util, não se converta num perigo e não degenere mesmo em infamia, que só mereceria ferro em braza.

Fazer uso de rodeios pérfidos, tendentes a enganar o accusado, é armar traiçoeiramente um laço á sua imprudencia e á sua fraqueza.

O interrogatorio deve ser feito, sim, com habilidade e firmeza. Com firmeza para desarmar os artifícios e subterfugios a que o réu se soccorfer. Com habilidade, para lhe apresentar leal e claramente todas as questões que resultarem do estudo, consciencioso dos factos, levando-lhe á consciencia a persuasão sincera, que faz falar o arrependimento.

Ameaçar, porem, o réu, ou suggestioná-lo com falsas promessas, é infligir-lhe uma tortura moral, contra que se revoltarão sempre todas as consciencias honestas, emquanto no mundo houver cultos para a lealdade e para a honra.

O réu não será obrigado a responder precipitadamente. As perguntas ser-lhe hão repetidas quando pareça que as não comprehendeu, e não serão suggestivas, nem cavillosas, nem acompanhadas de dolosas persuasões, falsas promessas ou ameaças.

Com o intuito de obviar aos abusos que a tal respeito possam praticar-se, estatue a proposta que o interrogatorio dos réus seja feito sempre, ainda durante o prazo da incommunicabilidade d'estes, de dia, e na presença de duas testemunhas que saibam ler e escrever e não sejam funccionarios subalternos da autoridade interrogante, preferindo se sempre as testemunhas indicadas pelo arguido, só estiverem presentes ou proximas do local dessa importante diligencia.

Interrogatorios feitos alta noite, demoradamente, manhosamente, com ameaças ou suggestões pérfidas, a sos com ò arguido, porventura depauperado de forças por in-sufficiencia de alimentação, sem o amparo das vistas protectoras de algum ser humano que o encare sem odio, e transportado bruscamente de uma enxovia sem ar e sem luz para um gabinete era que a luz excessiva deslumbra e perturba a vista e entontece por isso o cérebro; interrogatorios assim effectuados, como para ahi ... terá havido, não deve ser.

Se elles pudessem ser feitos deste modo, deviam ser expungidos das instituições jurídicas do país em nome da dignidade humana e do decoro social.

E o arguido será no processo preparatorio o alvo apenas das preoccupações do Ministerio Publico sobre a repressão do crime, o objectivo da vindicta particular do offendido e materia prima para interrogatorios como experiencias in anima vai?

Não pode ser. E na proposta vera uma disposição que, durante a formação do processo preparatorio, perinitte ao arguido juntar a este qualquer documento e indiear algum exame a fazer e testemunhas a inquirir, procedeis se a estas diligencias, quando ellas tenderem verosimilmente á constatação da infracção e descobrimento dos seus responsáveis, e não forem manifestamente impeditivas ou desnecessarias.

Doutrina santa e justa esta, que eu venho defendendo na imprensa jurídica desde o anno de 1876, e que, em vista dos artigos 902.° a 916.° da Novíssima Reforma Judiciaria, pratiquei mais de uma vez em decisões judiciarias minhas, de entre as quaes conservo nota. de uma que foi confirmada pela Relação do Porto em 20 de janeiro de 1882. É já agora, velho e relapso peccador, empedernido no peccado, protesto morrer impenitente.

Ao réu devem ser admittidas as provas da sua inno-cencia durante a formação do processo preparatorio, cumprindo ao juiz instructor averiguar lealmente se ha crime e quem é o deliquente, e não procurar apenas as provas de que um certo facto é criminoso e de que o responsavel por elle é um determinado indivíduo. Do officio do juiz é inquirir escrupulosamente a verdade, tanto a favor como contra os presumidos delinquentes. Isto é até já da lei, se as citadas disposições da Novíssima Reforma Judiciaria significam uma cousa seria e não uma burla grosseira.

Punir o crime é uma necessidade publica tão imperiosa, como é revoltante iniquidade opprimir a innocencia. E para que nem a humanidade nem a natural liberdade do cidadão padeçam, nem a sociedade fique desarmada das

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faculdades defensivas de que precisa para a sua conservação, necessario e justo é que o processo preparatorio de garantias a todos e não pareça nunca um sinistro apparelho de fabricar crimes e criminosos.

Os termos em que este direito é reconhecido na proposta aos arguidos contém em si a justa precaução contra o abuso d'elle. Evidentemente isto não quer dizer processo preparatorio controvertido, em que o réu seja ouvido em tudo, seja intimado de tudo e em tudo intervenha, como, por exemplo, inquirindo e instando testemunhas, propondo quesitos e pedindo explicações aos peritos nos exames; o que aliás causaria uma tal ou qual perturbação na administração da justiça em logar de ser uma utilidade social.

Sem duvida, o Ministerio Publico e o offendido podem requerer o que houverem a bem dos seus diversos interesses, é ao réu deve, correspondentemente, ser permittido dizer logo da sua justiça.. Tudo, porem, em termos, cumprindo não esquecer jamais que o processo preparatorio é principalmente obra do juiz instructor, imparcial e integro, que nada occulta nem accrescenta, que nada diminue nem avulta, pondo a lealdade em todos os seus actos, como quem só tem a seguir a estrada larga, lisa e luminosa da verdade.

Demais, ha a ponderar que ao réu tem de ser dada a nota da sua culparem vinte e quatro horas e de lhe ser feito, depois disso, o respectivo interrogatorio em quarenta e oito horas e na presença de duas testemunhas por elle indicadas, contando-se esses prazos desde a prisão, ou desde a caução, ou desde a entrega do preso ao juiz, conforme as circunstancias; e principalmente que na proposta se estabelece, como regra, geral, a publicidade do processo preparatorio, e que, apenas concluída alguma diligencia feita secretamente, será d'ella intimado o arguido, podendo este, alem disso fazer examinar por advogado constituído o processo em. qualquer estado da instrucção criminal.

Ora tudo isto colloca o arguido em estado de defesa para poder accudir desde logo pela sua innocencia e justiça, sem necessidade de para isso se tornar controvertido o processo preparatorio como é o de accusação.

Algumas breves palavras ácerca da publicidade no processo preparatorios;

A publicidade é a mais segura e preciosa garantia com os falsos depoimentos das testemunhas e contra os abusos, dos funccionarios judiciaes. Garantia da innocencia contra a calumnia; garantia da sociedade e do offendido contra o crime, que os feriu no seu direito; garantia da justiça contra as tramas de todos os que intentarem desvairar e inutilizar a sua acção salutar, ou infamá-la na dignidade dos seus propositos e na correcção dos seus actos; garantia da verdade contra a mentira..

No anno de 1877 escrevia eu na imprensa jurídica a tal respeito o seguinte:

"No processo preparatorio podem os juizes, sem fiscalização para os sensatos, commetter deploraveis desvios e erros funestos para a sociedade e para a innocencia, dirigindo maliciosamente o inquerito das testemunhas, avultando umas vezes, sob o influxo de misantropicas apprehensões, indícios leves e falliveis presunções, e omittindo outras vezes a prova, que a instrucção lhes offerece, ou pelo Amenos attenuando-lhe a força.

É-lhes mesmo facil exercer impunemente odiosas vinganças, falseando intencionalmente os depoimentos das testemunhas, se os seus maus instinctos os arrastarem para esse pendor tatal. Nem sempre ha em todos os animos escrupulos para o dever e cultos racionaes para a justiça; e é forçoso reconhecer que as paixões nalguns casos sobrelevam a justiça e o dever.

"Imagine se especialmente, no meio da corrupção dos nossos costumes políticos, um juiz ferido da violencia das paixões partidárias; e digam-nos depois, se a justiça não ficará muitas vezes maculada ao lado das relaxações e imoralidades, das baixezas e traficancias, que a política soe empregar para o conseguimento dos seus fins?!

"Nos referidos inconvenientes não obsta decerto a vigilancia das testemunhas, em geral pouco illustradas e naturalmente tímidas, para conhecerem as ommissões que fiquem nos seus depoimentos e o alcance da maliciosa redacção d'elles. Nem a presença dos escrivães é garantia bastante nesta parte, porque esses funccionarios, na dependencia em que estão dos juizes, serão provavelmente testemunhas mudas das suas faltas.

"Alem disto, quantas vezes não terá acontecido serem os escrivães, só por si, os verdadeiros instructores do processo?

"Já num documento official, elaborado por um magistrado judicial altamente collocado na hierarchica judiciaria, vi affirmada esta suspeita. E esta circunstancia mais aconselha ainda a conveniencia da publicidade no processo de instrucção criminal.

"Talvez se objecte que a publicidade consagraria como principio de administração de justiça a desconfiança dos administrados para com os administradores, collocando imprudentemente em face do poder uma provocação que o ameaça, enfraquce e irrita.

"Mas, bem ao contrario, sendo o primeiro interesse dos julgadores, e ao mesmo tempo o seu mais sagrado dever, que nem a sociedadeperigue, nem a humanidade soffra iniquamente, e sendo da essencia da ordem a manutenção de todos os direitos e o respeito de todas as franquias individuaes; a publicidade no processo, de instrucção, longe de trazer debilidade e desprestigio aos membros do poder judicial, será somente uma garantia de inteireza na administração judiciaria, e um pretexto menos para suspeitas e malsinações, que a infamam e desautorizam.

"Se propugno pela publicidade no processo de instrucção como garantia contra os abusos dos juizes, defendo-a principalmente como garantia contra os falsos depoimentos.

"Ha por ahi muita gente perdida para a dignidade, para o bem e para a virtude, que não duvida affirmar uma mentira insigne num depoimento clandestino e que não teria a coragem da sua perversão para asseverá-la em publico. Os calumniadores escondem-se, por via da regra, na sombra e ferem pelas costas; são de ordinario, tão ferozes como a hyena e tão cobardes como o chacal. E a historia, que é mestra da vida, mostra-nos em caracteres de fogo e sangue que nunca essa miseravel degeneração da especie humana foi tão funesta como nos tempos do reinado absoluto do processo inquisitorial.

"Por outro lado, alguma vez terá acontecido, ou pode acontecer, que, feitos assim os depoimentos das testemunhas em segredo, sejam estes mais tarde negados descarada e insistentemente por estas em audiencia publica com applauso dos malevolentes, que são sempre numerosos, originando se dahi, não dizemos já a peste da suspeição para os juizes e mais funccionarios judiciaes, mas uma ou outra duvida, que sempre os fere na sua reputação e na sua autoridade.

"Isto basta para mostrar que a publicidade no processo preparatorio deve ser pelo menos a regra, que haja de ter o menor numero possível de excepções".

Era isto em 1877. Trinta e dois annos decorridos tenho a mesma ordem de ideias.

E conforme ellas a proposta estabelece a publicidade do processo preparatorio, excepto quando esta puder offender a decencia ou a moral publica, e resalvados tambem os casos excepcionaes em que o

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Juiz determinar, por despacho fundamentado, que se proceda sem publicidade a qualquer acto processal, se ao crime corresponder alguma pena maior de prisão, degredo ou expulsão do reino sem limitação de tempo.

A primeira excepção ninguem a impugnará. A respeito ala segunda direi que pode, com effeito, haver num ou a outro caso, ou em muitos casos, verdadeira necessidade de proceder sem publicidade a uma ou mais diligencias. E em taes hypotheses determine-o assim, em despacho fundamentado, o juiz instructor, cuja autoridade e responsabilidade são garantias bastantes de que nenhum interesse legitimo será desattendido ou violado.

Todos os juizes de julgamento julgam como juizes singulares, cada um por si só, ou com intervenção do jury nos da competencia d'elle, todos os crimes praticados na area da sua jurisdição, exceptuados aquelles para que haja foro especial.

A proposito dos julgamentos com intervenção do jury merece uma referencia especial a disposição da proposta,que revoga a ultima parte do artigo 1:144.° da Novissima Reforma Judiciaria, onde é imposta ao juiz a obrigação de, terminada a discussão da causa, resumir o facto, fazendo d'elle e de todas as suas circunstancias um relatorio simples e claro, apontando aos jurados, com rigorosa
imparcialidade, as principaes provas, assim a favor como contra os réus.

Este relatorio é na verdade uma tentação para os juizes, cuja tendencia não raro se accentua no sentido de considerarem a distribuição da justiça criminal mais sob o ponto de vista da manutenção da ordem pelo castigo dos ataques feitos á paz publica, do que sob o aspecto da justiça absoluta e das offensas aos direitos individuaes.

O relatorio dos juizes nas audiencias geraes, na parte referente às provas, da accusação e da defesa, é o lado por onde é costume ferir estes magistrados na sua imparcialidade a respeito de julgamentos com jury. E não se lucra nada com isso, porque o desrespeito dos magistrados importa em regra o desrespeito das leis.

Demais, a discussão da causa é com as partes. O juiz dirige-a apenas, cumprindo que fique inteiramente estranho ás questões de facto, e só competente para affirmar o seja de direito, como é proprio do seu officio.

Clama-se desde muito contra tal relatorio; e já em 9 de janeiro de 1861 foi apresentada na Camara dos Senhores Deputados uma proposta de lei para a sua suppressão. Pois faça-se essa reforma; e eu creio bem que ninguem perderá com ella, sendo o poder judicial quem mais lucrará com a sua adopção.

E, assim como esta, parece-me tambem reforma justa e util a abolição das alçadas em materia penal, que eu venho defendendo na imprensa juridica desde o anno de 1877, e que é um dos artigos do meu credo liberal.

Estando os magistrados judiciaes sujeitos a erros e paixões como os outros homens, é de boa cautella e de prudente aviso que haja sempre garantias contra as deficiencias da sua intelligencia e contra os desvios da sua vontade.

As alçadas, principalmente em materia penal, são uma ameaça permanente contra todos os cidadãos, sujeitos, no imperio d'ellas, ao arbitrio, sem recurso, dos magistrados judiciaes. Nem eu sei do criterio que as justifique, sendo facil demonstrar irreductivelmente que esse criterio não está no principio de justiça, nem no principio da ordem, assim como não reside no principio da liberdade.

Quero tambem referir-me, embora rapidamente, ás disposições da proposta relativas á admissão da prova sobre a verdade dos factos imputados, a proposito dos crimes de offensa, diffamacão e injuria.

Nos crimes de offensa, previstos nos artigos 109.°, 160.° e 369.° do Codigo Penal, como os define o § 1.° do artigo 11.° da proposta de lei relativa á imprensa, que hoje apresentarei tambem, não é admissível prova sobre a verdade dos factos imputados.

A pessoa e o bom nome do Rei, como dos membros da sua familia, devem ser collocados tão alto no respeito de todos os cidadãos que nem se possa discutir se a offensa feita é ou não fundamentalmente justa. É dever de todos cercal-os do maior prestigio e respeito, porque assim é necessario para o regular funccionamento da instituição que nos rege.

Nem o contrario d'isto se compadece com a indole do systema constitucional, que tem a pessoa do Rei como inviolavel e sagrada e não sujeita a responsabilidade alguma. O que aliás não significa que aos cidadãos fique coarctado o direito de livre discussão respeitosa e de critica, sem ultraje, das leis e decretos referendados pelo Rei, ou dos actos políticos e administrativos praticados pelo Governo.

Igual escrupulo deve observar se com relação aos Chefes de Estado de nações estrangeiras ou seus altos representantes na Corte de Portugal, evitando por estes nobres sentimentos de reciprocidade e convívio internacional, que a todos cumpre cultivar, e á imprensa mais do que a ninguem doutrinar, que elles sejam discutidos é apreciados ao sabor das paixões de cada um, perturbando por vezes imprudentemente a boa harmonia que deve existir entre nações civilizadas.

E depois d'isto, e mesmo apesar disto, ainda fica margem larga e campo vasto para se ser liberal a valer.

A proposta modifica em muito a legislação vigente, estatuindo que a prova alludida seja admittida quando se tratar de diffamação feita a empregados publicos ou pessoas a elles equiparadas, nos termos do § unico do artigo 408.° do Codigo Penal, ainda que os factos offensivos não se refiram às suas funcções; e mais, que no crime de injuria seja admittida a referida prova, se a injuria se referir a algum facto offensivo imputado, que admitta essa prova.

Emquanto ao crime de diffamação ha de parecer justo que se amplie a admissibilidade de prova ao caso de os factos offensivos imputados aos empregados publicos, ou pessoas a elles equiparadas, não se referirem às suas funcções.

A vida do funccionario publico deve ser translucida em tudo, com a claridade de uma casa de cristal, para que todos possam ver de fora o que lá dentro se passa.
E quanto mais alto estiver esse funccionario, maior deve ser o cuidado d'elle na irreprehensivel compostura da sua vida, porque os bons exemplos são tanto mais edificantes e tanto mais deleterios e corrosivos são os exemplos maus, quanto mais de cima veem uns e outros.

Relativamente ao crime de injuria tambem deve parecer boa a doutrina nova de que se admitta a prova alludida, quando a injuria se referir a algum facto offensivo imputado, que a permiltir. Se, por exemplo, um empregado publico, arguido de ter praticado por dinheiro um certo acto das suas funcções, for chamado venal por esse facto, é justo que, sendo o offensor demandado criminalmente pelo offendido, só pela injuria de venal e não pela diffamação, possa elle, em sua justificação e defesa, provar a verdade do facto offensivo imputado, de que promana a injuria.

E a proposito de tal assunto direi ainda que deve parecer justa a doutrina de não se permittir justificação ao offensor nos mais crimes de injuria e nos de diffamação feita a particulares. Deixar devassar a vida privada das pessoas particulares, envolvel-a, muitas vezes injustamente, numa atmosphera de suspeição, submettel-a a julgamentos ruidosos e sensacionaes, cujos resultados podem

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ser a ruína moral dos offendidos e dar margem a interpretal-os como uma condemnação infamante, que os desqualifique e macule para sempre, é principio que um legislador prudente e experimentado não pode nem deve consagrar.

Boas ou más, são estas as minhas razões.

Antes de concluir esta exposição dos motivos da presente proposta nas suas principaes disposições, direi ainda que tambem parecerão dignas de approvação -as providencias onde se determina quê não haverá prisão por custas, e que os réus não serão obrigados ao pagamento de quaesquer sêllos ou custas attinentas ao" seus processos, emquanto não forem condemnados definitivamente.

Esta desobrigação dos reus, emquanto a custas criminaes, durante, a pendência do processo é intuitivamente justa. O onus de quaesquer despesas judiciaes imposto ao reu antes da sua condemnação definitiva é uma verdadeira extorsão intoleravel, principalmente nos casos de elle não ser pronunciado ou de ser absolvido afinal.

E demais; não sendo as custas pena e somente effeito della, com o caracter de um imposto, repugna absolutamente a prisão por falta de meios para pagá-las. Não é caso, sem duvida alguma, de se appliear o antigo preceito - Non habet in posse, dicat in corpore.

E ponho aqui termo às considerações preliminares da minha proposta.

É provavel que ella pareça em mais de um ponto demasiadamente avançada. Não o é, comtudo, mas apenas simplesmente liberal, assim como é certo que n'estes nossos dias praticará um erro grave quem na confecção das leis, na administração publica e em política, adoptar e seguir orientação e rumo contrarios á liberdade.

Legisladores e governos teem de acompanhar e encarnar nas instituições as modernas correntes sociaes, que são profundamente democraticas, sob pena de subverterem o presente e comprometterem o futuro. E preciso consagrá-las nas leis para n£o se estabelecer um antagonismo funesto entre estas e as ideias que se enraizaram na consciência publica. Dirigir e canalizar utilmente essas correntes seria boa política. Oppor-lhes resistencia será um periga, tanto maior, quanto mais intensa e forte a resistência for.

A vida nova na política portuguesa não pode deixar de ter novos processos de governação, visto que os antigos eram de tão má raça, como foram de damnados efteitos.

Completo respeito pela justiça, que é o supremo elemento preservativo de todos os regimes. Entranhado amor ao bem publico, como imposição de patriotismo. Reconhecimento de que a liberdade não é um favor concedido, mas sim o direito de cada cidadão, resultante dos principies, em que assenta o systema, e do jogo regular das instituições. É sincero culto da legalidade em tudo e em toda a parte, desde as mais altas cumiadas sociaes, até a ultima camada humana, dando-se garantias a todos os direitos e a todos os interesses legítimos, cumprindo e fazendo cumprir todas as obrigações. Eis os processos novos, que cumpre adoptar e seguir.

E a respeito do assumpto restricto, de que me tenho occupado, concluirei dizendo que é preciso reformar em sentido francamente liberal a nossa legislação sobre processo penal, em nome dos princípios ou em nome das conveniências, por outorga de doutrinários ou como reivindicação de democratas.

Proposta de lei n.° 2

Processo penal

Artigo 1.° Ao Ministerio Publico cumpre intentar todas as acções penaes, que não dependerem de intervenção do offendido ou de seus representantes legaes.

§ 1.° Nas acções que dependerem de accusação ou requerimento do offendido, o Ministerio Publico só interferirá conjunctamente com aquelle ou seus legaes representantes, cessando a sua intervenção, se a d'elles cessar.

§ 2.° Nos casos dependentes de queixa, denuncia ou participação do offendido, ou seus representantes legaes, o Ministerio Publico procederá sempre, de pois de verificada qualquer d'estas especies de interferencia.

Art. 2.° Poderão tambem exercer a acção penal a pessoa particularmente offendida ou seu representante, se ella for menor, demente ou ausente, e por morte d'ella assim como nos crimes de que resultou a morte e nos de injuria e diffamação contra pessoa já fallecida, o conjuge sobrevivo, descendentes, ascendentes, irmãos e affins nos mesmos graus, donatarios e herdeiros instituídos,

§ unico. E permittida acção popular contra os magistrados judicaes e do Ministerio Publico e contra os officiaes de justiça pelos crimes de suborno, peita, peculato e concussão.

Art. 3.° O juiz não intervirá originariamente sem promoção do Ministerio Publico, ou requerimento do offendido, ou de quem legalmente o represente; mas, instaurada a acção penal, poderá o juiz, no decurso do processo preparatorio, proceder officiosamente a qualquer diligencia, que tenda verosimilmente á averiguação da verdade ou á constatação de qualquer circunstancia dirimente da responsabilidade criminal.

Art. 4.° Os tribunaes criminaes podem conhecer, para os effeitos penaes somente, de todas as questões, qualquer que seja a sua natureza, que respeitarem aos elementos constitutivos do crime; e a instauração e proseguimento da acção criminal não dependem, em caso algum, de licença do Governo, nem de previa decisão de outro qualquer juízo.

Art. 5.° Os actos e termos do processo preparatório serão feitos com publicidade, excepto quando esta puder offender a decencia e a moral publica, e tambem nos casos em que, correspondendo ao crime alguma das penas maiores de prisão, degredo ou expulsão do reino por tempo illimitado, o juiz, por despacho fundamentado, determinar que algum desses actos seja secreto, não havendo, porem, segredo de justiça em qualquer caso para o Ministerio Publico e accusador particular, e sendo que, concluída essa diligencia, será ella intimada ao arguido.

Art. 6.° Durante a formação do processo preparatório é permitido aos arguidos fazê-lo examinar por advogado em qualquer estado d'elle, juntar-lhe quaesquer documentos e indicar alguma busca, apprehensão ou exame a fazer, assim como testemunhas a inquirir, procedendo o juiz instructor a estas diligencias, sempre que ellas não forem manifestamente impeditivas ou desnecessarias.

Art. 7.° As autoridades administrativas e policiaes remetterão ao juiz instructor do processo os autos das investigações a que procederem por crimes occorridos na área da jurisdicção d'elle, conforme o disposto no artigo 278.° n.ºs 26.° a 29.° do Código Administrativo; e essas autoridades effectuarão também, assim como os respectivos juizes de paz, todas as diligencias que lhes forem commettidas por aquelle juiz.

Art. 8.° Sem culpa formada com o respectivo despacho de pronuncia, ninguem será preso por motivo algum e por quem quer que seja, excepto nos casos seguintes:

1.° Em flagrante delicto, salvo o disposto no artigo 18.° d'esta lei;

2.° Nos crimes contra a segurança do Estado, a que correspondei alguma das penas maiores de prisão, degredo ou expulsão do reino sem limitação de tempo;

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3.° Pelo crime de furto, previsto e punido no artigo 425.° do Codigo Penal, ou sendo habitual esse crime no reu;

4.° Por crime de roubo, salvo o disposto no artigo 439.° do Codigo Penal;

5.° No crime de abuso de confiança, previsto e punido no artigo 453.° do Codigo Penal, quando for excedente a U)0$000 réis a importancia dos valores desencaminhados ou dissipados;

6.° No crime de homicídio voluntario;

7.° Por crime de anarchismo, a que corresponder alguma das penas maiores de prisão ou degredo.

§ unico. Fica d'este modo prohibida a prisão por suspeitas e desconfianças, e para averiguações.

Art.º9.° Não pode haver prisão em flagrante delicto nas coimas e transgressões de regulamentos administrativos e municipaes; nem por desobediencia a qualquer ordem illegitima da autoridade publica ou seus agentes; nem por crimes, cuja punição depender de queixa, denuncia ou participação, do offendido, a não ser effectuada a captura com intervenção d'este.

Art. 10.° No caso do n.° 1.° do artigo 8.° d'esta lei a prisão pode ser feita por toda a autoridade publica ou seus agentes, e ainda por qualquer pessoa do povo; e nos mais casos do mesmo artigo a prisão não será executada sem ordem escrita da autoridade legitima

Art. 11.° Effectuada qualquer prisão administrativamente ou policialmente, ou por alguma pessoa do povo, o preso será logo posto á disposição do respectivo juiz, que, passadas quarenta e oito horas depois da prisão, sem aquelle lhe ter sido entregue, o avocará immediatamente a si do poder de quem o detiver, seja quem for.

Art. 12.° Nenhum preso será conduzido á cadeia, ou nella conservado, se, admittindo caução o crime de que for arguido, elle quizer prestá-la, ou se ao crime corresponder processo de policia correccional, logo que a sua identidade seja reconhecida em juízo e assine termo de residenciana comarca, se for de fora della.

Art. 13.° Dentro de vinte e quatro horas a contar da prisão, ou da entrega do arguido ao respectivo juiz, conforme as circunstancias, ou da caução, será dada aquelle uma nota dos motivos da prisão com os nomes das testemunhas vê dos accusadores, sempre antes do primeiro interrogatorio, que lhe será feito dentro de quarenta e oito horas, contadas do referido modo.

Art. 14.° A incommunicabilidade dos presos só pode ter logar antes da pronuncia, por crimes a que corresponder alguma das penas maiores de prisão, degredo ou expulsão do reino sem limitação de tempo, e não irá alem das primeiras quarenta e oito horas contadas da prisão ou da entrada na cadeia, conforme as circumstancias, não obstando todavia a que elles, durante esse prazo, communiquem verbalmente com seus paes, filhos, mulheres, maridos e irmãos ou com algum advogado, sobre assuntos diversos do da culpa e sempre na presença de um agente da autoridade.

Art. 15.° Ninguem continuará preso sem culpa formada alem dos oito dias seguintes á prisão, excepto se a pronuncia do arguido não puder ser feita n'este prazo por motivo de diligencias por elle requeridas.

Art. 16.° Continua em vigor a lei de 15 de abril de 1886 sobre caução de liberdade, com as modificações consoantes da presente lei.

Art. 17.° Nos crimes que não admittem caução, será ella todavia concedida, antes do julgamento, ao arguido, se no processo estiver completamente provada alguma das circunstancias attenuantes dá provocação por pancadas ou outras violencias graves contra as pessoas, da offensa directa á honra da pessoa, da privação do exercício da intelligencia e bem assim da embriaguez, nos termos dos artigos 39.° n.° 4.°, 50.°, 370.° e 374.º do Codigo Penal, não sendo essas attenuantes contrapesadas por alguma das circunstancias aggravantes da premeditação, reincidencia, successão ou accumulação de crimes praticados em occasiões diversas.

Art. 18.° Nos crimes a que corresponder pena maior temporária de prisão ou degredo não será, antes do julgamento, admittida caução ao arguido, se estiver completamente provada no processo contra elle alguma das circunstancias aggravantes, mencionadas no artigo 17.°desta lei, e essa aggravante não for contrapesada por alguma das attenuantes referidas no mesmo artigo.

Art. 19.° Ao reu condemnado em pena correccional será sempre admittida caução durante os recursos interpostos d& sentença condemnatoria, embora o crime a não admittisse.

Art. 20.° O reu de qualquer crime, absolvido por sentença, de que se recorreu, será posto em liberdade, sem necessidade de caução, em caso algum, durante o recurso interposto.

Art. 21.° O interrogatorio dos arguidos será feito sempre de dia, com escrupulosa imparcialidade, sem o emprego de ameaças ou de outros meios violentos, nem de rodeios enganosos ou suggestoes perfidas, e sempre na presença de duas testemunhas, que saibam ler e escrever e não sejam funccionarios subalternos da autoridade interrogante, preferindo-se as testemunhas indicadas pelos arguidos, se estiverem proximas do local do interrogatorio.

Art. 22.° Ficam extinctos os tribunaes criminaes collectivos de 1.ª instancia.

Art. 23.° Não é admissível prova sobre a verdade dos factos imputados:

1.° Nos crimes de offensa, previstos nos artigos 159.°, 160.° e 169.° do Codigo Penal, em que haja falta de respeito devido ao Rei, a membros da Familia Real e a Chefes de Estado de nações estrangeiras e representantes dellas na Corte de Portugal, ou cujo objecto seja excitar o odio ou o desprezo das suas pessoas, ou censurar o Rei por actos do Governo;

2.° No crime de diffamação, excepto:

a) Quando esta for praticada contra algum empregado publico ou pessoa a elle equiparada, nos termos do § unico do artigo 408.° do Codigo Penal, quer o facto offensivo seja, quer não seja relativo às suas funcções;

b) Quando o facto offensivo for-imputado a administradores e fiscaes de quaesquer sociedades ou empresas civis, commerciaes, industriaes ou financeiras, que tenham recorrido a subscrições publicas para a emissão de acções ou obrigações, sendo os mesmos factos relativos às respectivas funcções;

c) Quando o facto imputado for criminoso;

3.° No crime de injuria, excepto se esta se referir a algum facto offensivo imputado, que admitta prova nos termos do n.° 2.° d'este artigo;

4.° Quando estiver extincta a responsabilidade criminal emergente da injuria, ou diffamação.

Art. 24.° É supprimido o relatorio judicial de que fala a ultima parte do artigo 1:144.° da Novíssima Reforma Judiciaria.

Art. 25.° São abolidas as alçadas em materia penal.

Art. 26.° Os reus, antes de definitivamente condemnados, não serão obrigados ao pagamento de quaesquer sêllos ou custas respeitantes aos seus processos.

Art. 27.° Não ha prisão por custas.

Art. 28.° Fica revogada, a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, 11 de agosto de 1909. = Francisco José de Medeiros.

Proposta de lei n.° 22-C

Senhores. - A presente proposta de lei contém differentes disposições sobre organização judiciaria, respeitan-

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tes principalmente a nomeação, independencia, inamovibilidade e responsabilidade dos juizes.

Não é evidentemente obra de larga traça; mas, apesar das suas modestas proporções, afigura-se-me que deve merecer o vosso attento exarne, pois é sempre digno da ponderação dos Governos e dos Parlamentos tudo quanto respeita a organização do poder judicial, que julga: da liberdade, da honra e da fortuna de todos os cidadãos.

Talvez que a nossa organização judiciaria devesse ser remodelada no sentido de se estabelecer em cada parochia um juiz parochial, com mais algumas attribuições do que as dos antigos juizes eleitos, e que seria ao mesmo tempo juiz de paz; em cada concelho um juiz municipal, pouco mais ou menos com as attribuições dos actuaes juizes de direito; quatro Relações provinciaes com as sedes em Lisboa, Porto, Coimbra e Ponta Delgada; conservando-se na capital o Supremo Tribunal de Justiça, com jurisdição em todo o reino. Estava porventura nisso a conveniencia dos povos.

Todavia, para esse effeito seria preciso alterar profundamente as nossas circunscrições administrativa e judicial, fazendo maiores parochias e, nalguns pontos, maiores concelhos; o que traz sempre maior ou menor perturbação, publica, como a experiencia tantas vezes ha mostrado. E, alem disso, tinha de aumentar-se, mais ou menos, a despesa do Estado pela necessidade de maior numero de juizes para o serviço de maior numero de circunscrições judiciaes de 1.ª e 2.ª instancia.

Por .estas considerações, não me propus elaborar uma reforma da nossa organização judiciaria sobre aquella base, consignando, porem, que aumento com mais dois juizes o quadro do Supremo Tribunal de Justiça, por isso muito convir ao serviço publico; que supprimo tres logares de juizes da Relação dos Açores, por desnecessarios; e que são criados quatro logares de juizes inspectores, que serão de 2.ª instancia, funccionarido dois desses magistrados no districto da Relação de Lisboa e dois no districto da Relação do Porto, para procederem, a inspecção ou syndicancia dos actos dos juizes de direito, como é necessario para a regularidade do serviço judicial.

Estava nos meus propositos reorganizar a justiça criminal nas comarcas de Lisboa e Porto de maneira a separar completamente nellas as funcções da instrucção das de julgamento; extinguindo o actual Juízo de Instrucção Criminal de Lisboa, que, com a sua assombrosa organização, faz, simultaneamente, de um homem só juiz de instrucção criminal e chefe1 de policia preventiva com alçada em todo o continente do reino; e criando tres varas criminaes em Lisboa e duas no Porto, com dois juizes em cada uma dessas varas, um de instrucção, que preparasse todos os processos respectivos a vara e nada julgaria, e outro de julgamento, que julgaria todas as causas criminaes da vara e nada preparasse; tendo os juizes de instrucção somente as attribuiçoes dos juizes de direito das outras comarcas, e nenhumas mais, determinadamente as de policia preventiva, que repugnam essencialmente a funcção judicial. Nem podia deixar de ser assim, pois que a extincção do Juizo de InstrucçSo Criminal de Lisboa é desde muito a minha Delenda Carthago.

Isso, porem, esta intimamente ligado a reforma da policia, que se estuda e prepara pelo Ministerio do Reino; e a proposito dessa reforma sera ponderada tal materia, sendo que diversas disposições da proposta n.° 2, sobre processo penal, devem já dissipar todas as preoccupações de momento pela falta da suppressão nominal d'aquelle extraordinario juizo.

Para os juizes bem desempenharem o seu arduo e nobre officio, escutando apenas as vozes da sciencia e da consciencia, sem obtemperarem a qualquer perfida suggestão, e mostrando-se a toda a altura, da funcção de garantia, que teem a exercer nas sociedades cultas, é indispensavel que sejam bem recrutados para todos os tribunaes, bem remunerados, bem independentes e bem responsaveis.

A proposta não se occupa da remuneração dos juizes, porque, tendo eu a honra de ser membro de um tribunal superior de justiça, não quero advogar aqui pro domu mea. Sempre direi, todavia, que é indispensavel assegurar aos juizes uma congrua sustentação, como precaução salutar contra as perfidas suggestões da necessidade.

O juiz é um homem de carne e osso como os outros homens. Tanto elle como a sua familia precisam de comer, vestir, e de fazer a vida do meio social em que a sua posição os colloca a todos. Não encarar assim o juiz perante a realidade das cousas e imagina-lo um ser sobrenatural, inaccessivel às necessidades organicas de todos os seres humanos e às exigencias do mundo, que nem sempre podem ser preteridas, é como que viver na lua. E só com animo leve se deixara de reconhecer que uma das bases da independencia moral da magistratura é a sua independencia economica.

Certamente a nossa magistratura judicial, apesar da exiguidade dos seus vencimentos, tem dado e esta dando sucessivas provas de rectidão, austeridade e isenção.

E, porem, de bom aviso e salutar precaução ter sempre presente o proloquio, que diz sair pela janela a virtude quando a necessidade entra pela porta.

A proposta abre com uma disposição que declara sem força de lei, não obrigando por isso a ninguém, os decretos do poder moderador, que não forem promulgados em harmonia com a Constituição; os regulamentos, instrucções e decretos do poder executivo contrarios às leis, e tambem os promulgados por elle com excesso da respectiva autorização legal, ou arrogando-se attribuiçoes do poder legislativo, salvos os casos restrictos e precisos dos §§ 33.° e 34.° do artigo 145.° da Carta Constitucional e do artigo 1Õ.°, §§ 1.° e 2.° da lei constitucional de 5 de julho de 1852: e bem assim as proprias leis ordinarias oppostas a disposições constitucionaes, como as define o artigo 144.° da mesma Carta.

O pensamento desta disposição vem já do artigo 12.°, § unico, da proposta de lei de responsabilidade ministerial, apresentada a Camara dos Senhores Deputados em 4 de fevereiro de 1880, e do artigo 12.°, § 3.°, do parecer da respectiva commissão de legislação criminal sobre essa proposta, apresentado na mesma Camara em 19 de março do dito anno; do artigo 10.° da proposta de lei da reforma constitucional, apresentada na referida Camara em 14 de março de 1900, e do artigo 11.° do parecer da respectiva commissão apresentado na dita Camara em 2 deste anno; e do artigo 13.°, n.° 3.°, da proposta de lei sobre responsabilidade ministerial, apresentada tambem na mesma Camara em 1 de maio de 1905.

Brilhante tradição progressista, esta, como já noutro logar escrevi!

E ella diz tambem que a provisão agora proposta pode ser approvada em legislatura ordinaria, pois que em Cortes ordinarias foram tambem apresentadas propostas analogas, sendo certo sobretudo que a referida medida se coaduna bem com a materia do artigo 119.° da Carta £ esta por isso dentro da Constituição.

Nesta disposição constitucional diz-se que os juizes applicam a lei, isto é, a lei promulgada pelo poder legislativo, artigo 15.°, § 5.° da Carta, e bem assim todos os

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mais diplomas que, embora não emergentes d'este poder, tiverem força de lei. E assim é licito inquirir o que entre nos não tem força de lei, apesar das suas apparencias de legalidade.

Parece que não devem ser considerados com força de lei os decretos do poder moderador que, devendo ser promulgados com a previa audiencia do Conselho de Estado, artigo 110.° da Carta, o forem, todavia, sem a consulta dessa alta corporação constitucional. Pode o Rei não seguir as indicações do Conselho de Estado mas tem de o ouvir em todo o caso para não sair da constituição, que é a sua fortaleza. E é fazendo-se o contrario disto que verdadeiramente se formam as series dos erros que de longe veem.

Afigura-se-me também, e já o tenho sustentado na imprensa jurídica, que não teem força de lei as proprias leis promulgadas em contrario de disposições constitucionaes, como as define o artigo 144.° da Carta, por exemplo a lei que autorizasse de qualquer forma, directa ou indirectamente, a censura previa contra o disposto no artigo 145.°, § 3.° da Carta.

Dentro do regime nada prevalece contra a Constituição. Se a lei constitucional pudesse ser alterada por uma legislatura ordinaria, e se a lei emergente d'esta, em contrario d'aquella lei, devesse ser cumprida e obrigasse os cidadãos, a lei constitucional perderia a qualidade de lei fundamental do Estado, seria uma lei como outra qualquer.

Quer dizer, a lei constitucional, a chamada lei fundamental do Estado, seria uma cousa leve como a espuma do mar, que a onda traz, e inconsistente e movediça como a areia da praia, que o vento leva.

Do mesmo modo não teem força de lei os decretos, instrucções é regulamentos do poder executivo contrarios às íeis, ou promulgados por elle com excesso da respectiva autorização legal, ou arrogando se attribuicões do poder legislativo. E o velho theina da observancia ou não observancia das medidas governativas, vulgarmente chamadas decretos ditatoriaes.

Releve-se-me transcrever aqui, sobre tal assunto, como justificação da proposta, os fundamentos de uma tenção judiciaria, proferida por mim, como juiz da Relação de Lisboa, em 29 de janeiro de 1908, na qual tenção neguei a legalidade e recusei a observancia do decreto de 29 de maio de 1907, relativo às causas de pequeno valor. São os seguintes:

"Salvos os casos restrictos do artigo 145.°, § 34.° da Carta e do artigo 15.°, §§ 1.° e 2.ff da lei constitucional de 5 de julho de 1852, fazer as leis, interpreta-las, sua pende-las e revoga-las, é attribuição exclusiva do poder legislativo e não do poder executivo, ao qual, sobre materia legislativa, apenas compete expedir decretos, instrucções e regulamentos adequados a boa execução das leis, como é expresso no, artigo 5.°, § 6.° e no artigo 75.°, § 12.° da Carta. E o nosso direito constitucional escrito.

"Mas o citado decreto de 29 de maio de 1907, estatuindo, com usurpação de funcçoes legislativas, em sentido diverso das respectivas disposições dos Codigos do Processo Civil e do Processo Commercial, propõe-se evidentemente revogar e substituir estas disposições legaes para os casos regulados no mesmo decreto.

"Logo este decreto é inconstitucional e illegal.

"Inconstitucional, porque, ultrapassando a orbita legal do poder executivo, invade a legitima esfera de acção do poder legislativo.

"Illegal, porque, alem disto, é contrario nas suas disposições às respectivas disposições daquelles codigos, que, não podendo ser annullados pelo dito decreto, subsistem depois d'elle, apesar d'elle e contra elle. j

"Ora decretos inconstitucionaes e illegaes não se cumprem. E só pode tomar outra orientação e seguir diverso rumo quem quiser governar, julgar e agir contra a legalidade existente.

"É certo que o decreto de 29 de maio ultimo pertence a categoria das medidas governativas, vulgarmente chamadas ditatoriaes por serem promulgadas com usurpação das attribuições do poder legislativo. Desta circunstancia porem, que é a unica característica dos decretos ditatoriaes, não pode, intuitivamente, provir-lhes autoridade e imperio, principalmente attendendo-se ao disposto no artigo 301.° e n.° 1.° do Codigo Penal, que castiga, segundo a gravidade do crime, com a pena.de demissão e alem disso com a de prisão maior cellular .de dois a oito annos, e, em alternativa, com a de degredo temporario, ou com a pena de prisão correccional, todo o empregado publico que se ingerir no exercício do poder legislativo, suspendendo quaesquer leis, ou arrogando-se qualquer das attribuiçoes que exclusivamente competem às Côrtes, com a sancção do Rei.

"Não ha disposição constitucional alguma que outorgue força de lei a taes decretos antes d'elles serem approva-dos pelo poder legislativo. Nenhuma! E se não, que os sectarios da inviolabilidade das medidas ditatoriaes digam qual é essa disposição.

"Por mim desconheço-a. Sei, porem, que só com grave erro de direito se dirá que ao poder executivo é permittido decretar, sobre materia legislativa, em opposição às leis estabelecidas no uso da attribuição que o § 15.° do artigo 70.° da Carta lhe confere autorização para prover a tudo o que for concernente a segurança interna e externa do Estado, na forma da Constituição.

a Se esta disposição constitucional fosse, desse modo elastica, não teria sido necessario legislar o citado artigo 15.° da lei de 5 de julho de 1802 para a melhor governação das províncias ultramarinas, pois que ella daria margem para o que se quisesse. E sobretudo é forçoso reconhecer que decretar em contrario dos referidos codigos sobre p processo a seguir nas acções eiveis e commerciaes de pequeno valor, pode, acaso, ser proveitoso a boa administração da justiça, mas certamente não é prover a segurança interna ou externa do Estado, e menos ainda na forma da Constituição, em vista do artigo 15.°, § 6.° da Carta,
"Assim, comprehende-se que em homenagem, porventura exagerada, aos princípios da divisão e independencia dos poderes políticos, artigos 10.° e 11.° da Carta, sejam acatados os decretos do poder executivo sobre materia não legislada, como por exemplo o decreto de 3 de agosto de 1907, relativo ao descanso semanal.

"Emquanto, porem, a matéria já legislada, existindo uma lei e um decreto governativo posterior em sentidos, differentes, e verificada tal collisão, como no caso dos autos, não se deve hesitar um momento em cumprir a lei, que não pode ser revogada nem modificada pelo decreto, e em pôr de lado este, que não pode ter força obrigatoria contra aquella.

"Proceder em contrario disto é menosprezar o poder legislativo, reconhecendo que ao poder executivo é per-inittido arrogar-se as attribuições d'elle; é fazer do Ministro legislador, confundindo os poderes constitucioriaes; é inverter, ou antes, perverter o systema; é o absolutismo em1 acção.

"E os juizes, cumprindo inteiramente e indefectivelmente as leis contra os decretos governativos, recusando força legal a estes em devida homenagem aquellas, não fazem por sua vez ditadura, não usurpam as attribuições outorgadas às Cortes nos artigos 15.°, § 7.°, 36.°, § 1.°, e 139.° da Carta, e no artigo 14.° da lei de 5 de julho de 1852, as quaes attribuições deixam integras a estas; e apenas exercem a funcção constitucional que lhes esta assi-

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nada no artigo 119.° da Carta, sem se preoccuparem com as questões politicas, que se levantem em redor dos decretos governativos, nem com os motivos, ou sejam razões de Estado, que determinaram a sua promulgação, o que tudo lhes é indifferente para a austera apreciação da legalidade dos mesmos decretos.

"Os juizes applicam a lei aos casos occorrentes, submettidos ao seu julgamento; é é manifesto que neste seu alto encargo publico se contem ruão só o direito mas tambem o dever de apreciarem a força obrigatoria dos differentes diplomas attinentes ao assunto, para somente cumprirem aquelle que sobre os outros prevaleça. É claro como o sol sem nuvens.

"Até o proprio decreto ditatorial de 11 de julho de 1907 reconheceu em absoluto a competencia do poder judicial para julgar acêrca da legalidade de todas as medidas do poder executivo.

"Esse decreto de 11 de julho, determinando que o Ministerio Publico interposesse directamente para o Supremo Tribunal de Justiça recurso de qualquer decisão judiciaria, em que sé negasse força legal áquellas medidas, e ordenando mais que fosse feito nos respectivos processos aquillo que o mesmo tribunal supremo decidisse, deixou, evidentemente, dependente do julgamento do poder judicial o reconhecimento da legalidade de qualquer decreto gover-nativo, e por isso a observancia d'elle.

"E, com effeito, nem tudo o que é publicado na gazeta official, arrogando-se forca de lei, deve ser considerado como tal só porque assim foi decretado. Força de lei só a tem o que a deve ter, e não tudo aquillo que como tal seja inculcado por quem for. Ás ordenanças governativas contrarias ás leis feitas pelo poder legislativo,- que é só quem as pode fazer, não se deve attribuir caracter obrigatorio. Não pode ter força de lei o que é contrario á lei. Parece incontroversivel isto.

"O direito é este: nem ha outro. A praxe, porem, é diversa, sem duvida.

"Mas julgar de um certo modo, só porque assim se ha julgado na maxima parte dos casos, é a consagração da rotina, é o processo de quem prefere seguir a pensar, é deprimente da intelligencia e mesmo do caracter. Não deve ser.

"Comprehende-se o erro involuntario que, embora lamentavel, deve ser respeitado como honesto. Comprehende-se tambem o desvio da vontade com todas as responsabilidades que lhe sejam inherentes.

"Não se tolera, porem, que, conhecida a verdade, seja ella atropelada, com ultraje da justiça, por pusilanime condescendencia com os usos.

"Os juizes não decidem por praxes; julgam com a lei, superior á qual nada existe nas sociedades civilizadas e regularmente governadas.

"Eu sou contra a praxe pelas razões que expendi com sinceridade, e prefiro ficar vencido com o direito a ser vencedor com o uso, que é a negação d'elle"..

Estas considerações, que em 29 de janeiro de 1908 - sombrio tempo esse! - me determinaram, como juiz, a não cumprir o decreto de 29 de maio de 1907, justificam, tambem, a meu ver, a disposição da proposta que nega força de lei aos chamados decretos ditatoriaes.

A proposta, estabelecendo diversas incompatibilidades dos juizes, exceptuou d'ellas os cargos de Ministro, Conselheiro de Estado, Par do Reino e Deputado da Nação, dispondo, porem, que não possam funccionar como Pares ou Deputados os juizes de direito, que não tiverem a sua collocação official em Lisboa.

Se o Parlamento quisesse estatuir a incompatibilidade absoluta dos juizes com as funcções parlamentares, eus não lhe opporia por mim nenhuma resistencia, mesmo que podesse fazê-lo.

Não me parece todavia que se possa dizer fundadamente que se perde para a justiça o juiz, que é Par ora Deputado.

Não se perde, em verdade. E só para desejar a que os juizes affirmem sempreno exercicio da funcção parlamentar toda a austeridade, com que nos seus tribunaes administram justiça aos povos. O Parlamento não representa ,certamente uma conjunção de santos, mas tambem não é uma associação de malfeitores, cujo contacto preveria e deprave.

Tenho, porem, como inconveniente para a regular administração da justiça que possam funccionar como membros do Parlamento os juizes de direito de fora de Lisboa, pois que para isto teem de sahir dos seus logares por bastantes meses em cada anno, o que certamente prejudicará mais ou menos o despacho expedito, seguro e firmados negocios judiciaes.

E tanto, como creio que tal inconveniente não se fará sentir a respeito da Relação do Porto, que, sendo um tribunal collectivo numeroso, não deixará de funccionar cosa a mesma regularidade só porque um ou outro dos seus membros haja de funccionar como Par ou Deputado,

Incompatibilidades e tambem diversas prohibições, como as dos juizes residirem fora da sede da sua circunscrição judicial, a de trocarem os respectivos logares e a de renunciarem ás promoções que lhes competirem.

Não permitte com eifeito a proposta que os juizes renunciem a qualquer promoção que lhes caiba por lei; e isto deve parecer razoavel. A promoção não, é feita para beneficio dos juizes, mas sim em nome do interesse publico, que advem de os tribunaes superiores serem compostos dos magistrados mais experimentados e mais competentes. E, demais, a renuncia á promoção só viria effectuar-se por parte dos juizes de direito que, estando collocados em comarcas rendosas, pretendessem d'esse modo conservar-se no logro dos respectivos proventos com damno dos outros juizes, que teem como aquelles direito a gosá-los tambem.

Já alludi á suppressão de tres logares de juizes na Relação dos Açores por não serem precisos, e á creação".

"Se mais dois iogares de juizes do Supremo Tribunal de Justiça por serem necessarios. E agora referir-me-hei tambem, embora rapidamente, á suppressão dos tribunaes criminaes collectivos de 1.ª instancia, ou sejam os que as leis de 12 de junho de 1901 e de 11 de abril de 1901 estabeleceram para o julgamento dos crimes de moeda a nota falsas e de alguns delictos de imprensa."

fará o julgamento desses crimes bastam os juizes singulares com recurso para as Relações, sem haver necessidade de os submetter a um tribunal collectivo logo na 1.ª instancia.

Ainda se comprehende que para casos a decidir definitivamente na 1.ª instancia fossem estabelecidos tribunaes collectivos, como garantia de melhor administração da justiça criminal. Mas, quando da decisão de 1.ª instancia ha recurso para os tribunaes collectivos de 2.ª instancias os juizes singulares são bastantes para quaesquer julgamento em 1.ª instancia.

Emquanto ao recrutamento dos juizes, a proposta estabelece o principio do concurso entre magistrados do Ministerio Publico, de qualquer categoria e de qualquer classe, com seis annos de serviço effectivo, e de modo que, sendo elle feito por provas documentaes e escritas

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perante um jury composto de cinco juizes do Supremo Tribunal de Justiça, e com recurso para este tribunal pleno, deve dar garantias a todos de que não terá ingresso na magistratura judicial quem não tiver a capacidade precisa para desempenhar as suas difficeis e elevadas funcções.

Concurso limitado, entre magistrados do Ministerio Pblico apenas, porque não me parece necessario admittir a elle outras classes, como por exemplo a dos advogados, com prejuizo da numerosa classe dos delegados do procurador regio, cujo ingresso na magistratura judicial é o unico ideal que a alenta e estimula.

E demais a judicatura demanda educação judiciaria, que melhor se faz, promovendo, consultando e allegando nos tribunaes em conformidade com a lei e com a justiça, por dever de officio, do que requerendo e dissertando perante elles consoante os interesses das partes somente, embora estes sejam contrarios á justiça e á lei.

O principio do concurso, ideia velha minha e que foi já consignado nas propostas sobre organização judiciaria, tão luminosas e de relevantes meritos, apresentadas á Camara dos Senhores Deputados pelos meus illustres antecessores, Sr. Conselheiro Beirão em 9 de julho de 1887, e Sr. Conselheiro Montenegro em 22 de agosto de 1905, é sem duvida sympathico e justo, por ser a maneira mais scientifica de assegurar a instrucção e capacidade intellectual dos que se destinam á carreira judicial, onde aquellas qualidades são imprescindiveis. E para constatação de austeridade de caracter, de imparcialidade e de assiduidade no trabalho, condições igualmente precisas para o exercicio da judicatura, lá estão as informações constantes do cadastro official de cada concorrente, para as attestarem ou negarem.

De maneira que, dados os previdentes termos estabelecidos para este concurso, não poderão, excepto por um revoltante abuso, ser apurados como candidatos á magistratura judicial nem os intelectualmente incapazes nem os moralmente indignos.

E depois, formadas por meio desse concurso as listas dos candidatos á magistratura judicial com os concorrentes classificados como "bons" e "muito bons", graduados por antiguidade na respectiva classe; e sendo feitas as nomeações dos juizes de direito 4e 3.ª classe pela ordem descendente das mesmas listas, de modo que em cada serie de três vagas sejam despachados um candidato com a classificação de "muito bom" e dois com a classificação de "bom", ha de parecer que todos os direitos e todos os interesses legitimos neste assunto ficam bastanteinente acautelados.

Relativamente ao accesso á classe superior, ás Relações e ao Supremo Tribunal de Justiça, obtempera-se tambem na proposta ao principio da antiguidade e ao do merecimento, que comprehende o da moralidade, deferindo-se ao Supremo Tribunal de Justiça aquelle salutar arbitrio, que vem já da lei de 21 de julho de 1855.

Neste ponto do recrutamento dos juizes para a 2.ª instancia, quero consignar que a disposição da proposta relativa á passagem dos juizes do ultramar para a 2.ª instancia do reino é apenas uma transacção com o actual estado de cousas. Outra, e radical, deve ser a reforma definitiva a tal respeito, pois que a da proposta é apenas um calmante do estado de oppressão, em que se encontra a magistratura de 1.ª instancia do reino perante a magistratura ultramarina.

Assim e reguladas as cousas de maneira que não seja promovido á classe superior, á 2.ª instancia e ao Supre-mo Tribunal de Justiça o juiz a respeito de quem este tribunal assim é resolver, todos ficarão sabendo, e especialmente os juizes, que na magistratura judicial ser ou não ser honesto, trabalhar ou não trabalhar, trabalhar muito ou pouco, bem ou mal, melhor ou peor, não é tudo a mesma cousa.

O premio e o castigo. E assim se realizarão, neste ramo da administração publica, os immortaes principios do artigo 145.°, §§ 12.° e 13.°, da Carta Constitucional, de que todo o cidadão pode ser admittido aos cargos publicos, sem outra differença que não seja a dos seus talentos e. virtudes, e de que a lei, igual para todos, quer proteja, quer castigue, recompensa tambem em proporção dos merecimentos, de cada um.

As disposições da proposta sobre o recrutamento dos juizes são já uma affirmação da independencia d'elles com relação ao poder executivo. Ha, porem, outras e tambem importantes.

Uma d'estas é a provisão, segundo a qual os juizes não devem cumprir, por não terem força de lei e a ninguem obrigarem por isso, os decretos do Poder Moderador, que não forem promulgados nos termos da Constituição; os regulamentos, instrucções e decretos do poder executivo contrarios á lei, e tambem os promulgados por elle com excesso da respectiva autorização legal, ou arrogando-se attribuições do poder legislativo, salvos os casos restrictos e precisos dos §§ 33.° e 34.° do artigo 145.° da Carta Constitucional e do artigo 15.° §§ 1.° e 2.° da lei de 5 de julho de 1852; e bem assim as proprias leis ordinarias oppostas a disposições constitucionaes, como as define o artigo 144.° da mesma Carta.

Outra affirmação da independencia e superioridade social dos juizes está na disposição onde se determina que o Supremo Tribunal de Justiça fará, nos ultimos dias uteis de cada anno judicial, as sessões plenas que forem precisas para assentar na jurisprudencia a adoptar-se sobre os pontos juridicos, em que elle ou as Relações tiverem julgado de maneira differente, publicando-se os respectivos accordãos no Diario do Governo; e que aquillo que se vencer obrigue emquanto outro assento judiciario não for tomado sobre o mesmo ponto, ou a lei não for autenticamente interpretada pelo poder legislativo.

Esta provisão é uma reminiscencia dos assentos da Casa da Supplicação, que este antigo tribunal tomava para resolver as duvidas que os Ministros e os advogados encontravam na intelligencia ou applicação das leis. É destinada a acabar com a anarchia forense pela divergencia e contradição de julgamentos nos tribunaes, e que nalguns casos chega a escandalizar.

A jurisprudencia anda por ahi á matroca sobre muitos pontos juridicos, como que á toa e á ventura. E o acaso não pode ser titulo de direitos e origem de obrigações, assim como não deve ser a providencia dos Estados.

Ora, adoptando-se a medida que proponho, será profundamente modificado o actual estado de cousas, com incontestavel proveito publico e sem que com isso seja ferido o preceito do artigo, 15.°, § 5.° da Constituição, que declara attribuição das Côrtes interpretar as leis.

Emqnanto á independencia dos juizes combinada com a sua inamovibilidade, que é uma garantia d'essa independencia, são completas uma e outra na minha proposta, a qual estabelece como que o governo da magistratura judicial pela propria magistratura.

São os juizes que escolhem e graduam os candidatos á magistratura judicial, e assim regulam os respectivos despachos de ingresso nella. São os juizes que premeiam e castigam os magistrados judiciaes, adeantando a carreira de uns pelo reconhecimento dos seus serviços distincios, retardando e inutilizando mesmo o accesso de outros á lasse e aos tribunaes superiores, suspendendo-os e transferindo-os violentamente por conveniencia do serviço publico.

Na parte attinente á transferencia ordinaria dos magistrados judiciaes, feita a requerimento d'elles, ou no fim do sexennio legal dentro da mesma classe relativamente

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aos juizes de direito, é ainda a magistratura judicial que a si propria se governa, desde que aos juizes é reconhecido o direito de serem collocados, segundo a sua antiguidade, na comarca ou no tribunal que requererem.

Sem duvida alguma, nada d'isto é inconveniente; mas, certamente, em face do artigo 75.°, § 3.° da Constituição, tambem não se podem, racionalmente, levar mais longe o desejo e o proposito de tornar effectiva a independencia do poder judicial, estatuida nos artigos 118.° e 145.°, § 11.° da mesma Constituição.

Consignarei ainda que a presente proposta regula a substituição dos juizes de direito, adoptando em geral, as respectivas disposições de outra já alludida e que foi apresentada nesta Camara, em 22 de agosto de 1900, pelo meu distincto antecessor Sr. Conselheiro Dr. Montenegro.

A proposta estabelece o limite de idade para o exercicio das funcções judiciaes, fixando-o em setenta e cinco annos.

Antes desta idade qualquer juiz pode aposentar-se, tendo fundamento legal para isso. Os juizes, porem, que attinjam a dita idade, teem de sair forçosamente do exercicio da magistratura judicial.

Ideia velha em mim, isto é tambem a tradição progressista, vinda das respectivas propostas de lei de 9 de junho de 1887 e de 20 de março de 1900, assim como é certo que na maior parte das organizações judiciarias europeias se encontra estabelecido tal principio.

São na verdade raros os individuos que chegam aos setenta e cinco annos com a robustez physica, lucidez de intelligencia e firmeza de vontade indispensaveis para julgar, isto é, para exercer uma das mais altas, melindrosas e arduas funcções publicas, que podem ser incumbidas a homens livres. Por isso é bem racional a fixação d'aquelle limite de idade.

Eu tinha ultimamente proposto na Camara dos Dignos Pares, em logar do limite de idade, o exame annual de todos os juizes com mais de setenta e cinco annos para, se julgar da aptidão d'elles para a judicatura. Mas convenci-me por mim e pelo parecer de homens doutos e desinteressados que isto não bastava e seria só meio caminho andado, voltando por isso á minha antiga ideia.

Tratando de dar forma pratica ao principio do limite de idade, fi-lo de modo a transigir com os magistrados actuaes, que já o excederam, ou que estejam proximo a attragi-lo. Por isso os effeitos d'esse principio só daqui a alguns annos se farão sentir verdadeiramente; mas ao menos que venha então o avanço tão necessario na magistratura judicial, onde, com damno da administração da justiça, se entra já excessivamente tarde para os seus altos cargos, a não ser pela porta da magistratura ultramarina.

Relativamente á responsabilidade judicial, nas leis penaes e nas leis civis ha disposições bastantes para os juizes serem castigados pelos seus crimes, e para lhes ser exigida a indemnização dos prejuizos, que voluntariamente causarem por seus abusos e omissões. E na proposta encontram-se tambem, de onde a onde, disposições claras no sentido de que á independencia dos juizes haja de corresponder a segurança do pontual cumprimento das suas obrigações. Taes são:

A que estabelece a incompatibilidade do cargo de juiz com o exercicio da advocacia, do commercio e, em geral, de outro cargo publico;

A que consigna o principio da inspecção permanente aos actos dos juizes e cujo pensamento vem já das propostas de lei de 28 de fevereiro de 1860 e de. 26 de abril de 1880, e mesmo dos antigos- corregedores;

A que estabelece as penas disciplinares de censura, transferencia por bem do serviço publico, e suspensão por faltas que, não tendo a classificação de crimes ou erros de officio, mostrarem, todavia manifesto esquecimento da dignidade da magistratura;

A que pelo escrivão ou secretario do tribunal manda cobrar os processos do poder do juiz, que não lhes der o devido despacho, conclusando-os logo a outro juiz. competente, que o faça; disposição esta que se filia no § 3.° do artigo 100.° do Codigo do Processo Civil;

A que outorga ao Supremo Tribunal de Justiça a faculdade de retardar e inutilizar mesmo o accesso dos juizes á classe e ao tribunal superior, e que implicitamente se contem no artigo 121.° n.° 1.° da proposta de lei de 9 de julho de 1887, do meu distinctissimo antecessor, Sr. Conselheiro Beirão, e do parecer da respectiva commissão de legislação da Camara dos Senhores Deputados, de 10 de marco de 1888.

Esta ultima concessão feita ao tribunal supremo da justiça portuguesa pode afigurar-se terrivel. Mas, se homens encanecidos no officio de julgar, fazendo justiça em tudo e a todos com aquelle "saber de experiencias feito", de que fala o poeta immortal; se esses velhos juizes no ultimo quartel d'esta mundana vida enganosa, mais proximos já de Deus do que dos homens, abusassem das faculdades, que a proposta lhes entrega, para favores injustos e perseguições iniquas... Ninguem receie taes maleficios, e cumpre fazer justiça inteira a quem toda ella é devida.

É como segue a

Proposta de lei n.° 3

Diversas providencias sobre organização judiciaria

Artigo 1.° Os juizes applicam as leis e todos os mais diplomas que tiverem força de lei, conhecendo tambem da materia de facto, em conformidade com as provas legaes, nos casos que não forem da competencia do jury.

§ unico. Não teem força de lei, e por isso a ninguem obrigam, os decretos do poder moderador, que não forem promulgados nos termos da Constituição; os regulamentos, instrucções e decretos do poder executivo contrarios á lei, e tambem os promulgados por elle com excesso da respectiva autorização legal, ou arrogando se attribuições do poder legislativo, salvos os casos restrictos e precisos dos §§ 33.° e 34.° do artigo 145.° da Carta Constitucional e do artigo 15.°, §§ 1.° e 2.° da lei constitucional de õ de julho de 1802; e bem assim as proprias leis ordinarias oppostas a disposições constitucionaes, como as define o artigo 144.° da mesma Carta.

Art. 2.° Os cargos de juiz de direito, da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça são incompativeis. com o exercicio da advocacia, do commercio e de qualquer outro cargo publico, com excepção dos logares de Ministro, Conselheiro de Estado, Par do Reino e Deputado da Nação, não podendo todavia funccionar como Pares ou Deputados os juizes de direito, que não tiverem a sua collocação oflficial em Lisboa.

§ unico. O juiz que infringir o disposto neste artigo será collocado no quadro da magistratura judicial, sem exercicio nem vencimento.

Art. 3.° Não é permittido aos juizes trocar os respectivos logares, nem renunciar a qualquer pcomoção, que lhes caiba por lei.

Art. 4.° Não será considerado como serviço judicial, para o effeito de qualquer promoção, senão o que os juizes prestarem nos logares da magistratura judicial ou como Ministros, Pares do Reino, Deputados da nação, magistrados superiores do Ministerio Publico e juizes inspectores.

Art. 5.° É prohibido aos juizes ausentaram-se do seu lo-

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gar sem licença, por mais de oito dias, e residir fora da sede da sua circunscrição judicial; e os que contravierem esta disposição serão collocados no quadro sem exercicio nem vencimento por tempo de um anno.

Art. 6.° O Supremo Tribunal de Justiça fará nos ultimos dias uteis de cada anno judicial as sessões plenas que forem precisas para assentar na jurisprudencia a adoptar-se sobre os pontos juridicos, em que elle ou as Relações tiverem julgado de maneira differente, publicando-se logo os respectivos accordãos no Diario do Governo; e aquillo que se vencer, por maioria absoluta de votos de todos os membros do tribunal, obrigará emquanto é poder legislativo não providenciar noutro sentido.

Art. 7.° São creados mais dois logares de juizes do Supremo Tribunal de Justiça.

Art. 8.° São suppriniidos tres logares de juizes da Relação dos Açores.

Art. 9.° São creados quatro logares de juizes inspectores, que serão de 2.ª instancia,, servindo dois destes magistrados no districto da Relação de Lisboa e outros dois no districto da Relação do Porto, para fazerem o serviço da inspecção das comarcas do seu respectivo districto judicial, como for regulado em decreto do poder executivo, que fixará tambem o subsidio para jornada que elles hajam de receber.

§ unico. Emquanto houver juizes agregados a qualquer das ditas Relações serão nomeados de entre elles os juizes inspectores.

Art. 10.° São extinctos os tribunaes crinlinaes collectivos de 1.ª instancia, julgando, cada juiz de julgamento, só por si, ou com intervenção do jury nos casos da competencia d'este, os crimes e contravenções occorridas na area da sua circunscrição.

Art. 11.° Os juizes de direito serão nomeados para comarcas de 3.ª classe de entre magistrados do Ministerio Publico somente, de qualquer classe ou categoria, exceptuados os subdelegados do procurador regio, e que, depois de seis annos de serviço effectivo, tiverem sido approvados em concurso para a magistratura judicial.

§ 1.° O concurso, de que fala este artigo, será feito annualmente no Supremo Tribunal de Justiça, por meio de provas documentaes e escritas, perante um jury composto de cinco juizes do mesmo tribunal, tirados á sorte em sessão plena, que para isso terá logar no dia do concurso.

§ 2.° As provas escritas versarão sobre dois pontos de direito, um theorico e outro pratico, tirados á sorte pelo primeiro concorrente de entre cinco pontos de cada uma d'estas qualidades, os quaes serão formulados naquelle acto e lidos em voz alta pelo membro do jury que a sorte designar para isso.

§ 3.° As provas escritas serão prestadas publicamente por todos os concorrentes, na mesma occasião e na sala do concurso, nas quatro horas seguintes á tirada dos pontos; e, entregues ellas, serão immediatamente rubricadas por todos os membros do jury.

§ 4.° Em seguida, ou em algum dia proximo, procederá o jury á apreciação das provas documentaes e escritas de todos os concorrentes e á classificação destes em alguma das classses de "muito bom", e bom" e "esperado", tendo tambem em vista para isto as respectivas informações officiaes, que constarem no Ministerio da Justiça.

§ 5.° Feita a classificação, serão archivados todos os papeis relativos a cada um. dos concorrentes.

Art. 12.° Os concorrentes, que se julgarem injustamente classificados em algumas das classes de "esperado" ou de "bom", por merecerem melhor classificação, ou houverem como injusta a classificação de outro concorrente na classe de "muito bom", por merecer menos, poderão recorrer no prazo de cinco dias, a contar da data da classificação, para o Supremo Tribunal de Justiça, que em secções reunidas conhecerá da reclamação, tendo em vista os elementos de apreciação mencionados no § 4.° do artigo 6.° d'esta lei.

Art. 13.° No acto da classificação dos concorrentes pelo jury ou pelo tribunal estará presente o Director Geral dos Negocios da Justiça, para prestar as informações officiaes, que constarem no respectivo Ministerio acêrca dos concorrentes.

Art. 14.° A lista dos candidatos á magistratura judicial ficará composta dos concorrentes que tiverem a classificação de "muito bom" e de "bom", os quaes serão graduados por antiguidade na respectiva classe.

§ unico. Os concorrentes apurados em concursos posteriores serão inscritos em seguida ao ultimo da respectiva classe dos concursos anteriores.

Art. 15.° Formadas assim as listas dos candidatos á magistratura judicial e remettidas ao Governo, serão feitas as nomeações dos juizes de 3.ª classe pela ordem descendente das mesmas listas, de modo que em cada serie de tres vagas sejam despachados um candidato com a classificação de "muito bom", havendo-o, e dois com a classificação de "bom".

§. unico. Os auditores administrativos, que forem nomeados depois da promulgação d'esta lei, só serão considerados juizes de direito de 3.ª classe para todos os effeitos, se tiverem approvação em concurso para a magistratura judicial nos termos da mesma lei.

Art. 16.° Os juizes de direito serão substituidos nas suas faltas e impedimentos pela forma seguinte:

1.° Na comarca de Lisboa os juizes da 1.ª e da 2.ª da 3.ª e 4.a, e da 5.ª e 6.ª varas eiveis, e os da 1.ª e 2.ª varas commerciaes substituir-se-hão reciprocamente; o juiz de instrucção da 1.ª vara criminal substitue o da 2.ª, este o da 3.ª e este o da 1.ª, substituindo-se do mesmo modo os juizes de julgamento das varas criminaes;

2.° Na comarca do Porto os juizes da 1.ª e 2.ª e da 3.ª e 4.ª varas eiveis, os juizes de instrucção da 1.ª e 2.ª varas criminaes e os juizes de julgamento destas duas varas substituir-se-hão reciprocamente;

3.° Os juizes referidos em os n.ºs i.° e 2.° deste artigo, que não puderem ser substituidos nos termos ahi designados, o juiz do Tribunal Commercial do Porto e os juizes de direito das mais comarcas serão substituidos nos termos e observada a precedencia seguintes:

a) Pelos auditores administrativos nas comarcas que forem capitães de districto;

b) Pelos conservadores do registo predial, preferindo o mais antigo nas comarcas em que houver mais de um conservador;

c) Pelos notarios, que forem bachareis formados em direito, preferindo-se o mais antigo;

d) Por algum de quatro substitutos, segundo a sua ordem, que o Governo nomeará annualmente, sobre proposta do Presidente, da Relação respectiva, de entre individuos residentes na comarca, preferindo-se sempre os bachareis formados em direito, ainda que exerçam a advocacia, e na falta destes os individuos que tiverem um curso de instrucção superior.

Art. 17.° O juizes de direito serão promovidos da 3.ª para a 2.ª classe e desta para a 1.ª sobre lista triplice proposta em consulta graduada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em secções reunidas, o qual escolherá os tres juizes, que propuser, de entre os nove mais antigos da respectiva classe.

§ 1.° Esta consulta será feita em presença das syndicancias que tenha havido, das informações das Relações é do Ministerio Publico junto d'ellas, e bem assim de qualquer averiguação fundamentada sobre o merito e de merito dos respectivos magistrados.

§ 2.° As informações das Relações serão prestadas no mês de agosto de cada anno em tribunal pleno e por escrutinio secreto com as notas de "muito bom", "bom", e "esperado", organizando-se dois mappas, que serão envia-

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dos pelo presidente da respectiva Relação, um ao Ministro da Justiça e outro ao Supremo Tribunal de Justiça.

Art. 18.° Os juizes da Relação serão nomeados de entre os juizes de direito de 1.ª classe pelo modo estabelecido no artigo 17.° e paragraphos da presente lei para a promoção dos juizes, de direito de uma para outra classe.

Art. 19.° Os juizes de 2.ª instancia do ultramar só transitarão para a 2.ª instancia da magistratura judicial do reino, tendo dezaseis annos de serviço judicial effectivo no ultramar, não poderão ser collocados definitivamente nas Relações de Lisboa e Porto sem terem dois annos de serviço effectivo na Relação dos Açores; e, quando nesta não houver vaga para algum juiz, vindo do ultramar, será elle aggregado a qualquer d'aquellas Relações, como mais convier ao serviço publico, emquanto não se der a respectiva vaga.

§ unico. O disposto neste artigo não é applicavel aos juizes, que, tendo vindo do ultramar, estiverem aggregados á Relação de Lisboa ou do Porto ao tempo da promulgação d'esta lei.

Art. 20.° Os juizes do Supremo Tribunal de Justiça serão tirados de entre os juizes de 2.ª instancia sobre lista triplice proposta em consulta graduada por aquelle tribunal, em secções reunidas, o qual escolherá os três juizes, que propuser, de entre os nove juizes mais antigos, em presença de todas as averiguações fundamentadas sobre o merito e demerito dos respectivos magistrados.

Art. 21.º A lista triplice para a promoção á classe superior, á Relação e ao Supremo Tribunal de Justiça será feita sempre por escrutinio secreto.

Art. 22.° Poderá excepcionalmente ser promovido á classe superior, á 2.ª instancia e ao Supremo Tribunal de Justiça o juiz, cujo merito relevante for votado por este Tribunal em secções reunidas, comtanto que esse juiz tenha pelo menos metade do tempo da antiguidade do juiz mais antigo na respectiva classe ou na 2.ª instancia.

Art. 23.° O juiz que, sendo dos mais antigos da respectiva classe ou da 2.ª instancia for tres vezes pretesido na formação dá respectiva lista triplice, será aposentado com a terça parte do seu vencimento, se não tiver direito a mais.

Art. 24.° Os juizes de direito serão transferidos, dentro da mesma classe, ao cabo de seis annos, contados desde a ultima posse nella; e durante este prazo só a requerimento seu, ou por conveniencia do serviço publico, terá logar a transferencia d'elles, ainda mesmo que haja sido alterada a classificação da comarca.

Art. 25.° A transferencia dos juizes de direito, a requerimento seu ou no fim do sexennio, terá logar para as comarcas que indicarem e. pela ordem d'ellas; e, quando mais de um juiz requerer a mesma comarca, preferirá o mais antigo na classe e, no caso de igual antiguidade, o que a sorte designar.

Art. 26.° Os juizes de 2.ª instancia só serão transferidos de um para outro logar a requerimento seu ou por conveniencia do serviço publico.

Art. 27.° Os juizes, alem dos casos em que, pela legislação applicavel, podem ser aposentados, sê-lo-hão tambem, independentemente de cabimento, logo que completarem setenta e cinco annos de idade.

§ 1.° O disposto neste artigo não é applicavel:

a) Aos juizes que ao tempo da promulgação d'esta lei tiverem mais de setenta e cinco annos de idade;

b) Aos juizes com mais de setenta e tres annos e menos de setenta e cinco annos de idade ao tempo da promulgação d'esta lei, sem que decorrammais dois annos contados da data da mesma lei.

§ 2.° Os juizes com mais de setenta e cinco annos de idade, a que se refere o paragrapho antecedente, serão, submettidos annualmente durante o mês de janeiro e no Ministerio da Justiça a um exame por tres facultativos nomeados entre os professores da Escola Medica e os subdelegados de saude de Lisboa, para se conhecer da sua aptidão para o serviço judicial.

Art. 28.° A aposentação dos juizes e a collocacão d'elles no quadro da magistratura judicial sem exercicio, com ou sem vencimento, só poderão ser decretadas sobre consulta affirmativa do Supremo Tribunal de Justiça, dada officiosamente, por proposta do Governo ou requerimento dos interessados, em sessão plena, sendo previamente ouvidos estes; salvo o disposto no artigo 27.° e paragraphos d'esta lei.

§ 1.°. Para os effeitos da aposentação e da collocacão dos juizes no quadro poderão o Ministerio da Justiça e o Supremo tribunal de Justiça mandar, sempre que o entenderem, submettê-los a um exame por tres facultativos para se conhecer da sua aptidão para o serviço judicial.

§ 2.° A consulta sob proposta do Governo, ou a requerimento do interessado, será dada no prazo de quinze dias a contar do requerimento ou proposta, ou do respectivo exame medico, se deste depender.

§ 3.° Tratando-se da passagem ao quadro ou da aposentação de algum juiz do Supremo Tribunal de Justiça, sem ser a requerimento seu, nenhuma d'essas cousas se effectuará sem a previa consulta affirmativa do Conselho de Estado.

Art. 29.° O juiz que, fora dos casos em que pode ser advertido, multado e condemnado nas custas pelos tribunaes superiores, commetter faltas, que, não tendo a qualificação de crimes ou erros de officio, mostrarem, manifesto esquecimento e desprezo da dignidade da magistratura, fica sujeito a alguma das penas disciplinares seguintes:

1.° Censura;

2.° Transferencia por bem do serviço publico;

3.° Suspensão de um a seis meses. § unico. A pena de suspensão importa sempre o respectivo desconto no vencimento e no tempo de serviço.

Art. 30.° As penas disciplinares, mencionadas no artigo 29.° desta lei, somente serão impostas pelo Supremo Tribunal de Justiça em sessão plena, officiosamente ou a requisição do Governo, depois de ouvido o magistrado arguido.

§ unico. Fica salvo o disposto no artigo 74.°, § 6.°, da Carta Constitucional.

Art. 31.° Quando nas Relações ou no Supremo Tribunal de Justiça não puder ser proferido o accordão no dia do julgamento, ficará adiada a publicação d'elle para a sessão seguinte, tomando-se, porem, nota da decisão no respectivo livro de registo, a qual nota será assinada por todos os juizes que intervieram no julgamento, annunciando-se desde logo a mesma decisão.

§ unico. Se o juiz, que tiver de redigir o accordão, não apresentar este na primeira sessão posterior ao julgamento, aguardar-se-ha ainda para a sessão seguinte.

Art. 32.° Terminada o prazo legal para os juizes proferirem os seus despachos, sentenças e tenções, ou para o visto nos processos, ou para a publicação do respectivo accordão, nos termos do artigo 31.° e § unico d'esta lei, os processos serão cobrados immediatamente do poder do respectivo juiz, que os tiver, pelo escrivão ou secretario do tribunal sob as penas declaradas no § 1.° do artigo 101.° do Codigo do Processo Civil, e conclusos logo ao juiz substituto na 1.ª instancia para proferir os despachos ou sentenças, e nos tribunaes superiores ao immediato juiz competente para tencionar ou pôr o visto, ou lavrar o accoro em conformidade com o vencido.

§ 1.° Aos juizes, que sem motivo justificado incorrerem nas faltas mencionadas neste artigo, serão descontados trinta dias no tempo de serviço, não lhes sendo tambem abonados os seus vencimentos relativos ao mesmo tempo.

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§ 2.° As participações, que o Ministerio Publico tem de dar nos termos do artigo 103.°. do Codigo do Processo Civil, servirão tambem para os effeitos do paragrapho antecedente; e os agentes do Ministerio Publico, que não derem aquellas participações, serão censurados ou suspensos, conforme a gravidade das suas faltas.

Art. 33.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, 11 de agosto de 1909. = Francisco José de Medeiros.

Proposta de lei n.° 22-D

Senhores.- É de grande importancia o assunto da presente proposta de lei, que submetto ao vosso elevado criterio, e tamanha como eu profundamente me lamento de não saber tratá-lo melhor e a toda a sua altura.

A proposta occupa-se do jury em materia criminal, e o jury é não só uma instituição eminentemente liberal, como e principalmente a suprema e mais bella concepção da justiça social. Elle é imprescindivel na administração da justiça criminal e até insubstituivel por outra collectividade, que não tenha a mesma indole. Ainda que no seu logar pusessem um conselho de juizes, os mais intelligentes e austeros, os mais illustrados e sãos de alma, nem esse tribunal de eleição, decidindo segundo o rigor das provas legaes, equivaleria o jury, porque só o jurado pode e deve absolver contra as provas e condemnar sem provas, como a sua consciencia livre e honrada lho impuser.

Só o jurado julga, condemna e absolve sem provas legaes e contra as provas legaes, obtemperando apenas aos ditames da sua consciencia e intima convicção, quaesquer que sejam os meios pelos quaes elle esclareça aquella e forme esta. Só o jury pode verdadeiramente temperar as durezas e as injustiças da lei, produzindo perante a sociedade veredictos que, embora injustos algumas vezes nas suas exterioridades, são todavia honestas soluções de problemas existentes no amago das questões submettidas ao seu julgamento.

Certamente o jury nem sempre funcciona bem, peccando não raro por indulgencia, algumas vezes pelas influições do patronato, e excepcionalmente pela veniaga ou por outro motivo assim de má raça. Os abusos d'elle, porem, não são argumento decisivo contra a sua conservação. De todas as instituições, embora criadas num espirito de justiça e de interesse publico, se abusa pela falta de sinceridade na sua execução; e não havemos de bani-las por isso, lançando a sociedade em fundas perturbações.

Quero dizer com isto que o jury pode ser reformado na sua organização, do que certamente precisa, mas não deve ser supprimido, sendo de mais a mais um reducto para defesa da liberdade.

Nunca me cansarei de, apropositadamente, repetir isto. E isto basta para se avaliar como o jury criminal deve ser cuidadamente regulado na sua constituição e no seu funccionaruento.

A proposta declara obrigatoria a intervenção do jury no julgamento de todos os crimes graves, qualquer que seja a sua natureza, prohibe-a absolutamente nos crimes leves ou insignificantes, e considera-a meramente facultativa no julgamento dos crimes intermédios.

Relativamente aos casos de prohibição absoluta, do jury é mantida a disposição do artigo 1.° do decreto n.° 2 de 29 de março de 1890. São elles os de policia correccional.

Os casos da intervenção facultativa do jury criminal são os. do artigo 3.° do citado decreto, ou sejam os do processo correccional nelle organizado mais ou menos em conformidade com a proposta de lei n.° 3 de 10 de março de 1884, com a proposta de lei de 13 de maio de 1870 e com o decreto de 10 de dezembro de 1852, revogado imprudentemente pela lei de 18 de agosto de 1803. No processo correccional só intervem o jury se as partes estiverem de acordo a tal respeito antes de começar o julgamento. Isto tem o precedente legal do artigo 401.° do Codigo do Processo Civil. E, em verdade, se as partes estiverem concordes em que o julgamento seja feito com intervenção do jury, não vejo inconveniente algum em que este interfira, nem motivo plausivel para se exagerar o amor da correccionalização a ponto de não se consentir em tal. O que aliás não deve ser tomado como desconfiança dos juizes de direito, nem mesmo como demasiado affecto á instituição do jury, devendo ser considerado somente como sincero desejo da mais correcta e util administração da justiça criminal.

Os casos da intervenção obrigatoria do jury criminal, quando ao crime corresponder alguma das penas declaradas nos artigos 55.° e 57.° do Codigo Penal, são ampliados com os de que trata a lei de 12 de junho de 1901, falsidade de moeda e de notas dos Bancos nacionaes, avultando sobretudo. a maior largueza que se dá á interferencia do jury no julgamento dos crimes por abuso de liberdade de imprensa, e ficando os de anarchismo para serem considerados na reforma da respectiva legislação, que estou elaborando.

Não deve ser motivo para quaesquer receios terroristas esse alargamento da esphera de acção do jury criminal. A reforma desta instituição, como consta da presente proposta de lei, ha de, creio bem, inspirar confiança a todos, a progressistas e conservadores, aos liberaes e aos reaccionarios, sobre a salutar intervenção do jury na administração da justiça.

E, especialmente com relação á imprensa, na respectiva proposta de lei que d'ella trata e que hoje apresentarei tambem nesta Camara, e bem assim no relatorio da mesma proposta, irão consignados e desenvolvidos os principios que melhores me pareceram e que por isso adoptei.

Mais que outro qualquer ponto relativo ao jury merece especial cuidado a sua organização, que em verdade é tudo quanto ha de mais difficil e melindroso a respeito d'elle.

Evidentemente, os individuos, que houverem de o compor devem dar garantias de illustração, independencia e moralidade. Sem estas qualidades não pode haver julgadores que inspirem confiança, mormente quando elles, para decidir, teem de obtemperar mais aos dictames da sua consciencia e intima convicção do que ás regras da lei inflexivel.

É certo que as estatisticas ainda não chegaram ao aperfeiçoamento de apresentar em algarismos a moralidade de cada individuo; mas tambem é fora de duvida que ella não deve andar muito afastada da illustração, dos meios de fortuna e da posição social, que dão, em regra, independencia de caracter e obrigam moralmente ao respeito pelos outros e ao proprio respeito. A presunção é esta, embora falhe uma ou outra vez.

Em conformidade com estas ideias, a proposta faz uma minuciosa pesquisa acêrca dos individuos que devam ser inscritos no recenseamento dos jurados, aproveitando todos os elementos que podem contribuir para o melhoramento do jury. Taes são a inclusão de todos os magistrados fiscaes, administrativos, judiciaes e do Ministerio Publico, exceptuados os juizes de direito criminaes e os delegados do procurador régio em effectivo serviço; de todos os professores publicos de instrucção superior, secundaria e especial; dos membros da Academia Real das Sciencias de Lisboa; dos mais ricos, segundo o respectivo rendi-

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mento liquido, que se apurar; dos padres que tiverem o curso triennal dos seminarios diocesanos e que, podendo ser Ministros, advogados, Pares, Deputados, professores, magistrados do Ministerio Publico, conservadores do registo predial, alem de mais, devem tambem ser jurados; dos Ministros e Conselheiros de Estado; dos officiaes do exercito e da armada reformados ou em commissão; e de todos os individuos que, funccionarios publicos ou não, tiverem um curso completo de instrucção superior ou especial.

Isto é harmonico com o principio estabelecido de que o serviço do jury, salvas pouquissimas excepções, prefere a outro qualquer serviço publico.

Se os nomeados nos termos expostos não chegarem a cento e oitenta em Lisboa, cento e vinte no Porto, sessenta nas comarcas que forem capitães de districto, e quarenta nas mais comarcas, serão estes numeros preenchidos pelos mais illustrados ainda e pelos mais ricos, ou sejam os que melhor podem comprehender a funcção social do jury e maior interesse teem na conservação da paz publica.

E assim o numero de nomeados, não tendo maximo prefixado, tem aquelles minimos para o effeito da formação das respectivas pautas, por sorteio entre os recenseados, as quaes serão duas por anno, compostas cada uma d'ellas de trinta jurados em cada vara criminal do Porto e Lisboa e nas comarcas que forem- capitães de districto, e de vinte jurados nas mais comarcas.

Creio bem que, adoptando-se as provisões da proposta sobre o recenseamento dos jurados, entrará neste muita e excellente materia prima, que agora anda como que fugida aos direitos.

Certamente, do recenseamento confeccionado sobre estas bases resultará maior gravame para os illustrados, para os ricos e para os titulares.

Mas nem por isso elles se demittirão da sua riqueza e dos seus titulos, assim como, apesar de tal percalço, sempre será melhor ser letrado do que analfabeto.

Mas é preciso, porque sobretudo é optimo para todos ter boa justiça, sendo tambem certo que a respeito de jury o que não é bom não presta para nada.

Ora, se o jury recrutado deste modo é já um encargo onerosissimo, mais duro seria elle ainda com os grandes circulos de jurados, compostos de tres comarcas ou mais, e que por tal motivo não adopto.

Não faltará, talvez, quem considere irrespeitoso e até um desacato obrigar um Conselheiro de Estado, um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, o procurador geral da Coroa, um vogal do Supremo Tribunal Administrativo, um Ministro de Estado honorario, o governador do Banco, de Portugal, um vogal do Tribunal de Contas e individuos de outras altas categorias sociaes á maçada plebeia de irem ali á Boa-Hora desempenhar o papel de jurado. Mas quem tal não dirá são aquellas elevadas personalidades, que sem duvida alguma consideram a justiça, nas sociedades modernas, como a força proeminente na manutenção da ordem.

Nas comarcas onde o minimo dos recenseados para o jury é de quarenta individuos e cada pauta de vinte jurados, o jury para cada causa é composto de sete jurados e um supplente. É claro que, reduzido o numero dos recenseados para melhor selecção d'elles, cada pauta tem de ser forçosamente menor do que agora e em consequencia mais limitado fambem o numero de jurados para cada julgamento.

É pelo sorteio entre os jurados da respectiva pauta que teem de ser apurados os jurados para cada causa.

A este respeito avulta no projecto a disposição segundo a qual, tratando-se de objecto cuja apreciação exija conhecimentos especiaes de alguma sciencia ou arte, o juiz escolherá para o jury o jurado da pauta que os tiver, e, se nenhum dos jurados da pauta os tiver, mandará antecipadamente, por despacho nos autos, intimar para jurade da,causa o individuo que, residindo na comarca, satisfizer a esse requisito.

Esta disposição filia-se no artigo 236.°, § unico, do Codigo do Processo Civil, e reputo-a justa. Embora ella outorgue ao juiz a faculdade de nomear para o julgamento da respectiva causa um jurado da pauta ou de fora d'ella, conforme as circunstancias, esse arbitrio é bem contrapesado pelas vantagens da boa administração da justiça.

Indisputavelmente numa causa criminal em que se pleiteiem problemas arduos e melindrosos de medicina legal, como frequentemente acontece nos crimes de morte, de infanticidio, e de aborto, é de alta conyeniencia que no jury haja um medico que pela sua competencia superior e technica dê ali os esclarecimentos precisos para bem se decidir. E como esses exemplos outros, o de um jurado paleographo em certos crimes dê falsidade de escritos, o de um jurado chimico nos crimes de envenenamento. E tanto mais quanto é certo que os elementos constituitivos do crime são questões de facto, que ao jury compete resolver.

Que pareça injusta a medida proposta, não creio. O que provavelmente acontecerá é afigurar-se de proporções restrictas em excesso, sendo melhor que, em logar de um só jurado nas condições alludidas, fosse assim a maioria d'elles...

Isto, porem, traria complicações e despesas importantes por ser preciso reclamar jurados especialistas de algumas poucas comarcas, onde os ha, para a maior parte dellas, em que os não ha!

Ora antes pouco do que nada.

A proposta mantem á defesa e á accusação a recusa motivada de qualquer jurado e a não motivada de um certo numero d'elles. É incontrovertivel o direito de recusa, por que dá aos réus a garantia de não serem julgados por individuos que alimentem odios e prevenções contra elles, e á sociedade e ao oifendidp a segurança de não fazer parte do jury quem estiver ligado aos accusados pelas relações da dependencia ou da amizade intima, ou que seja facil em acceder ás instancias do patronato e até ás seducções da corrupção.

Tambem o projecto mantem a faculdade que pelo artigo 1162.° da Novissima Reforma Judiciaria teem os juizes de direito de annullar as respostas do jury quando as reputem iniquas ou injustas, ordenando novo julgamento perante outro jury, no qual não entrará nenhum dos primeiros jurados.

Entendo, porem, que esse estranho arbitrio dos juizes só deve ser empregado quando as decisões do jury forem tomadas por maioria, porque só então é que a consciencia publica pode ficar intranquilla sobre o acerto d'ellas; e não é de esperar que de tal arbitrio abusem os juizes, para quem a annullacão é como que um caso de consciencia.

Apesar das razões que combatem essa violenta faculdade dos juizes de direito, parece ella preferivel á de as partes recorrerem para segundo jury. Em contrario de antigas ideias minhas, tenho actualmente em grande desconceito este recurso das partes por causa dos abusos continuos a que daria logar.

Condemnado o réu, recorreria elle sempre que a pena imposta fosse severa, porque nada teria a perder com isso, e pelo contrario poderia lucrar; e, absolvido, recorreria quasi sempre o Ministerio Publico para se libertar de responsabilidades, e sempre a parte accusadora em cata da justiça, que o primeiro jury lhe recusara. Ora isto não era boa e regular administração da justiça criminal.

O segundo jury que tiver de julgar a causa em consequencia da annullação de veredicto do primeiro jury será de doze jurados e um supplente, e misto, isto é tirado de

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uma pauta de trinta e seis jurados, sendo doze da comarca onde se effectuar o julgamento, e igual numero de cada uma das duas comarcas mais proximas. E dado isto, que se me afigura uma garantia de boa administração, da justiça, ha de parecer que em mais nenhum caso é necessario o jury misto.

Relativamente ao funccionamento do jury criminal, a proposta começa por estabelecer que serão tomadas por unanimidade ou por maioria as suas decisões sobre todas as questões de facto suscitadas no julgamento, ainda que sobre ellas haja confissão das partes ou os factos estejam provados por documentos autenticos ou autenticados; sendo a intenção dos agentes do crime e os elementos constitutivos d'este considerados questões de facto; e sendo mais que os jurados, para proferirem a sua decisão, não teem de obtemperar ao rigor das provas legaes e só escutarão os dictames da sua consciencia e intima convicção cota a imparcialidade e firmeza do caracter que são proprias do homem livre e honrado.

Isto não é a omnipotencia do jury, porque elle tem as suas responsabilidades bem definidas e expressas nos artigos 318.° a 323.° do Codigo Penal; mas é a theoria do jury, como da sua indole é poder declarar qualquer circunstancia modificativa do facto principal, que por lei tenha o effeito de diminuir a pena, ainda que tal circunstancia não seja mencionada nos quesitos ou seja contraria ás conclusões dos peritos nos exames e ás declarações juradas dos offendidos.

Eu não tenho duvida alguma em affirmar que esta doutrina se contem já no § unico do artigo 13.° da lei de 18 de julho de 1855; mas, porque nem todos assim o entendem, deve ser isso estatuido mais claramente. Reclama-o o direito da defesa, exige-o o verdadeiro, interesse social e irap6eni-no a humanidade e a justiça.

Tambem é proprio do funccionameiito do jury que elle, proferido o veredicto condemnatorio, possa representar oralmente, por meio do seu presidente, ao juiz de direito sobre o quantitativo da pena, que deve ser imposta ao réu.

Desde muito venho defendendo na imprensa juridica esta ideia, a que já chamaram revolucionaria pelo que tinha de ousada. E de uma vez, alem de outras ponderações, escrevi a tal respeito o seguinte:

"É, depois, na infracção da lei, mesmo inteiramente consciente e livre, ha sempre o influxo, maior ou menor, do temperamento e das naturaes inclinações do seu agente, dos vicios e da corrupção moral da geração a que pertence, do meio social em que vive, e principalmente da falta de educação ou da má educação que recebeu na familia.

"Ora somente o jury pode apreciar estas circunstancias e aquilatar, com provavel acerto, o grau de virtude ou de depravação do delinquente, tendo em vista os precedentes da sua vida, que lhe fixara a physionomia moral, apreciando os elementos do crime e ponderando todas as circunstancias que determinam a moralidade do acto e influem na responsabilidade do agente. Nem a lei podia abranger tudo isso nas circunstancias attenuantes e aggravantes.

"O jurado em materia criminal não é só e restrictamente um juiz de tacto; conhece tambem da intenção do agente. A missão do jury não se reduz apenas a declarar-se tal facto existe ou não, e foi ou não praticado pelo réu; pois decide tambem acêrca da criminalidade do accusado. E na imputabilidade ha graus diversos, que devem traduzir-se no quantitativo da pena, o qual não é por isso estranho á indole e competencia do jury.

"Não é com effeito estranho á indole e competencia do jury, como acêrca dos crimes por abuso de liberdade de imprensa foi já reconhecido e expressamente consignado

na lei, bem justamente celebre, de 3 de agosto de 1850, de pittoresca nomeada.

"O artigo 54.° dessa lei dispunha deste modo: "Se o jury decidir que o crime ou delicto está provado, o juiz applicará ao réu a pena que tiver sido declarada pelo jury". Quer dizer, no tempo do Conde de Thomar e sob o seu predominio, legisla vá-se assim. Pois agora, decorrido mais de meio seculo, chama-se a menos do que isto uma medida revolucionaria, pelo que tem de ousada"!...

Ainda agora penso do mesmo modo!

Não farei commentarios a outras disposições da proposta para não alongar excessivamente este trabalho, e termino com os meus votos sinceros pela reforma do jury de maneira que elle possa bem servir a justiça e a liberdade.

Proposta de lei n.° 4 Jury criminal

Artigo 1.° O jury pronuncia-se sobre todas as questões de facto, suscitadas nos julgamentos criminaes em que intervem, ainda que sobre ellas haja confissão das partes, ou os factos estejam provados por documentos autenticos ou autenticados.

§ 1.° A intenção dos agentes do crime e os elementos constitutivos deste são considerados questões de factos".

§ 2.° As decisões do jury serão tomadas por unanimidade ou por maioria.

Art. 2.° Os jurados, para proferirem a sua decisão, não teem de obtemperar ao rigor das provas legaes e só escutarão os dictames da sua consciencia e intima convicção, com a imparcialidade e firmeza de caracter que são proprias do homem livre e honrado.

§ unico. O juramento dos jurados criminaes será prestado segundo o rito da sua religião, ou pela sua honra se não professarem religião alguma.

Art. 3.° Nos julgamento criminaes, é obrigatoria a intervenção do jury quando aos crimes previstos no Codigo Penal corresponder alguma das penas maiores declaradas nos artigos 55.° e 57.°, do mesmo Codigo; e bem assim nos delictos de abuso de liberdade de imprensa, salvo nos casos de offensa, previstos nos artigos 159.°, 160.° e 169.° do Codigo Penal, como os definir a lei da imprensa, e nos de injuria ou diffámação. quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos offensivos imputados e o procedimento judicial depender de accusacão ou requerimento do offendido.

§ 1.° Se ao crime corresponder algumas das penas mencionadas no artigo 8.° do decreto n.° 2, com força de lei, de 29 de março de 1890, terá logar a intervenção do jury quando as partes estiverem de acordo a tal respeito antes de começar o julgamento.

§ 2.° Nos mais, casos não intervirá o jury.

§ 3.° Sempre que o jury interferir são admissiveis perante elle todas as espécies de prova.

Art. 4.° O recenseamento do jury será feito annualmente por uma commissão composta do juiz de direito da comarca, do presidente da camara municipal e do administrador do concelho, funccionando perante ella com voto consultivo o delegado do procurador regio da comarca.

§ 1.° Nas comarcas de Lisboa e Porto, os juizes de direito, administradores dos bairros e delegados do procurador regio servirão anniialmente por turno, sendo o juiz nomeado pelo presidente da Relação, o administrador do bairro pelo governador civil, e o agente do Ministerio Publico pelo procurador regio.

§ 2.° Nas comarcas em que houver mais de um concelho, servirão, como presidente da camara e como admi-

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nistrador, os respectivos funccionarios que o forem no concelho sede da comarca.

§ 3.° O Ministerio Publico e os interessados poderão recorrer das resoluções da commissão recenseadora para a Relação do districto judicial, e das decisões doesta para o Supremo Tribunal de Justiça.

Art. 5.° só não podem ser recenseados para o jury:

1.° Os que não souberem ler e escrever;

2.° Os que não estiverem no pleno gozo dos seus direitos civis e politicos;

3.° Os menores de vinte um annos, ainda que estejam emancipados;

4.° Os que tiverem setenta e cinco annos de idade;

5.° Os que tiverem impedimento physico permanente;

6.° Os estrangeiros naturalizados;

7.° Os membros da Familia Real;

8.° Os militares arregimentados ou no commando de tropas;

9.° O patriarcha, arcebispos, bispos, governadores de bispado, e parochos que não tiverem coadjutor;

10.° Os juizes de direito criminaes e delegados do procurador régio em effectivo serviço.

Art. 6.° Serão recenseados como jurados todos os cidadãos portugueses residentes na comarca:

1.° Que tiverem um curso completo de instruccão superior ou especial, sejam ou não empregados publicos de qualquer qualidade ou categoria;

2.° Que forem membros da Academia Real das Sciencias de Lisboa;

3.° Que tiverem qualquer dos titulos de duque, marquês, conde, grande do reino, visconde e barão, ou a carta de conselho, ou forem gran-cruzes de qualquer ordem nacional ou estrangeira;

4.° Que forem Conselheiros de Estado e Pares do Reino;

5.° Que forem ou tiverem sido Ministros de Estado, Deputados da Nação, magistrados judiciaes, administrativos, fiscaes e do Ministerio Publico;
professores publicos de instrucção superior, secundaria ou especial; directores geraes, nas secretarias de Estado e nos tribunaes; governadores civis, secretarios geraes, chefes de repartição e primeiros officiaes nos governos civis; conservadores do registo predial e notarios;

6.° Que forem officiaes do exercito e da armada em commissão, na reserva ou reformados;

7.° Que forem governadores, vice-governadores, administradores, gerentes e directores de algum banco ou companhia;

8.° Que, não estando incluidos em nenhum dos numero anteriores deste artigo, forem os mais ricos segundo o rendimento liquido annual, em numero de dez, tendo a commissão recenseadora em vista, para a liquidação do rendimento, todas as manifestações exteriores de riqueza.

Art. 7.° Se todos os recenseados nos termos do artigo 6.° d'esta lei não chegarem a cento e oitenta em Lisboa, a cento e vinte no Porto, a sessenta nas comarcas que forem capitães de districto, e a quarenta nas outras comarcas, serão recenseados, até ao preenchimento desses nameros, os individuos que tiverem um curso completo de instruccão secundaria, ou o curso triennal dos seminarios diocesanos, ou uma illustração notoria que dispense a prova do titulo literario, e subsidiariamente os mais ricos em seguida aos que já tenham sido recenseados nos termos do n.° 8.° do mesmo artigo.

Art. 8.° Em cada uma das varas criminaes de Lisboa e Porto e em cada uma. das outras comarcas haverá duas pautas, de jurados annualmente, sendo cada pauta de trinta jurados, e o jury de nove jurados e um supplente para cada causa, nas varas criminaes e nas comarcas que forem capitães de districto administrativo; e sendo de vinte jurados cada pauta, e de sete jurados e um supplente o jury para causa, nas outras comarcas.

§ unico. As pautas dos jurados serão formadas na mesma occasião por sorteio entre os recenseados.

Art. 9.° O serviço do jury preferirá a outro qualquer serviço publico, com excepção do de Ministro, Conselheiro de Estado, Par do Reino e Deputado da Nação.

§ 1.° Os Ministros effectivos, e os Pares e Deputados emquanto estiverem abertas as Camaras legislativas, não poderão funccionar como jurados.

§ 2.° Para os empregados do Estado e dos corpos e corporações administrativas, o desempenho das funcções de jurado será considerado como substituindo para todos os effeitos o dos serviços que durante o mesmo tempo lhes possam competir nos seus logares.

Art. 10.° Não é permittido ao juiz dispensar qualquer jurado do serviço de julgamento; mas poderá este deixar de comparecer por impedimento physico ou outro caso de força maior, devidamente comprovados, emquanto elles durarem, ou por tempo de cinco dias seguintes ao fallecimento do seu conjuge ou de algum descendente, ascendente, irmão ou affins no mesmo grau.

Art. 11.° Os jurados para cada causa serão tirados á sorte por occasião do julgamento entre os jurados da respectiva pauta.

§ unico. Tratando-se de objecto cuja apreciação exija conhecimentos especiaes de alguma sciencia ou arte, o juiz escolherá para o jury o jurado da pauta que os tiver, e, se nenhum jurado da pauta os tiver, mandará antecipadamente, por despacho nos autos, intimar para jurado da causa o individuo que, residindo na comarca, satisfaça a esse requisito.

Art. 12.° Não podem ser jurados na causa as pessoas particularmente offendidas, nem os seus ascendentes, descendentes e affins no mesmo grau, nem os participantes do crime em juizo; observando-se tambem o disposto artigo 292.°, n.° 2.°, e no artigo 1107.º, § 2.°, do Codigo do Processo Civil a respeito dos jurados sorteados, que estiverem nas circunstancias ali previstas.

Art. 13.° Na occasião da constituição do jury para o julgamento pode qualquer jurado sorteado ser recusado por algum dos fundamentos de amizade intima, inimizade conhecida, ou parentesco até ao quarto grau entre o jurado e o réu ou accusador particular; de immediata dependencia do jurado a respeito d'essas pessoas; e de reconhecido favor e protecção prestados pelo jurado aos mesmo individuos, ou vice-versa.

§ unico. As recusas de que fala este artigo serão provadas e julgadas acto continuo, ouvidos os interessados não sendo admittidas mais de duas testemunhas a cada facto.

Art. 14.° Tanto a accusação como a defesa poderão cada uma d'ellas, recusar sem motivo justificado tres jurados nas varas criminaes de Lisboa e Porto e nas comarcas que forem capitães do districto administrativo e dois nas outras comarcas, com excepção do jurado nomeado nos termos do § unico do artigo 11.° d'esta lei.

Art.-15.° O jurado que for dado como testemunha da causa deixará de ser jurado para depor como testemunha, se no acto do sorteio declarar debaixo de juramento que tem conhecimento de factos que podem influir na decisão e, depois de o jurado fazer tal declaração, não poderá desistir do seu depoimento a parte que o tiver offerecido como testemunha.

Art. 16.° O jury pode declarar na sua decisão qualquer circunstancia modificativa do facto principal, que por lei tenha o effeito de diminuir a pena, ainda que tal circunstancia não esteja comprehendida nos quesitos ou seja contraria ás conclusões dos peritos e ás legaes declarações juradas dos offendidos.

Art. 17.° Quando o jury proferir a sua decisão por maioria, poderá o juiz annullá-la, se for manifestamente

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iniqua ou injusta, e o feito será novamente julgado por outro jury, composto de jurados da comarca onde pender o processo e das duas comarcas mais proximas, não entrando nelle nenhum dos primeiros jurados.

§ 1.° O. segundo jury será do doze jurados e um supplente; e a respectiva pauta, de trinta e seis jurados, será composto de doze jurados de cada uma das ditas comarcas, sorteados para cada julgamento entre todos os recenseados nella.

§ 2.° Não haverá jury misto em mais caso algum, e a decisão d'elle será irrevogavel.

Art. 18.° Proferida pelo jury uma decisão condemnatoria, é-lhe permittido representar oralmente, por meio do seu presidente, ao juiz de direito acêrca do quantitativo da pena a impor ao reu.

Art. 19.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, 11 de agosto de 1909. = Francisco José de Medeiros.

Proposta de lei n.° 22-E

Senhores. - A presente proposta de lei respeita ao exercicio da liberdade de imprensa, estabelecida na Constituição como um direito civil e politico dos cidadãos portugueses. Comquanto o assunto seja difficil e escabroso, eu proponho-me regularizá-lo, porque, tendo combatido na Camara dos Dignos Pares a lei vigente de 11 de abril de 1907, quando se tratava da sua confecção, estou por isso como que compromettido a reformar esta lei, com a sabia e patriotica collaboração do Parlamento.

Disse um grande publicista que no regime da imprensa não pode haver meio termo entre a licença e a tyrannia. É certamente exagerado isto. Entre esses dois extremos, que são simultaneamente duas licenças e duas tyrannias, a licença da imprensa, que tudo pretenda dizer sem o precalço do castigo, e licença dos Governos que, impunemente, queiram pôr em acção contra ella toda a casta de perseguições; tyrannia do poder, mandando desatinadamente calar a todos, e tyrannia da imprensa, enxovalhando e conspurcando pessoas e cousas; é forçoso e é conforme á razão que haja um justo meio termo. Nem em politica ha regras absolutas, fixas e invariaveis, porque ella foi sempre a sciencia das cousas opportunas.

Encontrar esse justo meio termo sem conservantismus ferrenhos nem intransigencias radicalistas, não obtemperando a nenhumas paixões, nem ás revolucionarias nem ás reaccionarias, sem espirito de seita e. só com sincero e verdadeiro amor da justiça e da liberdade, foi e será todo o meu esforço neste melindroso assunto e em todos os mais em que me intrometter, assim como me parece que só desse modo se corresponderá ao sentir actuai da sociedade portuguesa.

A Carta Constitucional diz no artigo 145.°, § 3.°, que todos podem publicar pela imprensa os seus pensamentos sem dependencia de censura, comtanto que hajam de responder pelos abusos que commetterem no exercicio desse direito. Ninguem pode deixar de subordinar-se a esta disposição constitucional; e por mim de boa vontade o faço, porque, não adoptando o modo de pensar d'aquelles que negam a existencia de crimes da imprensa, entendo com o commum dos homens que é de duas naturezas, criminal e civil, a responsabilidade desta.

Regular as cousas de modo que se deixe só ao alvedrio da imprensa reparar os males que élla cause, á semelhança da lança de Achilles, que curava as feridas por élla feitas, não entra no meu programina.

Tudo pode ser publicado pela imprensa: é a liberdade. Os abusos, porem, dessa liberdade devem ser de algum modo castigados: é a disciplina social. Sair para fora disto é contrariar a justiça, eterna e immortal.

Pode discutir-se sobre as especies de penas a impor e sobre o processo da imposição destas, assim como da respectiva reparação civil a que haja logar; mas castigo e indemnização são duas cousas basilares, fundamentaes em uma lei de imprensa, destinada a uma sociedade politica civilizada.

Entendem uns que aos crimes de imprensa só deve applicar-se a pena de multa e nunca a de prisão; a outros parece que em regra se deve impor a multa e só em poucos casos determinados a prisão; e tambem ha quem opine que os juizes substituam sempre a pena de prisão pela de multa correspondente, salvos uns certos casos criminaes, em que elles farão ou não, como lhes parecer, tal substituição.

A proposta adopta neste ponto a orientação dos legisladores das leis de 17 de maio de 1866 e de 7 de julho de 1898, applicando aos crimes de abuso na manifestação do pensamento as respectivas penas estabelecidas no Codigo Penal, com a modificação, porem, aliás importante, de que, da primeira vez em que for imposta a pena de prisão, não excederá esta uma terça parte da pena applicavel.

Repressão mais dura do que a do direito commum para os crimes de imprensa seria uma grande injustiça e uma violencia iniqua, feita a uma instituição que é, sem duvida, o factor principal do progresso e da civilização. Mas a diminuição excessiva das penas tambem poderia significar favor exagerado e injustificavel, attenta a consideração de que o damno feito pela imprensa, com o enorme poder de expansão d'ella, é sempre de effeitos mais duradouros e por isso mais nocivos do que os da palavra falada.

Direi tambem que as penas correspondentes aos crimes de imprensa bem podem . ser impostas por juizes singulares, com ou sem intervenção do jury conforme as circunstancias, sem haver necessidade de tribunaes collectivos na 1.ª instancia, cuja suppressão é feita na presente proposta e em mais alguma das outras que hoje apresentei tambem, com o fundamento da desnecessidade d'elles, dada a existencia dos tribunaes collectivos de 2.ª instancia, para os quaes ha sempre recurso.

É quero consignar ainda, a respeito de crimes da imprensa contra a religião do Estado, que os artigos 130.° a 135.° do Codigo Penal e 145.°, § 4.°, da Carta Constitucional devem ser entendidos e applicados harmonicamente, sendo que nesta ultima disposição se estabelece um dos direitos civis e politicos dos cidadãos portugueses, que ninguem, nenhum juiz e nem até o proprio legislador ordinario, pode violar.

É relativamente, a indemnização civil?

Sobre tal assunto transcreverei aqui, de um notavel trabalho juridico português, as breves mas ponderosas considerações seguintes:

Pelo artigo 2389.° do Codigo Civil o crime de injuria ou outra qualquer offensa contra o bom nome e reputação obriga o offensor a indemnizar o offendido das perdas soffridas. A liquidação, porem, da importancia das perdas é em muitos casos impossivel, e noutros de serias difficuldades de prova, alem da demora e mais inconvenientes do processo desse incidente das execuções.

"Deve, pois, confiar se ao tribunal, que julgue da offensa, a decisão sobre se ha perdas a reparar, e, no caso affirmativo, a fixação em réis do seu montante.

"A dispensa do meio ordinario da liquidação, se é um favor para o offendido, não é um gravame para o offensor, porque a obrigação de indemnizar está já imposta na lei geral.

"Esta maneira summaria e de justo arbitrio de resolver uma questão de perdas e damnos nem nova é já em direito português, pois se encontra no artigo 103.° do Co-

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digo do Processo Commercial com respeito á reparação devida por effeito de concorrencia desleal por falsificação ou imitação de marcas".

Adopto plenamente estas lucidas ponderações como justificação da respectiva disposição da proposta, acrescentando apenas que a intervenção do jury atai respeito, nos casos da sua competencia, é a consagração dos principios estabelecidos nos artigos 1164.°, 1160:° e 1166.° da Novissima Reforma Judiciaria.

Quaes são, porem, os responsaveis?

Emquanto a meras transgressões a responsabilidade recae somente no editor, havendo-o, e no dono da imprensa em que se fez a publicação; e, alem d'estes apenas são chamados a ella os vendedores, distribuidores ou affixadores de qualquer publicação suspensa ou supprimida, quando se mostre que elles tinham conhecimento da suspensão ou suppressão do respectivo impresso.

Pareceu-me bem isto; e, como o defendi no Parlamento, assim o proponho agora para ser convertido em lei.

A respeito do castigo imposto ás autoridades administrativas ou policiaes que autorizarem ou fizerem apprehensões de impressos, fora dos casos restrictos em que ellas são admittidas, é claro que a respectiva pena devia alcançar somente o transgressor.

Na proposta são duramente punidos os apprehensores, e para maior intimidação são elles entregues ao jury. Quem com espirito de justiça desejar, repressão pronta e certa e simultaneamente garantias para a imprensa, ha de applaudir aquella doutrina.

Agora relativamente aos crimes de imprensa propriamente ditos, por abuso na manifestação do pensamento, a proposta attribue a correspondente responsabilidade d'elles ao editor, sempre, conjuntamente ao autor quando este assinar o escrito e em mais caso algum, e subsidiariamente ao dono da imprensa em que se fizer a publicação.

E não ha mais responsaveis. O que aliás significa uma reforma profunda no, modo de ser actual da imprensa, deixando em plena liberdade de acção os directores e redactores dos periodicos e outros individuos agora chamados tambem á responsabilidade.

O editor, necessario em todas as publicações, periodicas ou não periodicas, tem sempre todas as responsabilidades criminaes e civis, não sendo admissivel em caso algum a declinatoria d'elle para o autor.

A imprensa é o mais energico meio de opposição e resistencia aos Governos, por ser ella quem, principalmente, faz a opinião. E d'ahi a má vontade que estes lhe teem muitas vezes.

Considera-se o poder, de ordinario, omnisciente e omnipotente, entendendo não raro que, quando elle pensa, devem os outros abster-se de pensar, curvando-se reverentes perante a sua omnisciencia, e que, quando elle age, todos devem pôr-se de cocoras perante a sua omnipotencia.

E como na imprensa politica ha sempre jornalistas que não deixam o poder á vontade para fazer o que quiser, e affrontam as suas audacias e o flagellara pelos seus abusos, é logico que elle se proponha perseguir, de preferencia ao editor, a parte intellectual e dirigente da imprensa, que é constituida pelos autores, redactores e pelo director.

Tão logico como é natural que, por parte dos que desejarem garantias contra os excessos do poder, se prefira o editor para as responsabilidades legaes da imprensa, poupando-se os combatentes mais esforçados.

E ao numero destes que assim pensem pertenço eu, que, membro do poder executivo e ainda mesmo que a imprensa periodica seja injusta, violenta e até ferina commigo, nem por isso deixarei de trabalhar pelas garantias da sua liberdade,- porque, acima de tudo, está o cumprimento do dever para quem faz disso como que uma religião.

Direi ainda que, sendo o editor, na contextura da minha proposta, a figura primacial do periodico, justo parecerá que se lhe exijam qualidades e condições que o dignifiquem, sem que tal exigencia importe um entrave á facil publicação do jornal.

Se a prohibição da censura previa não estivesse consignada na Constituição, seria preciso pô-la na lei, como preito de justiça devido á liberdade do pensamento humano. Ella está, porem, estatuida ahi. O que todavia não obsta a que a censura previa possa ser praticada durante ã suspensão das garantias, porque, sendo os direitos individuaes em tal situação aquillo apenas que ao poder aprouver, é claro que a liberdade de todas as manifestações do espirito humano está inteiramente á mercê, e discrição do mesmo poder.

As apprehensões de impressos só podem ter logar nos asos autorizados no artigo 9.° da proposta, entre os quaes está incluido o da imprensa clandestina, ou seja a que não satisfaz ás condições do artigo 2.°

No caso do artigo 7.°,a apprehensão é um corollario logico da sentença, que ordenou a suspensão ou suppressão do impresso. E o mesmo deve dizer-se relativamente ao caso do artigo 8.°, isto é, que a apprehensão dos impressos, a que elle se refere, é como que a consequencia natural da prohibição da affixação ou exposição dos mesmos impressos nos logares publicos.

A apprehensão dos impressos, de que fala é artigo 8.°, só pode, evidentemente, effectuar-se quando se trate da affixação ou exposição d'elles em logares publicos e com, mais ou menos permanencia; cousas essas que, aliás, são muito diversas da venda feita em estabelecimentos particulares, da distribuição de impressos pelos domicilios ou por intermedio do correio, e da venda avulso dos periodicos nas ruas, ou seja da livre circulação dos mesmos periodicos. Estas ultimas cousas são, manifestamente, menos graves do que os factos da affixação ou exposição dos impressos prohibidos em logares publicos, pois que taes factos tomam sempre, pela forca das cousas, as proporções mais ou menos vultosas de um escandalo.

Por motivo de offensa a Chefes de Estado de nações estrangeiras que se encontrem no reino de Portugal, parecerá bem que, dado o principio da reciprocidade, se permitta a apprehensão, a qual será certamente um acto de cortesia internacional e de boa hospitalidade portuguesa.

Não se deve levar mais longe a faculdade da apprehensão para não se dar um golpe mortal na imprensa.

Demais a experiencia, que é a prova real das instituições, das leis e das medidas governativas, mostrou já bem claramente que as apprehensões são inuteis por inefficazes para os fins a que as destinam, e que, se a censura previa poderá, acaso, bem servir os intuitos de regimes e de Governos essencialmente contrarios á liberdade, as apprehensões são insufficientes para isso. Eu não tenho lembrança de uma campanha politica tão violenta por parte da imprensa como a que foi feita naquelles sombrios fins do anno de 1907 e começos do anno de 1908; e todavia é certo que a imprensa estava então sob um regime violentissimo, inexcedivelmente coercivo.

Direi ainda que, se o Parlamento quiser que nos casos dos.artigos.7.° e 8.° da proposta não haja apprehensão, eu, ainda mesmo que pudesse oppor-me a tal, não o faria.

Quando intervem o jury no julgamento dos crimes de imprensa?

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Eu sou francamente partidario do jury, que é um dos artigos do meu credo politico, omittindo agora a exposição dos motivos que tenho para isso por havê-los enunciado já no relatorio da minha proposta relativa ao jury criminal.

Acêrca dos casos da sua intervenção em julgamentos criminaes por abuso de liberdade de imprensa, a proposta admitte em regra a interferencia d'elle e exceptua os crimes de offensa, e de diffamação e injuria, quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados, e o respectivo procedimento judicial depender de requerimento ou accusação do offendido, assim como as contravenções, salvo o disposto a respeito dos apprehensores de impressos.

Ora o Codigo Penal diz expressamente os casos dependentes de accusação ou requerimento do offendido, os quaes, certamente, não podem nem devem ser confundidos, segundo o mesmo Codigo, com os dependentes de queixa, participação ou denuncia do mesmo offendido. E na presente proposta ha uma disposição igual a outra consignada na proposta referente ao processo penal, declarando precisa e nitidamente quaes os casos em que não só admitte a prova da verdade dos factos imputados.

Assim, aproximados estes dois termos, conhece-se facilmente quando, no julgamento dos crimes da imprensa, o jury intervem ou não, sendo que no relatorio d'esta ultima proposta de lei, assim como no relatorio da outra proposta referente ao jury criminal, está este assunto versado de modo a ficar claro o meu pensamento e o meu proposito de alargar a esfera de acção do jury em materia criminal relativa á imprensa, embora sem exagerações radicalistas.

Nem esse alargamento da- esfera de acção do jury deve causar preoccupações melancholicas a quem quer que seja, porque o jury criminal, feita a sua reforma, como a propus tambem hoje, será uma instituição bastante differente do jury actual na sua constituição e no seu funccionamento.

Alem d'isto acresce a circunstancia ponderosissima de que o jury para os crimes de imprensa será sempre o da capital do districto administrativo a que pertencerem as comarcas onde elles foram commettidos. O que sinceramente se me afigura digno de applauso, porque a materia prima de que haja de se constituir o jury criminal nas capitaes de districto será sempre melhor do que o das comarcas ruraes.

A vida social é nas sedes dos districtos administrativos mais intensa do que nos outros centros comarcãos. Está-se ali mais a par das agitações que por vezes emocionam o pais; sente-se mais vivamente as suas necessidades e as suas aspirações; tem-se uma comprehensão mais nitida das suas expansões; interpreta-se com mais elevação e justeza a intenção que determina o jornal nas campanhas ardentes e vigorosas que inicia e debate, ou na propaganda calorosa das doutrinas que denodadamente advoga.

E por isso o jury pode julgá-las ali com mais liberdade, mais consciencia e mais imparcialidade.

No julgamento dos crimes de offensa, como nesta proposta vão definidos, e nos crimes de diffamação e injuria quando não é admissivel prova da verdade da imputação feita, não intervem nem podia intervir o jury, perante o qual tudo pode ser provado sempre.

Sempre me pareceu que a offensa ao Rei é aos membros da Familia Real não devia ser julgada pelo jury. A proposito da sentença absolutoria proferida pelo juiz poderá dizer-se que não havia crime, ou que o reu o não praticara, sem que por isso o Chefe do Estado fique ferido no seu prestigio; mas de todas as decisões absolutorias proferidas pelo jury em materia de offensa ao Rei e aos membros de sua familia se havia de dizer, com grande damno do regime e nenhuma vantagem publica, que a absolvição do accusado fora a condemnação do Rei pela opinião publica, ou seja pela soberania popular representada pelo jury na funcção do julgamento.

E pelo que respeita ao julgamento da offensa aos Chefes de Estado e altos representantes diplomáticos de nações estrangeiras, a doutrina da proposta é justificada pelos melindres internacionaes, que não podem estar á mercê das variadas correntes da opinião, que naturalmente influenciarão o jury, o qual não é só a razão que julga, mas tambem o coração que palpita.

De resto, dou ainda como reproduzidas aqui todas as considerações que na proposta de lei relativa ao processo penal fiz acêrca dos casos em que não se devia admittir prova da verdade do facto imputado; o que nesta materia e para os meus pontos de vista é de importancia capital.

Quem pode requerer o respectivo processso penal por delictos da imprensa?

É claro que o offendido tem sempre esse direito irrecusavel, salva a prescrição. E a proposta estabelece, alem disso, que, fora dos casos em que o Codigo Penal torna a accusação dependente de requerimento do offendido, e pelas contravenções ás disposições da lei de imprensa, será o respectivo procedimento requerido sempre pelo Ministerio Publico sem dependencia de instrucções superiores, salvo o caso de, tratando-se de offensas ao Chefe do Estado ou alto representante diplomatico de nação estrangeira, não haver nesta alguma lei que estabeleça o principio da reciprocidade.

Isto é tão claro e preciso como é certo que a proposta acaba com a espectaculosa conferencia dos delegados do procurador regio em Lisboa e Porto, de que fala o artigo 16.° da lei de 11 de abril de 1907 e vulgarmente conhecida pela nomeada do gabinete negro.

Quando se confeccionava esta lei, combati tenazmente na Camara dos Pares o alludido gabinete negro, como escusado e inconveniente, receando mesmo que elle fosse um verdadeiro flagello.

Feita a lei e posta em execução, veio a experiencia confirmar o meu vaticinio, que aliás era conforme ás previsões geraes. Por isso, tendo ainda o mesmo modo de pensar, e querendo honrar a minha coherencia de homem publico, proponho a extincção do gabinete negro.

Na conformidade do que se dispõe na proposta de lei respeitante ao processo penal, deve entender-se que nos casos dependentes de accusação do offendido o Ministerio Publico acompanhará sempre o respectivo processo, cessando, porem, a interferencia d'elle se o offendido desistir da sua accusação.

Emquanto aos termos processaes, são elles simplificados tanto quanto possivel, sem prejuizo da defesa dos offensores ou dos direitos dos offendidos, imprimindo-se ao processo a celeridade necessaria sem quaesquer precipitações sempre odiosas.

A justiça, para ser eificaz na sua acção, deve ser pronta, pondo sem delongas escusadas e prejudiciaes o castigo certo ao pé da culpa constatada. Mais do que pela dureza e mesmo pela exageração das penalidades, o espirito publico é impressionado pela brevidade e segurança da repressão. Não se deve todavia proceder com tal rapidez que sejam por esse motivo atropelados os naturaes direitos dos arguidos, nem as formulas indispensaveis, que são as garantias d'esses direitos.

A simples leitura da proposta ha de mostrar que esta obtemperou áquellas regras salutares de boa administração da justiça criminal.

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Com esta orientação, que não é certamente radical, mas que é firmemente liberal, foi elaborada a presente proposta em harmonia com os meus principios de sempre. O Parlamento com o seu elevado criterio a corrigirá nos seus defeitos, confeccionando uma lei de imprensa, sabia e justa, que ao mesmo tempo seja uma garantia da liberdade e da justiça, de cuja alliança promanará sempre a ordem pelo respeito de todos os direitos e pelo cumprimento de todas as obrigações.

Proposta de lei n.° 5

CAPITULO I

Da liberdade de imprensa, condições o, garantias do seu exercicio

Artigo 1.° A todos é licito manifestar livremente os seus pensamentos por meio da imprensa, independentemente de caução ou censura; mas quem abusar desse direito, em prejuizo da sociedade ou de outrem, ficará sujeito á respectiva responsabilidade criminal e civil, na conformidade das disposições d'esta lei.

§ unico. Entender-se-ha por imprensa, para os effeitos desta lei, qualquer forma de publicação graphica.

Art. 2.° Toda a publicação, periodica ou não, indicará o nome do seu editor responsavel, e o estabelecimento onde foi impressa, sob pena de um a tres meses de multa pela contravenção, imposta ao respectivo dono ou administrador e, no caso de reincidencia, aggravada com prisão correccional pelo mesmo tempo.

§ 1.° As indicações, a que se refere este artigo serão impressas no alto da primeira pagina de todos os exemplares de cada periodico, e na primeira pagina das restantes publicações.

§ 2.° Exceptuam-se da disposição deste artigo as listas eleitoraes, bilhetes, convites, cartas, circulares, avisos e outros papeis que é uso serem parcial ou totalmente impressos.

Art. 3.° O editor responsavel deve reunir as seguintes qualidades:

1.ª Ser cidadão português;

2.ª Achar-se no gozo dos direitos politicos e civis;

3.ª Ter o seu domicilio na comarca onde a publicação houver de ser feita;

4.ª Possuir a habilitação do exame de instrucção primaria do 2.° grau, ou a correspondente pela legislação anterior á vigente sobre ensino primario;

5.ª Estar livre de culpa;

6.ª Não ter soffrido condemnação alguma por crimes de falsidade, falsificação, furto, roubo, quebra, burla, abuso de confiança ou fogo posto, nem pena maior por qualquer dos outros crimes previstos no Codigo Penal.

§ unico. Ninguem poderá ser simultaneamente editor de mais de um periodico politico.

Art. 4.° Nenhum periodico se poderá publicar sem que se haja feito, perante o delegado de procurador regio da comarca ou vara onde se achar o estabelecimento em que a impressão houver de fazer-se, uma declaração contendo:

1.° O titulo do periodico e o seu modo de publicação;

2.° O nome e domicilio do editor;

3.º A indicação do estabelecimento em que tiver de ser impresso e o nome e morada do dono e administrador d'esta.

§ unico. A declaração a que se refere este artigo será feita era papel sellado, assinada pelo editor e pelo dono ou administrador do estabelecimento onde o periodico tiver de ser impresso, sendo as assinaturas devidamente reconhecidas, e acompanhada dos documentos comprovativos das qualidades exigidas no artigo anterior.

Art. 5.° A publicação de qualquer periodico, sem a declaração previa á que se refere o artigo anterior, ou seca qualquer dos documentos nelle exigidos, será punida com a pena de tres dias a tres meses de prisão correccional e multa correspondente, a que ficarão sujeitos juntamente o editor e o dono da imprensa em que se houver effectuado a publicação.

§ unico. Na sentença condemnatoria dos actos ou omissões a que este artigo se refere, o juiz decretará a suspensão do periodico, emquanto as respectivas formalidades se não mostrarem cumpridas, sob a comminação da multa de 10$000 réis por cada numero que em contravenção se publicar, e por que responderão solidariamente as pessoas mencionadas neste artigo.

Art. 6.° A falta ou incapacidade superveniente do editor, não sendo supprida no prazo de oito dias pela forma declarada no artigo 5.°, importa a suspensão do periodico.

§ unico. Se, porem, findo aquelle prazo, a publicação continuar a fazer-se sem se mostrarem cumpridas as formalidades exigidas no artigo 5.°, o dono e administrador da imprensa onde ella se effectuar ficarão sujeitos ás penas comminadas no artigo anterior, declarando-se sempre na sentença condemnatoria a suppressão do periodico.

Art. 7.° Todo aquelle que expuser á venda, vender, distribuir ou affixar publicações cuja suspensão ou suppressão haja sido ordenada por sentença incorrerá, como contraventor, na pena de prisão correccional de tres a trinta dias e multa correspondente.

§ unico. A pena deste artigo somente será applicada ao vendedor, distribuidor ou affixador quando se mostre que elle tinha conhecimento da suspensão ou suppressão do respectivo impresso.

Art. 8.° É expressamente prohibido, sob as penas declaradas no artigo antecedente, affixar ou expor nas paredes, ou em quaesquer outros logares publicos, cartazes, annuncios, avisos, e em geral quaesquer impressos que contenham alguns dos factos previstos no § 1.° do artigo 11.° d'esta lei e nos artigos 420.º e 483.° do Codigo Penal.

Art. 9:° Incorrerá nas penas de demissão e de 500$000 a 2:000$000 réis de multa, alem da indemnização das perdas e damnos a que houver logar, toda a autoridade administrativa ou policial que, sob qualquer pretexto ou razão, não estando suspensas as garantias nos termos dos §§ 33.° e 34.° do artigo 145.° da Carta Constitucional, submetter a censura, apprehender ou autorizar a apprehensão, ou por outra forma embaraçar a livre circulação de quaesquer impressos, salvo se estes não satisfizerem ás condições do artigo 2.° d'esta lei, ou contiverem offensa a Chefe de Estado de nação estrangeira que se encontre no reino, dado o principio da reciprocidade, ou tratando-se dos factos incriminados nos artigos 7.° e 8.° d'esta lei.

§ 1.° A circunstancia de o apprehensor ter sido mandado pelo seu superior legitimo não o isenta de responsabilidade.

§ 2.° O processo a seguir para a imposição das penas estabelecidas neste artigo será o ordinario, com intervenção do jury; e são competentes para promover os seus termos, alem do Ministerio Publico, o editor do impresso e o dono ou administrador da imprensa onde sé houver feito a publicação.

§ 3.° O processo seguirá sempre até final, emquanto, pelos, meios legaes, se não provar a suspensão ou suppressão do periodico ou a suspensão das garantias.

§ 4.° Ao jury competirá fixar o quantitativo das perdas e damnos causados, sendo esta indemnização abrangida tambem na sentença condemnatoria.

§ 5.° Se a autoridade condemnada não pagar a multa, e lhe não forem encontrados bens suificientes para esse

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pagamento, será recolhida á cadeia pelos dias correspondentes a quantia que deixou de pagar, na razão de 1$000 réis por dia; não podendo, todavia, esta prisão exceder um anno.

Art. 10.° Todos os juizes que, depois de se lhes ter requerido, e não se verificando os casos do artigo 9.°, devidamente comprovados pela forma indicada no § 2.° do mesmo artigo, se recusarem a fazer seguir o processo, a que elle se refere, incorrerão na pena do artigo 286.° do Codigo Penal, acrescida da de multa de 100$000 réis a 500$000 réis.

CAPITULO II

Dos crimes commettidos por meio da imprensa e da responsabilidade correlativa

Artigo 11.° Serão considerados abusos de liberdade de imprensa unicamente os crimes de offensa, diffamação, injuria, calumnia, ultraje á moral publica e provocação publica ao crime, previstos nos artigos 130.°, 137.°, 15.9.°, 160.°, 169.°, 181.°, 182.°, 407.° a 412.° inclusive, 414.º a 420.° inclusive e 483.° do Codigo Penal, quando commettidos pela imprensa.

§ 1.° Os crimes de offensa, previstos nos artigos 159.°, 160.° e 169.° do Codigo Penal, consistem na publicação de materia em que haja falta de respeito devido ao Rei, a membros da Familia Real, e a Chefes de Estado de nações estrangeiras e representantes d'ellas na Côrte de Portugal, ou cujo objecto seja excitar o odio ou o desprezo das suas pessoas, ou censurar o Rei por actos do Governo.

§ 2.° A publicação pela imprensa de injuria contra as autoridades publicas é considerada como feita na presença d'ellas, para os effeitos d'esta lei.

§ 3.° Não serão consideradas provocação publica ao crime os meios de discussão e de critica das disposições, tanto da lei fundamental do Pastado, como das outras leis, com o fim de esclarecer e preparar a opinião publica para as reformas necessarias pelos tramites legaes.

Art. 12.° Não é admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados:

1.° Nos crimes de oifensa, previstos no § 1.° d'este artigo;

2.° Nos crimes de diffamação, excepto:

a) Quando esta for praticada contra algum empregado publico ou pessoa a elle equiparada, nos termos do § unico do artigo 408.° do Codigo Penal, quer o facto offensivo seja, quer não seja, relativo ás suas funcções;

b) Quando os factos offensivos forem imputados a administradores e fiscaes de quaesquer sociedades ou empresas civis, commerciaes, industriaes ou financeiras, que tenham recorrido a subscrições publicas para a emissão de acções ou obrigações, sendo os mesmos factos relativos ás respectivas funcções.

c) Quando o facto imputado for criminoso;

3.° Nos crimes de injuria, excepto se esta se referir a algum facto offensivo imputado, que admitta prova nos termos do n.° 2.° d'este artigo;

4.° Quando estiver extincta a responsabilidade criminal emergente da injuria ou diffamação.

Art. 13.° Se no mesmo escrito houver mais do que um crime, relativos á mesma pessoa, pode a accusação fazer-se por todos elles conjuntamente, ou só por qualquer d'elles; mas, neste ultimo caso, não poderá mover-se novo processo pelos crimes restantes, relativos á mesma pessoa.

Art. 14.° Quando em alguma publicação houver referencias, allusões ou frases equivocas, que possam implicar diffamação ou injuria para alguem, poderá quem nella se julgar comprehendido reclamar do autor, quando assinado, do editor e, na falta d'este, do dono ou administrador do estabelecimento em que a impressão se houver feito, que, num dos tres dias immediatos á reclamação, declare expressamente pela imprensa se as referencias, allusões ou frases equivocas se referem ou não ao reclamante.

§ 1.° A reclamação facultada neste artigo será feita judicialmente nos termos prescritos nos artigos 645.° e 649.° do Codigo do Processo Civil.

§ 2.° O notificado que se recusar a fazer a declaração, ou não a fizer pela forma indicada neste artigo, incorrerá na pena de 3$000 a 30$000 réis.

§ 3.° Seja qual for a declaração, fica salvo ao queixoso o direito á acção penal.

Art. 15.° No caso de offensa, injuria ou diffamação, dirigidas por meio de pseudonymos ou por frases allusivas ou equivocas, tendentes a encobrir a responsabilidade juridica, procede a accusação, sempre que por parte desta se prove que a offensa, injuria ou diffamação se referem ao queixoso.

Art. 16.° Pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa é sempre responsavel o editor e conjuntamente o autor do escrito, quando o assinar.

§ unico. Na falta de editor, ou quando este não appareça ou se tenha tornado incapaz, é responsavel o dono do estabelecimento onde se houver effectuado a impressão.

Art. 17.° Aos crimes de abuso de liberdade de imprensa são applicaveis as penas estabelecidas no Codigo Penal, sendo, porem, que da primeira vez em que for imposta a pena. de prisão não excederá esta uma terça parte da pena. applicavel.

§ 1.° Nos casos previstos no artigo 2389.° do Codigo Civil, a sentença condeumatoria fixará sempre, e sobre a decisão do jury quando elle intervier, a indemnização que for attribuida ao offendido ou que lhe for devida, se este a houver exigido no processo.

§ 2.° Pela indemnização de que fala o paragrapho antecedente responderá o editor e tambem o autor quando assinar o escrito, e subsidiariamente é dono do estabelecimento onde se tiver feito a impressão.

Art. 18.° O procedimento judicial criminal pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa prescreve passados seis meses, e pelas contravenções passados tres meses; mas as pepas applicadas prescrevem para aquelles passados cinco annos, para estas passado um anno, contados, em ambos os casos, desde que a sentença respectiva tenha passado em julgado.

Art. 19.° O procedimento pelas contravenções ás disposições desta lei não poderá impedir, nem prejudicar o procedimento por qualquer crime de abuso de liberdade de imprensa, quando a elle haja logar.

CAPITULO III

Dos tribunaes competentes para o julgamento e da forma do processo a seguir nos crimes de imprensa

Art. 20.° Serão julgados com intervenção do jury, observando-se o processo indicado nesta lei, os crimes de abuso de liberdade de imprensa.

§ unico. Exceptuam-se os crimes de offensa, previstos nos artigos 159.°, 160.° e 169.° do Codigo Penal, como são definidos no § 1.° do artigo 11.° d'esta lei, e os de diffamação e injuria, quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados e o procedimento judicial depender de accusação ou requerimento do offendido, assim como as contravenções ás disposições da presente lei, que serão julgadas pelo processo que lhes competir, nos termos da legislação commum, com as modificações constantes d'esta lei.

Art. 21.° O jury que houver de intervir nos julgamentos dos crimes de liberdade de imprensa, será o que funccionar na comarca sede do districto era cuja area estiver abrangida aquella onde se fez a publicação.

§ unico. Em Lisboa e Porto o jury competente será o que funccionar na respectiva vara crimimal.

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Art. 22.° O processo para a instrucção e accusação dos crimes em cujo julgamento haja de intervir o jury será organizado no juizo de direito da comarca onde se houver effectuado a publicação, e só depois de preparado para o julgamento será por elle remettido officialmente pelo correio para o juiz de direito da comarca sede do districto, competente para o referido julgamento.

Art. 23.° Para a instauração do processo e julgamento dos crimes de abuso de liberdade de imprensa em que não tem de intervir o jury, assim como das contravenções ás disposições da presente lei, será competente o juizo de direito do local onde foi feita a impressão.

§ 1.° Não sendo conhecido o local onde se fez a impressão, será competente o juizo da comarca onde o impresso foi exposto á venda, vendido, distribuido ou affixado.

§ 2.° Os crimes de injuria, e diffamação, em que o procedimento judicial depender de accusação ou requerimento do offendido, poderão ser processados no juizo do domicilio do mesmo offendido.

Art. 24.° O procedimento judicial pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa, fora dos casos em que o Codigo Penal torna a accusação dependente de requerimento do offendido, e pelas contravenções ás disposições d'esta lei será sempre promovido pelo Ministerio Publico, sem dependencia de instrucções superiores; sendo, porem, que nos crimes de diffamação e injuria contra empregados publicos individualmente diffamados ou injuriados o Ministerio Publico intervirá logo que elles se queixem.

§ 1.° A respeito de offensa a Chefes de Estado de nações estrangeiras e aos seus representantes na Côrte de Portugal, o Ministerio Publico só intervirá a requisição do respectivo Governo no primeiro caso e dos offendidos no segundo caso; sendo, porem, que essa intervenção não terá logar se, em virtude de tratado ou de lei do respectivo pais, não estiver estabelecido o principio da reciprocidade

§ 2.° Se o competente agente do Ministerio Publico não requerer o respectivo procedimento por crimes de abuso de liberdade de imprensa por meio de periodicos, e isso no prazo de trinta dias a contar da publicação d'estes será d'elle punido com qualquer pena disciplinar, e até com a demissão, conforme a gravidade do caso, immediatamente applicada, sob proposta do superior hierarchico do magistrado negligente, com audiencia previa d'este.

§ 3.° A obrigação imposta neste artigo ao Ministerio Publico não tolhe ao aggravado a faculdade de por sua parte intentar o competente procedimento criminal, nem dirime o direito de se intentar o procedimento, emquanto não houver prescrição.

Art. 25.° Todo o processo crime por abuso de liberdade de imprensa começará por uma petição, em que o autor formulará a sua participação e a que juntará o impresso, indicando nella o nome e morada do editor, do autor do escrito, no caso de este ser assinado, e, na falta destes, do dono e administrador do estabelecimento onde se houver effectuado a impressão.

Art. 26.° Autoada a petição, proceder-se-ha immediatamente ao corpo de delicto, que se haverá por constituido desde que a publicação esteja comprovada por um dos factos seguintes: distribuição de exemplares a mais de seis pessoas, affixação, em logares publicos, de um ou mais exemplares ou exposição ou venda publica dos impressos incriminados.

Art. 27.° Constituido o corpo de delicto, serão os autos continuados ao autor na causa, para deduzir a accusação dentro de vinte e quatro horas, articulando o crime e suas circunstancias essenciaes, apontando a disposição penal applicavel e indicando as testemunhas que não podem ser mais de cinco, salvo o disposto no § 3.° do artigo 29.°

Art. 28.° Deduzida a accusação, dar-se-ha copia d'ella, aos réus, com o respectivo rol de testemunhas, no prazo, de vinte e quatro horas, para a contestarem.

Art. 29.° O prazo para a contestação será de dez dias, contados da entrega da copia da accusação, sendo, porem, permittido aos réus apresentar a defesa na audiencia de julgamento, mas devendo, em qualquer dos casos, juntar naquelle prazo rol de testemunhas, dando-se copia d'elle ao autor na causa, bem como da contestação, se for deduzida.

§ 1.° Nos processos de diffamação e injuria, quando for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados, nos termos do artigo 12.° d'esta lei, o réu articulá-los-há separadamente na contestação, que deduzirá dentro do prazo de dez dias, marcado neste artigo, juntando documentos e rol de testemunhas, as quaes poderão ser cinco para cada facto.

§ 2.°No caso de ser criminoso o facto imputado, só será admissivel a prova resultante de sentença passada em julgado ao tempo da publicação, salvo se o jury intervier no julgamento, porque então será admissivel toda a espécie de prova.

§ 3.° O autor na causa, contra quem se pretender offerecer prova da verdade dos factos imputados, poderá responder por articulados, no prazo de oito dias, juntando documentos e rol de testemunhas, as quaes tambem poderão ser cinco para cada facto.

Art. 30.° Em seguida irão os autos conclusos ao juiz para, no prazo de quarenta e oito horas, lançar despacho resolvendo se o julgamento é da sua exclusiva competencia ou se nelle tem de intervir o jury, e bem assim se se trata de crimes em que é admissivel a prova sobre a verdade dos factos imputados.

§ unico. Quando o juiz entender que esta prova não é admittida, mandará no mesmo despacho desentranhar dos autos a contestação e documentos juntos, bem como a rés posta do autor,.documentos e rol de testemunhas com ella offerecidos, que serão entregues aos interessados respectivos.

Art. 31.° Do -despacho a que se refere o artigo anterior caberá recurso de aggravo de petição, com effeito suspensivo, que subirá nos proprios autos, e será interposto, processado e julgado como os aggravos de petição em materia civel.

§ unico. Neste recurso poderão os tribunaes superiores conhecer tambem da criminalidade dos factos imputados aos accusados.

Art. 32.° Transitando em julgado o despacho a que se refere o artigo 31.°, o juiz, quando no julgamento tenha de intervir o jury e não seja competente o da sua comarca ou districto criminal, mandará proceder á inquirição das testemunhas do autor e réus, que não residirem na comarca onde houver de realizar-se o julgamento, sendo os seus depoimentos escritos.

Art. 33.° Cumpridas estas formalidades, remetterá o juiz o processo offiçialmente, pelo correio, ao juiz competente, intimando desta remessa o autor e accusados.

Art. 34.° O juiz competente para- o julgamento dos processos crimes por abuso de liberdade de imprensa em que tem de intervir o jury, logo que os tenha recebido de outros juizos, como tambem quando corram na sua comarca ou vara criminal e estejam preparados nos termos dos artigos anteriores, designará a audiencia em que ia de realizar-se o mesmo julgamento, a qual nunca se espaçará alem de um mês.

§ 1.° Este julgamento verificar-se-ha sem dependencia da epoca marcada para as audiencias geraes, mandando juiz, neste caso convocar extraordinariamente o jury.

§ 2.° Na audiencia de julgamento observar-se-hão as disposições estabelecidas na Novissima Reforma Judiciaria para as audiencias de sentença em processos crimes de querela.

§ 3.° Da sentença absolutoria caberá recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, observando-se o disposto no artigo 27.° do decreto n.° 1 de 15 de setembro

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de 1892; da sentença condemnatoria caberá recurso de appellação para a Relação do districto; e do accordão d'esta caberá recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Art. 35.° Nos processos por abuso de liberdade de imprensa não ha logar a pronuncia, nem a prisão preventiva, sob qualquer pretexto, salvo nos casos de condemnação dos reus em 1.ª ou 2.ª instancia a pena superior a seis meses de prisão correccional.

§ unico. A fiança aos reus condemnados nesta pena será arbitrada e processada nos termos geraes de direito.

Art. 36.° Nos processos crimes por abuso de liberdade de imprensa da competencia exclusiva do juiz de direito observar-se-hão, alem das disposições dos artigos 25.° a 29.° d'esta lei, as disposições applicaveis aos processos de policia correccional ou correccionaes, conforme a pena applicavel for a do artigo 1.° do decreto n.° 2 de 29 de março de 1890 ou superior ás nelle estabelecidas.

Art. 37.° Dos despachos proferidos nestes processos não subirá recurso algum, salvo o do artigo 31.° d'esta lei; mas quando for interposta appellação da sentença final conhecer-se ha nella da materia de todos elles, se alguma das partes tiver aggravado e o juiz irão houver reparado o aggravo.

Art. 38.° Os processos por abuso de liberdade de imprensa não serão appensados, excepto os que puderem entrar conjuntamente em julgamento no primeiro dia designado para qualquer d'elles.

Art. 39.º Os acausados em processos crimes por abusos de liberdade de imprensa não serão obrigados a comparecer pessoalmente na audiencia de julgamento, podendo fazer-se representar por advogado ou, na falta deste, por procurador.

CAPITULO IV

Disposições geraes

Art. 40.° Em tudo o que aqui não vae especialmente regulado observar-se-hão as disposições geraes de direito.

Art. 41.° O titulo de qualquer publicação faz parte da propriedade desta, não devendo adoptar-se nenhum sem ser distincto dos já legalmente apropriados, de modo que não possa induzir em erro.

§ unico. O direito ao titulo dos periodicos prescreve pelo lapso de dois annos, a contar da ultima publicação.

Art. 42.° De todos os periodicos se entregará ou remetterá pelo correio um exemplar ao delegado do procurador régio da comarca ou districto criminal, onde tiverem a sede da sua administração; entregando-se ou enviando-se outro ao respectivo procurador régio, sob pena, por cada falta, da multa de 5$000 réis, que será imposta ao proprietario, e na falta d'este ao dono ou administrador do estabelecimento onde se houver feito a impressão.

§ 1.° Alem dos exemplares mencionados neste artigo será igualmente enviado um exemplar a cada uma das bibliotecas publicas de Lisboa e Porto, e á da Universidade de Coimbra.

§ 2.° Das publicações não periodicas será tambem enviado, sob as mesmas penas, um exemplar ás bibliotecas mencionadas no paragrapho antecedente.

§ 3.°. Na entrega ou remessa das publicações mencionadas neste artigo observar-se-ha o disposto no artigo 1.° do decreto de 12 de novembro de 1898.

Art. 43.° O periodico é obrigado a inserir gratuitamente, no primeiro numero, posterior á notificação:

1.° A defesa de qualquer individuo ou pessoa moral, injuriados ou diffamados no mesmo periodico, contanto que a respectiva materia, impressa em typo e formato igual ao da diffamação ou injuria, não exceda o dobro ou mil letras de impressão.

2.° O desmentido ou ratificação official de qualquer noticia publicada ou reproduzida no periodico.

3.° O teor da sentença condemnatoria proferida contra elle por crime de abuso de liberdade de imprensa.

§ 1.° A reclamação ao editor do periodico, para fazer qualquer das publicações facultadas neste artigo, será, feita judicialmente nos termos prescritos nos artigos 645.°, e 649.° do Codigo do Processo Civil, entregando-se, no acto da notificação, a defesa do arguido, o desmentido ou ratificação official, ou a copia da sentença.

§ 2.° A inserção deve fazer-se no mesmo logar do periodico onde tiver sido impressa a arguição ou noticia ou materia condemnada, e em typo e formato iguaes.

§ 3.° Pela falta de cumprimento do disposto neste artigo e seu § 2.° incorre o editor do periodico na multa de 10$000 réis por cada dia que demorar a publicação nelles ordenada.

§ 4.° Se, no caso do n.° 1.° deste artigo, for judicialmente decidido não haver logar á inserção, não poderá intentar-se contra o periodico processo algum pela pretensa diffamação ou injuria.

Art. 44.° A introducção no reino e a circulação de quaesquer impressos estrangeiros podem ser prohibidas por deliberação do Conselho de Ministros.

§ 1.° O Ministro do Reino poderá, porem, ordenar a prohibição facultada neste artigo, com respeito a um numero de qualquer periodico estrangeiro.

§ 2.° As prohibiçoes facultadas neste artigo e seu § 1.° serão annunciadas no Diario do Governo.

§ 3.° A contravenção dos preceitos d'este artigo e seu § 1.° será applicavel a pena do artigo 5.° d'esta lei.

Art. 45.° Os periodicos existentes ao tempo em que esta lei começar a vigorar são obrigados a conformar-se com as suas disposições no prazo de trinta dias.

Art. 46.° Desde que esta lei entrar em vigor, por ella se regulará exclusivamente a liberdade de imprensa.

Art. 47.° É prohibido, sob pena de desobediencia, annunciar ou apregoar publicamente mais que o titulo e o preço da publicação.

Art. 48.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, 11 de agosto de 1909. = Francisco José de Medeiros.

Proposta de lei n.° 22-F

Senhores.- Todas as nações para qaem a. civilização e o progresso, não são meras palavras sem significação rea-se esforçam desvelada e tenazmente no aperfeiçoamento das suas instituições penaes, merecendo-lhes especial cuidado, as respeitantes a menores. São dignos dos mais levantados elogios, com relação a este assunto, os Estados onde a acção persistente dos Governos, auxiliada com efficacia pela iniciativa particular, que não raro a precede até, tanto e com profundo bom senso hão feito em favor dos menores no sentido da sua educação correccional. E a nós cumpre-nos seguir resolutamente na esteira dessas nações, e que aliás é tambem a que assinalámos já. com firmeza e grande utilidade publica, na criação da Casa de Correcção de Caxias, da Casa de Correcção de Villa da Conde e da Colonia Agricola Correccional de Villa Fernando, no Alemtejo, importantes estabelecimentos correccionaes para menores, que ahi estão a affirmar e pregoar as bienemerencias dos Ministros illustres Sá Vargas, já fallecido, e Srs. Conselheiros Luciano de Castro e Campos Benriques, ainda felizmente vivos, que intentaram e conseguiram dotar ò seu país com esses grandes melhoramentos.

Assim é que eu, humilde obreiro do progresso da minha terra, sem os meritos d'aquelles illustres homens publicos, mas com igual orientação, me proponho tambem ampliar a Casa de Correcção de Caxias para quinhentos menores, .e a de Villa do Conde para cem menores, criar uma Casa de Correcção na cidade do Porto para quatrocentos menores, e outra em Ponta Delgada para cem menores, assim como lima Colonia agricola correccio-

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nal em cada nina das provincias do reino, com excepção do Alemtejo, que já tem a de Villa Fernando.

Sei bem que as tendencias geraes neste assunto são para grande numero de estabelecimentos correccionaes, contendo cada um d'elles um pequeno numero de internados, pois que dessa maneira se fará melhor a educação correcional dos menores. Todavia já não custará pouco realizar o que intento, quanto mais tudo o que devera fazer-se. O aumento da despesa publica é um argumento terrivel sempre, ainda contra os emprehendimentos mais uteis e até necessarios, num país como o nosso, em que essa despesa é já enorme.

Considerações de diversa natureza aconselham a conveniencia e determinam a necessidade de não se applicar aos menores em todo o seu inflexivel rigor o regime penitenciario que, por muito modificado que fosse para elles, seria sempre demasiadamente duro e injustificavelmente cru. Para os menores é forçoso que haja um regime especial. Não pode haver duas opiniões a tal respeito. Seria barbaro e immoral sujeitá-los ás penas communs, que a lei apparelhou paraos homens pervertidos, assim como ha de ser eternamente injusto tratar e considerar igualmente seres e cousas desiguaes. Pode, melhor ou peor, prescindir-se de tribunaes especiaes para o julgamento dos menores delinquentes; e por mim não os proporei, porque isso traria um grande aumento desnecessario do quadro dos juizes de 1.ª instancia em todo o pais, sendo que os actuaes juizes de direito bem podem servir para o fim desejado: mas um regime penal e um regime prisional especiaes para os menores delinquentes são absolutamente indispensaveis.

E taes regimes, penal e prisional, devem ser constituidos de maneira que os menores encontrem, nos estabelecimentos correccionaes, ao mesmo tempo castigo para os seus delictos, repressão para as suas faltas e ensinamentos literarios, moraes, religiosos e profissionaes, que lhes eduquem a intelligencia e o coração, que lhes formem e fortaleçam o caracter, e que assim e pelos habitos do trabalho e de uma disciplina austera, sem exagerações, e pela acquisição de um officio ou profissão honrosa, os torne aptos para no futuro ganharem honestamente os meios da sua subsistencia e para serem homens dignos e uteis ao seu país.

E de tal modo que a presente proposta intenta defender a sociedade portuguesa do flagello da vadiagem e da criminalidade, entregando-lhe, morigerados e trabalhadores, para esta grande e constante luta da vida, individuos que naquelles estabelecimentos entraram pela porta odiosa do vicio, e obstando a que elles, desviados do caminho recto, as mais das vezes pelo abandono em que se acharam, tenham de ir ás cadeias, como ellas o são ainda, perverter-se mais na escola dos grandes criminosos, numa idade em que tanto os bons como os maus ensinamentos se imprimem quasi indelevelmente na alma de quem os recebe.

Antes de mais considerações sobre o assunto, quero e devo consignar neste logar que algumas disposições da minha proposta veem de outra apresentada nesta Camara, em 4 de fevereiro de 1888, pelo meu illustre antecessor Sr. Conselheiro Francisco Antonio da Veiga Beirão, estadista de preclaros meritos, e da qual eu tive a honra de ser relator na inesma Camara, sendo formulado sobre ella o respectivo projecto de lei de 5 de março do dito anno.

É outra bella tradição progressista esta, á qual eu muito folgo de ter associado o meu humilde nome, esperando por este motivo que ninguém faça reparo no facto de eu transcrever para aqui largos excerptos do extenso relatorio que então escrevi sobre tão importante assunto.

As casas de correcção e as colonias agricolas são as duas faces que até hoje tem apresentado a resolução do problema do regime prisional dos menores.

Qual dellas é preferivel?

O benemerito instituidor da colonia agricola do Vai d'Yévre, convencido de que o melhor processo de educação dos menores delinquentes se traduzia na formula - melhorar os menores pela terra e a terra pelos menores -, empregou esse processo na organização da sua admiravel colonia, que mais tarde se tornou publica por lhe ser comprada pelo Governo Francês.

Igual orientação teve a lei francesa de 5 de maio de 1850 na preferencia que deu ás colonias agricolas.

E a mim parece-me que não se deve optar exclusivamente por qualquer d'aquelles estabelecimentos correccionaes, porque uns e outros são convenientes e necessarios.

O pensamento de melhorar os menores pela terra é acceitavel e util, mas é tambem falso e prejudicial na sua applicação exclusiva.

A educação agricola, excellente para os mancebos que nasceram e se criaram no campo, torna-se em regra uma verdadeira inutilidade para os menores que viviam nos grandes centros de população ao tempo do seu internato nos estabelecimentos correccionaes.

Ao saírem de uma colonia, agricola ou de uma casa de correcção os individuos que as povoaram, procurarão cada um d'elles o local onde nasceu e foi criado, que é para onde o impellem a força do instincto e todas as memorias, senão as saudades, da sua infancia. O aldeão voltará para a sua aldeia, que o attrae com as perspectivas dos seus valles viridentes, ou sejam das suas montanhas alcantiladas. O que vivia nas cidades seguirá das portas do estabelecimento penal a confundir-se no bulicio e no ruido d'ellas.

É preciso, portanto, dar-lhes uma educação apropriada ao meio em que provavelmente se vão agitar, para que a educação correccional seja proficua ou não fique em grande parte inutilizada.

Internem, por exemplo, o vadio de Lisboa ou do Porto em uma colonia agricola, e ficarão perdidos o tempo, o trabalho e a despesa empregados em o educar. Quando restituido á liberdade, não irá para os plainos do Alemtejo ou para as collinas do Douro repovoar de videiras os pedregaes e os recostos dos montes, fertilizar charnecas e amanhar pousios; não irá applicar-se aos rudes labores do campo, para os quaes adquiriu aliás aptidões; voltará para Lisboa ou para o Porto, mas voltará desamparado de uma instrucção profissional que possa dar-lhe aqui meios de subsistencia honesta, isto é, sem a verdadeira educação correccional.

De bem pouco lhe ha de valer o habito do trabalho adquirido na colonia agricola, se na cidade não pode exercê-lo. E já isso não aconteceria se, em logar de o internarem naquelle estabelecimento, o sujeitassem dentro de uma casa de correcção á aprendizagem de um officio, que pudesse exercer nos grandes centros de população.

Conformemente a estas ideias a commissão de inquerito nomeada pela assembleia nacional francesa em 25 de março de 1872, para estudar o regime dos estabelecimentos penitenciarios, consignou no seu relatorio de 18 de março de 1873 que "os menores fossem submettidos ao regime de uma aprendizagem industrial, agricola ou maritima, segundo a sua origem, seus antecedentes, suas aptidões e seu futuro provavel".

A minha proposta tem orientação igual, como a tinha tambem a do Sr. Conselheiro Beirão. E ha de parecer que d'este modo se legisla, não para um país de chimeras e á ventura, mas praticamente e utilmente.

É, porem, conveniente ponderar que na execução deste pensamento, nem só aos procuradores regios e seus delegados cumpre intervir na direcção que ha de ser dada aos menores internados nos estabelecimentos correccionaes. Po-

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dem e devem elles fazer a classificação geral dos mancebos que hão de ser enviados para as colonias agricolas ou para as casas de correcção; mas essa classificação deve tambem ser corrigida conforme as circunstancias, em vista das informações da directores dos estabelecimentos, que só elles podem indicar tambem pelo estudo dos internados qual o género de trabalho em que cumpra empregá-los, e a profissão ou officio a que devam ser destinados para se fazer a sua educação correccional.

Não é arriscado affirmar-se que os melhores ou peores resultados dos institutos penaes e singularmente dos estabelecimentos ,de correcção dos menores dependem principalmente dos seus directores que, embora não sejam o elemento unico da prosperidade desses estabelecimentos são todavia uma forca enorme, com que é preciso contai no conseguimento dos fins que o legislador se propõe, ao decretar a criação de taes institutos. Ninguem, como elles, pode acertar com o caminho tantas vezes encoberto e mysterioso da regeneração dos delinquentes.

Os presos são ali estudados attentamente e desveladamente, tratados, como o medico estuda e trata o doente entregue aos seus cuidados salvadores. E a regeneração moral d'estes infelizes vae-se effectuando assim, á força de exemplos que edificam, de ensinamentos que confortam, da imparcial distribuição dos premios e dos castigos, e do trabalho tão habilmente delineado como pacientemente dirigido.

E pois que alludi ao regime interno dos estabelecimentos correccionaes, consignarei desde já que a proposta manda distribuir os menores por classes, familias ou categorias, e que devem tomar-se para base d'essa divisão a idade, as causas do internato, as naturaes propensoes dos internados e outras circunstancias attendiveis;

Vem já da lei de 15 de junho de 1871 este principio. E ninguem dirá que a promiscuidade de menores de onze annos com os maiores de dezasete annos, dos vadios e gatunos com os que entraram para o estabelecimento por terem praticado sem discernimento um facto declarado punivel pela lei penal, dos que já revelaram grande desequilibrio e notavel perturbação no funccionamento dos seus sentimentos, propensoes e tendencias, com os que entraram nas colonias agricolas como autores de uma infracção leve, não seria um forte obstaculo á salutar cor-reccionalização dos menores, e por isso um mal gravissimo.

A proposta trata apenas dos menores que delinquirem antes dos dezoito annos de idade, embora fossem condemnados depois, e d'aquelles a que se referem os artigos 48.° e 49.° do Codigo Penal, destinando somente para esses os estabelecimentos correccionaes. Os menores que praticaram os seus crimes depois dos dezoito annos de idade ficam sujeitos ao direito commum.

Segundo a proposta o regime penal e o regime prisional dos menores de dezoito annos são os seguintes:

Todos esses menores, delinquentes segundo o Codigo Penal, serão condemnados sempre em prisão, qualquer que seja o seu crime. A pena de prisão será de três annos para os vadios e souteneurs, nunca inferior a cinco annos para os reincidentes, e não excederá em caso algum a dez annos, A pena será graduada na sentença segundo a gravidade do crime, o discernimento e moralidade dos delinquentes e mais circunstancias attendiveis. Os menores cumprirão a pena em estabelecimentos correccionaes, de onde terão de sair logo que attinjam os vinte e um annos de idade; e, se então não tiverem cumprido toda a pena, irão cumprir o resto em qualquer cadeia penitenciaria ou colonia penal, que venha a estabelecer-se no ultramar. Antes dos vinte e um annos não poderão sair sem que hajam completado a sua educação correccional, literaria, moral e profissional, havendo a respectiva detenção supplementar pelo tempo necessario para a realização de tal fim, ou sem que, decorrido o tempo da pena, os menores sejam reclamados por seus pães ou tutores que estejam em circunstancias de lhes dar aquella educação e por ella se responsabilizem sob a fiscalização do respectivo delegado do procurador régio. Haverá tambem a libertação provisoria, dadas certas condições, menos para os vadios e reincidentes.

Emquanto aos menores não delinquentes, de que falam os artigos 48.° e 49.° do Codigo Penal, serão elles internados tambem nos estabelecimentos correcionaes pelo tempo preciso para ser feita a sua educação correcional, excepto se, não tendo os menores commettido já outro crime só justificado pela idade, ou não sendo vadios, forem reclamados por seus pães ou tutores, que estejam em circunstancias de lhe dar essa educação, e por ella se responsabilizem, sob a fiscalização do respectivo delegado do procurador régio. Nunca irá alem dos vinte um annos de idade o internato dos menores, delinquentes ou não delinquentes, nos estabelecimentos correcionaes.

Á proposta é por certo dura para os vadios e para reincidentes; mas assim é preciso.

Aqui ha mais do que uma educação a fazer, o que já não é fácil e empresa para breves dias, porque, ha necessidade de refazer uma educação pela acção de uma disciplina ao mesmo tempo repressiva e reformadora, o que é bem mais difficil e commettimento para larga demora.

Reformar abusos e extirpar aleijões moraes não é obra para tão pouco tempo como a de imprimir á alma de uma criança, ainda não pervertida, a direcção da virtude e do dever. Neste caso ha só a contar com alguma ruim tendencia nativa, ainda embryonaria, que facilmente se modifica, se não se apaga de todo. Na primeira hypothese, ha que vencer uma natural propensão viciosa, á desenvolvida, e a força de resistencia que ella oppõe a toda a direcção salutar, sendo depois preciso ainda que a prova do tempo venha confirmar a reforma operada.

Alem d'isso cumpre notar que actualmente, segundo o nosso Codigo Penal, os vadios, depois de soffrerem prisão correccional até seis meses, ficam á disposição do Governo para lhes fornecer trabalho pelo tempo que parecer conveniente, faculdade esta a que nenhuma restricção é posta. E na presente proposta esse arbitrio enorme é substituido por uma pena fixa.

Emquanto á liberdade condicional direi que este principio, tão sympathico, vem já da lei de 15 de j unho de 1871, da lei de 6 de julho de 1893 e do decreto de 16 novembro deste anno, devendo com effeito conceder-se aos menores delinquentes, depois de cumpridas duas terças partes da pena, a liberdade provisoria relativamente á restante terça parte da mesma pena, se elles houverem tido um comportamento irreprehensivel e mostrarem já as alludidas habilitações moraes, literarias e profissionaes que lhes sirvam para ganhar honradamente pelo trabalho os meios da subsistencia.

Sim, deve conceder-se isso, ou seja como reconhecimento de um direito do condemnado, que se regenerou, ou seja como um favor dispensado .ao seu irreprehensivel comportamento.

E na verdade, desde que a pena não é só castigo e tambem meio de reforma moral dos que delinquiram, deve depender do condemnado abreviar a duração delia pela sua boa conducta. Se as portas do carcere se abrirem ao mesmo tempo para a saída do condemnado que dá todas as garantias de regeneração, e para a do que persiste rebeldemente na perversão, desapparecerá o mais energico estimulo para a emenda de vida, e deixará de existir o verdadeiro premio a dispensar aos que melhor procedam e com mais zelo trabalhem.

Demais, é necessario preparar cautelosamente a transição do condemnado da situação de preso para a de com-

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pleta liberdade, da vida regrada de um estabelecimento correccional para este tumultuar da sociedade com os seus vicios e virtudes, com os seus ideaes generosos e paixões desvairadas, onde tantos affirrnam o seu valor moral, mas onde não raro tambem as consciencias refervem. E para bem se regularizar essa transição concorrerá vantajosamente a liberdade condicional.

A proposito consignarei aqui, como salutar providencia a inserir nos regulamentos dos nossos estabelecimentos correccionaes, a de se estabelecerem diversas categorias para o aperfeiçoamento dos menores reclusos, que assim terão de conquistar grau a grau ou ponto a ponto a sua libertação provisoria.

Relativamente á detenção supplementar para os menores delinquentes, que, ao acabarem de cumprir a sua pena, não possuirem ainda ,as habilitações que constituem a sua educação correccional, direi que vae nisso a solução de um grave problema penal.

Effectivamente a detenção supplementar parece uma condição indispensavel, uma instituição complementar de um regime prisional, que tenha como seu principal fim a regeneração moral do culpado.

Assim como a esperança, e melhor a certeza, de que a emenda de vida lhe abrirá mais cedo as portas da prisão, é um poderoso incentivo da sua reforma, tambem pode contribuir vantajosamente para isso o receio de que, sem ella, só decorrido algum tempo depois de cumprir a pena imposta o restituam á liberdade, que é o anhelo de todos os que não a possuem e que são por isso os que verdadeiramente sabem apreciar o seu inestimavel valor.

Demais, é necessario dar á sociedade todas as razoaveis garantias de que, cumprida a pena, o que se rebellou contra as leis que a rege, não voltará a proseguir nas suas malfeitorias, continuando a perturbá-la no seu funccionamento regular.

Parece, portanto, justificavel, embora seja duro tambem, que se faça a suprema tentativa para obter a regeneração dos delinquentes, sujeitando-os á disciplina do mesmo regime prisional por algum e determinado tempo alem do que lhe foi fixado na sentença como duração da pena. A coherencia no systema diz que ao direito da liberdade provisoria deve corresponder a justiça da detenção supplementar.

Segundo a proposta o menor vadio ou reincidente não é entregue aos pães ou ao tutor quando, cumprida a pena, elle não tiver completado a sua educação correccional, ainda que os pães ou tutor possam responsabilizar-se e se responsabilizarem com effeito, por tal educação, e nem mesmo a proposito da liberdade condicional. E no caso de os menores estarem isentos de responsabilidade criminal por não terem dez anrios, ou por terem obrado sem discernimento sendo maiores de dez e menores de quatorze annos, assim como no caso de liberdade condicional, os menores só podem ser entregues a seus pães ou tutor com certas restrioções e sob a fiscalização do Ministerio Publico.

O poder paternal e a tutela levam assim um golpe profundo; e é justo que d'esse modo seja. Quando os crimes dos menores não são um mero incidente occasional e infeliz da sua vida, e a desgraça destes é a resultante fatal da incuria, do desleixo, da brutal severidade nos castigos, dos ruins conselhos ou peores exemplos dos pães ou tutores, deve a sociedade substituir-se na autoridade destes. O pátrio poder e a tutela teem de ser instituições protectoras, ou, perdendo esse caracter, não podem mais subsistir.

Se o menor não teve familia para lhe dar educação, ou só a teve para dar-lha má, e é na familia onde melhor se aprende a crer e a pensar, a querer e sentir, onde se communicam á alma as crenças, e os principios que depois influem sempre nos actos da vida, e onde os pães apresentam com seus exemplos aos olhos dos filhos a imagem da sua alma, forma immorredoura, que a arte não reproduz, mas que os costumes dos filhos teem o poder de traduzir; se o filho não teve pae que o dirigisse pelo caminho da virtude e do dever e lhe fosse amparo contra as perfidas e seductoras tentações do vicio; se o pae ou o tutor não quiseram ou não puderam obstar a que o filho ou tutelado se tornasse um vadio ou um reincidente, perderam por isso as prerogativas do poder paternal e da tutela, no sentido de não poderem reclamar o menor vadio ou reincidente á sociedade, que tem o direito de o castigar e regenerar, já que elles o não educaram e corrigiram.

É preciso que o vadio, que saiu da rua, da taberna e do bordel para entrar na casa de correcção ou na colonia agricola, não volte de lá para a taberna, para o bordel e para a rua, e sim para o trabalho no exercicio de um officio honesto ou de uma profissão liberal. E o mesmo direi do reincidente.

No decurso deste modesto trabalho referi-me já a diversas providencias respeitantes á organização interna e disciplinar dos estabelecimentos correccionaes para menores. Farei todavia algumas ponderações mais sobre este importantissimo assunto, ou antes apresentarei algumas indicações a consignar nos respectivos regulamentos internos dos referidos estabelecimentos.

Pertencem evidentemente a esta materia os premios e os castigos disciplinares:

a) Como premios devem, ser adoptados os de que já falava a lei de 15 de junho de 1871, a liberdade provisoria, a gratificação pecuniaria dos menores que se distinguirem por sua assiduidade e pericia no trabalho, e o louvor em reunião de todos os presos.

Os concursos, por exemplo, abertos de tempo em tempo entre os menores pertencentes á mesma familia, ou entre as classes que se dediquem ao mesmo género de trabalho, serão vantajosissimos como nobre incitação no aproveitamento da educação recebida e no zelo e pericia nos labores a que os destinam. E depois da luta o premio, que, distribuido justa e imparcialmente aos vencedores. dessa lide honrada, será estimulo para o aperfeiçoamento de todos.

Estas, indicações e outras teem sido praticadas com ex-celleutes resultados na colonia agricola penitenciaria de Mettray, tão bem estabelecida e dirigida que o illustre autor do decreto de 11 de março de 1875 a apontava como modelar.

b) Emquanto a castigos, a detenção supplementar, o isolamento durante ás horas de trabalho e de descanso, sem que esse isolamento seja excedente a quarenta e oito horas pela primeira falta, nem a cinco dias por cada reincidencia, assim como a advertencia particular e a reprehensão deante de todos os presos, não devem ser esquecidos.

c) Não é todavia digno de applauso o castigo disciplinar do pão e agua, como alimentação exclusiva, usado na referida colonia de Mettray e na do Vai d'Yévre.
A alimentação abundante, sadia e forte, é necessaria numa idade em que o organismo physico está ainda a constituir-se para todas as provações do trabalho.

Em materia de correcção disciplinar de menores, sempre mais susceptiveis de uma direcção recta do que os adultos, principalmente dos emeritos no vicio, serão de todo o ponto preferiveis os castigos que lhes despertem os sentimentos de pundonor e de brio e lhes apontem e avivem todas as noções do dever, em ordem a readquirirem o seu bom nome e reputação, em que consiste a dignidade moral do homem. O castigo do pão e agua depaupera o corpo e não faz bem algum á alma.

d) Outra indicação lembro ainda para ser ponderada na confecção dos regulamentos internos das nossas casas.

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de correcção e colonias agricolas, é a que tenda a estabelecer o principio da solidariedade entre todos os menores que constituam a mesma classe ou familia.

Alem das recompensas que devem ser dispensadas individualmente, convem que haja outras destinadas á collectividade da classe, a qual lucrará deste modo com a dis-tincção de cada um de seus membros, assim como soffrerá com o reprehensivel procedimento de qualquer d'elles.

Este principio da solidariedade é uma ideia já experimentada com muita felicidade naquellas colonias francesas.

Desde o momento em que todos os membros de uma classe ou familia teem a certeza de que a sua conducta ou a preguiça de um só de entre elles os affecta a todos como corporação, todos olharão attentamente para as suas faltas respectivas e hão de esforçar-se na reparação e emenda d'ellas.

E depois a solidariedade tem ainda a vantagem de ensinar os menores a praticar o bem, tanto para interesse proprio, como, e se não mais, para interesse dos outros. Não deixando exagerar o sentimento da emulação individual até o gozo exclusivo dos resultados provenientes dos esforços de cada um, combate energicamente o egoismo, que será sempre uma triste enfermidade do coração humano.

Para terminar as minhas considerações sobre este assunto da organização disciplinar das casas de correcção e colonias agricolas, onde as cousas, que parecem minimas, teem importancia maxima tantas vezes, lembrarei por fim que nos respectivos regulamentos devem ser prohibidas e castigadas as delações feitas pelos menores, e principalissimamente as delações secretas.

A deshonra acompanha por toda a parte o delator com a sua propria sombra, e emquanto no mundo houver cultos para a honra e para a lealdade a denuncia ha de ser reputada uma villania. Do delator secreto forma-se o espião, e a espionagem, por mais altos que sejam os intuitos que se proponha, ha de amarrar sempre o que a exercer ao pelourinho da infamia, onde todo o que passa lhe imprime um vergão de ignominia.

Convem, portanto, prohibir expressamente e reprimir com aspereza as delações nos regulamentos das Casas de correcção e Colonias agricolas, para que os menores não saiam de lá educados e aptos no vil mester de denunciantes e espiões.

As faltas dos menores devem ser participadas ao director do estabelecimento pelos empregados somente, encarregados da vigilancia d'elles, e isso publicamente ainda, como publicamente e com previa audiencia do arguido devem ser impostos com escrupulosa imparcialidade os castigos disciplinares, correspondentes a todas as faltas, e distribuidos os premios devidos a todos os meritos. Esta providencia fará nascer e desenvolver em todos os internados amor ao principio da justiça e respeito pelo principio da autoridade.

Á saída dos menores da Casa de Correcção ou da Colonia Agricola Correccional devem elles encontrar logo ás portas destes estabelecimentos quem os ampare e sustente na sua regeneração moral. Com este intuito é criada pela proposta, em cada uma das comarcas do continente do. reino e das ilhas adjacentes, uma commissão auxiliadora dos estabelecimentos correccionaes para menores, e protectora dos individuos que saírem dos mesmos estabelecimentos.

As commissões officiaes de protecção são outra e excellente instituição complementar do regime prisional, e para o dos menores mais necessaria ainda do que para o dos adultos. Vejo nellas a garantia mais efficaz contra as reincidencias pela adopção que fazem do delinquente ainda no estabelecimento penal, e pela protecção que lhe dispensam ao entrar de novo na sociedade. Sem as commissões de protecção corria-se, em verdade, o perigo de perder em poucos dias o trabalho e fadigas de annos.

Encarregadas pela lei de alcançarem auxilios de qualquer natureza a favor das casas de correcção e das colonias agricolas, e de promoverem a collocação dos individuos que sairem destes estabelecimentos, de modo que possam alcançar meios honestos de subsistencia, cremos bem que essas commissões se tornarão benemeritas da humanidade pelo zelo acurado com que hão de procurar a realização da sua elevada missão.

Nunca deixou de haver neste país condolencia para o infortunio. Homens e senhoras portuguesas, ao lançarem os olhos para o berço de seus filhos e ao contemplarem o seu somno tranqnillo e feliz, hão de lembrar-se, na intimidade do seu lar domestico, de que cá fora nas ruas, ao vento e á chuva, ha outros filhos tambem, desamparados de arrimo, que dormem sobre as legeas frias das calçadas e vivem na tristeza infinita da miseria, que por sua vez os conduz aos antros do vicio mais tristes ainda.

O esforço de uns e a palavra magica de outras podem minorar muito e muito tantas desventuras, e sustentar no caminho recto do dever os que já se levantaram da queda do crime. E esse auxilio protector não faltará certamente aos que são officialmente incumbidos de realizar o generoso e humanitario pensamento do Governo.

Os que mais gozam a ampararem os que mais soffrem. Sim: em Portugal nunca é invocada debalde a caridade dos homens e das senhoras.

Na Inglaterra os nomes mais illugtres figuram entre os dos fundadores das associações de protecção. O nosso país ha de dar-nos o solemne testemunho de que sabe imitar aquelle nobilissimo exemplo, e de que todos os que puderem fazê-lo auxiliarão as nossas commissões officiaes de protecção aos menores.

Exccllente cousa seria que no país se formassem associações de proteõção para os menores e adultos que saírem das prisões; e temos fé em que ellas serão instituidas entre nós. Mas para já, e para complemento do novo regime prisional dos menores, deve merecer applausos o pensamento verdadeiramente pratico da criação das commissões oflaciaes de protecção.

Por sua vez estas corporações terão o singular empenho de darem a melhor prova da sua humanitaria solicitude no relatorio annual dos seus trabalhos; e isto mais me fortalece na esperança de que os melhores êxitos hajam de coroar o meu esforço.

Para concluir referir-me-hei, embora, rapidamente, á parte financeira da proposta.

Procurei constituir a dotação dos estabelecimentos correccionaes com o menor encargo possivel para o Estado, mas é incontestavel que a reorganização deste importante serviço publico, com bases mais largas, não pode deixar de aumentar mais Ou menos as despesas publicas.

Certamente a montagem de uma Casa de Correcção no Porto para uma população de quatrocentos menores, a. ampliação da Casa de Correcção de Caxias para uma população de quinhentos menores, e o aproveitamento da Casa de Correcção de Porto do Conde para uma população de cem menores, a criação de uma Casa de Correcção em Ponta Delgada, e de uma Colonia Agricola Correccional em cada provincia não se conseguem de graça; assim como é certo que d'ahi ha de provir algum aumento de despesa annual para a sustentação e funccionamento d'esses estabelecimentos correccionaes.

Abençoada, porem, será toda a despesa que racionalmente e honestamente for feita para evitar crimes e corrigir criminosos, assim como é certo que a toda a neces-

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sidade desattendida corresponde sempre um desastre, que não se preveniu.

Qualquer despesa que se fizer com a reforma do regime prisional dos menores será essencialmente reproductiva. Não se traduzirão em réis, como nova fonte de receita publica, os beneficios que desses dispendios resultem, mas hão de manifestar-se em aumentos de civilização, de moralidade e bemi estar nas classes populares, de garantias de segurança para as pessoas e para as cousas, de tranquillidade publica e respeito ás leis.

Até a riqueza nacional lucrará; porque deste modo serão restituidos aos trabalhos agricolas, ás industrias e profissões uteis muitos braços robustos, energias e actividades, que andavam agrilhoados ao vicio e se entorpeciam em ocios repugnantes.

Assim escrevia eu ha vinte e um annos; e mais me fortaleceu nas antigas ideias a visita official que recentemente fiz á Casa de Correcção de Caxias, onde vi em relevo deante dos meus olhos as grandes vantagens que resultam dos estabelecimentos correccionaes para menores delinquentes.

Chega, em verdade, a causar desalentos que continue a durar mais tempo ainda o actual estado de cousas, de na maxima parte das cadeias d'este país viverem em commum, na mesma ociosidade enervadora, os criminosos de toda a espécie, ainda os da mais ruim, com umas pobres crianças que um destino negro e mau arremessou tambem para lá, respirando todos a mesma atmosphera envenenada, dormindo em promiscuidade na mesma enxerga e debaixo dos mesmos farrapos, e aprendendo estas a mesma desoladora perversão que tornou emeritos aquelles.

Ora eu, que não quero para mim a responsabilidade da continuação de tal estado dê cousas, tenho por isso grande satisfação em vos apresentar a seguinte

Proposta de lei n.° 6

Correcção de menores delinquentes

CAPITULO I

Artigo 1.° Os menores delinquentes com menos de dezoito annos ao tempo da perpetração do delicto, qualquer que elle seja, serão condemnados sempre na pena de prisão.

§ unico. A sentença condemnatoria fixará o tempo da prisão segundo a gravidade do delicto, o grau de discernimento e moralidade dos delinquentes, e mais circunstancias attendiveis, sendo porem fixa a pena de prisão por tres annos para os vadios e para os individuos assim considerados pelo artigo 5.° da lei de 3 de abril de 1896, nunca inferior a cinco annos para os reincidentes, e não superior a dez annos em caso algum.

Art. 2.° A pena de prisão imposta aos menores, de que fala o artigo antecedente, será cumprida era um estabelecimento de correcção de menores, onde estes, divididos em familias, receberão educação moral, literaria e profissional, e serão empregados em trabalhos accomodados á sua aptidão, vigor e idade; e isso ainda que os menores já tenham mais de dezoito annos ao tempo da condem nação.

§ unico. Tambem serão internados em um estabelecimento correccional, e pelo tempo preciso para receberem a educação de que fala este artigo, os menores, a que se referem os artigos 48.° e 49.° do Codigo Penal; excepto se, não tendo os menores praticado já outro facto só justificado pela idade, ou não sendo vadios ou pessoas a elles equiparadas, forem reclamados por seus pães ou tutores, que estejam em circunstancias de lhes dar a dita educação e por ella se responsabilizem, sob a fiscalização do agente do Ministerio Publico na comarca ou vara onde estes residirem.

Art. 3.° O internato de um menor em qualquer estabecimento correccional começará sempre com a separação dos demais presos; e a separanção nunca será inferior a tres nem excedente a quinze dias.

Art. 4.° Não irá alem dos vinte e um annos de idade o internato nos estabelecimentos correccionaes para menores; e, se estes não tiverem, então, cumprido desse modo toda a pena de prisão em que hajam sido condemnados, cumprirão o resto da mesma pena em qualquer cadeia penitenciaria, ou em alguma colonia penal, que venha a estabelecer-se no ultramar.

Art. 5.° Findo o tempo da. prisão antes do menor attingir os vinte e um annos de idade, e não possuindo elle ainda as habilitações literarias e profissionaes a que se refere o artigo 2.° e de que fala o artigo 12.° desta lei, ficará o mesmo menor detido no estabelecimento correccional para ahi lhe serem dadas as ditas habilitações, ou será entregue a seu pae ou tutor que o reclame e esteja em circunstancias de lhas dar e por isso se responsabilize, sob a fiscalização de que fala o § unico do artigo 2.° d'esta lei.

§ unico. Se o menor for reincidente, vadio ou pessoa a este equiparada, não será em caso algum entregue ao pae ou tutor.

Art. 6.° O menor de vinte e um annos que, não sendo reincidente, nem vadio ou individuo como tal considerado pela lei, adquirir antes do cumprimento total da pena as habilitações literarias e profissionaes mencionadas no artigo 12.° d'esta lei, e for de comportamento irreprehensivel, será, depois de cumpridas duas terças partes da pena, entregue, sob a fiscalização mencionada no § unico do artigo 2.° d'esta lei, a seus pães ou tutor que o reclamem, ou collocado pelo respectivo procurador régio em algum estabelecimento publico ou particular, durante o tempo que faltar para o cumprimento da pena.

§ unico. Os salarios ganhos por este menor, durante o periodo da libertação provisoria, serão recebidos pela administração do estabelecimento correccional, que os conservará como peculio d'elle, deduzindo a quantia precisa para as despesas do vestuario e outras, que elle fizer.

Art. 7.° Quando o menor delinquente, a quem se houver concedido liberdade provisoria nos termos do artigo antecedente, abusar della, procedendo de modo reprehensivel, será internado novamente em um estabelecimento correccional pelo respectivo procurador régio, e não se lhe levará em conta para o cumprimento da pena o tempo que tiver gozado da liberdade provisoria.

Art. 8 ° Os estabelecimentos correccionaes, para menores delinquentes, denominar se-hão "casas de correcção e "colonias agricolas correccionaes".

§ unico. Estes estabelecimentos ficam sendo considerados como qualquer asylo de mendicidade, ou estabelecimento pio e de beneficencia, ou de educação gratuita, afim de terem parte no beneficio das doações, legados ou heranças que forem deixados aos estabelecimentos dessa natureza.

CAPITULO II

Casas de correcção e colonias agricolas correccionaes

Art. 9.° Haverá em cada provincia do continente do reino e nos Açores pelo menos um estabelecimento correccional para menores delinquentes.

§ 1.° Para Casa de Correcção da provincia da Extremadura servirá a que actualmente está installada em Caxias, nos suburbios de Lisboa.

§ 2.° Quanto á provincia do Douro e aos Açores, haverá uma Casa de Correcção em cada uma das cidades do Porto e Ponta Delgada, ou muito proximo d'ellas, continuando a subsistir a Casa de Correcção de Villa do Conde.

§ 3.° Na provincia do Alemtejo continuará subsistindo a Colonia Agricola Correccional de Villa Fernando.

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52 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

§ 4.° Nas mais provincias haverá colonias agricolas correccionaes.

Art. 10.° É o Governo autorizado a modificar os actuaes estabelecimentos correccionaes e a instituir outros novos, como as circunstancias o permittirem, adaptando para isso quaesquer edificios e, terrenos pertencentes ao Estado, ou comprando-os e construindo os edificios no caso de este os não ter.

§ unico. Os primeiros emprehendimentos a realizar emquanto a estabelecimentos correccionaes serão a ampliação da Casa de Correcção de Caxias de modo a comportar quinhentos internados, uma Casa de Correcção na cidade do Porto ou muito proximo d'ella para quatrocentos menores, e a ampliação da Casa de Correcção de Villa do Conde de modo a servir para cem internados.

Art. 11.° Os menores de que trata esta lei poderão ser internados em qualquer dos estabelecimentos correccionaes, segundo os seus antecedentes e aptidões, precedencia e futuro provavel.

Art. 12.° A educação correccional dos menores, á qual se refere o artigo 2.° desta lei, é a mesma para todos os internados e consiste no ensinamento dos principies da moral e dos preceitos da doutrina christã; em ler, escrever e contar, comprehendendo-se o systema legal de pesos e medidas; e mais, quanto ás casas de correcção, no aprendizado de um officio por meio do qual elles possam ganhar honradamente meios de subsistencia, e, quanto ás colonias agricolas correccionaes, no aprendizado de um officio ligado com a agricultura, ou na pratica d'esta.

Art. 13.° Todos os estabelecimentos correccionaes para menores delinquentes são dependentes do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e da Justiça, que nomeará os respectivos empregados, dependendo de proposta dos respectivos directores a nomeação de mestres e guardas; e a administração desses estabelecimentos será sujeita aos respectivos procuradores regios, applicando-se o regulamento das cadeias, de 21 de setembro de 1891, e o regulamento da Colonia Agricola Correccional de Villa Fernando, de 17 de agosto do, mesmo anno, nos pontos em que esta lei e os seus respectivos regulamentos não providenciarem.

Art. 14.° As despesas feitas com o sustento, vestuario e tratamento dos menores internados nas suas doenças serão pagas por elles ou por seus pães ou tutores, tendo meios para isso; e em tal caso os mesmos menores farão inteiramente seu todo o producto do seu trabalho, que lhes será entregue á saída do estabelecimento correccional.

§ unico. Se não for effectuado o pagamento de que fala este artigo, os mesmos só farão sua a quarta parte do producto do seu trabalho, que lhes será entregue quando forem postos em liberdade.

Art. 15.° Para todos os menores internados nos estabelecimentos correccionaes haverá o mesmo uniforme e o mesmo regime.

Art. 16.° Nos regulamentos desta lei, applicaveis aos estabelecimentos correccionaes já existentes e aos que vierem a criar-se, serão mencionados os exercicios physicos e os recreios dos internados, os premios que mais lhes estimulem, desenvolvam e firmem os sentimentos do brio e da dignidade, que formam o caracter, e os castigos que, não os deprimindo, lhes sirvam de incentivo á pratica do dever e ao respeito da lei.

Art. 17.° Quando os menores que forem pobres deixarem o estabelecimento correccional, sairão vestidos convenientemente á custa d'este ou do Estado, segundo a occupação ou profissão a que se dedicarem, e terão o auxilio das commissões de protecção criadas por esta lei.

Art. 18.° Constituem dotação dos estabelecimentos correccionaes para menores delinquentes:

1.° Dois por cento sobre o premio das lotarias, deduzidos dos 15 por cento do respectivo imposto do sêllo, segundo o disposto no artigo 6.° da lei de 22 de junho de 1880;

2.° Dez por cento sobre a importancia das custas judiciaes nos processos penaes;

3.° O rendimento dos legados, doações ou heranças;

4.° O rendimento dos capitães realizados e a realizar pelos saldos dos vencimentos annuaes;

5.° As quantias realizadas pela venda de productos dos estabelecimentos;

6.° Os donativos particulares e os subsidios angariados pelas commissões de protecção criadas por esta lei;

7.° A quantia, annualmente fixada pelo Governo, com que hajam de concorrer os municipios do reino em harmonia com os respectivos rendimentos, devendo ella ser triplicada nos municipios em cuja area tiver a sua sede algum estabelecimento correccional;

8.° O producto do espolio dos condemnados de quê seja herdeira a Fazenda Nacional;

9.° A quantia que for votada annualmente pelo Parlamento como subsidio destinado aos estabelecimentos correccionaes para menores delinquentes.

Art. 19.° Cada estabelecimento correccional terá um director, um sub-director, um capellão, um amanuense e pelo menos cinco guardas.

§ 1.° Para directores das casas de correcção serão preferidos bachareis formados em direito, medicos e presbyteros de reconhecida illustração; e para directores das colonias agricolas os agronomos.

§ 2.° Se os menores recolhidos em qualquer estabelecimento excederem o numero de cem, poder-se-ha, sob proposta do respectivo director, nomear um guarda por cada vinte ou fracção de vinte a mais.

§ 3.° O serviço de saude dos estabelecimentos correccionaes será contratado como melhor convier.

§ 4.° Em cada estabelecimento haverá o pessoal de mestres e trabalhadores jornaleiros que forem indispensaveis para a boa execução dos serviços.

Art. 20.° Os procuradores régios das Relações de Lisboa, Porto e Ponta Delgada remetterão ao Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, até o fim de janeiro de cada anno, relatorios circunstanciados acêrca dos respectivos estabelecimentos correccionaes, acompanhados de mappas estatisticos e das contas da administração de cada um dos mesmos estabelecimentos.

§ unico. Estes relatorios serão publicados immediatamente no Diario do Governo.

CAPITULO III

Commissões de protecção

Art. 21.° É criada em cada uma das comarcas do continente do reino e das ilhas adjacentes uma commissão de protecção auxiliadora dos estabelecimentos correccionaes para menores delinquentes e protectora dos individuos que saírem dos mesmos estabelecimentos.

Art. 22.° A commissão será composta, nas comarcas de Lisboa, Porto e Ponta Delgada, do respectivo procurador regio, que será o seu presidente, do provedor da Santa Casa da Misericordia, dos administradores dos bairros ou do concelho, e dos parochos das freguesias urbanas.

§ 1.° As determinações d'esta commissão serão validas, estando presentes cinco de seus membros.

§ 2.° Os administradores dos demais concelhos e parochos das outras freguesias da comarca serão membros correspondentes da commissão e executarão as deliberações por ella tomadas na parte que lhes pertencer.

Art. 23.° A commissão de qualquer comarca fora de Lisboa, Porto e Ponta Delgada será composta do respectivo delegado do procurador regio, que será o seu presidente, do administrador do concelho sede da comarca, do provedor da respectiva misericordia e dos parochos das freguesias da mesma séde.

§ unico. Os administradores da demais concelhos, pro-

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SESSÃO N.° 45 DE 11 DE AGOSTO DE 1909 53

vedores de misericordias e parochos das outras freguesias da comarca serão membros correspondentes da commissão, e executarão as determinações por ella tomadas na parte que lhes pertencer.

Art. 24.° As commissões nomearão vice-presidentes e thesoureiros, podendo estes ser escolhidos de entre individuos estranhos a ellas.

Art. 25.° Os fundos das commissões serão arrecadados na recebedoria da comarca á ordem do respectivo presidente.

Art. 26.° As commissões empregarão todos os esforços para alcançar auxilies de qualquer natureza a favor dos estabelecimentos correccionaes para menores delinquentes.

Art. 27.° As commissões protegeram os individuos que saírem das casas de detenção e correcção, e que para aquelle fim lhes forem recommendados pelo respectivo procurador regio, a quem ficam subordinadas, procurando collocá-los de modo que possam alcançar meios honestos de subsistencia, e soccorrendo-os, em caso de doença ou falta de trabalho, até aos vinte e cinco annos de idade, se elles não se mostrarem indignos d'esse auxilio.

Art. 28.° As commissões darão conhecimento da sua constituição ao respectivo procurador regio; e, alem da correspondencia annual indispensavel, remetter-lhe-hão até o fim de janeiro do cada anno o relatorio dos seus trabalhos durante o anno antecedente, acompanhado das respectivas contas e mappas estatisticos.

Art. 29.° Os procuradores regios perante as Relações de Lisboa, Porto e Ponta Delgada farão subir, pelo Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, até o fim de fevereiro de cada anno, relatorios, acompanhados das respectivas contas e mappas estatisticos, acêrca dos trabalhos das commissões durante o anno antecedente.

§ unico. Estes relatorios serão immediatamente publicados no Diario do Governo.

Art. 30.° (transitorio). Emquanto não estiverem installados todos os estabelecimentos correccionaes de que fala esta lei, os menores delinquentes serão condemnados segundo o regime actual e, em alternativa, na conformidade da presente lei, sendo o regime desta applicado desde já a todos os menores reincidentes, vadios e individuos a estes equiparados, e ainda nos mais casos em que seja possivel.

Art. 31.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, em 11 de agosto de 1909. = Francisco José de Medeiros.

Tabella dos vencimentos dos empregados de cada uma das casas de detenção e correcção, ou colonias agricolas

Artigo unico. Terão de vencimento annual:

O director .... 800$000
O sub-director .... 600$000
O capellão .... 500$000
O amanuense .... 300$000
Cada um dos guardas .... 180$000

Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, em 11 de agosto de 1909. = Francinco José de Medeiros.

Foram enviadas ás commissões respectivas.

Representação

Do Centro Commercial do Porto, acompanhada de um officio, apresentando as considerações suggeridas, numa assembleia que se realizou, pelo texto do tratado de commercio e navegação negociado entre Portugal e a Allemanha.

Foi apresentada pelo Sr. Presidente da Camara, enviada á commissão de negocios estrangeiros e mandada publicar no Diario do Governo.

O REDACTOR = Gaspar de Abreu de Lima.

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