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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Dias Ferreira pronunciado na sessão de 18 de março, e qui devia ler-se a pag. 681, col. 2.ª

O sr. Dias Ferreira: — Associo a minha responsabilidade ao projecto que se discute, mas não quero votal-o em silencio. Desejo manifestar á camara a minha satisfação por termos entrado no caminho por que eu pugnava ha largos annos com os meus amigos politicos, nas discussões parlamentares, proclamando a necessidade de alterar convenientemente a actual circumscripção eleitoral, ou pelo menos de se voltar á legislação anterior ao decreto de 1869. Folgo portanto com a apresentação d'este projecto de lei, e dou-lhe o meu voto, limitando-me a offerecer ligeiras observações á apreciação da assembléa.

Considero ainda a medida em discussão como o desempenho do compromisso solemne que tinham tomado todos os partidos e todos os homens publicos de modificar a circumscripção eleitoral, organisada pelo decreto de 18 de março de 1869.

Esta providencia levantou contra si a opinião de todos os homens d'estado, incluindo a do proprio auctor, que foi o primeiro a apresentar ás côrtes um projecto para modificar a legislação eleitoral.

Raras vezes virá ao parlamento uma medida em que todos estejam de accordo no seu pensamento fundamental, como succede com o projecto em discussão.

Em todo o caso não considero a providencia sujeita ao debate como a ultima palavra em materia eleitoral, e apenas como um expediente de transição para melhorar a legislação vigente, especialmente no que toca á circumscripção eleitoral.

Julgo necessarias alterações mais profundas na legislação sobre eleições e sobre recenseamentos, mas contento-me

Sessão de 27 de março de 1878

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por agora com o parecer da illustre commissão, que já satisfaz a uma grande necessidade publica.

Desde largos annos, e creio que sem interrupção, nós temos visto triumphar na uma a maioria dos candidatos que são favorecidos pelos governos que se acham á frente dos destinos da nação.

Qualquer que seja a popularidade ou a impopularidade de que gosem os diversos ministerios, quaesquer que tenham sido as medidas com que elles hajam illustrado ou desacreditado a sua administração, a urna, desde que é consultada, corresponde sempre favoravel ao appello ministerial. Já se deu no nosso paiz, e ha poucos annos, o caso singular de, pela exoneração de um governo tres ou quatro dias antes do dia marcado para a eleição geral de deputados, havendo todas as probabilidades e a quasi segurança de que o suffragio popular o havia de honrar com grande maioria, o gabinete que o substituiu, sem ter affirmado o seu pensamento politico perante o paiz, aproveitando-se até de quasi todos os delegados de confiança do ministerio anterior, só com o facto de adiar a eleição para mais tarde quinze dias, trazer á camara uma maioria tão consideravel, como teria tido de certo o governo caído.

Estes são os factos constatados pela observação e pela experiencia. Ora, eu desejo associar o meu voto e a minha responsabilidade a todas as medidas que tendam a alterar este estado politico, que julgo pessimo. (Apoiados.)

Se pelo melhoramento da nossa administração e pelo adiantamento dos nossos costumes politicos nos podessemos collocar na situação em que ha pouco vimos a França, onde a opposição parlamentar respondo a um governo forte e decidido, cujas intenções eu respeito n'esta casa, com uma maioria estrondosa em todo o paiz, estava realisado o meu desideratum e a minha aspiração politica em materia eleitoral.

A mim não me repugnava conservar o numero de deputados prescripto na legislação vigente. Entendo que esse numero, attendendo á população do paiz, e guardadas as devidas proporções com o que succede em paizes adiantados na carreira da civilisação, é sufficiente.

Tambem me não repugnavam as eleições de deputados pelas grandes circumscripções, porque era então mais facil compor as assembléas politicas de individuos com opiniões politicas essencialmente definidas e francamente accentuadas.

Eu reputo mais proveitoso para um paiz constitucional que os representantes da nação sejam eleitos em homenagem aos seus principios e ás suas idéas politicas, do que devam o suffragio publico ás affeições pessoaes dos seus conterraneos ou a serviços particulares que lhes hajam prestado.

Mas, por agora, e no estado de educação constitucional em que nos achâmos, acceito, e acceito como grande progresso, o projecto em discussão, porque o meu pensamento politico é quebrar, quanto possivel, nas mãos do governo a arma eleitoral. Ora, nos circulos pequenos é mais facil ás opposições o triumpho. Como ha concelhos em que os eleitores não estão dispostos a renunciar ás manifestações da sua consciencia e a depositar nas mãos da auctoridade o seu direito de eleger, é facil á opposição, com os circulos pequenos o trazer á camara os homens mais importantes do seu partido.

Com os circulos grandes podemos correr o risco de ver triumphar o governo em toda a parte, porque, com a legislação vigente, se nem sempre vem quem o governo quer, é difficil que venha quem o governo não quer.

A rasão capital, pois, que me determina a dar a minha approvação ao projecto em discussão, é a segurança de que por este meio se enfraquece muito a acção do governo em materia eleitoral.

O projecto não me satisfaz completamente, mas é já um grande progresso no caminho da liberdade eleitoral. É digo que não me satisfaz completamente, porque, sem tirarmos toda a intervenção aos administradores de concelho, e mais agentes politicos do governo, nos negocios do recrutamento, e sem alterarmos radicalmente a nossa legislação administrativa de modo que transfiramos para os povos faculdades que de direito lhes pertencem, e que actualmente estão entregues aos delegados do poder executivo, é absolutamente impossivel manter em toda a pureza a liberdade eleitoral. (Apoiados.)

É esta a extrema, real e verdadeira, em todos os paizes do mundo, entre os partidos conservador e avançado.

Os partidos avançados aspiram a arrancar das mãos do governo o exercicio dos direitos que devem pertencer aos povos; e os partidos conservadores tremem sempre diante da idéa de entregar aos povos o exercicio em larga escala das franquias individuaes.

O alargamento do suffragio, e sobretudo a maior garantia de liberdade eleitoral, foram as rasões que me determinaram a assumir a responsabilidade do projecto em discussão; e associo-me a todas as medidas que tenham por fim transferir para os povos os direitos que lhes pertencem, e que andam usurpados nas mãos da auctoridade publica.

Por isso eu chamo a attenção da illustre commissão para uma das disposições da proposta na especialidade, a que ligo a maior consideração. Refiro-me aos recursos da eleição das commissões de recenseamento. Eu julgo indispensavel que se preencha uma lacuna da nossa legislação, a qual nada dispõe ácerca das reclamações sobre tal assumpto.

Tem-se entendido, por isso, na pratica, que d'esse acto dos quarenta maiores contribuintes não ha recurso; doutrina com que eu não concordo, porque não quero ninguem soberano senão a lei.

Sempre reputei contra todas as praxes do systema representativo e contra as nossas instituições administrativas e eleitoraes, o não se admittir recurso contra a eleição das commissões de recenseamento.

Mas a disposição consignada no parecer da illustre commissão precisa de uma modificação decidida e categorica, para não ficarem esses recursos entregues puramente nas mãos do conselho de districto.

O que eu preferia a tudo era que não abandonassemos o caminho em que entrámos com a promulgação do decreto de 30 de setembro de 1852, e os que entregassem estes recursos tambem ao poder judicial.

Dá mais garantias de imparcialidade na administração da justiça a independencia e a inamovibilidade do poder judicial; e ainda não appareceu inconvenientes na pratica por ter sido entregue a decisão das reclamações eleitoraes a um poder independente.

Organisados como estão os nossos tribunaes ordinarios, offerecem garantia segura de que os negocios eleitoraes serão por elles decididos com toda a imparcialidade e justiça.

Mas com os conselhos de districto não ha garantias de boa administração de justiça.

A organisação dos conselhos de districto é filha do coito damnado e punivel, entre o governador civil e a junta geral do districto. (Riso.)

Chamo a particular attenção da illustre commissão para este gravissimo assumpto.

O que eu preferia a tudo era que se continuasse no caminho já reconhecido no decreto de 30 de setembro de 1852 e na lei de 23 de novembro de 1859, isto é, que a decisão dos recursos fosse ao confiada poder judicial.

Mas se a commissão não quizer afastar-se d'esta idéa, e insistir em que o conhecimento d'estes recursos deve pertencer aos tribunaes administrativos, então não deixêmos a garantia de direitos tão importantes dependente do conselho de districto e do governador civil.

Tomem-se todas as providencias no sentido de tornar uma verdade os recursos.

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Assim como a camara municipal tem obrigação de mandar a acta da eleição, em caso de reclamação, no dia immediato ao governador civil, imponha-se ao governador civil tambem a obrigação de enviar o processo ao supremo tribunal administrativo no dia immediato ao da reclamação.

Remettido o recurso para o supremo tribunal administrativo, deve ser resolvido na primeira sessão.

Sem estas providencias é inutil o recurso para o supremo tribunal administrativo, que quasi não tem tempo nem para tratar das questões do recrutamento e das contribuições.

Sem a providencia que proponho, ficaremos entregues á discrição do conselho de districto.

O nosso systema de organisar o supremo tribunal administrativo consiste ha annos em augmentar de periodo a periodo o numero dos vogaes d'aquelle tribunal; e ficâmos sempre na mesma.

E a rasão é simples. São tantos e tão numerosos os negocios hoje commettidos ao exame d'aquelle tribunal, que nem o ministerio publico tem tempo de responder nos processos, nem os juizes tempo de os relatar. (Apoiados.)

Portanto, repito, que julgo perfeitamente inutil o recurso para o supremo tribunal administrativo, admittido no parecer da commissão, se não forem adoptadas as minhas propostas.

Tenho a mais fundada esperança de que a illustre commissão, compenetrando-se do pensamento da minha proposta, acrescentará ao projecto uma disposição concebida nos termos que a sua illustração e a sua sabedoria lhe suggerirem, mas por fórma que não fiquemos inteiramente dependentes dos conselhos de districtos na resolução d'estas questões.

Se havemos de ficar á mercê dos conselhos de districto, e dos agentes do poder executivo, então mantenha-se a lei vigente, que não permitte recurso da eleição das commissões de recenseamento. Confio mais nas assembléas dos quarenta maiores contribuintes, do que na justiça politica dos conselhos de districto. E o governo escapa a toda a responsabilidade pelas resoluções dos conselhos de districto, que são tribunaes independentes, comquanto as suas deliberações sejam muitas vezes inspiradas pelos agentes do poder executivo.

Portanto, sem prescindir de fazer algumas observações sobre differentes artigos na especialidade, observações que sujeitarei á sabedoria e experiencia dos illustres membros da commissão, não podia deixar encerrar o debate sobre a generalidade sem fazer estas considerações, e sem felicitar a camara e o governo por termos entrado finalmente no caminho das questões de principios, de que andavamos desviados ha tanto tempo.

Para mim esta proposta de lei encerra uma questão de principios, para tornar mais pequenas as circumscripções eleitoraes, e assim mais facil e livre a expressão da vontade popular, attenuando a influencia das auctoridades nos actos eleitoraes. (Apoiados.)

Em todo o caso perdemos o medo ás questões politicas; e temos a fortuna de ver que a outra casa do parlamento nos está acompanhando no mesmo sentido, discutindo tambem uma questão de principios.

Felicito a todos pela nova senda que abrimos ás discussões parlamentares, e termino aqui as minhas observações.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Sessão de 27 de março de 1878

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