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não houve violação da carta, que não foram invadidas as attribuições do poder legislativo (apoiados).

Podia ou não o governo adiar por dia ou dias a execução ou cumprimento de algumas disposições da lei na parte relativa m certas e determinadas operações? Podia e devia faze-lo, attentas as circumstancias em que se achava; podia e devia faze-lo em nome da carta e em nome do respeito devido ao poder legislativo; eu me explico. Algumas dessas operações não podiam verificar-se sem existirem os regulamentos necessarios para a sua execução; e esses regulamentos ainda não estavam publicados.

Este mesmo argumento já aqui foi hontem apresentado pelo illustre relator da commisão, e com todo o fundamento.

Disse um illustre deputado da opposição: «Mas por essa doutrina e a pretexto de fazer regulamentos, teremos de ver o governo a suspender leia todos os dias a eu bello prazer?» A isto respondo — o governo tem, pelo artigo 75.° § 12.º da carta, não só direito, mas obrigação de fazer os regulamentos necessarios para a boa execução das leis; a carta impondo-lhe esse dever suppoz que sem esses regulamentos a execução de algumas leis seria ou impossivel ou má, e ninguem dirá que legislador algum quizesse uma execução impossivel ou má. O nobre ministro da guerra não achou esses regulamentos feitos, por consequencia não podia logo executar as disposições da lei que d'elles careciam (apoiados).

Mas ha ainda mais. O governo procedendo, como procedeu, não só não invadiu nem pretendeu invadir as attribuições do poder legislativo, mas até deu unia prova de respeito ás suas decisões, como passo a mostrar.

O nobre ministro da guerra já declarou que havia disposições, no decreto de 21 de dezembro, para cuja execução seria necessario fazer uma despeza superior á que se fazia com a antiga organisação e para que não estava habilitado, e que não podia nem devia fazer, porque se a auctorisação concedida ao governo para a reforma do exercito não lhe permittia exceder aquella despeza, o governo não queria exorbitar e não tinha que hesitar entre a lei e o decreto. Logo o proceder do sr. ministro da guerra vem assim a explicar-se em ultima analyse pelo respeito ás decisões do parlamento, cujas attribuições se pretende fazer ver que elle quiz invadir (apoiados).

Ainda mais. Quando se tratasse realmente da questão da suspensão do decreto, quando essa suspensão tivesse existido (o que nego) querendo collocar a questão n'esse terreno, ainda assim, declaro que teria grandes duvidas; póde ser que esteja em erro, póde ser que seja uma illusão minha, mas confesso que em presença dos verdadeiros principios de direito publico, hesitaria muito em decidir se o governo, em relação a acto que pratica em virtude de auctorisações que lhe são concedidas pelo parlamento, tem ou não direito de suspender ou revogar o que fez antes que o poder legislativo tenha dado ou negado a sua approvação a esses actos.

Declaro, repito, que este ponto para mim é ainda muito duvidoso, e que em principio mais me inclinaria á afirmativa.

Não sei que seja conforme com a carta que o poder legislativo posa delegar no governo suas attribuições. Não o vejo permittido, e assim mesmo sem verdadeiro caracter de delegação, a não ser no acto addicional em virtude do qual e por excepção, que não póde ser convertida em regra, o governo póde, no intervallo das sessões legislativas, decretar para as nossas colonias medida de natureza legislativa; e n'esta mesma hypothese (unica que constitucionalmente posso admittir), essas medidas adoptadas para o ultramar, na ausencia dos cortes, ficam ainda sujeitas ao exame e approvação do poder legislativo, e, não sendo approvadas, não tem força de lei. Por isso me parece que os decretos publicados para o reino em virtude de auctorisação das côrtes, não podem ter caracter legislativo, porque o poder legislativo não se póde delegar, e só o virão a ter depois de serem approvados pelo parlamento; isto no campo dos principios, porque a pratica reconheço que não é esta, comquanto não a approve.

Admittida esta theoria, pergunto eu — um decreto promulgado pelo governo, em virtude de auctorisação das côrtes, e que ainda não é lei, porque lhe falta a sancção do poder legislativo, póde, antes de dada ou negada essa sancção, ser alterado, modificado ou suspenso pelo governo? Entendo que sim, repito, era principio; póde não ser esta a pratica, mas parece-me que o governo estaria n'este systema no direito de suspender, e até mesmo de revogar, qualquer medida sua d'aquelle genero, antes das côrtes terem dado a sua approvação, se por acaso tivesse havido suspensão, que não houve, no caso em questão.

Reservei para o fim, sr. presidente, tratar da questão a que no principio a opposição quiz dar uma grande importancia, e que é propriamente juridica.

Disse se: «O projecto, como está redigido, viola o artigo 145.º § 2.° da carta constitucional; porque dizendo no artigo 1.° que fica revogado o decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863, que organisou o exercito, e sem effeito as suas disposições, vem a ser uma lei com effeito retroactivo, que a camara nunca poderia decretar».

Parece que os escrupulos de quem combatia o projecto com este fundamento deverão ter desapparecido em vista da declaração feita pelo illustre relator da commissão de guerra, e da substituição per elle apresentada ao artigo; mas no fim de tudo é uma questão de palavras, porque ou se conservem as expressões e sem effeito as suas disposições, ou se eliminem, o resultado que a opposição não quer ha de sempre dar-se, porque as disposições do decreto de 21 de dezembro hão de ficar sem effeito logo que elle seja revogado (apoiados).

Vou porém demonstrar que, conservando ou não essas palavra, nunca o resultado da lei póde ser alcunhado de effeito retroactivo.

Effeito retroactivo, sr. presidente, é uma cousa em que toda a gente falla, e que parece muito simples. Estas seis palavras a lei não tem effeito retroactivo, que se acham na nossa carta, e em outros codigos politicos e civis, parecem muito simples, com effeito, e todos as empregam a cada passo; mas quando te vae á applicação, acha-se que sobre ellas ha mais de doze volumes de commentarios! O que mostra nao ser este assumpto da retroactividade das leis tão facil como póde parecerão primeiro aspecto (apoiados).

E direi mais que, comquanto pelas theorias da quasi totalidade dos jurisconsultos que até hoje têem escripto sobre esta materia, seja fóra de duvida que o projecto como estava redigido não tinha tal effeito retroactivo, como mostrarei; hei de provar que essas mesmas theorias que se consubstanciam no systema chamado dos direitos adquiridos invocados pela opposição, são falsas, e que ha, segundo creio, uma unica verdadeira, que é a chave para resolver estas questões, e com a qual podemos reduzir a pó todas as objecções apresentadas em contrario.

Quasi todos os jurisconsultos, a que me referi, estão de accordo em que só ha verdadeiramente effeito retroactivo havendo offensa de direitos adquiridos. Mas quando ha oficina de direito adquiridos? Para responder a isto é necessario começar por definir o que é direito adquirido; mas ha mais de duzentos annos que os jurisconsultos trabalham para achar uma definição de direito adquirido, e ainda até hoje o não podaram fazer satisfactoriamente, porque o terreno em que te têem collocado é um terreno falso, e porque o verdadeiro principio para resolver a questão da retroactividade não é a qualidade de adquirido, que possa revestir o direito, mas a origem ou titulo de que elle deriva.

Eu sou forçado a entrar n'estas considerações, que até certo ponto podem enfadar, mas quando se apresenta uma questão com caracter serio é necessario trata-la seriamente (apoiados). Creio porém, sr. presidente, que deu a hora, e por isso peço a v. ex.ª me reserve a palavra para concluir ámanhã.

(O orador foi comprimentado no fim do seu discurso por grande numero de srs. deputados.)