O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

839

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

me não conhecem, o perante as quaes precisava apresentar-me com franqueza, lisura o boa fé. (Apoiados.)

Feito este pequeno exordio, vou tratar em poucas palavras da questão que propriamente suscita as nossas attenções.

Trata-se da concessão, feita pelo governo no anno proximo e passado ao capitão do exercito o sr. Paiva de Andrada, de terrenos, matas e minas, situados na região da Zambezia.

Eu não pretendo illustrar a questão. Depois da larga discussão que houve na outra casa do parlamento; depois de se ter derramado tanta luz sobre o assumpto, e principalmente depois do discurso verdadeiramente notavel do meu prezado amigo, o sr. Silveira da Mota, seria uma falta de prudencia da minha parte, seria uma loucura até, se o pretendesse fazer. O meu fim é muito mais resumido e modesto, é explicar o meu voto.

Sr. presidente, ha tres pontos a considerar. Ha a questão da legalidade em primeiro logar, e que tem sido largamente debatida e tratada; ha a questão da conveniencia; o ha uma questão que' entendo que sobreleva a todas, qual é a do definir por uma vez os principios sobre que deve assentar a nossa administração colonial.

Precisámos primeiro que tudo, e acima de tudo, assentar os verdadeiros principios da nossa, politica ultramarina. É preciso que o parlamento se manifeste, se associe com actos decisivos da sua vontade á difinição d'esses principios.

Na questão da legalidade eu direi em poucas palavras aquillo que se me afigura.

Esta questão foi tratada pelo sr. Mariano de Carvalho, e pelo sr. Saraiva de Carvalho, com o proposito de aggredir o governo pelo acto que praticou, o qual foi defendido pelo sr. ministro da marinha, e pelo sr. Silveira da Mota. E quando homens do tão elevado talento e de tal estofa discutem um assumpto de natureza tão especial, ou, que não sou jurisconsulto, que apenas conheço a doutrina por estudo perfunctorio, seria falho de modestia se quizesse entrar amplamente no debate. Mas acima de tudo o até da jurisprudencia está o bom senso, o simples bom senso do qual já Voltaire dizia que «mais vale nas questões praticas, dó que toda a sciencia dos sabios e toda a pedanteria das academias». (Riso. Apoiados.)

O governo começou por apresentar nó artigo 1.° do. decreto da concessão, todas as leis que regulam o assumpto. Não escondeu lei nenhuma especial com relação a minas, florestas é terrenos. Depois ha uma successão de artigos, que são explicativos, ou antes, são os corolarios do artigo inicial.

Quereria o, governo enganar a parlamento? De certo que não, porque sabia que elle lhe pediria contas d'este acto.

É claro que o governo não queria enganar o parlamente; mas podia enganar-se a si mesmo. N'este caso, que seria pelo menos extraordinario o inacreditavel, porque a materia é clarissima, as intenções do governo merecem a nossa immediata absolvição, desde que foram manifestadas pela citação franca, explicita e leal das leis que regulam o assumpto. (Apoiados.)

Mas; repito, o governo podia enganar-se. E verdade. E quem me diz a mim que os que o accusam de ter falseado as leis não se enganam tambem? Porque, seja dito á boa paz, quando ouço um orador governamental acredito que a legalidade foi respeitada; quando ouço um orador da opposição, abalam-se me logo as crenças. Pondo de parte a fraqueza da minha intelligencia, quando Vejo que ha leis susceptiveis de interpretações tão oppostas, concluo que taes leis são escuras,:omissas, mal redigidas. Se ajuntarmos que não satisfazem; em minha opinião, ás exigencias de uma politica larga e reformadora, concluo logicamente que taes leis devem ser desde já remodeladas e substituidas.

Essas leis estão redigidas por tal arte, que o seu sentido varia conforme a interpretação que lhes dão. Essas leis podem ser muita cousa, mas não são leis.

A primeira conclusão, pois, que se tira d'este debato é que as leis que regulam o assumpto são, pelo menos, obsoletas e contradictorias, sobre serem restrictivas e impeditivas. Sejam, pois, reformadas e substituidas no seu espirito, na sua letra e no seu contexto.

E tanto é assim que eu citarei apenas um facto.

As leis vigentes não permittem a alheação das florestas; quer dizer, em virtude d'esta legislação o estado ou ha de deixar porder as riquezas florestaes, ou transformar-se em empreza exploradora e tirar dellas o aproveitamento possivel.......

V. ex.ª sabe melhor do que eu que o aproveitamento das essências e das rezinas e das differentes especies vegetaes são uma das grandes fontes de riqueza. V. ex.ª sabe que, por exemplo, no valle do Amazonas a primeira riqueza é a exportação da borracha; supponhamos que no Amazonas se applicava a legislação que alguns illustres deputados pro-tendem apresentar como o nec plus ultra em materia, legislativa.

Sabe v. ex.ª o que succede? E que ou os mananciaes de riqueza e os que poderiam vir a sel-o para o futuro, haviam do continuar, estereis e desaproveitados, ou o estado seria o explorador, ou a lei seria menosprezada perante essa outra lei bem mais forte, a do interesse e; da necessidade.

Em virtude d'esta legislação nós chegámos a este resultado. Uma de duas: ou nós havemos de respeitar aquella lei, ou havemos de deixar perder as riquezas naturaes que podem ainda ser - importantissimas, desde o momento em que saibamos aproveital-as, porque no Zambeze a arvore, a borracha; a ficus elástica dá-se muito bem. É a este absurdo que, nos conduz a interpretação restricta da lei. É possivel, é licito interpretar as leis de um modo que nos, conduza ao manifesto absurdo? Não percebo essa hermeneutica; Mas, emfim, eu já disse que fallava pelo simples bom senso.

Mas supponhamos que a concessão era um tecido do monstruosidades, o que attentava não só contra as nossas possessões da Zambezia, mas contra todas as, outras posses» soes, e até mesmo contra a integridade do paiz. Desde o momento em que o governo,.em que todos os oradores da maioria d'esta casa declararam que a concessão é provisoria, e que a organisação da companhia depende dos estatutos que hão de ser approvados pelo governo, cessam immediatamente os receios.

Esses estatutos hão de sujeitar-se não só ás leis actuaes senão tambem ás que existirem d'aqui a dois annos. Não' haverá tempo de tomar todas as precauções, refundindo e remodelando as leis? E tanto é assim que o meu illustre amigo o sr. Saraiva de Carvalho, prevenindo õ argumento, viu uma retroactividade sui generis, qual é a de uma lei que ainda não existe.

A phrase é bonita, é elegante, produziu extraordinario effeito; e eu mesmo estive quasi a applaudil-a. Mas nada exprime, porque as leis podem ser alteradas e modificadas até á expiração do praso, e é conformo.com ellas que os estatutos da companhia hão de ser formulados. Aonde está pois, essa retroactividade que o nobre orador creou ao sopro de uma inspiração fecunda! Nem o governo nem nenhum de nós póde saber qual a legislação que ha de reger o assumpto d'aqui a, dois annos. O que se sabe é que a companhia, quando for. organisada, ha de sujeitar-se á legislação, vigente do paiz.......

Este é o ponto importante.. -.

Se a legislação actual é má, e eu assim o creio, reforme-se, que é este o melhor meio de evitar quaesquer perigos que possam advir da concessão. (Apoiados.)

Eu creio que este argumento, que na minha singeleza acho muito concludente, não tem uma resposta facil. (Apoiados.)

E direi mais, sr. presidente. - Por parte dos oradores da opposição faz-se obra de pouco patriotismo, querendo-se

Sessão de 15 de marco de 1879