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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

FALTA TEXTO

Discurso do sr. deputado Osorio do Vasconcellos, pronunciado na sessão de 5 de março, o que devia ler-se pag. 698, col. 2ª

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Não é sem uma certa commoção que fallo pelo primeira vez n'esta sessão. Em primeiro logar, o meu estado de saude não 6 lisonjeiro; e em segundo logar, porque este debato de tal maneira acaba de ser irritado pelo meu illustre amigo, o sr. Saraiva de Carvalho, cuja presença n'esta casa eu folgo do applaudir, porque é bem que todos os talentos amadurecidos pelo estudo o pela experiencia tenham aqui entrada, que eu, completamento desapaixonado, frio, enregelado, permitta-se-me a phrase, e sem áquelles enthusiasmos fabris de que s. ex.ª deu tão eloquentes provas, não sei como hei de acompanhal-o nos vôos de águia com que se arrebatou ás accusações mais vehementes o menos fundadas. (Apoiados.).

Serei, pois, muito comesinho, serei muito debil até na argumentação, o que não admira, vista a fraqueza dos meus dotes oratorios.

Não me faço cargo de responder ás accusações vehementes de s. ex.ª, porque n'estas questões as accusações não são argumentos (Apoiados.); todavia, no limite da minha rasão o da minha intelligencia, tratarei de rebater essa tal ou qual argumentação do meu illustre e velho amigo, e como fallo com a consciencia pura, creio ter o direito de conquistar o silencio benevolo dos meus collegas.

O illustre deputado encerrou ou epilogou o seu discurso com um dito conceituoso de Montesquieu. Eu retorquir-lhe-hei desde já com uma sentença, ou antes, com uma protestação de Montaigne, que, escrevendo o seu livro immortal, começou por lhe gravar estas palavras: Ceci est un livre de bonne foi. N'estas questões de alto interesse social é mister que acima de tudo e antes de tudo haja boa fé. As paixões irritam, não esclarecem. E em boa verdade não. sei bem como, n'uma questão de simples administração, possa haver tanta paixão! (Apoiados.)

Sejamos frios e serenos.

Antes de entrar, porém, no assumpto que se ventila, permitta-me v. ex.ª que eu faça não uma divagação, mas um pequeno prefacio; o chamo a attenção de v. ex.ª para as palavras que vou proferir, porque desejo manter-me rigorosamente dentro dos limites do nosso regimento. Se os transpozer, v. ex.ª fará o favor de me avisar, e eu obedecerei logo ás suas benevolas indicações. Quero apenas varrer a minha testada e affirmar a independencia e dignidade d'esta camara, sem attentar, ainda de leve, contra o respeito e consideração que me merecem as individualidades a que tenho de referir-me.

Não ignora v. ex.ª que na outra casa do parlamento se suscitou larga discussão por occasião de se tratar ali da resposta ao discurso da corôa, e que um dos talentos mais robustos e mais esclarecidos, um homem que tem unia larga biographia e um grande nome, ao qual andam vinculados muitos dos acontecimentos que desde 1851 para cá se hão realisado, entendeu no uso plenissimo de faculdades, que julgou legaes, que devia discutir a politica eleitoral do governo. Não preciso citar o nome da pessoa a que me refiro.

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Sr. presidente, não serei ou, que acredito na belleza e fecundidade dás instituições democraticas e da liberrima discussão, não serei eu quem faça o menor protesto contra o cavalheiro que levantou esse debate.

Eslava no direito stricto de apreciar a politica eleitoral do governo. -Não o nego nem o contesto.

Considerada a questão na generalidade, o digno par usava de uma faculdade legal, chamando á barra o governo, que em sua opinião havia delinquido. -

- Mas aquelle cavalheiro, aquelle republico que me merece o maximo respeito, entendeu que devia citar nomes, opiniões o factos individuaes. Saiu do seu papel, e alargando as suas attribuições, saltou fóra senão da constituição, pelo menos do que determinam as boas praxes, como lh'o demonstrou um jurisconsulto notavel, o sr. Mártens Ferrão. (Apoiados.) Aquelle orador entendeu que podia e de via apreciar e julgar eleições, que já n'esta camara haviam sido apreciadas e julgadas. (Apoiados.) Arvorou-se n'uma segunda commissão de verificação de poderes, mesmo n'um tribunal de appellação, para o qual podiam ser enviadas as nossas resoluções. A legalidade dos nossos diplomas, que nós tinhamos sanccionado, nada valia senão depois d'essa outra sancção personificada no illustre orador, que pelos modos, sabendo tudo, sabia que a consciencia dos eleitores havia sido violentada. Ha n'isto uma violação do systema (Apoiados.) Ha uma inversão de principios e de funcções. (Apoiados.) Se isto não o a anarchia, o que será pois? E é a anarchia em nome do que se denomina conservação social. (Apoiados.). -.

Eu, sr. presidente, podia, no uso pleno do meu direito, não digo contestar, mas entregar á camara esta causa que não é minha, que é da camara, e instar, exorar e exigir, se fosse necessario, que se resolvesse o conflicto segundo as normas constitucionaes. Não o quiz fazer;.sou um homem do paz. Entendo que estes principios de tolerancia que tanta gente apregoa como o tabernáculo sacrosanto da liberdade, não devem ser unicamente uma affirmativa, mas traduzir-se na pratica.

Sou tolerante; se, porventura, se tratasse apenas da minha humilima pessoa, eu não diria uma palavra. Facilmente perdoaria, porque facilmente esqueceria. Alem de tudo ía, n'isso a minha commodidade.

Sr. presidente, eu tenho tambem uma historia. Não, sou de hoje; já sou de hontem. Não preciso definir-me. A minha biographia é patente e conhecida. Ha nove, annos que tenho i, assento n'esta casa; ha novo annos que entro em quasi todas as discussões com o meu verbo que, dosadornado de floridas eloquências, é convicto e consciente. Ha nove annos que traio de elucidar, não os outros, mas a mim. Como é, pois, que só agora os escrupulosos exegitas da legalidade constitucional se lembram de discutir um homem que nunca variou e revelou sempre a maior constancia no progredir, porque a coherencia não é o quietismo e a immobilidade? Ha quem julgue o contrario; ha quem julgue que no retrogradar está o aperfeiçoar-se. A esses, lastimo eu. {Apoiados.)

Eu entendo que os homens publicos se devem affirmar, não por palavras, mas pelos seus actos, porque são os seus actos que a historia registra. (Apoiados.)

Se se tratasse da minha pessoa, repito, não procuraria defender-me, mas tratou-se ali do todos os nossos collegas, cujos poderes já tinham sido verificados, e quando se nos tinha dado a investidura de representantes do povo. (Apoiados.)

Nós representávamos já um alto poder do estado, não podiamos ser discutidos, porque essa discussão era a negação do systema liberal. (Apoiados.)

Discutiu-se ali não só as eleições de alguns deputados, e negou-se-lhes a genuidade, depois de já terem sido approvadas n'esta camara, mas disse-se mais, tratou-se de invadir e violar a propria consciencia, que devia ser respeitada e que eu pela minha parte sempre respeitei.

Soltaram-se phrases, na verdade maravilhosas! Disse-se, a proposito da politica do governo que n'esta casa havia perjuros,.homens inimigos, reconhecidos inimigos das instituições, o que no. entretanto não tinham duvidado jurar a guarda e conservação d'essas instituições!

N'esses homens, os sentimentos de honra estavam, pois, obliterados?

O nosso caracter individual protesta contra essas phrases, e bastaria protestar com o silencio, porque mais não era necessario..

Esta phrase inimigo das instituições, do que tanto se tem usado o abusado, que é o lemma de todo o immenso martyriologio da historia; essa phrase; que já levou Sócrates ao suicídio porque outra cousa não foi a morte do grande mestre; essa phrase é uma aberrarão e uma monstruosidade. (Apoiados.)

Quero o exijo a responsabilidade do todos os meus actos, não a declino, e é por isso que eu entendo que se deve seguir aquelle velho annexim dos conquistadores hespanhoes obras y no palabras.

É preciso que sejamos mais parcos em palavras o mais opulentos em obra.

É necessario que se faça toda. a luz, e que acabem de uma vez para sempre estas insinuações ou accusações, ou o que quer que seja, que nem, ao menos tem o, merito de novidade nem, se recommendam pela correcção esthetica da arte. (Riso.)

Nunca tive duvida em me apresentar como sou, tal qual me fez a natureza, tal qual. me fez a ordem dos meus estudos, sem rebuços, som hypocrisia e sem mascara.. Sr. presidente, é opinião minha, e muito antiga, que ha cousas que só em circumstancias especiaes podem e devem, ser discutidas no parlamento.

Uma d'essas cousas é a fórma de governo, considerada como um facto que se impõe irremissivelmente.

Uma certa e determinada fórma do governo existe emquanto o modo de ser social a consente, emquanto, ella satisfaz na sua maxima parte as necessidades mais instantes, as necessidades biológicas, permitta-se-me phrase

Eu entendo que desde que essa..correlação entre o meio e a fórma deixa do existir, partem-se os laços, e como as sociedades não morrem, como o meio persiste, a fórma desapparece e é substituida por outra melhor adequada. E a theoria historico-natural, da adaptação.

A politica é uma sciencia experimental, e partir de uma concepção; theorica para determinar a priori, sem attender, a todas as condições e circumstancias praticas; para, estabelecer uma fórma do governo, é entrar nos dominios da utopia, é fazer obra ephemera e inutil.

Acceitemos a força dos factos, sem nunca esquecer que as sociedades tendem irresistivelmente para a democracia, porque é esta a verdadeira salvação.

N'um dos livros mais notaveis, publicados nos ultimos tempos, o seu illustre auctor, um dos chefes da moderna eschola positivista da Inglaterra, mostrou que os povos do occidente da Europa, no estado de civilisação actual, não consentem senão uma das duas formas de governo, ou a republica conservadora, ou a monarchia progressiva; a monarchia progressiva deve ser igual á republica conservadora, com a differença de, que n'aquella o chefe do executivo é hereditario, o n'esta é electivo; e reciprocamente, Todos áquelles que acreditámos que a democracia não é uma palavra vã, mas uma verdade resplandecente e victoriosa, e representa uma grande idéa, devemos fazer com que esta formula admiravelmente concreta venha a ser uma realidade.

Eu não quero insistir demasiado n'este ponto. Entendi que me era necessario manifestar-me tal qual sou e como sei. E esta necessidade era tanto mais instante, quanto é certo que n'esta assembléa, aonde fallo pela primeira vez este anno, ha homens novos, ha talentos provados e inteligências robustas e muito esclarecidas, que seguramente

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me não conhecem, o perante as quaes precisava apresentar-me com franqueza, lisura o boa fé. (Apoiados.)

Feito este pequeno exordio, vou tratar em poucas palavras da questão que propriamente suscita as nossas attenções.

Trata-se da concessão, feita pelo governo no anno proximo e passado ao capitão do exercito o sr. Paiva de Andrada, de terrenos, matas e minas, situados na região da Zambezia.

Eu não pretendo illustrar a questão. Depois da larga discussão que houve na outra casa do parlamento; depois de se ter derramado tanta luz sobre o assumpto, e principalmente depois do discurso verdadeiramente notavel do meu prezado amigo, o sr. Silveira da Mota, seria uma falta de prudencia da minha parte, seria uma loucura até, se o pretendesse fazer. O meu fim é muito mais resumido e modesto, é explicar o meu voto.

Sr. presidente, ha tres pontos a considerar. Ha a questão da legalidade em primeiro logar, e que tem sido largamente debatida e tratada; ha a questão da conveniencia; o ha uma questão que' entendo que sobreleva a todas, qual é a do definir por uma vez os principios sobre que deve assentar a nossa administração colonial.

Precisámos primeiro que tudo, e acima de tudo, assentar os verdadeiros principios da nossa, politica ultramarina. É preciso que o parlamento se manifeste, se associe com actos decisivos da sua vontade á difinição d'esses principios.

Na questão da legalidade eu direi em poucas palavras aquillo que se me afigura.

Esta questão foi tratada pelo sr. Mariano de Carvalho, e pelo sr. Saraiva de Carvalho, com o proposito de aggredir o governo pelo acto que praticou, o qual foi defendido pelo sr. ministro da marinha, e pelo sr. Silveira da Mota. E quando homens do tão elevado talento e de tal estofa discutem um assumpto de natureza tão especial, ou, que não sou jurisconsulto, que apenas conheço a doutrina por estudo perfunctorio, seria falho de modestia se quizesse entrar amplamente no debate. Mas acima de tudo o até da jurisprudencia está o bom senso, o simples bom senso do qual já Voltaire dizia que «mais vale nas questões praticas, dó que toda a sciencia dos sabios e toda a pedanteria das academias». (Riso. Apoiados.)

O governo começou por apresentar nó artigo 1.° do. decreto da concessão, todas as leis que regulam o assumpto. Não escondeu lei nenhuma especial com relação a minas, florestas é terrenos. Depois ha uma successão de artigos, que são explicativos, ou antes, são os corolarios do artigo inicial.

Quereria o, governo enganar a parlamento? De certo que não, porque sabia que elle lhe pediria contas d'este acto.

É claro que o governo não queria enganar o parlamente; mas podia enganar-se a si mesmo. N'este caso, que seria pelo menos extraordinario o inacreditavel, porque a materia é clarissima, as intenções do governo merecem a nossa immediata absolvição, desde que foram manifestadas pela citação franca, explicita e leal das leis que regulam o assumpto. (Apoiados.)

Mas; repito, o governo podia enganar-se. E verdade. E quem me diz a mim que os que o accusam de ter falseado as leis não se enganam tambem? Porque, seja dito á boa paz, quando ouço um orador governamental acredito que a legalidade foi respeitada; quando ouço um orador da opposição, abalam-se me logo as crenças. Pondo de parte a fraqueza da minha intelligencia, quando Vejo que ha leis susceptiveis de interpretações tão oppostas, concluo que taes leis são escuras,:omissas, mal redigidas. Se ajuntarmos que não satisfazem; em minha opinião, ás exigencias de uma politica larga e reformadora, concluo logicamente que taes leis devem ser desde já remodeladas e substituidas.

Essas leis estão redigidas por tal arte, que o seu sentido varia conforme a interpretação que lhes dão. Essas leis podem ser muita cousa, mas não são leis.

A primeira conclusão, pois, que se tira d'este debato é que as leis que regulam o assumpto são, pelo menos, obsoletas e contradictorias, sobre serem restrictivas e impeditivas. Sejam, pois, reformadas e substituidas no seu espirito, na sua letra e no seu contexto.

E tanto é assim que eu citarei apenas um facto.

As leis vigentes não permittem a alheação das florestas; quer dizer, em virtude d'esta legislação o estado ou ha de deixar porder as riquezas florestaes, ou transformar-se em empreza exploradora e tirar dellas o aproveitamento possivel.......

V. ex.ª sabe melhor do que eu que o aproveitamento das essências e das rezinas e das differentes especies vegetaes são uma das grandes fontes de riqueza. V. ex.ª sabe que, por exemplo, no valle do Amazonas a primeira riqueza é a exportação da borracha; supponhamos que no Amazonas se applicava a legislação que alguns illustres deputados pro-tendem apresentar como o nec plus ultra em materia, legislativa.

Sabe v. ex.ª o que succede? E que ou os mananciaes de riqueza e os que poderiam vir a sel-o para o futuro, haviam do continuar, estereis e desaproveitados, ou o estado seria o explorador, ou a lei seria menosprezada perante essa outra lei bem mais forte, a do interesse e; da necessidade.

Em virtude d'esta legislação nós chegámos a este resultado. Uma de duas: ou nós havemos de respeitar aquella lei, ou havemos de deixar perder as riquezas naturaes que podem ainda ser - importantissimas, desde o momento em que saibamos aproveital-as, porque no Zambeze a arvore, a borracha; a ficus elástica dá-se muito bem. É a este absurdo que, nos conduz a interpretação restricta da lei. É possivel, é licito interpretar as leis de um modo que nos, conduza ao manifesto absurdo? Não percebo essa hermeneutica; Mas, emfim, eu já disse que fallava pelo simples bom senso.

Mas supponhamos que a concessão era um tecido do monstruosidades, o que attentava não só contra as nossas possessões da Zambezia, mas contra todas as, outras posses» soes, e até mesmo contra a integridade do paiz. Desde o momento em que o governo,.em que todos os oradores da maioria d'esta casa declararam que a concessão é provisoria, e que a organisação da companhia depende dos estatutos que hão de ser approvados pelo governo, cessam immediatamente os receios.

Esses estatutos hão de sujeitar-se não só ás leis actuaes senão tambem ás que existirem d'aqui a dois annos. Não' haverá tempo de tomar todas as precauções, refundindo e remodelando as leis? E tanto é assim que o meu illustre amigo o sr. Saraiva de Carvalho, prevenindo õ argumento, viu uma retroactividade sui generis, qual é a de uma lei que ainda não existe.

A phrase é bonita, é elegante, produziu extraordinario effeito; e eu mesmo estive quasi a applaudil-a. Mas nada exprime, porque as leis podem ser alteradas e modificadas até á expiração do praso, e é conformo.com ellas que os estatutos da companhia hão de ser formulados. Aonde está pois, essa retroactividade que o nobre orador creou ao sopro de uma inspiração fecunda! Nem o governo nem nenhum de nós póde saber qual a legislação que ha de reger o assumpto d'aqui a, dois annos. O que se sabe é que a companhia, quando for. organisada, ha de sujeitar-se á legislação, vigente do paiz.......

Este é o ponto importante.. -.

Se a legislação actual é má, e eu assim o creio, reforme-se, que é este o melhor meio de evitar quaesquer perigos que possam advir da concessão. (Apoiados.)

Eu creio que este argumento, que na minha singeleza acho muito concludente, não tem uma resposta facil. (Apoiados.)

E direi mais, sr. presidente. - Por parte dos oradores da opposição faz-se obra de pouco patriotismo, querendo-se

Sessão de 15 de marco de 1879

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até negar a iniciativa do parlamento em materia legislativa.

D'este modo o executivo d'aqui a alguns annos ha do sanccionar esta concessão pelas leis actualmente em vigor, o não pelas leis que tivermos feito.

Isso é prender os nossos braços, attentar até contra as nossas attribuições. (Apoiados.)

Com estas saudáveis restricções, não tenho receio algum d'esta concessão.

De duas uma.

Ou o concessionario organisa a companhia debaixo do imperio das leis que nós julgamos mais convenientes, e temos largo tempo para as discutir o promulgar, ficando o paiz com todas as vantagens e sem os perigos da concessão; ou o concessionario não organisa a companhia, que na minha opinião é a hypothese que vem a dar-se, e então o maior mal que nos póde acontecer é ficarmos como estavamos..

Todavia, não creia v. ex.ª o não creia a camara que eu me enthusiasme por esta concessão, que ou a applauda, que eu a festeje, que eu a eleve á apotheose. Entendo que o governo podia fazer mais o melhor. (Apoiados.) N'isto é que eu divirjo, e a minha divergencia é grande.

É a questão de methodo.

V. ex.ª sabe que as questões de methodo, nas sciencias do applicação, são importantes; não são secundarias, são primarias.

Eu entendo, como todos os que têem assento n'esta casa, que 6 da maxima urgencia o necessidade attentarmos nas nossas colonias, as quaes, não obstante o seu atrazamento, estão ligados, por vinculos estreitos, o nosso futuro, a nossa grandeza, a nossa força, e talvez a nossa independencia.

A civilisação moderna traz encargos gravosos, a que se não pede fazer face senão com grandes rendimentos. Esses rendimentos não ha de ser só o paiz que os ha de dar; hão do ir buscar-se tambem ás colonias.

Empregar todos os esforços para dar ás colonias todo ò desenvolvimento de que são susceptiveis, e fazer obra de elevado patriotismo.

Portanto a questão de methodo não é uma questão secundaria.

"Nós precisámos estudar quaes são os meios mais directos para só chegar a este fim.

Ora, esta concessão, e é sobre este ponto que chamo a attenção da camara, não porque pretenda dar novidades, mas porque é isto que deve influir em todos os nossos votos; esta concessão, digo, que tem concitado contra si tantas e tão eloquentes iracundias, na minha opinião é um acto perfeitamente anodyno o inoffensivo.

Infeliz ou felizmente, não tem a importancia que se lhe pretende dar.

Quereria, porventura, o governo saír d'aquella situação bem pouco hygienica ora que jazemos desde longos annos em materia colonial? Obedeceria o governo a este pensamento? Não sei; mas desde que o governo disse que oram estas as suas intenções e como as intenções alheias são respeitaveis, tenho obrigação de acredital-o.

Se o seu proposito era saír d'estes limites estreitos e acanhados em que sempre a governação publica se tem sentido asphyxiada, para experimentar novos methodos pelas largas concessões, o que na minha opinião não é o melhor meio (Muitos apoiados.); se assim é, absolvo o governo pelas suas excellentes intenções, que são meritórias e patrioticas. (Muitos apoiados.)

Boa contra os privilegios, o como muito bem disse um dos oradores que me precederam, julgo que o melhor de todos os privilegios é a ausencia do privilegio. Quero o regimen commum, o regimen da liberdade, tanto mais necessario quando se trata de uma questão colonial (Apoiados.), ti qual é urgente associar os esforços e do todo o mundo civilisado. A questão colonial não póde ser resolvida por um só povo. E de todos, não obstante os sagrados direi tos da soberania. (Apoiados.)

O regimen da liberdade é o unico que póde ser salvador e redemptor.

Nós lemos experimentado todos os privilegios desde as velhas doações das capitanias do Brazil, desde as tentativas mais ou menos methodicas e racionaes que se hão feito na Africa, até ás concessões anteriores a esta do sr. Paiva do Andrada, o vemos que o privilegio não nos conduz a nenhum resultado pratico o util.

Portanto, sr. presidente, quendo não houvesse outra rasão, bastava cata para tentar outro caminho e outro meio. Eu preferira a liberdade, o governo julga preferíveis as grandes concessões. Divergimos no methodo; mas as intenções são louvaveis, o pela minha parte muito desejo que a experiencia seja feliz.

Se estudarmos as colonias de todos os paizes, nós vemos que ha exemplares, que ha specimens de todos os systemas.

Temos, por exemplo, o systema do privilegio, o mais completo e mais exclusivo na colonia de Java.

Não quero mostrar erudição desnecessaria, porque toda a gente conhece o regimen colonial da Hollanda: basta dizer, que o cultivador indígena tem o preço da sua colheita taxado pelo representante do governo central; e ainda maia, não póde vender os seus productos. senão ao representante do governo!

Os hollandezes justificara este regimen da gleba, dizendo que o temperamento da raça malaia é de tal maneira avesso ao trabalho, que só convidando o indígena com promessas de uma compra immediata, segura e certa em de terminado praso, é que se entregará ao trabalho da terra.

O que é certo é que, por este meio, a Holanda conseguiu construir quasi todos os seus caminhos de ferro á custa dos rendimentos das colonias; e se ella não tivesse declarado aquella guerra desastrosa ao sultão de Achem, como diziam os nossos velhos chronistas, porque nós tivemos guerra tambem com aquella nação valentíssima e formidável pelas suas qualidades guerreiras; se não fóra a guerra intempestiva, a guerra inopportuna,e desgraçada que a Hollanda declarou ao sultão do Achem, o dessecamento do um grande polder, o Zuyderzé, que está projectado, esta; ria realisado á custa dos rendimentos provenientes da colonia.

Sr. presidente, nas colonias inglezas nós vemos representados tambem todos os regimens possiveis. Nós vemos o parlamentarismo, como eu bem quizera que o tivessemos em Portugal, no Canadá. Nós vemos o regimen dos estados communaes levado, á sua ultima expressão na florescente Austrália, o vemos o militarismo na Nova Zelândia.

Não quero alludir agora ao imperio, indico. Esse hoje não é uma colonia, é um estado adjacente, um estado irmão. Depois da decretação da corôa imperial á rainha Victoria, o imperio indico constitue parte integrante da monarchia britannica.

Nas colonias inglezas da Africa nós vemos o Cabo da Boa Esperança, aonde ha uma civilisação adiantada, aonde ha um parlamento com largas attribuições, aonde existe a responsabilidade ministerial, o com ella vemos, applicados quasi todos os principios, da moderna civilisação. '

Nós vemos a colonia de Natal, aonde não ha ainda essa civilisação, para a qual, todavia, se caminha a passos agigantados, e vemos tambem o regimen militar no interior da Africa em territorios de novo aggregados.

A proposito direi que o meu amigo, o sr. Saraiva de Carvalho, laborou n'uma pequena confusão relativamente ao estado de Orange. O Orange ainda hoje gosa das suas immunidades de estado independente.

Nós vemos que nos Estados Unidos havia o regimen militar 0111 toda a sua franqueza e plenitude, quando eram colonias inglezas, das quaes depois nasceu essa florescon-

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tissima nação, que tom resolvido a pouco o pouco todos os formidaveis problemas sociaes, que trabalham a velha Europa, nação robusta, cheia de vida e energia, esperança e consolação da democracia o da humanidade. (Apoiados.)

Quem lançou os fundamentos dos Estados Unidos da America foram os livres pensadores perseguidos por Carlos II, e antes d'elles, os diversos sectarios perseguidos por Cromwell.

Uns o outros, round heats e cavaliers prezavam a liberdade do consciencia, e por ella emigraram para a America, não antevendo o brilhante futuro que esperava os seus descendentes.

Foram elles que constituiram o primeiro nucleo d'aquella admiravel republica, onde a liberdade em todas as suas manifestações vivifica todas as energias e fecunda todos os esforços.

E ainda hoje mesmo na America ha uma liberdade franca, franquissima em materia de colonisação.

O colono desembarca em qualquer dos portos da America. Passado um anno está isso facto cidadão dos Estados Unidos. Ninguem lhe põe peias. Se quer, vae para o interior, para o far-west, onde assenta o seu lar. *

É a sentinella avançada da civilisação, e o pionneer que desbrava o terreno.

Ao pionneer succede o setller, que se fixa ao solo, que alterna as culturas o se agrupa formando centros de populações.

E assim e que, passados alguns annos, o que era um simples baldio, uma charneca, tornou-se um rico terreno cultivado o uma aldeia importante, o dentro em pouco tempo uma cidade opulenta.

Para confirmar o que catou dizendo basta citar a cidade do Chicago, que hoje conta 400:000 habitantes, tendo sido fundada em 1851.

Portanto, repito, a minha opinião é que o melhor regimen é o da liberdade.

Sr. presidente, muito temos a receiar da vizinhança dos inglezes na Africa oriental. E preciso não encobrir a verdade. Os inglezes pretendem organisar uma confederação do estados que abranja todo o sul de Africa. Esta confederação está destinada a representar um papel importantissimo na Africa austral analogo ao do Egypto no norte.

O Egypto pelo norte, e os estados confederados pelo sul, vão subindo ao encontro um do outro. São duas correntes que tendem a confluir no centro de Africa e a crear um protectorado inglez em todo o continente.

Na região dos lagos, cujas descripções feitas pelos viajantes são formosíssimas e encantadoras, é que os inglezes pretendem assentar o nucleo da sua empreza.

Nos lagoa, situados no massiço das montanhas centraes, nascem os tres grandes rios: o Nilo, o Zambeze e o Zaire.

Só o Zaire arremessa tal quantidade do agua no oceano, que o seu volume é igual ou superior á agua de todos os rios da Europa.

Para não sermos esbulhados dos nossos direitos em nome da civilisação, não devemos illudir-nos com a colonisação da provincia do Moçambique, Concentremos, os nossos esfosços no litoral, afortalezêmo-nos ali, e deixemos que a onda civilisadora alastro a Africa. Todo o commercio affluirá aos portos que são nossos.

Fortifiquemos o litoral. E eu chamo a attenção do sr. ministro da marinha para o estado em que se encontra Lourenço Marques pela sua vizinhança immediata com o theatro da guerra.

A posse garantida dos portos de mar permitte-nos dar, de mão beijada, os terrenos que nos pedirem, agradecendo a todos áquelles que quizerem ir cultival-os sem privilegios, acceitando o regimen commum, o sobretudo não exigindo nós os depositos de dinheiro como se recommenda n'aquella consulta do erudito o respeitavel procurador geral da corôa, consulta que o sr. Casal Ribeiro disse que representava a ultima palavra em materia colonial, que devia ser gravada em letras de oiro no gabinete do ministro da marinha (Riso).

Exigir depositos de dinheiro a quem arrisca a sua vida e fazenda procurando a Africa, julgo eu que e absurdo.

Não quero cansar n attenção da camara, e vou resumir as minhas considerações.

Eu, se tivesse a honra de gerir a pasta da marinha, não faria esta concessão; em primeiro logar, porque a acho impolitica e inutil; era segundo logar, porque entendo que o systema dos privilegios não ha do produzir resultado algum.

Por outro lado não posso condemnar o governo, porque tendo-se seguido até aqui na politica colonial um certo caminho, julgou conveniente mudar o methodo.

Acato as intenções do governo. Não o posso condemnar por ellas; pelo contrario devo louval-o, mas a minha opinião é que do methodo que elle escolheu não hão do surtir os effeitos que imaginou.

Todavia desejo enganar-mo; desejo muito que estas theorias, que são apenas filhas do estudo, soffram um desengano cabal, soffram o desengano dos factos.

Desejo que o sr. Paiva de Andrada organise uma companhia, que essa companhia tenha os estatutos approvados pelo governo, e que, transplantando na sua actividade o a sua energia para o centro do Africa, veja os seus esforços coroados pelos fructos, pelas opulências e pelas riquezas que todos almejam para as colonias. (Apoiados.)

Podia ainda acrescentar algumas reflexões, mas restrinjo aqui o que tinha a dizer, mandando -para a mesa a seguinte moção de ordem, a qual espero que mereça a approvação da camara.

(Leu.)

Agora nada mais tenho a dizer senão que agradeço a benevolencia com que a camara me escutou. Vozes: — Muito bem. (O orador foi comprimentado.)

Rectificação

Na sessão de 10 de março, pag. 738, 2.ª col. onde se lê = um projecto de lei tendente a garantir a reforma dos officiaes marinheiros = devo ler-se = projecto melhorando a situação dos officiaes inferiores do corpo dos marinheiros da armada.

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