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SESSÃO DE 16 DE MARÇO DE 1885

Presidencia do exmo sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno

SUMMARIO

Dois offiocos, sendo um do ministerio da marinha com uns relatorios requeridos pelo Sr. Lencastre, e outro da commissão central anti-phiylloxerica do sul do reino, acompanhando alguns exemplares do seu ultimo relatorio. - Segundas leituras e admissão de um projecto de lei do sr. Costa Pinto e de num proposta do sr. Alfredo Peixoto. - Representações mandados para a mesa pelos srs. Arthur Hintze Ribeiro Lopes Vieira, Pedro Roberto e Sousa e Silva. - Requerimento de interesse publico do sr. Scarnichia, e outros particulares apresentados pelo sr. Agostinho Lucio e J. J. Alves. - Justificações de faltas dos srs. Silva Cardoso, Santos Diniz e Franco Castello Branco. - O sr. conde de Thomar pergunta se já vieram uns documentos que pediu, pelo ministerio das obras publicas. - Responde-lhe negativamente o sr. Mouta, primeiro secretario, e o sr. ministro, respectivo declara que os remetterá em breve. - Faz igual pergunta o sr. J. J. Alves, e recebendo da mesa identica resposta, insta de novo pela remessa dos documentos que pediu. - Renova a iniciativa de um projecto de lei o sr. Sousa e Silva; fica para segunda leitura.
Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.º 10, que concede um bill de indemnidade. - Tomam parte no debate os srs. Beirão, Franco Castello Branco, relator, e Simões Dias; o primeiro e o ultimo, que ficou ainda com a palavra reservada, contra o projecto e diversos netos do governo, e o segando a favor, respondendo ás considerações feitas pelo primeiro orador. - Foi approvada a ultima redacção do projecto de lei n.º 19. - É nomeada pela mesa a commissão de inquerito agricola. - Apresenta uma proposta de lei o sr. ministro da fazenda. - Mandam para a mesa pareceres de commissões, que vão a imprimir, os srs.: Carrilho, por parte da commissão de fazenda e sobre a proposta de lei n.º 15-D; Correia Barata, por parte da mesma commissão, em referencia á proposta de lei para creação de uma caixa de aposentações; e o sr. Lencastre, por parte da commissão de administração, ácerca de um projecto de lei do sr. Figueiredo Mascarenhas.

Abertura - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada - 59 srs. deputados.

São os seguintes: - Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Antonio Annes, Lopes Navarro, Pereira Borges, Santos Viegas, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe Neves Carneiro, Avelino Calixto, Bernardino Machado, Sanches do Castro, Conde da Praia da Victoria, Conde do Thomar, E. Coelho, Goes Pinto, Fernando Geraldes, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Franco Frazão, Augusto Teixeira, Franco Castello Branco, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, José Frederico, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Gonçalves de Freitas, Sebastião Centeno, Pereira Bastos, Visconde de Reguengos, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Anselmo Braamcamp, Sousa e Silva, Antonio Candido, Cunha Bellem, Jalles, Carrilho, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, Fuschini, Pereira de Ramalho, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, E. Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Moita, J. C. Valente, Scarnichia, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, Avellar Machado, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, José Borges, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, J. M. dos Santos, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Reis Torgal, M. J. Vieira, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpbo Pimentel, Adriano Cavalheiro, Agostinho Fevereiro, Pereira Côrte Real, Antonio Centeno, Garcia Lobo, Fontes Ganhado, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Urbano de Castro, Ferreira de Mesquita, Caetano de Carvalho, Sousa Pinto Basto, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Mártens Ferrão, Wanzeller, Costa Pinto, Baima de Bastos, J. A. Pinto, Melicio, Sousa Machado. J. A. Neves, Teixeira Sampaio, Ferreira Freire, Pinto do Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Franco, Dantas Baracho, Visconde de Alentem e Visconde de Balsemão.

Acta. - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Luiz de Lencastre, relatorios dos presidentes das relações de Luanda e Nova Goa, relativos aos annos de 1882 e 1883.
Á secretaria.

2.º Da commissão central anti-phylloxerica do sul, enviando 80 exemplares do relatorio da mesma commissão.
Mandaram-se distribuir pelos membros da mesa, pelos da commissão que se occupa do assumpto e pelos presidentes das restantes commissões.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Na lei de 21 de julho de 1880, que creou varios logares no lazareto de Lisboa e fez extensivas aos respectivos empregados as disposições da lei do 6 de maio de 1878, deixou inadvertidamente de declarar-se que o capellão pertence ao quadro d'aquelle pessoal.
Ora este funccionario faz effectivamente parte do dito quadro, como os factos o attestam ha mais do vinte e cinco annos o como o demonstra o n.º 5 do artigo 134.º do regulamento geral de sanidade maritima, approvado por decreto do 12 de novembro de 1874.
Demais, no orçamento geral do estado está consignada a verba de 400$000 réis que annualmente se abona ao referido empregado.
A alludida falta de designação póde, porem, para o futuro, prejudicar o sacerdote que desempenha aquelle lo-

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gar, tão importante e arriscado, privando-o do beneficio da aposentação a que actualmente têem direito todos os funccionarios do lazareto, desde os mais elevados até desce ao proprio servente.
Para fazer desapparecer similhante desigualdade e obsta a que de futuro possa haver duvidas ácerca da aposentação dos capellães do lazareto, e sobretudo considerando que não ha augmento de despeza, tenho a honra de propor á vossa consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º O logar de capellão do lazareto de Lisboa faz parte do quadro do pessoal do mesmo lazareto, com ordenado annual de 400$000 réis, que ora lhe corresponde sendo applicavel a quem o exercer a disposição da lei de 6 de maio de 1878.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 14 do março de 1885. = O deputado pelo circulo de Almada, Jayme Arthur da Costa Pinto.
Admittido e enviado ás commissões de fazenda e de administração publica.

Proposta

A camara entende que é digna de especial apreço conta geral da administração financeira do estado na metropole, na gerencia de 1883-1884, ultimamente distribuida. = Alfredo da Rocha Peixoto.
Admittida e enviada á commissão de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal da Ribeira Grande, pedindo annexação da freguezia dos Santos Reis Magos á comarca da Ribeira Grande.
Apresentada pelo sr. deputado Arthur Hintze Ribeiro enviada á commissão de legislação civil, ouvida a de administração publica, e mandada publicar no Diario do governo.

2.ª Dos officiaes de diligencias da camara de Alcobaça pedindo para ser auctorisado por lei o pagamento de emolumentos pelas diligencias a que tiverem de proceder nos processos de reclamação sobre recrutamento.
Apresentada pelo sr. deputado Lopes Vieira e enviada commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

3.ª De diversos habitantes da ilha Terceira, pedindo providencias que obstem á crise agricola.
Apresentada pelo sr. Pedro Roberto e enviada á commissão especial de inquerito.

4.ª Da associação commercial de Ponta Delgada, pedindo que se torne extensiva aos navios que se empregar: na pesca da baleia, e aos que demandam o porto para refrescos, concertos, ou reparos de avarias, a isenção de impostos de tonelagem, de quarentena, de lazareto, e a quaesquer impostos ou taxas de porto e doca, isenção que é concedida só aos vapores, num projecto de lei cuja iniciativa foi ha pouco renovada.
Apresentada pelo sr. Sousa e Silva e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que sejam enviados á commissão de marinha, os requerimentos dos srs. contra-almirante Andrade Pinto Seabra Preto, e Silva Basto, vogaes do tribunal de guerra e marinha, em que pedem lhes seja abonada a gratificação de commissão activa. = João Eduardo Scarnichia deputado por Macau.
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.º Do Leão Manuel Estevens, tenente reformado do extincto batalhão naval movel de Villa Real de Santo Antonio, pedindo melhoramento de situação.
Apresentado pelo sr. deputado Agostinho Lucio e enviado á commissão da fazenda.

2.º De sete contramestres de musica dos regimentos de caçadores e de infanteria, pedindo melhoria de reforma.
Apresentados pelo sr. deputado J. J. Alves e enviados á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que faltei ás ultimas sessões por motivo justificado. = O deputado, Silva Cardoso.

2.ª Participo a v. exa. e á camara que não pude por doença, assistir á sessão de 14 do corrente. - Franco Castello Branco.

3.ª Declaro que faltei a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Santos Diniz.

O sr. Lopes Vieira: - Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias da camara de Alcobaça, pedindo que esta camara, tendo em consideração o augmento de trabalho que lhes resultou da nova reforma eleitoral, na parte relativa ás reclamações em materia de recrutamento, adopte uma providencia que auctorise, pelos cofres do estado ou pelo producto das remissões, o pagamento de emolumentos relativos a esses serviços extraordinarios e que hoje são gratuitos.
Já tive occasião de apresentar outra petição, n'esse sentido, dos officiaes de diligencias de outra comarca e como v. exa. se dignou de envial-a ás commissões de guerra e fazenda, peço que a esta seja dado o mesmo destino.
Deu-se-lhe o mesmo destino.
O sr. Arthur Hintze Ribeiro: - A camara municipal da villa da Ribeira Grande, na ilha de S. Miguel, encarrega-me de apresentar n'esta camara uma representação, na qual reclama contra o gravame, que proveiu aos habitantes da freguezia dos Santos Reis Magos, do logar dos Fenaes de Vera Cruz; da presente divisão de comarcas.
Anteriormente pertenciam á da Ribeira Grande, de que por esta foram desagregados, ficando comprehendidos na circumscripção judicial de villa da Povoação e continuando comtudo na parte administrativa, ecclesiastica e no registo predial ainda ligado áquella.
Acresce que o logar dos Fenaes da Vera Cruz fica como a villa da Ribeira Cirande, do lado norte da ilha e como esta tem via de communicação mais facil do que com a povoação collocada na costa do sul em direcção completamente diversa.
No seu caminho para a cidade de Ponta Delgada, aonde existe a relação e mais frequentemente os seus deveres, occupações e interesses, os chamam, fica-lhes a villa da Ribeira Grande, podendo pois simultaneamente occupar-se d'elle; ao passo que têem de transportar-se expressamente para a povoação onde a sua presença póde ser requerida em occasião identica, nos tribunaes judiciaes: o que é sobremodo inconveniente para os habitantes d'aquella localidade pelo incommodo, despendio e perda de tempo a que isso os obriga.
Pelo que acabo de expor julgo largamente justificada a pretensão consignada na representação que mando para a mesa, pedindo para ser publicada no Diario do governo.
Assim se resolveu.

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O sr. Agostinho LUcio: - Mando para a mesa um requerimento de Leão Manuel Estevens, tenente reformado do extincto batalhão movel de Villa Real de Santo Antonio, que, achando se comprehendido na disposição do artigo 1.º da carta de lei de 14 de agosto de 1860, pede para ser attendido num pedido que fez a esta camara para melhoramento da sua situação e que ainda não foi satisfeito.
Peço a v. exa. que envie este requerimento á commissão de guerra para que ella o tome na devida consideração, e resolva este negocio como for de justiça.
Teve o destino indicado a pag. 760.
O sr. Conde de Thomar: - Pedi a palavra para que v. exa. se digne informar-me se já foram remettidos a esta camara os esclarecimentos que pedi, pelo ministerio das obras publicas, em referencia ao regulamento da canalisa-e?o de aguas para propriedades particulares.
O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): - Os esclarecimentos a que s. exa. se refere foram pedidos em officio de 28 de fevereiro e ainda não vieram.
O Orador: - N'esse caso, como vejo presente o sr. ministro respectivo, pedia a s. exa. que d'esse as suas ordens para que com brevidade me sejam remettidos os esclarecimentos a que me refiro, porque sobre elles desejo pedir explicações e fazer algumas perguntas a s. exa. no intuito de saber se ha meio de remediar os inconvenientes de similhante regulamento, que é altamente vexatorio para os particulares.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro das Obras Publicas (Fontes Pereira de Mello): - O meu unico fim é dizer ao illustre deputado que farei remetter á camara, quanto antes, os esclarecimentos que s. exa. deseja para formular as perguntas que julgar convenientes.
O sr. J. J. Alves: - Mando para a mesa requerimentos de sete contramestres de musica de diversos regimentos, pedindo melhoria de reforma.
Pedia agora a v. exa. que tivesse a bondade de me informar só, pelo ministerio da fazenda, já foram remettidos os documentos que pedi, com referencia ás obras que se estão executando, ou em via de execução, desde a alfandega até ao caminho de ferro de norte e leste.
O sr. Primeiro Secretario (Mouta e Vasconcellos): - O officio pedindo esses documentos foi dirigido em 19 de janeiro e ainda não foi satisfeito.
O Orador: - N'esse caso peço a v. exa. a bondade de renovar a requisição, para que eu possa, em face d'esses documentos, fazer algumas observações que deixei de fazer na sessão passada, por occasião da discussão do projecto relativo ás alfandegas, por ter sido encerrada a discussão, antes de me ser concedida a palavra.
Os requerimentos tiveram o destino indicado a pag. 760.
O sr. Pedro Roberto: - Mando para a mesa uma representação que tive a honra de receber dos povos da ilha Terceira, no districto de Angra, ácerca da crise agricola e economica que pesa sobre aquella ilha.
As circumstancias especialissimas em que se achavam aquelles povos pelo destroco dos pomares de laranja, vieram ultimamente aggravar-se com a depreciação dos cereaes nos mercados da metropole, reduzindo os proprietarios, lavradores e homens de trabalho ás mais difficeis condições.
Sr. presidente, este estado de cousas demanda energicas providencias dos poderes publicos, e por isso peço a v. exa. se digne dar a esta representação o devido destino, enviando-a á commissão respectiva.
A representação tem o destino indicado a pag. 760 d'este Diario.
O sr. Sousa e Silva: - Mando para a mesa uma proposta, assignada tambem pelos srs. Hintze e visconde das Laranjeiras, renovando a iniciativa de um projecto de lei de 1883, que auctorisa a sociedade promotora da agricultura michaelense a vender em hasta publica os terrenos em que actualmente tem a sua séde.
Mando tambem uma representação da camara municipal de Ponta Delgada, pedindo que se tornem extensivos aos balieiros e aos navios que ali forem para refrescos e concertos, os beneficios concedidos pelo projecto de lei n.º 100, de que renovámos a iniciativa ha poucos dias.
Peço a v. exa. que mande esta representação á commissão de fazenda, á qual rogo desde já que lhe preste a merecida attenção.
A proposta ficou para segunda leitura.
A representação teve o destino indicado a pag. 760.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei relativo ao bill de indemnidade.
Leu-se. É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.º 10

Senhores. - Á vossa commissão especial foi presente a proposta de lei n.º 5-K, a qual tem por fim, relevar o governo da responsabilidade em que incorreu assumindo o exercicio de funcções legislativas, e confirmar para terem força de lei, e continuarem em vigor, os quatro decretos mencionados no artigo 2.º da referida proposta.
A pratica de taes actos por parte do poder executivo importa sempre uma perturbação no regular funccionamento da vida constitucional.
Casos ha, porem, em que ella é imposta por uma alta necessidade de ordem publica, justificando-se ainda n'outros pelos factos que lhe dão origem, e manifesta utilidade para a nação.
Entre nós tem se lançado mão mais de uma vez d'este recurso, podendo bem dizer-se que todos os partidos e quasi todos os ministerios o tem usado, vindo em seguida ao parlamento pedir o chamado bill de indemnidade.
Dos decretos especificados no artigo 2.º da proposta em questão avultam, pela sua importancia, os que têem a, data de 19 de maio, expedidos pelos ministerio da guerra e da marinha.
O primeiro auctorisa a reorganisação do nosso exercito.
O segundo fixa o novo quadro dos officiaes da armada.
Com relação a ambos se deram porem circumstancias, que attenuam e desculpam o procedimento do governo, e em ambos concorrem factos que aconselham a sua confirmação.
Aquelles decretos reproduziram o conteúdo de duas propostas do lei, que o governo apresentou ás côrtes na sessão legislativa de 1884.
Essas propostas foram discutidas e votadas na camara dos deputados, tendo havido tambem sobre ellas pareceres favoraveis das respectivas commissões na camara alta.
E comquanto ahi não chegassem a ser discutidas, nem por isso aquelle facto, o da approvação pelas commissões, é sem importancia e significação, pois que as commissões, saindo como saem da maioria da camara, o seu voto importa uma forte presumpção de qual seria o da camara no assumpto sujeito. Os annaes do nosso parlamento confirmam de resto este nosso juizo.
Não deve tambem esquecer, que ao terminar a ultima prorogação das côrtes no anno findo, se podia julgar aberto já o periodo eleitoral, produzindo-se a agitação costumada, tão prejudicial quanto incommoda para todo o organismo social.
A necessidade indiscutivel de o não prolongar, justifica só por si o governo, de não procurar obter uma nova prorogação.
Não cabe nos estreitos licites de um relatorio o especificar miudamente todas as vantagens que á organisação do nosso exercito, e portanto aos interesses do paiz que repre-

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sentâmos, advierem da auctorisação concedida pelo primeiro decreto de 19 de maio. E tambem dizer isto não affirmar, que se produziu uma obra tão completa quanto poderia desejar-se, não só porque era inopportuno se não impossivel pretender conseguir de salto, o que só lenta e progressivamente as outras nações têem alcançado, mas principalmente porque o estado da nossa fazenda não permittiria um tão largo emprehendimento.
Podemos, porém, mencionar como factos de alta valia: - o alargamento e fixação dos quadros, de modo a permittir em qualquer eventualidade uma facil mobilisação de um forte contingente de tropas; é a regularisação das promoções nos quadros de todas as armas por uma forma equitativa; - e a distribuição da força publica em mais numerosas fracções, o que, alem de concorrer para familiarisa as populações com o serviço militar, deverá facilitar no futuro a adopção de uma lei de recrutamento regional.
As questões coloniaes estão desde alguns annos a esta parte occupando um logar proeminente na politica das nações europêas.
Para nós, dada a vastidão e importancia dos domínio africanos, e a estreiteza de vida continental, a que condições historicas, hoje irremediaveis, fatalmente nos condemnam, a exploração e civilisação de tão rico patrimonio deverá constituir a grande aspiração nacional, sem a que nenhum povo cresce e se desenvolve.
D'ahi, e como elemento primordial de uma boa administração colonial, se deduz a urgencia de constituir e organisar uma esquadra, em harmonia com as posses da metropole, e as necessidades de momento.
N'esse intuito se fez a acquisição de novos vasos de guerra, o só decretou um mais largo mas necessario quadro dos officiaes da armada.
Resta-nos fallar dos decretos de 3 e 12 do julho ultimo aquelle do ministerio do reino, e este do da marinha.
Foi o primeiro provocado pelo rapido e intenso desenvolvimento do cholera-morbus na França e Italia.
E a sua urgente necessidade parece-nos do tal fórma obvia, que julga a vossa commissão não haver n'esta casa quem a conteste.
Não estava aberto o parlamento quando, a empreza E. Pinto Basto e Ca., dentro das condições do seu contrato veiu pedir ao governo a prorogação, que o decreto de 12 de julho lhe concedeu.
Forçoso era pois ao governo resolver. Podia decidir-se ou pela annullação do contrato, o que ia perturbar as relações officiaes e commerciaes da metropole com Moçambique, ou pela prorogação pedida, e optando como optou por esta, parece á vossa commissão ter-se attendido a evidentes e importantes rasões de interesse publico.
Por todas as considerações expostas, e pelo mais que a sabedoria d'esta camara supprirá, tem a vossa commissão especial a honra de vos submetter á approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É relevado o governo, da responsabilidade em que incorreu assumindo o exercicio de funcções legislativas no interregno parlamentar.
Art. 2.º São confirmadas para terem força de lei, e continuarem em vigor, as medidas de natureza legislativa contidas nos dois decretes de 19 de maio, expedidos pelos ministerios da guerra e da marinha, e nos de 3 e 12 de julho, expedidos pelos ministerios do reino e da marinha, todos no anno proximo findo.
Art. 5.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 20 do fevereiro de 1855. = Firmino J. Lopes = Pereira Leite = Francisco A. Correia Barata, J. J. A. Souto Rodrigues = Teixeira de Vasconcellos Frederico Arouca = Moraes Carvalho = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, relator.

Proposta de lei n.º 5-K.
Senhores. - Em 21 de março do anno proximo findo teve o governo a honra de apresentar ás côrtes, pela secretaria d'estado dos negocios da guerra, uma proposta de lei em que pedia ser auctorisado a reformar o exercito, nos termos e dentro de limites fixados nas bases que faziam parte da referida proposta. Foi a dita proposta approvada pela camara dos senhores deputados, mas não póde chegar a ser votada na camara dos dignos pares, comquanto tivesse obtido approvação nas commissões reunidas de fazenda e guerra, porque expirou o praso do ultimo adiamento das cortes antes de ter podido entrar em discussão n'aquella casa do parlamento o parecer das commissões respectivas.
Considerando a importancia do assumpto e as provas por que já tinha passado aquelle projecto nas duas camaras;
Considerando a necessidade de occupar a actual sessão legislativa com o exame de negocios de alta importancia politica, que absorverão a maior parte do tempo;
Considerando quanto importava não demorar mais a satisfação de tão urgente necessidade para o exercito; julgou o governo que devia publicar um decreto contendo as bases da proposta de lei apresentada ás côrtes, e sobre o trabalho de uma benemerita commissão especial decretou a reforma do exercito em 30 de outubro do 1884.
Pelos mesmos fundamentos, e pela urgente necessidade de prover de remedio ás successivas e crescentes exigencias do nosso serviço colonial, foi decretado novo quadro para os officiaes da armada.
Na presença da invasão da epidemia de cholera morbus em varias nações da Europa, foi o governo obrigado a revalidar por acto proprio as disposições das cartas de lei de 10 de janeiro de 1854 e 5 de julho de 1855, a fim de estar habilitado a tornar as medidas, e fazer as despezas extraordinarias que fossem indispensaveis para impedir que tão grande calamidade se manifestasse entre nós. Por ultimo, senhores, tendo a companhia de navegação para Moçambique declarado que não poderia continuar o serviço estabelecido pela lei de 28 de junho de 1883 se não se prorrogasse o praso estabelecido pela mesma lei para o seu serviço provisorio, viu-se o governo forçado, para que se não interrompessem, com gravissimo prejuizo do commercio, as communicações regulares da metropole com a Africa oriental portugueza, a prorogar esse praso pelo tempo strictamente necessario para se poder esperar que as côrtes resolvessem definitivamente o assumpto!
Não desconhece o governo a importancia e gravidade dos actos que praticou, mas para cada um d'elles encontrou motivos poderosos que o determinaram, e deliberou assumir a responsabilidade do seu procedimento, da qual pede ao corpo legislativo que o releve, tendo em attenção as rasões expostas e outras que poderão ser adduzidas no decurso da discussão.
Em homenagem, pois, aos principios constitucionaes, e no rigoroso cumprimento do seu dever, o governo tem a honra de apresentar ás côrtes a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º É relevado o governo da responsabilidade em que incorreu assumindo o exercicio de funcções legislativas.
Art. 2.º São confirmadas, para terem força de lei e continuarem em vigor, as medidas de natureza legislativa contidas nos dois decretos de 10 de maio do anno proximo findo, expedidos pelos ministerios da guerra e da marinha, no de 3 de julho expedido pelo ministerio do reino, e no de 12 de julho, todos do mesmo anno, sendo este ultimo expedido pelo ministerio da marinha.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.
Presidencia do conselho de ministros, 20 de janeiro de 1885. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello = Augusto Cesar Barjona de Freitas = Lopo Vaz de Sampaio e

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Mello = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = Manuel Pinheiro Chagas = José Vicente Barbosa du Bocage = Antonio Augusto de Aguiar.

Considerando que a auctorisação para a reforma do exercito, apresentada pelo meu governo ás côrtes, foi approvada pela camara dos senhores deputados e pelas commissões da camara dos dignos pares do reino;
Considerando que é de urgente necessidade proceder áquella reforma e adquirir o armamento indispensavel para melhorar as condições de defeza do paiz:
Hei por bem decretar o seguinte:
Artigo 1.º É o governo auctorisado a reorganizar o exercito, nos termos e dentro dos limites fixados nas seguintes bases:
§ 1.º A remissão do serviço militar, auctorisada pela carta de lei de 4 de junho de 1359, ficará novamente em rigor nos termos da referida lei, considerando-se, porem, que ficam pertencendo á segunda reserva de que tratam os seguintes §§ 7.º e 8.º, os individuos que pagarem a remissão. O producto liquido d'estas remissões constituirá, receita do estado para ter a applicação que adiante se determina.
§ 2.º A força do exercito em tempo de guerra será fixada em 120:000 homens; em tempo de paz será a que for annualmente votada pelas côrtes, e para a qual existir verba no orçamento do estado.
§ 3.º O tempo de serviço militar será de doze annos. Esta disposição é sómente applicavel aos que assentarem praça da data d'este decreto em diante.
§ 4.º O contingente annual será de 12:000 homens.
§ 5.º Poderão ser creados 1 logar de general de divisão, 2 de general de brigada e 6 regimentos de infanteria ou caçadores, 2 de cavallaria e 1 de artilheria montado.
A estes dois postos de general de brigada serão sempre promovidos os dois coroneis mais antigas de qualquer arma ou corpo do estado maior do exercito, na effectividade de serviço, depois de preenchidos os grupos determinados no decreto de 30 de outubro de 1868, publicado em virtude da carta de lei de 9 de setembro do mesmo anno.
§ 6.ª A classe dos alferes graduados será extincta. Os que actualmente existem entrarão nas vacaturas de alferes effectivos que occorrerem em virtude da organisação dos novos quadros até onde essas vacaturas o comportarem, sempre em concorrencia com os officiaes inferiores, aos termos e na proporção estabelecida na legislação vigente.
§ 7.ª Haverá primeira e segunda reserva. A primeira comprehende os soldados que forem licenceados no fim de tres annos de serviço até ao oitavo, inclusive; a segunda os que tiverem cumprido o tempo da primeira reserva até que no fim de doze annos de praça tenham baixa definitiva.
§ 8.º A segunda reserva só poderá ser chamada ás armas em tempo de guerra com alguma potencia estrangeira; em tempo de paz não fica obrigada a exercicios.
§ 9.º Da reserva auctorisada pela carta de lei de 9 de setembro de 1868 será chamado ao exercito, nos termos e nas circumstancias indicadas no § antecedente, o numero de mancebos que forem necessarios para completar a força que é fixada no § 2.º do presente artigo.
§ 10.º A despeza do ministerio da guerra poderá elevar-se a mais 270:000$000 réis annuaes, em que é computado o producto liquido da remissão de recrutas.
Art. 2.º É o governo auctorisado a levantar até á somma de 900:000$000 réis, e applicar esta quantia á acquisição de armamento para o exercito.
Art. 3.º São prorogadas por mais seis mezes, a contar da data do presente decreto, as disposições da carta de lei de 15 de junho de 1882, exceptuando da sua applicação o contingente de 1883. As sommas que derem entrada nos cofres publicos, em virtude das disposições d'este artigo, constituirão receita do estado para occorrer ao pagamento dos vencimentos dos alferes graduados que não tiverem sido promovidos a efectivos, sendo o restante posto á disposição do ministerio da guerra para completar a remonta de artilheria, para obras nos quarteis e outras despezas militares, alem das verbas para tal fim actualmente descriptas no orçamento do estado.
§ unico. Os individuos que houverem do se aproveitar das disposições da lei de 15 de junho de 1882, nos termos d'este artigo, não poderão sor dispensados do pagamento do preço de remissão, qualquer que seja o seu estado physico.
Art. 4.º O governo dará conta ás côrtes das disposições contidas n'este decreto, e do uso que tiver feito das auctorisações n'elle concedidas, as quaes sómente durarão dentro de um anno, a contar da data do presente decreto.
O presidente do conselho do ministros, ministro e secretario d'estado dos negocios da guerra, e os ministros e secretarios d'estado de todas as repartições, assim o tenham entendido o façam executar. Paço, em 19 de maio de 1884. = REI. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello = Augusto Cesar Barjona de Freitas = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = Manuel Pinheiro Chagas = José Vicente Barbosa du Bocage = Antonio Augusto de Aguiar.

Considerando que por decreto d'esta data são restabelecidas as remissões do serviço militar no exercito e na armada, e é portanto creada uma receita a que a proposta do lei da reforma do exercito e a proposta de lei de reorganisação do quadro da armaria davam destino especial;
Considerando que pelo mesmo decreto se auctorisam, com relação ao exercito, as despezas a que a mencionada receita deve occorrer e que seria inconveniente que se não procedesse da mesma fórma com relação á armada;
Considerando que a proposta de reorganisação do quadro dos officiaes de marinha foi approvada na camara dos senhores deputados, e teve na commissão de marinha da camara dos dignos pares favoravel parecer;
Considerando que as exigencias do serviço colonial, a que têem de occorrer os navios de guerra portugueses, crescem de dia para dia; que será preciso n'um breve praso nomear guarnição para os novos navios de guerra com que vae ser acrescentada a nossa esquadra:
Hei por bem decretar o seguinte:
Artigo 1.º O quadro dos officiaes de marinha militar compõe se de: 1 vice-almirante, 4 contra-almirantes, 10 capitães de mar e guerra, 18 capitães de fragata, 28 capitães tenentes, 70 primeiros tenentes e 70 segundos tenentes, perfazendo o numero total de 201 officiaes.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
O presidente do conselho de ministros e os ministros e secretarios d'estado de todas as repartições assim o tenham entendido e façam executar. Paço, em 10 de maio do 1884. = REI. = Antonio Maria de Pereira de Mello = Augusto Cesar Barjona de Freitas = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = Manuel Pinheiro Chagas = José Vicente Barbosa du Bocage = Antonio Augusto de Aguiar.

Sendo necessario o emprego de providencias hygienicas e outras que as circumstancias aconselhem e exijam, a bem da saude publica;
Tendo ouvido a respectiva junta consultiva, e conformando-me com a exposição e voto unanime dos ministros e secretarios d'estado:
Hei por bem decretar o seguinte:
Artigo 1.º São declaradas em vigor as disposições das cartas de lei de 10 de janeiro de 1854 e de 5 de julho do 1855.

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Art. 2.º O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das faculdades que por este decreto lhe são conferidas.
Art. 3.º Fica, revogada toda a legislação em contrario.
O presidente do conselho de ministros e os ministros e secretarios d'estado de todas as repartições assim o tenham entendido e façam executar. Paço, em 3 de julho de 1884. = REI. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello = Augusto Cesar Barjona de Freitas = Lopo Voz de Sampaio e Mello = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = Manuel Pinheiro Chagas = José Vicente Barbosa du Bocage = Antonio Augusto de Aguiar.

Tendo a empreza E. Pinto Basto & Ca., com a qual foi celebrado o contrato de 9 de maio de 1883, approvado por carta do lei de 28 do junho do dito anno, para a navegação por barcos de vapor entre Lisboa e os portos da provincia de Moçambique, representado ao governo, declarando não lhe ser possivel, findos os doze mezes de serviço provisorio, estabelecer o serviço definitivo nas condições do mesmo contrato; e requerendo que lhe seja prorogado o praso fixado no artigo 14.º, continuando a baldeação a fazer-se na bahia da Meza e o serviço colonial a effectuar-se pelos vapores da Castle Mail Packets company limited;
Attendendo a que a empreza, entre outras rasões, allega como causas das difficuldades que se lhe apresentam para o exacto comprimento do contracto, a falta nos portos da provincia dos melhoramentos que não sé facilitem o accesso d'elles á navegação, como tambem dêem ao commercio mais commodidades nos serviços de cargas e descargas, a demora na construcção do caminho de ferro de Lourenço Marques, cujas obras suppunha seriam encetadas em epocha muito proxima do começo de execução do contrato, e ainda o pequeno movimento commercial entre a metropole e Moçambique;
Considerando que são em grande parte attendiveis as rasões allegadas, embora todas, ou quasi todas, devam cessar ou attenuar-se dentro de breve periodo, por isso que, por um lado só estão estudando ou executando já os melhoramentos mais urgentes para facilitar o accesso aos portos, deve dentro em pouco tempo começar a construcção do caminho de ferro, e nos ultimos mezes se tem accentuado a tendencia para o augmento do movimento commercial entre a metropole e a provincia de Moçambique, e por outro lado a propria empreza reconhece a conveniencia de empregar no serviço colonial vapores de 1:000 toneladas, e bem assim de organisar de um modo regular e que satisfaça ás exigencias do commercio o serviço de carga e descarga nos portos d'esta provincia;
Considerando que a rescisão do contrato do 9 de maio de 1883 não seria a solução mais favoravel aos interesses publicos, porque se inutilisariam as vantagens que com elle já se obtiveram, na rapidez das viagens, especialmente com relação ao porto de Lourenço Marques, e que fôra difficil obter promptamente a organisação de um serviço que satisfizesse a todas as condições exigidas n'aquelle contrato;
Considerando que terminando o serviço provisorio no mez de setembro proximo, o governo não tem a escolher, na ausencia do parlamento senão entre a prorogação do praso, que lhe é requerida, e a annullação do contrato, visto como a empreza, com a antecedencia legalmente prescripta, declarou não poder continuar o serviço nas condições estabelecidas;
Considerando, finalmente, que a prorogação, como é requerida, não por um praso lixo, mas dependente da cessação das causas que a empreza allega como contrariando o estabelecimento do serviço definitivo, só razoavelmente póde ser concedida mediante uma lei especial, e que, portanto, é indispensavel fixar o praso de tal prorogação, deixando á apreciação do parlamento julgar da conveniencia de a ampliar opportunamente:
Hei por bem decretar o seguinte:
Artigo 1.º É prorogado por mais um anno, que terminará no fim de setembro de 1885, o praso estabelecido no artigo 14.º do contrato de 9 do maio de 1883, approvado por lei do 28 de junho do dito anno 5 podendo a empreza continuar durante esse periodo a empregar no serviço dos portos da provincia de Moçambique navios da Castle Mail Packet company limited e a fazer a baldeação do passageiros e carga na bahia da Meza.
Art. 2.º O governo dará conta ás côrtes das disposições contidas n'este decreto.
O presidente do conselho do ministros, ministro o secretario d'estado dos negocios da guerra, e os ministros e secretarios d'estado das outras repartições, assim o tenham entendido e façam executar. Paço, em 12 de julho de 1884. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello = Augusto Cesar Barjona de Freitas = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = Manuel Pinheiro Chagas = José Vicente Barbosa du Bocage = Antonio Augusto de Aguiar.
Está conforme. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, secretario geral do ministerio.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.
O sr. Francisco Beirão: - Sr. presidente, vae o parlamento occupar-se da terceira dictadura, que, sem motivo algum justificado, a actual situação política entendeu dever arrogarse no espaço de tres annos. Em tres annos, tres dictaduras! Uma por anno. Tantas quantas as reuniões ordinarias das côrtes geraes da nação portuguesa! De modo que, debaixo da influição da presente política regeneradora, parece que a norma do governo é, não aquella salutar devida obediencia á constituição, mas sim, a infracção periodica da lei, e, o que é mais e o que peior é, o desprezo systematico pela representação nacional.
E, agora, o governo, depois de haver, mais uma vez, completado esta, como revolução annual, a que nos traz habituados, vem - pretextando uma homenagem aos principios constitucionaes, tão serodia como pouco sincera, e allegando o rigoroso cumprimento de um dever, que ainda hontem se calcava aos pés, - vem, repito, pedir ás côrtes que o relevem da responsabilidade em que incorreu por haver commettido um verdadeiro attentado constitucional, com as circumstancias aggravantes da premeditação e da reincidencia! (Apoiados.)
E a quaes côrtes vem o governo pedir a sua absolvição? Porventura a umas simples côrtes ordinarias, que possam apreciar o seu procedimento entre a discussão de quaesquer propostas de administração e a d'estes projectos que o parlamento vota annualmente? Não. O governo vem pedir a sua absolvição a umas côrtes..., em que pezo ao sr. presidente do conselho, - constituintes, pois que não é a limitação dos seus poderes á revisão parcial da carta, que lhes póde tirar, jurídica e legalmente, essa categoria e essa classificação. (Apoiados.)
A umas côrtes, pois, verdadeiramente constituintes, convocadas pelo proprio ministerio, e a que elle até já submetteu o projecto de uma, chamada, revisão constitucional!
Singular contradicção!
O governo desprestigiava hontem a carta constitucional, porque o mesmo é violal-a sem fundamento, e prepara-se para, ámanhã, promulgar solemnemente um acto addicional, elaborado segundo os mais rigorosos principies d'essa mesma carta!
O governo affrontava hontem a representação nacional, pois que o mesmo vale dispensar, altaneiro, o seu concurso num obra que elle proprio reputa do summa importancia, e hoje vem, em phrase humilde e unctuosa, pedir desculpa ao parlamento de haver lançado, sobre elle, uma verba do incapacidade, ou, o que é peior, uma nota de desprezo! (Apoiados)

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Singular contradicção, disse eu, mas é só na apparencia: porque no fundo a conformidade é completa, e perfeita.
Estes actos são harmonicos, uns consequencia dos outros, e todos resultantes d'essa politica nefasta, pseudo opportunista, que consiste, não em aproveitar a occasião favoravel, para realisar um plano definido, mas em propiciar a occasião contraria, procurando captar benevolencias, ainda á custa das instituições, e confiscar idéas, embora amesquinhando-as, ainda á custa dos partidos contrarios!
Disse um grande escriptor «Il faut quelfois violer les chartes pour leur faire des enfants.» O governo tambem violentou a carta para lhe fazer dar a luz este aborto monstruoso, de umas reformas politicas, pequenas, mesquinhas, insignificantes; (Apoiados.) verdadeiras migas sonoras que quer fazer telintar aos ouvidos da contribuintes, talvez para que não ouçam os rumores prenuncios de uma breve derrocada!
As reformas politicas são as filhas legitimas, são as consequencias directas das dictaduras Constituem o decalogo da politica regeneradora. E decalogo, digo, pois que os onze artigos da primitiva proposta do governo se acham reduzidos a dez mandamentos, e estes mesmos se resumem em dois:
1.º Fica tudo como está.
2.º E o governo auctorisação a escolher cincoenta pares!
Taes foram as dictaduras taes serão as reformas. Os dictadores de hontem serão os reformadores de ámanhã. A dictaduras sem fundamento, devem seguir-se reformas sem alcance!
A primeira dictadura, que esta situação assumiu foi quando, poucos dias depois de ter sido levantada ao poder nos escudos,- não direi populares, para não affrontar a magestade do povo - dos agitadores, suspendeu por um decreto, tão prolixo como improcedente, o imposto de rendimento na parte em que dependia de lançamento previo.
Eu já mostrei em outra occasião á camara, quanto tinha perdido o estado com esta suspensão do importo de rendimento; já disse que, secundo os proprios calculos do sr. presidente do conselho, fui quantia superior a 500:000$000 réis, e por isso agora só acrescentarei que fui bem feito, pois que o paiz precisa saber, que o regimen da liberdade é ainda, o mais economico, e que quando se permite ter dictaduras, ha de pagal-as e pagal-as caro.
Eu sei que se pretendeu allegar, não ser, a suspenção do regulamento do imposto de rudimento n'aquella parte, acto dictatorial. Deploravel sophisma! Não ha devida que o governo póde em certos casos, alterar e modular regulamentos, consoante os interesses da administração, mas o que o governo não póde é suspender um regulamento do qual depende exclusivamente a execução do uma lei, sobre tudo quando essa lei é tributaria, e principalmente quando de tal suspensão resulta esta grande injustiça, - a desigualdade perante o imposto!
Disse o sr. ministro da fazenda de então que não considerava esse acto como de dictadura. Declarou-o n'aquella celebre sessão da commissão de fazenda d'esta camara, em que o primeiro ministerio d'esta situação, rejeitando o orçamento que lhe era offerecido em nome da camara dos deputados, insistiu e persistiu em que lhe dessem a lei de meios, que unanimemente lhe foi negada. Foi, talvez, n'essa occasião que se premeditou a segunda dictadura, dictadura que o ministerio teve o despejo - despejo politico - de annunciar em pleno parlamento, e que teve a audacia de aconselhar insistentemente ao monarcha, depois de este - caso raro nos annaes do paiz! - haver recebido uma mensagem da camara dos deputados em que se lhe pedia simplesmente o respeito pela lei e o cumprimento dos seus deveres!
Esse ministerio ao menos não annunciava revisões constitucionaes, e, vinha aqui dizer a respeito do certas reformas politicas que era escusada tanta discussão e tanta parola, e que era preciso não andar nas estrellas. E, n'esta occasião devo dizer que folgo de ver este ministerio de accordo com aquelle seu predecessor, porque as reformas politicas que ahi estão não passam do parola. (Apoiados.)
Esta segunda dictadura, por meio da qual se cobraram impostos sem auctorisação legal, sem a interferencia dos representantes do paiz, não serei eu quem a definirá; classificou-a, e verberou-a, n'esta camara em phrase eloquente e energica - honra lhe seja! - o sr. Pinheiro Chagas.
E sabe a camara qual a primeira accusação que o orador fazia ao sr. presidente do conselho? Era a de não ter vindo logo apresentar aqui o respectivo bill do indemnidade, pedindo á camara que lhe relevasse a responsabilidade enorme em que tinha incorrido do cobrar impostos sem auctorisação da camara.
E quer a camara saber quantos dias depois de reunido o parlamento o sr. Fontes apresentava então, aqui, o respectivo bill? Quarenta dias depois!
E lembra-se a camara quantos dias depois de aberto, agora, o parlamento o sr. Fontes nos trouxe o bill? Trinta e seis dias depois. Ganhámos seis dias! Grande victoria! (Apoiados.}
A eloquencia prestigiosa do sr. Pinheiro Chagas não conseguiu que a dictadura se não repetisse, o que conseguiu foi que o bill fosse aqui apresentado seis dias antes! Grande victoria seria esta se podéssemos contar estes sois dias, como aquelles em que o Genesis diz que se creou o mundo; mas, como assim não póde ser: direi mesquinha victoria para tão grande eloquencia, insignificante templo para tão porfiada lucta!
E pela honra de quem, dizia o sr. Pinheiro Chagas pugnar n'essa occasião? Pela honra da camara! E lembrava á maioria, que ela era a mais interessada no pleito, - e acrescentava que o desdenhar o governo o concurso do parlamento em tão grave assumpto, ainda quando fosse questão de formulas, estas eram as garantias da liberdade.
Ah! sr. presidente, que se n'essa occasião, se tivessem ouvido os conselhos de alguns, que entendiam que o que ha? via a fazer era um manifesto á nação e dizer aos contribuintes que não pagassem impostos que não tinham sido lançados legalmente, talvez que não tivéssemos hoje de julgar esta terceira dictadura! (Apoiados.)
Alguem, ainda assim, protestou. Um contribuinte, houve, felizmente, e cujo nome representa uma das glorias juridicas desto paiz, e elle mesmo jurisconsulto talentoso, e que se deixou citar para pagar essas contribuições illegalmente lançadas, e recorreu para o poder judicial. Creio que está presente o juiz que julgou esta causa. Qualquer que fosse a sentença d'esse magistrado, e eu respeito-o muito, e faço justiça ao integro caracter seu, sinto que aquele contribuinte não quizesse, ou querendo, não podes-se, recorrer para os tribunaes collectivos superiores, a fim de provocar uma resolução do poder judicial d'este paiz, sobre os actos de dictadura praticados pelo governo.
Receiava o sr. Chagas ao ver tratadas com tão grande desrespeito as formulas constitucionaes, que se ouvisse nas margens do Tejo e do Douro uma voz mysteriosa que dissesse: «expira a liberdade»: porque esta, acrescentava, não é só o direito de clamar aqui, na imprensa, e nas reuniões publicas contra a marcha do governo, mas sim o direito que assiste a todos oa cidadãos de intervirem directamente com o seu voto, indirectamente com o voto da seus representantes, na direcção dos negocios publicos!
Ah! sr. presidente, se a liberdade expirava com a dictadura do 1881, bem podemos dizer que foram os seus funeraes que se celebraram em 1884, e a que s. exa. teve de assistir!
Combato esta terceira dictadura com o mesmo direito, fundando-me nas mesmas considerações, com que, em 1870, um illustre membro d'esta casa, orador fluente e ameno, argumentador subtil, dialectico arguto, e, o que mais importa, já n'essa epocha, como hoje, publicista eminente e

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estadista consummado, combatia uma outra dictadura tambem de 19 de maio.
Tambem de 19 de maio porque, parece, que os actuaes ministros pontifices maximos d'esta liturgia constitucional tomaram a peito inscrever, no diario politico da nação mais uma data nefasta á liberdade!
Esse eminente orador verberou aquella dictadura, e protestou contra as veleidades do futuros dictadores, num dis curso que eu tive a satisfação de lhe ouvir, e que a camara póde ter, hoje, a rarissima satisfação de ler. E, rarissima, digo, porque esse illustre orador não costuma dar á estampa os seus aliás primorosos discursos. Qualquer, porem, que seja o assombro que esse discurso cause hoje, aos meus collegas, eu poderei dizer-lhes, como do grande orador, dizia, aos discipulos, Eschiues: - ao que faria se o ouvisseis!» Eu ouvi-o.
Dizia aquelle notavel publicista «que não percebera, e naturalmente não chegaria a perceber, as circumstancia: urgentes, o perigo para a republica, o principio de salvação, em nome do qual o governo d'aquella epocha se julgára auctorisado a assumir poderes extraordinarios.?
Quaes foram hontem, pergunto eu, as circumstancia; urgentes, qual o perigo para a republica, qual o principio de salvação que levou o governo a arrogar-se a dictadura?
O orador, ainda admittia a dictadura, julgando-a, porem em todo o caso, uma usurpação, mas o que lhe custava a admittir era um bom dictador!
«Se fosse possivel admittir a existencia de um bom dictador - dizia - sel-o-ia certamente aquelle que reunisse os suffragios de um povo inteiro, possuisse o juizo da situação e se sentisse, nem propenso nem inclinado a abusar do poder.»
Pergunto: reuniriam os dictadores de 1884, taes qualidades?
Mas, o sr. Barjona de Freitas - porque é o illustre ministro do reino o orador a quem mo estou referindo - sentindo já então, ao que parece, levedar em si o fermente ambicioso de um futuro dictador, queria aperceber-se contra, uma tal fraqueza e acrescentava: «Raro conjuncto de todas as faculdades em que pelo menos é prudente não acreditar!»
O deputado de 1870 tornou-se dictador em 1884. O conselho, porem, ficou. E eu sigo o. Não acredito em s. exa. como dictador!
Dizia mais s. exa., e com dobrada rasão, que todos os grupos politicos d'esta terra, têem protestado contra as dictaduras.
Eu leio essa parte do discurso:
«Quem ha ahi que se não lembre de que todos os grupos politicos d'esta terra representaram contra a dictadura? Querem que o povo interprete aquella agitação dos partidos por simples ambição do poder? Como se hão de conciliar as severidades de hontem com as complacencias de hoje?»
Eu pergunto tambem a s. exa. como se hão de conciliar as severidades do deputado de hontem, não direi com as complacencias, mas com as cumplicidades, do ministro de hoje?
O eloquente orador dava-nos mais a regra a seguir em casos d'estes:
«Se o parlamento entende que era tão melindrosa situação qualquer homem publico deveria seguir o mesmo caminho approva, se não rejeita»...
E, mais adiante: «O primeiro orador da revolução franceza dizia numa occasião solemne «le silence des peuples est la léçon des rois». Seja tambem o nosso silencio ensinamento contra as veleidades de futuros dictadores!»
De futuros dictadores! note a camara. E o sr. Barjona é dictador!
«Em nome, pois, da gravidade das circumstancias (já se tinha descoberto a gravidade das circumstancias!) e da necessidade do esforço commum para o bem da patria, deixemos no archivo do passado os erros de todos, e abra-se uma nova era para o regimen constitucional!»
Nova, era! Foi n'esta que a situação perpetrou a sua
terceira dictadura! Nova era! e n'esta, por singular contradicção, o ministerio que pede absolvição para o facto de ter violado as prescripções da carta, é o mesmo que apresenta a reforma da constituição, pretendendo, pelas normas
prescriptas na lei fundamental, acrescentar-lhe um novo acto addicional!
Adoptemos, porem, a medida que o orador nos dava para julgar as dictaduras.
São estes mesmas principias professados pelo sr. Barjona que eu vou applicar á presente dictadura.
Sigo o conselho, e adopto as doutrinas do sr. Barjona.
«Se o parlamento entende que em tão melindrosa situação qualquer homem publico deveria seguir o mesmo caminho, approva, se não rejeita.»
Nas circumstancias em que o governo se encontrou, creio que ninguem n'este paiz, a não ser o sr. presidente do concelho, teria a liberdade de assumir aquella dictadura.
As dictaduras não se desculpam, justificam se. Não ha rasões para as desculpar, ha rasão para as justificar. A rasão unica que póde haver para as legitimar é a suprema necessidade, a salvação publica.
Nos considerados da proposta que o governo trouxe a esta camara, e no parecer da commissão especial que fez este relatorio, acham se muitas rasões para desculpar a dictadura, mas não existe lá a verdadeira a unica rasão que a podia justificar.
A dictudura não admitte a multiplicidade d'estas rasões que o governo e a commissão descobriram, não para justificar, mas para desculpar a dictadura, como se esta tivesse desculpa!
A primeira rasão do governo é a seguinte:
«Considerando a importancia do assumpto e as provas por que já tinha passado aquelle projecto nas duas camaras.»
Este considerando, como a camara vê, divide-se, naturalmente, em duas partes, ou rasões differentes.
A primeira é a relativa á importancia do assumpto.
Assim quando o assumpto é importante, o governo avoca-o a si: quando o assumpto é insignificante deixa-o á delibração do parlamento! É a melhor maneira de honrar o parlamento e o systema constitucional, até hoje descoberta. E este caso não é isolado, é a applicação de um systema seguido pelo ministerio.
O governo quer, por exemplo, reorganisar o exercito. Era de certo este um dos assumptos mais importantes que podiam chamar a attenção publica. O que faz? Assume a dictadura, avoca a si todos os poderes do estado e reorganisa o exercito. Trata se da gravissima questão de saber se o deputado representa o circulo que o elege ou a nação. Convoca côrtes constituintes para ouvir a sua opinião a este respeito!
Pretende reorganizar os quadros dos officiaes da armada - reorganisação que, como diz a commissão especial, se liga intimamente ás questões coloniaes que estão desde alguns annos a esta parte cccupando um logar proeminente na politica das nações europêas. - O governo assume a dictadura e resolve a questão. Deseja porem o ministerio que na constituição se declare que esta não reconhece o mandato imperativo - e eu creio que o governo faria melhor serviç á maioria, opinando por que se declarasse na carta, não que não havia mandato imperativo, mas que não havia eleitor imperativo - e o que faz? - Convoca côrtes constituintes e provoca a sua opinião a este respeito. (Apoiados.)
O governo pretende reorganisar todos os serviços aduaneiros e fiscaes augmentando a despeza, a pretexto do tornar mais proveitosa esta grande e principal fonte de re-

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ceita, limita se a vir pedir ao parlamento uma auctorisação das mais latas que se têem dado para fazer essa reorganisação. Pretende porem o governo elevar o sello de 40 a 60 réis. Vem ás côrtes constituintes trazer uma proposta e provoca uma resolução parlamentar a esse respeito. (Apoiados.)
E faz bem o governo em não consultar a camara sobre assumptos em que tem uma opinião fixa, determinada constante.
Faz bem, porque, se o fizesse, só pelo facto de se reunir uma commissão para examinar qualquer d'esses assumptos o governo teria, talvez, de mudar de opinião, e lá se iam todos os beneficios que imaginára haverem de resultar das suas propostas. (Apoiados.)
Por exemplo, o governo abriu a carta e viu n'ella um artigo respeitante ao beneplacito. Elle, o mantenedor intemerato das regalias da corôa, o sustentador indefeso das prerogativas regias do padroado oriental, elle, que queria repellir de si até a suspeita de transigir com o phantasma da reacção: o que faz?
Submetteu as suas duvidas ao grande concilio do paiz, inseriu na respectiva lei um artigo, expressamente para dizer o mesmo que estava na carta!
Cousa singular!
O artigo da reforma diz, no fundo, o mesmo que o da carta; não lhe acrescenta uma virgula. (Apoiados.)
Mas isto não é o melhor.
O governo, cheio de duvidas, consulta o parlamento a este respeito, chega á commissão especial de reformas perde logo todas as duvidas e deixa o artigo como estava!
Vejam se o governo tem trazido, agora, á camara a reorganisação do exercito e a do quadro dos officiaes da armada, bastava que chegasse á commissão para abandonar todas as suas idéas, e lá se iam embora todos os beneficios que deviam provir d'essas reformas!
Esta é a primeira parte d'aquelle considerando.
A segunda parte é que aquelle projecto já tinha passado nas duas camaras.
Isto não é perfeitamente exacto.
(Áparte.)
É verdade: se tivesse passado nas duas camaras, não era necessaria a dictadura.
Eu leio, pois, o que está escripto:
«Considerando as provas por que o assumpto já tinha passado nas duas camaras.»
Ora, aquelle projecto foi approvado na camara dos deputados, e ficou pendente na commissão especial da camara dos pares.
A este respeito observo que o sr. Fontes disse aqui ha pouco tempo uma grande verdade.
S. exa. disse: todos sabem como as cousas se passam. (Riso. - Apoiados.)
Effectivamente todos nós sabemos como esta dictadura se passou. (Apoiados.}
Todos nós sabemos, não digo contra quem, roas em desprezo de quem, foi feita esta dictadura. (Apoiados.}
Todos nós sabemos isto.
A commissão especial, na sua ingenuidade, declara no seu relatorio que, tendo estes projectos pareceres favoraveis das respectivas commissões na camara alta, e saindo estas commissões, como saem, da maioria da camara, o seu voto importava uma forte presumpção de qual seria o da camara nos assumptos sujeitos. Os annaes do nosso parlamento, acrescenta-se, confirmam, de resto, este juizo.
Foi ingenua a commissão, repito, porque os factos não provam isso.
Logo que se levantou aqui esta discussão um deputado houve que perguntou se se pretendia crear difficuldades á camara dos pares e indispol-a com o paiz?
Levado o projecto á camara dos pares o governo pôde presentir opposição vigorosa e convicta na commissão, e por isso não ousou arrostar com ella. E por isso o sr. conde do Casal Ribeiro, um dos primeiros talentos e um dos caracteres mais nobres d'este paiz, classificando de affronta suprema imaginar o governo que a camara lhe havia de votar silenciosa, submissa, obediente, sem discussão ou com discussão ligeira no espaço de algumas horas, monstruosidade similhante, disse-lhe: «Recuou. Fez bem.»
Recuou o governo?! Recuou, mas não pelo respeito que lhe merecia a camara dos pares. Recuou como a panthera, para armar melhor o salto e cravar, mais fundo, as garras na presa! (Apoiados.)
Fugiu como o partha, para. mais seguro, lançar sobre a victima a setta envenenada! (Apoiados.)
O medo fel-o recuar; a vaidade fel-o avançar!
Recuou de medo; avançou por vaidade. (Apoiados.)
A dictadura de 1882 foi feita contra a camara dos deputados; a dictadura de 1884 foi feita, não contra a camara dos pares, mas em desprezo daquelle alto corpo legislativo. (Apoiados.)
Oh! sr. presidente, que curioso e instructivo espectaculo ha de ser o do governo ao entrar submisso na camara dos pares a pedir-lhe desculpa da affonta que lhe lançou.
E, se a camara o desculpar, não sei qual mais admirarei, se a humilhação do governo, se a generosidade da camara! (Apoiados.)
Aqui está como se passou a dictadura de 1884.
Pode a commissão especial ter a ingenuidade de suppor que a camara dos pares approvaria aquelle projecto de lei. Os factos não o demonstram.
Eu hei de mostrar logo - porque não quero cortar agora o fio do meu discurso -que a data do decreto dictatorial é a do dia 19 de maio, dois dias depois do sr. conde do Casal Ribeiro ter dito que o governo fizera bem, recuando, mostra, que esta dictadura foi uma suprema vaidade.
Esta era a rasão seria.
Passemos á rasão comica.
Sabe a camara por que é que o governo assumiu a dictadura? Para nos alliviar do enorme trabalho de estarmos a discutir os respetivos projectos, visto como temos estado passando os dias, velando as noites, estudando, discutindo negocios da alta importancia politica, que absorveram a maior parte do nosso tempo!
«Considerando a necessidade de occupar a actual sessão legislativa com o exame de negocios de alta importancia politica que absorverão a maior parte do tempo.»
Veja a camara como o nosso tempo tem estado absorvido!
Nem aquelles feriados das quintas feiras; destinados por direito consuetudinario, aos trabalhos em commissões, temos tido! Não temos feito senão discutir graves assumptos de importancia politica! Esta tem sido a nossa missão; e nós temos sido fieis a essa missão!
Feriados de quintas feiras, encerramentos de sessões por alta de numero. Tudo sonho!
Não foi verdade que até chegássemos a santificar a festa mais pagã do calendario, feriando o carnaval, dando-lhe esperas e oitavas! Todo tempo tem sido pouco para o aproveitar n'esta sessão no exame de negocios de alta importancia política!
E, a despeito e apesar de tudo, as reformas politicas ainda não foram discutidas, e sabe Deus ou o sr. Fontes, quando ellas entrarão em discussão!
Terceira rasão; não é seria nem comica, mas é curiosa:
«Considerando quanto importava não demorar mais a satisfação de tão urgente necessidade para o exercito.»
Folheemos o almanak, consultemos a chronologia.
O decreto dictatorial tem a data de 19 de maio.
É o decreto dictatorial mais inutil que se tem publicado nos annaes da legislação!
Este decreto diz apenas: «É o governo auctorisado, etc.», isto é, o governo auctorisa-se a si proprio; pois, com quanto, se bem me lembro, e porventura não seja

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como a de outros actos dictatoriaes, não quero, nem devo dizer, que é o Rei que auctorisa o governo.
O decreto tem a data de 19 de maio; pergunto, pois, ao governo, n'essa data não podia nomear uma commissão, mandar-lhe aquellas bases, fazer estudar a reforma do exercito, e se entendia necessaria a dictadura assumil-a só quando esse trabalho estivesse completo? Quando se completaram esses trabalhos?
Nos fins de outubro.
Quando se devia reunir o parlamento?
Em 5 de novembro.
Portanto a urgencia de assumir a dictadura era só por cinco dias. Mas, por tão poucos dias, não era mister assumir a dictadura; reunisse o parlamento, e não adiasse as cortes e trouxesse aqui o projecto. Escusava de publicar o decreto de 19 de maio, dois dias depois daquelle em que o sr. conde do Casal Ribeiro proferira o seu discurso, louvando-o por haver recuado diante da camara dos pares.
Eis-aqui está o que era a final a necessidade de aproveitar o tempo, a que se refere um dos considerandos. Dois dias.
O sr. Pinheiro Chagas, com a sua eloquencia, ganhou mais dias: foi mais feliz. (Riso.)
A commissão redigindo, com uma habilidade extraordinaria o seu parecer, achou para a dictadura uma rasão é os precedentes.
Todos os governos têem feito dictadura, portanto não era muito que este tambem a fizesse.
Esqueceu-se sómente a commissão de que era esta a terceira dictadura feita por esta situação, e precedente para tres dictaduras feitas pelo mesma situação, que eu saiba, não ha. (Apoiados.)
Mas com que dictadura quererá a commissão comparar a de 1884?
Será com a dictadura de 1836 e 1837, de Passos Manuel, dictadura em que elle pretendera cercar o throno de instituições republicanas?
Pois seja. Admittamos o precedente.
E com a dictadura de 1836, e podia dizer mais a illustrada commissão, com a dictadura de 1836 que reorganisou o exercito por um decreto tambem dictatorial.
Comparemos esse decreto com o de hoje, e vejamos qual é a differença.
Foi o honrado marquez de Sá quem referendou o decreto da reorganisação do exercito em 1837, e, prouvera aos céus, que o de 1884 fosse inspirado nas idéas em que foi aquelle!
O decreto do marquez de Sá começava assim:
«Conhecendo quão pouco vantajosa é a actual organisação do exercito, trabalhei por dar-lhe uma fórma tal, que, sem augmento de despeza, e suppondo-se os corpos completos, se facilitem os meios de restabelecer a disciplina, simplificar a contabilidade, e combinar a commodidade das tropas com o bem dos povos.»
Reformar o exercito sem augmento de despeza!?
A monomania do partido progressista de fazer reformas sem augmento de despeza, data já daquelle tempo.
Não encontro agora neste volume, que tenho presente, o relatorio, e por isso só me refiro ao decreto, mas creio que no final do relatorio se diz que d'essa reforma resulta uma economia importante. De fórma que não só se não augmentou mas diminuiu a despeza.
Seria essa reforma insignificante, não rasgaria largos horisontes? Ao contrario.
A verdade é que, reconhecendo o visconde do Sá da Bandeira muitos dos males que aflligiam o exercito e o povo, pretendia extirpal-os, assim como tratava de satisfazer a muitas das necessidades que ainda hoje se apontam.
A necessidade de guarnições em grande numero de pontos do reino obrigando a separar os batalhões dos regimentos e ainda a fraccionar estes; - o que a disciplina soffria; - a complicação da contabilidade; é a falta de quarteis, e outros defeitos da organisação do exercito, então vigente, provocavam a sua iniciativa.
Notou ainda que da parte dos mancebos sujeitos ao recrutamento havia grande repugnancia em se acolherem ?s bandeiras, por se separarem de suas familias e os affastarem das terras da sua naturalidade, e tratou de obstar a este inconveniente fazendo com que o recrutamento fosse dos districtos em que estavam os quarteis permanentes. Mais.
Na reforma do exercito o Sá da Bandeira decretou que nos regimentos houvesse aulas de primeiras letras, a fim de se instruir o exercito e prevenindo tambem a necessidade de haver um campo de instrucção e manobras, creou-o.
Creio, pois, que a reforma de 1837 não foi mesquinha. Esta e a de 1884 são dois actos de dictadura. A camara que os compare, e considere que um não augmentou despeza, e outro augmenta-a.
Ora aqui estão os precedentes com que a illustrada commissão quer fundamentar-se.
Alem d'esta não acho outra rasão, pois não posso comprehender que, o achar-se aberto o periodo eleitoral, devesse levar o governo a assumir a dictadura.
Realmente, por maior que seja o meu respeito pela illustrada commissão especial, não posso comprehender esta rasão.
Um collega acaba agora de me mostrar o relatorio do decreto de Sá da Bandeira.
Verifiquei o que tinha dito: a reforma 1837, foi feita não só sem augmento mas até com reducção de despeza.
Peço licença á camara para ler o relatorio que termina da seguinte maneira.
«Supposto que no plano que tenho a honra de apresentar a Vossa Magestade se augmentem 2:904 praças á infanteria, comtudo calculando a possibilidade do licencear um quarto da força total pela divisão dos corpos e maior facilidade de os conservar em quarteis permanentes, ainda resulta uma economia de 50:000$0000 a 60:000$000 reis em comparação da despeza exigida para a organisação actual.»
Queriam invocar o precedente da dictadura de 1836?
Fizessem reducções em vez de fazer augmento de despeza.
Estudemos, porem, a dictadura como a sciencia moderna manda examinar todos os feitos sociaes.
Examinemos o meio social em que se perpetrou, a occasião que se escolheu, a forma por que se levou a effeito, qual é o meio em que vivemos?
Não têem os srs. ministros percorrido todo o paiz?
Pois não vêem o que por ahi vae?
Em muitos uma indifferença completa fazendo com que não concorra para a divida publica senão com o imposto, pagando-o, ainda assim, com a lucida comprehensão de que fazem a melhor collocação numa parte de suas economias, mas só talvez, para se furtarem aos vexames de uma cobrança coerciva? n'outros egoismo feroz levando-os a fazer da carreira politica industria rendosa, sacrificando principios, influencia, valimento e os interesses, como se tivessem ouvido de novo as fatidicas palavras - enriquecei-vos! - n'estas o desanimo e o desalento prostrando-os na apathia e na inercia: - n'aquellas, um animo energico, arremessando-os á torrente caudalosa que ahi corre se vae alastrando - que bem dirigida podia ainda ser um propulsor do progresso e de liberdade, e que hoje é um protesto, e ámanhá póde ser uma ameaça!?
Pois srs. ministros não vêem tudo isto!?
A anarchia mental, a confusão dos principios, e preversão de idéas precoces por todo esse paiz?
Tempos são estes em que se chega a comprehender como homens da tempera de Alexandre Herculano fogem da vida politica e se recolhem como Achilles, á tenda, e que, escriptores de raça, como Oliveira Martins, façam a critica dos

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tempos que vão correndo com a penna, melhor diria com calamo de Tacito?
Pois não tendes ao menos a comprehensão nítida de qual leve, ser boje a missão do governo! Pois essa missão póde ser simplesmente passiva e apenas negativa? Não. Ao contrario, essa missão deve ser pôr-se diante d'aquelles que ainda acreditam no futuro, da pátria, dirigir essa corrente temerosa que ahi vae, e por uma recta e illustrada administração, illuminar os espiritos, avigorar os animos, retemperar as consciencias?
Pois numa epocha d'estas, em vez de cumprir a sua alta missão que se lembra o governo de assumir a dictadura! Arranca da estatua da lei, que deve ser adorada sobre um altar, leva-a ao pretario, e ahi diante da turba dos indifferentes, dos egoistas, dos descrentes, e dos adversários, esbofetea-a publicamente e diz-lhes: Esta é a liberdade; o poder sou eu!
Triste situação! É o meio social em que vivemos! Tristíssima política é a do governo.
Já se tem lembrado tantas vezes qual foi a data que o governo escolheu para completar o principal dos outros que não serei eu que insista n'esse ponto.
Só lembro, que se é perigoso mostrar ao povo, reunidas no mesmo diploma estas datas: 19 de maio e 31 de outubro, é ainda mais perigoso aconselhar ao monarcha, que póde solemnisar o seu anniversario natalício, distribuindo como larguezas de munificência regia os direitos e as prerogativas do parlamento! (Muitos apoiados.)
Mas ainda na forma porque procedeu, achou o governo meio de postergar as leis, e de desprezar precedentes! A dictadura é a necessidade. A necessidade em geral não tem lei. Mas os homens práticos, que previam, ser possível um momento, em que os governos houvessem de assumir poderes dictatoriaes, fixaram os princípios que se deviam seguir nestes casos extraordinários. Pois esses mesmos não foram respeitados!
Sr. presidente, longe de mim a idéa de deixar de votar o bill de indemnidade na parte que diz respeito ás questões de salubridade publica, e creio que, dizendo isto, fallo em nome dos meus correligionários nesta camara. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, n'estes casos que, infelizmente, não aram novos no paiz, ha leis que é necessário observar e princípios que se devem respeitar: pois foram esses mesmos que o governo soube postergar, como vou mostrar.
Com relação a esta importantíssima questão, o governo publicou o decreto de 12 de julho, que tenho presente, e não faz senão declarar em vigor as disposições das cartas na lei de 10 de janeiro de 1804 e 5 de julho de 1856.
Estas cartas de lei auctorisam o governo, a primeira a despender até 30:000$000 réis para prevenir e debellar o lagello do cholera morbus, e a segunda a abrir créditos supplementares para as despezas extraordinárias de serviço de saúde publica que podessem vir a exceder aquella quantia.
Estas leis têem ainda umas outras disposições, as quaes auctorisavam o governo a occupar temporariamente edificios, a providenciar ácerca de estabelecimentos incommodos, insalubres e perigosos, emfim a tomar as precauções e empregar todos os meios hygienicos a fim de evitar a propagação da cholera.
Folheando a collecção da legislação official, percorrendo o Diário do governo, não encontro com respeito a este assumpto outro decreto; mas vou ao orçamento rectificado e vejo que se gastaram, por virtude d'ella, réis 427:000$000.
Como se gastaram estes 427:000$000 réis?
O governo violou a lei para levantar esses 427:000$000 réis. (Apoiados.)
N'este paiz ha leis? Parece que não. (Apoiados.)
Está aqui uma lei referendada pelo primeiro ministério n'esta situação, é o regulamento geral de contabilidade publica. N'elle se previno a necessidade de abrir créditos extraordinários.
Diz o regulamento, artigo 23.º
(Leu.)
Portanto, o governo podia abrir créditos extraordinários; mas como devia abrir esses créditos?
Dil-o o mesmo regulamento, artigos 25.º, 27.º e 28.º
(Leu.)
Eu pergunto a s. exa., pergunto ao governo, como é que abriram esses créditos extraordinários. Convocou o conselho d'estado? Foi elle ouvido na presença do Rei? Fez-se o relatorio mostrando a necessidade de abrir estes créditos extraordinarios? Publicaram-se no Diario do governo? Mandaram-se para o tribunal de contas para serem registados?
Como se atreveu o governo: a passar por cima da lei? Isto é muito serio porque contende com a applicação dos dinheiros publicos.
Eu como deputado da nação preciso saber porque é que os ministros não cumpriram a lei!
Onde estão estes decretos? Alguém sabe d'elles? Como é que se visaram estas ordens de pagamentos? E como é que se cumpriram os artigos do regulamento da contabilidade publica?
O regulamento diz mais, artigo 11.º
(Leu.)
Pois não incorreram nesta responsabilidade?
A lei permitte os créditos extraordinários, mas dentro de certos limites; se os ministros não cumpriram as formalidades prescriptas na lei são responsaveis.
Eu bem sei que me podem dizer que nestes ultimos annos se votam leis de receita e despeza, e que essas leis não reproduzem os principios do regulamento da contabilidade, com respeito a créditos extraordinarios, mas essas mesmas mandam abrir taes créditos com audiencia do conselho d'estado; ainda assim, pergunto, foi ouvido o conselho d'estado? Essas leis, porém, são annuaes, e no anno passado não houve lei de receita e despeza mas sim lei de meios, e como n'ella nada se diz a tal respeito o regulamento está em pleno vigor.
Assumiram a dictadura, e alem disto infringiram as regras da lei da contabilidade, e, portanto, são responsaveis não só politicamente, mas pessoalmente. Estes são os princípios.
Mas quaes foram as despezas feitas para prevenir e debellar o cholera morbus? Vamos a 1854 o 1855. Os governos d'aquelle tempo, abriram creditos supplementares e extraordinarios: tenho aqui a nota e como é negocio importante não posso deixar de cansar a camara lendo-a.
(Leu.)
«Os créditos supplementares foram abertos por decretos de 19 de junho de 1855, e 9 de outubro de 1856.»
Estes decretos foram publicados no Diario, precedidos de relatorios dos conselhos de ministros e ouvido o conselho d'estado.
Aqui está como os ministros de então abriram créditos supplementares.
Mas tambem houve tempo em que se abriram creditos extraordinários. No tempo da febre arnarella em que se abriram créditos extraordinários: pelos decretos de 26 de setembro, 17 de outubro e 30 de novembro do 1857.
Eram decretos abrindo créditos extraordinários, que não estavam, então, sujeitos ás regras do regulamento da contabilidade, mas apesar disso o governo publicava-os na folha official e ouvia sobre elles o conselho de ministros. (Apoiados.)
E quaes foram os resultados de todos estes créditos extraordinários destinados, não só a impedir as epidemias do cholera e da febre amarella, mas tambem a combatel-os? Esses resultados constam das contas do thesouro minuciosamente descriptas, porque nestas contas até se vêem as verbas mais insignificantes, como, por exemplo, o que se

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gastou com livros especiaes sobre esta epidemia. (Apoiados.)
Vejamos os exercícios posteriores a estas datas. E note a camara que eram importâncias destinadas, não só a prevenir a epidemia, como este anno, mas também a debellal-a.
«Exercicio de 1855-1856:
«Despeza extraordinária com saude publica 20:129$107 réis, sendo 22:830$157 réis, saldo do credito aberto por lei de 10 de janeiro de 1854 e 3:299$010 réis por conta do credito supplementar aberto por decreto de 19 de junho de 1800, em virtude da auctorisação concedida pela Ia do 5 de julho de 1855.
«Exercício de 1856-1857:
«Por auctorisações especiaes: créditos supplementares abertos por decretos de 19 de junho de 1850 e 9 de outubro de 1850, importância despendida com o serviço extraordinário de saude publica, 49:998$519 réis.
«Exercicio de 1857-1858:
«No capitulo 6.º: importância despendida com o serviço extraordinário de saúde publica, créditos extraordinários abertos por decretos de 20 de setembro, 17 de outubro e 3 de novembro de 1857, 53:908$744 réis.»
Isto tudo foi para prevenir e debellar a epidemia!
Hoje, porem, precisam, só para a prevenir, 427:000$000 réis. Se tosse também para debellal-a, onde chegaríamos nós ?! (Muitos apoiados.)
Aqui estão os resultados das medidas extraordinárias d'estes annos comparados com os orçamentos rectificados.
Os ministros que referendaram estes decretos não eram destes dictadores gloriosos que reservam para si tudo quanto é importante, e deixam para o parlamento tudo quanto é somenos. (Apoiados.)
Não eram destes reformadores que escrevem que vão fazer obra duradoura e util que deixará na historia nacional uma pagina honrosa.
Reformadores e dictadores que não se contentam em seguira orbita que a constituição lhes traça, mas que, similhantes a cometas vazios e luminosos, descrevem orbitas tão excêntricas como indeterminadas!
Mas a mim, a quem menos seduzem as qualidades gloriosas de dictadores audazes, do que me captivam as virtudes modestas dos obscuros cumpridores da lei; é-me grata satisfação que os ministros que assignaram aquelles diplomas á uns insignificantes que se chamavam o marquez de Loulé, José Jorge Loureiro, Antonio José d'Avila e Julio Gomes da Silva Sanches ao passo que punham as suas referendas nesses decretos, inscreviam os seus nomes nos registos do velho e honrado partido progressista. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
O sr. Franco Castello Branco: - (O discurso não póde ser publicado n'este logar porque s. exa. não o restituiu a tempo.)
O sr. Presidente: - Vae ler se a ultima redacção do projecto de lei n.º 19.
Foram lidai as modificações introduzidas no projecto em virtude da approvação das duas propostas do sr. relator, Pinto de Magalhães e seguidamente, approvada a ultima redacção.
O sr. Presidente: - O projecto vae ser remettido para a outra casa do parlamento.
A commissão de inquérito parlamentar que a mesa foi encarregada de nomear, para estudar a questão cerealífera, é composta dos seguintes srs.:

Albino Augusto Garcia de Lima.
Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.
Antonio Mendes Pedroso.
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita.
Augusto Fuschini.
Cypriano Leite Pereira Jardim,
Emygdio Julio Navarro.
Francisco Augusto Florido de Monta e Vasconcellos.
Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu.
Henrique da Cunha Mattos de Mendia.
José Maria dos Santos.
José Pimenta de Avellar Machado.
Luiz Adriano de Magalhães e Mezezes de Lencastre.
Marçal de Azevedo Pacheco.
Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

O sr. Simões Dias: - Sr. presidente! Ouvi com religioso respeito, como era dever meu, as respostas dadas pelo illustrado relator do projecto do bill de indemnidade ao meu correligionário e amigo o sr. deputado Francisco Beirão, e confesso á camara, com toda a serenidade da minha alma, que, se a minha opinião, ao entrar nesta sala, era desfavorável ao projecto, agora, depois de ouvidas as rasões da commissão e conseguíntemente as declarações do governo, essa opinião accentuou-se definitiva e profundamente na minha consciencia. Reconheço até a necessidade de a traduzir sob a formula de um protesto enérgico o vehemente, tão enérgico e vehemente quanto couber nos limites da cortesia e do regimento d'esta casa.
Cabendo-me a honra de oppor as minhas opiniões as opiniões do sr. relator, e de usar da palavra depois do discurso eloquente o erudito do sr. deputado Francisco Beirão, a minha situação é bastante delicada neste momento, já porque me fallece a competência technica official para versar assumptos alheios á ordem de estudos a que especialmente me dedico, já porque foram brilhantemente desenvolvidos pelo meu correligionário os argumentos que mais directamente invalidam o parecer e condemnam o procedimento do governo, já finalmente, porque receio que a minha palavra modesta, mas sincera, não tenha a auctoridade moral e legitima da palavra do sr. relator, que provocou a minha resposta.
Digo auctoridade legitima, porque s. exa. conquistou brilhantemente no torneio parlamentar as suas esporas de oiro, é um magnifico lidador nas justas incruentas da rhetorica, e está, porventura, destinado, por seus talentos, que eu aprecio muito, a occupar posição eminente entro os moços esperançosos da moderna geração.
Já vê a camara qual será o meu embaraço, demais a mais aggravado pela, estreiteza da hora, que, bem a pesar meu, não permittirá que eu conclua, em pouco mais de sessenta minutos, as considerações que desejo fazer á assembléa.
Não tenho a honra do pertencer á classe militar, nem posso arrogar-me competencias de publicista, como seria necessário para discutir a questão do exercito e a questão constitucional; mas prometto ser imparcial e breve, e com estas recommendações, á falta de outras, espero merecer a attenção da camara.
Sr. presidente! Seria este o logar do meu discurso mais adequado para as respostas que devo ao relator do parecer do bill; mas pesando com inteira justiça as allegações produzidas por aquelle sr. deputado, encontro-as, não obstante o reconhecido talento do seu auctor, tão ermas de solidez, tão carecidas de fundamento, tão vazias de sentido, tão fatais e diaphanas, que não encontro meio fácil de responder aquellas rasões, que por si mesmos se desfazem e perdem no vácuo. (Apoiados.)
Seria, pois, um trabalho estéril esgrimir com esses phantasmas que fingem amedrontrar e a ninguém aterram, que fingem invalidar a argumentação vigorosa do sr. deputado Francisco Beirão, e nada mais conseguem que patentear a imanidade da defeza. (Apoiados.)
Entretanto tomei nota de algumas affirmações que hei de apreciar no decurso do debate, oppondo argumentos a sophismas e princípios a principies, espero poder demonstrar á camara que a boa doutrina constitucional não é aquella que o relator da commissão defende, mas sim aquel-

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La que a opposição progressista honrada e imparcialmente proclama. (Apoiados.)
Primeiramente. Como se comprehende que, estando aberto o parlamento ha mais de tres mezes, só hoje começa a discussão do bill de indemnidade, que devia Ter sido o primeiro dos trabalhos parlamentares depois de constituida a camara? (Muito apoiados.) Volvem sessões sobre sessões durante tres mezes, sem que d'ellas tenha saído nenhum beneficio publico, senão despendido para o thesouro; accumulam-se pilhas de rhetorica, repiques de campanario, projectos de leve tomo, discussões politicas de interesse duvidoso; e só não se trata do que é urgente tratar, só não se cuida de normalisar a situação anormal do governo!
De tudo cuida o governo, menos de prestar homenagem ao parlamento e ás leis, vindo pedir ás camaras, mas a tempo e a horas, a absolvição das suas culpas, que foram grandes e das suas responsabilidades, que foram tremendas. (Apoiados.)
É verdade, sr. presidente, que sempre foi considerada como circumstancia attenuante do crime a confissão do réu, e n'este momento reum habemus confitentem; mas tambem é verdade que similhante confissão, por serodia e violentada, ora parece uma irrisão, ora reveste o caracter da impenitencia; e em qualquer dos casos não merece a misericordia hypocritamente pedida, nem a absolvição solicitada n'este projecto de lei. (Apoiados.)
O paiz, que é indifferente ao que se passa n'esta casa, porque duras provas de crudelissima experiencia o arrastaram ao marasmo doentio em que se encontra, poderá Ter no cofre das suas indulgencias, que são infinitas em numero, agua lustral bastante para lavar hoje as nodoas que maculam este nefasto governo de dictadura permanente; mas quando a consciencia publica acordar um dis, todas as culpas antigas serão exemplarmente castigadas, e a justiça fará reduzir aos claróes da verdade a sua espada vingadora! (Repetidos apoiados.)
Ouvi dizer ao sr. relator que, não sendo esta dictadura justificavel, desculpa-se todavia, porque tem precedentes. Triste defeza, sr. presidente! Onde está o precedente de uma dictadura nas condições da que se praticou em 19 de maio ultimo? Onde é que o governo viu uma dictadura com o parlamento aberto? Quaes foram os governos d'este paiz, que, tendo assumido a dictadura no interregno parlamentar, estiverem tres mezes sem dar contas aos representantes do povo reunidos em assemblea parlamentar? Nos annaes parlamentares não ha registo de facto similhante. (Apoiados.)
Tem havido muitas dictaduras, mas, logo que se abriu o parlamento, os dictadores explicam o seu procedimento, pedem á camara a approvação do bill, que é a liquidação legal das responsabilidades do governo, e entram no caminho constitucional.
Quando em 1869 se apresentou ás camaras o gabinete do sr. bispo de Vizeu, o ministro da fazenda, que era o sr. conde de Samodães, declarou que nenhuma proposta de lei podia offerecer á aprecisação dos eleitos do povo, emquanto estes não absolvessem o ministerio por Ter assumido a dictadura.
Os precedentes são estes; a tradicção, tantas vezes invocada e tão mal comprehendida, é esta!
E invoca se o precedente! Se o argumento prova alguma cousa, não é por certo contra este lado da camara. (Apoiados.)
Foi para lembrar ao governo a tradicção, e ao mesmo tempo o seu dever, que tres deputados progressistas se apressaram a pedir um bill de indemnidade para a dictadura exercida em julho pelo sr. ministro do reino. Nem este aviso conseguiu acordal-o para a verdade do systema representativo, nem este exemplo logrou chamar o governo ao cumprimento do seu dever! Nunca pensei que viriam a cair em tal desprezo as regalias parlamentares!
Mas as cousas são o que são, e a triste verdade é que o gabinete presidido pelo sr. Fontes permanece em dictadura declarada desde o dia 19 de maio, e continuará na mesma situação illegal sabe Deus até quando, para vergonha nossa e escarmento da opinião que taes attentados tolera. (Apoiados.)
Alem da extemporaneidade d'este debate, outra circumstancia bastante curiosa desperta a minha attenção; como é que se encontram cumplices do mesmo delicto e responsaveis pelas mesmas culpas tres estadistas, que profundos abysmos separavam, politicos de tão differentes ideas, de opiniões tão encontradas, de tão differente modo de pensar?
Sei que a responsabilidade do gabinete é collectiva, e alcança todos os ministros que referendaram os decretos da dictadura; mas sei tambem que é maior a responsabilidade d'aquelles, por cujos ministerios se executaram os decretos dictatoriaes, e que estão n'este caso os srs. ministro da guerra, ministro da marinha e ministro do reino. A entrada do sr. ministro do reino n'esta occasião é para mim bastante agradavel, porque não sinto nenhum prazer em me referir aos ausentes.
Refiro-me aos ministros, e não ás pessoas dos ministros, porque n'este momento e n'esta casa não vejo mais do que dois poderes distinctos, o executivo representado pelas pessoas que se sentam n'aquelles bancos (apontando o logar dos ministros) e o legislativo que está representado pelos eleitos do povo. Estes dois poderes são independentes; e como não têem qualidades pessoaes, não se comprimentam mas tambem não se melindram nem offendem na sua dignidade, visto que são entidades abstractas creadas pela metaphysica da carta.
É, pois, á entidade governo que se dirige esta outra entidade, o parlamento, perguntando, no exercicio do seu direito, por que estranhas artes e por que secretos motivos se encontram hoje sob a presidencia do sr. Fontes, o sr. Pinheiro Chagas e o sr. Barjona de Freitas?
A pergunta não é ociosa, porquanto tratando-se de apreciar uma dictadura, convem saber, como preliminar, a competencia moral e politica de quem a perceptuou. (Apoiados.)
Analysemos rapidamente .
O sr. ministro do reino foi por alguns annos o chefe de uma grande romanesca, para me servir da phrase inventada por um dos seus adeptos, gironde que se desmembrou do partido regenerador e á custa d'elle viveu; e que tinha por fim deitar abaixo do altar o antigo idolo que tresandava a bolor ou porventura já não fazia o milagre de alguns despachos para os parciaes do sr. Barjona. (Riso.)
Mais: na opinião do actual ministro do reino, o sr. Fontes não passava de um Antony romantico, que não comprehendia as leis de evolução histórica, um estadista gasto e descripto, uma especie de fossil que crystalisára nos melhoramentos materiaes.
Agora pergunto: se talera o conceito que o actual ministro do reino formava do actual presidente do conselho, como se comprehendew a permanencia simultanea de ambos nos concelhos da coroa? Foi a ambição do poder que os approximou? Não encontro outro motivo; mas então declaro, que não têem auctoridade moral para exercer as altissimas e extraordinarias funções de dictador quem tão medianamente respeita o seu caracter politico, e quem exerce o poder em nome de vaidades e ambições, e não em beneficio do paiz e em nome das urgentes necessidades da occasião. (Aoiados.)
Então a camara tem o direito de não acreditar na sinceridade dos dictadores, nem na proficuidade da sua obra. (Apoiados.)

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O outro dictador e o sr. Pinheiro Chagas. S. exa., durante o periodo brilhante da sua carreira parlamentar, fôra o Tacito formidavel e implacavel das situações cesareas fabricadas nos gymneceos da politica de serralho, ou politica de Sião, como lhe chamava o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, d'um dos seus mais formosos discursos comparava o sr. Fontes a um prestidigitador que extrahia do seu chapeu ministerial os ministros de que precisava, com aquella habilidade de que dispunha o Hermann quando extrahia da manga da casaca ora redomas de peixes, ora casaca de pombos. (Apoiados.) não faço allusão ao melhor do casal do sr. Dias Ferreira. (Riso).
E o peior é, sr. presidente, que a antiga opinião do sr. Pinheiro Chagas, emoldurada em primorosas formas litterarias, é profundamente verdadeira, porque o sr. Fontes sabe, como ninguem n'este paiz, representar todos os papeis da comedia politica.
Prouvera a Deus que nã soubesse; a sua permanencia no poder não teria sido tão prolongada, e a situação do paiz seria menos grave. (Apoiados.)
Mas tem rasão o sr. Pinheiro Chagas, quando averbou de comediante o sr. presidente do conselho.
O que tem elle feito desde 1851 senão pura comedia? Mas comedia carissima? (Apoiados.)
Umas vezes põe na cabeça já despovoada a antiga cabelleira de Colbert, empunha o montante de Atila, descarrega o golpe mortal e abre o deficit de meio a meio; mas no mesmo instante condoe-se da victima, toma-a nas mãos carinhosas, acalenta a ao seio e, representando o papel de ama secca, offerece á contemplação das gentes boquiabertas o formoso e nutrido bambino que se chama o deficit resuscitado, um respeitavel pimpolho que o sr. Fontes não dê (no orçamento rectificado por menos de réis 8.443:000$000. (Riso.)
Umas vezes proclama a necessidade de reformas politicas em nome do espirito do seculo, como em 1872; outras vezes declara que não quer reformas politicas porque fez uma viagem de norte a sul e ninguem lh'as pediu!
Agora detesta as idéas do partido progressista, e logo vão propor áquelle partido todos os accordos possiveis. (Apoiados.)
Em maio do anno findo reconheceu a necessidade de regular constitucionalmente as relações do estado com a curia romana em relação ao beneplacito, e n'esse sentido se legislou; mas agora já não é necessaria a reforma do artigo da carta, nem conveniente cumprir a lei de 15 de maio, porque a prorogativa da coroa portugueza está garantida desde que os prelados manifestam desejos de consertar o statu quo. (Apoiados.)
É com estas contradicções, e prestando-se a estes papeis, que o sr. presidente do conselho tem conseguido governar indefinidamente, em prejuizo da rotação constitucional, e tem merecido galhardamente o titulo de comediante emerito. (Apoiados.)
É por isso que o sr. Pinheiro Chagas flagellava cruelmente esse mesmo sr. Pinheiro Chagas que n'este momento vejo sentado ao lado do sr. presidente do conselho, como se as valentes filippicas de hontem tivessem sido o prefacio da reconciliação de hoje o!
É por isco que eu tenho o direito de chamar ao sr. Fontes o comediante feliz d'esta comedia politica, em que vivemos desde 1851.
Ouço repetidos apartes reclamando pela historia. O sr. Chagas não chamara comediante ao seu collega de hoje: chamou-lhe singelamente prestidigitador!... É verdade. Mas prestimano, ou comediante, é certo que s. exa. não passa de um Amadys medieval resurgido em nossos dias, o condemnado ao eterno fadario de procurar o S. Graal da felicidade d'estes reinos, por toda a parte e por todos os modos, sem nunca poder encontrar esse precioso elixir. (Apoiados.) Mas, s. exa. não desanima: antes finge que procura e finge que ha de encontrar o, sempre representando habilmente o seu papel de Amadys, como esses comediantes de barracão que se imaginam reis, por que fazem brilhar à luz da ribalta uma coroa de bicos. (Riso e apoiados.)
E depois, a palavra comediante não é uma palavra affrontosa.
Foi comediante o imperador Augusto, pois que nos ultimos momentos perguntou aos aulicos que o cercavam, se tinha, representado bem o seu papel? Foram comediantes Shakspeare, Moliere e Gil Vicente: mas ha uma differença contra o sr. Fontes, e vem a ser, que estes reproduziram nas suas comedias e exibiram no tablado toda a vida social do seu tempo, virtudes e defeitos, ao passo que o sr. Fontes, que durante os ultimos trinta annos tem rolado n'este meio politico, que Alexandre Herculano chamava charco, apenas tem encontrado em volta da sua figura olympica apenas a lama de todos os defeitos...
O sr. Presidente: - Eu pedia ao illustre deputado que não usasse de phrases ou palavras inconvenientes que possam suscitar melindres ou offender os membros do governo.
O Orador: - Acato a advertencia; mas allego era minha defeza que a responsabilidade da minha linguagem não é pessoal, a culpa é da lingua portugueza, que não tem palavras doces para exprimir idéas amargas. (Apoiados.) Imaginava que não estava fóra da ordem criticando a estatura moral dos dictadores de 19 de maio... Mas v. exa. torna a pedir que não profira palavras que possam magoar. Pois bem, renovo as declarações já feitas, não conheço as pessoas dos srs. ministros, mas verbero os seus actos e condemno as suas culpas, como é do meu direito e do meu dever.
A usurpação de poderes que o governo não tem, a dictadura que se perpetrou sem rasão, sem necessidade, sem nenhum beneficio publico, é um attentado grave que nenhuma circumstancia justifica. Nenhuma. (Apoiados.)
É só isto o que eu censuro, é só isto o que eu lamento; é só isto o que eu verbero. Perante tamanho crime, as pessoas dos srs. ministros desapparecem, mas ficam os dictadores de biscuit, estes dictadores sem auctoridade nem prestigio, que por muitos annos se annulaaram com motejos, rivalidades e ultrajes, e hoje o paiz vem encontrar sentados a par, no mesmo banco dos réus, cumplices do mesmo delicto, conformes no mesmo pensamento demolidor de tudo quanto existe de serio e honesto no systema representativo, co réus das mesmas culpas. (Apoiados.) Sabinos e Romanos deram-se as mãos n'esta chorêa de desatinos, e representaram os seus papeis de cancanistas! Eram inimigos, tinham idéas politicas oppostas, despedaçaram-se pela intriga e pela rivalidade; mas reconciliaram-se no momento em que foi necessario apparentar forças que não tinham, no momento em que tinha vaidade inqualificavel os arrastou para o abysmo commum!
Como podia sair de uma dictadura exercida por taes homens um pensamento de salvação publica, uma idéa generosa, um beneficio qualquer para o paiz?
Tal é o estofo, sr. presidente, dos dictadores que ahi estão pedindo misericordia ao parlamento, allegando, pela boca do sr. relator, que a dictadura é injustificavel, e invocando precedentes que não existem, e considerações que nada provam!
Devo então concluir que não possuem a necessaria força moral para imporem ao paiz a sua dictadura os homens que a perpetraram, nem o seu procedimento é tão correcto que possa defender-se, visto que o sr. relator, repito ainda, julgou o feito injustificavel .(Apoiados.) Que maior triumpho espera a opposição progressista? (Apoiados.)
Mas passemos á analyse do projecto.
São quatro os decretos publicados em dictadura. Um d'elles tem a data de 12 de julho, e n'elle proroga o sr. ministro da marinha por mais um anno o praso da concessão feita á empreza Pinto Bastos para a navegação por

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barcos de vapor outro Lisboa e os portos de Moçambique.
Não quero dar grande importancia a este acto do sr. ministro da marinha; mas devo notar que, sabendo o governo em maio, como devia saber, que o praso do concurso expirava, em setembro, a sua obrigação era providenciar, emquanto estava o parlamento aberto, para que a rescisão do contrato ou a sua prorogação fosso legalizada pela camara.
E depois, é muito para estranhar que, estatuindo o § 3.º do acto addicional que as providencias tomada; pelo governo em virtude d'aquelle artigo sejam submetidas á apreciação parlamentar logo que se reunirem as cortes, o sr. ministro se esquecesse do seu dever. (Apoiados.)
Outro decreto é de 3 de julho, foi expedido pelo ministerio do reino, refere-se ás medidas preventivas centra a invasão do cholera e restaura as disposições das leis de 10 de janeiro de 1854 e é de julho de 1855.
Este decreto, que deu logar a um despendio de réis 428:000$000, foi energicamente atacado pelo sr. deputado Beirão, principalmente pelo modo irregular como em virtude dessa medida dictatorial se consumiram quantias avultadas, cujas notas desenvolvidas em vão têem sido solicitadas pela camara.
Que respondeu o sr. relatror ao meu correligionário?
Phrases vagas e subterfúgios. E todavia a accusação foi bem explicita.
Como é que o governo se julgou despencado de observar as formalidades estabelecidas no regulamento geral do contabilidade, que obriga o governo a fazer um relatorio circumstanciado das condições e necessidades em que se encontra, a publicação no Diario do governo e a ouvir sobre o caso o conselho d'estado presidido pelo Rei. (Apoiados.)
Onde está o relatorio? onde esta a publicação d'elle? onde e quando se reuniu o conselho d'estado como é que sem essas indispensáveis formalidades da lei se abriram créditos extraordinários? onde estão as contas e os documentos que explicam e justificam a verba do 428:000$000 réis gastos em medidas preventivas?
Estas interrogações ficaram e provavelmente continuam a ficar sem resposta.
Triste situação a do governo. (Apoiados.)
Bem sei que o ministério teve de construir lazaretos, de estabelecer quarentenas e de entender na raia um cordão sanitário; mas os lazaretos e quarentenas foram objecto do motejos pelo modo ridículo e inefficaz como foram planeados, dando logar a vexames de toda a ordem e a pesquizas graves de cousas e pessoas; mas o cordão sanitário apenas serviu para mostrar a insuficiência das nossas forças defensivas e dos nossos recursos militares, e tanto assim é que ao passo que em setembro se apertava o cordão sanitário, na mesma occasião se ordenava pelo ministério do reino a prohibição de feiras e mercados!
Francamente o digo, que não comprehendo o procedimento do governo.
Se o cordão sanitario era um remedio preventivo em efficaz, porque é que o ministro não se confiava n'elle, e prohibia as feiras com grave prejuízo do commercio?
Se não confiava, então para que estava despendendo dezenas do contos com esse apprarato estéril?
Receiava porventura que o microbio surgisse por gerado espontanea nos grandes ajuntamentos?
O que se está vendo é que o governo da altura da gravidade não está á altura da gravidade das circumstancias. (Apoiados.)
Mas como tanto o governo como o relator do parecer do bill confessam que os decretos dictatoriaes mais importantes são aquelles que têem a data de 19 de maio a esses limitarei as minhas reflexões, cumprindo-me analysar primeiramente as rasões com que se pretende desculpar a dictadura.
«Considerando a importancia do assumpto», diz o governo.
Mas, sr. presidente, se o assumpto era importante, mais uma rasão para ser trazido ao parlamento. Salvo se as cortes se servem para discutir assumptos insignineantes! (Apoiados.)
«Considerando a necessidade de occupar a actual sessão legislativa com o exme dos negocios de alta importancia politica que absorverão a maior parte do tempo.»
Esta, nova rasão quer dizer em bom portuguez que o governo assumia a dictadura para adiantar servião, para poupar trabalho ás cortes.
E os srs. deputados são tão ingratos que se esqueceram de mandar ao governo os seus cartões de agradecimento! (Risos.)
«Considerando quanto importava não demorar mais a satisfação de tão grande necessidade para o exercito.» Mas o exercito não reclamou, que eu saiba, esta reforma, a reforma que o sr. Fontes lhe deu. Se o governo quer dizer que o exercito se revoltaria se não fosso decretada em dictadura a forma que saiu em 31 de outubro do anno findo, então protesto contra a insinuado infamante, porque o exercito portuguez não antepõe os seus interesses particulares aos interesses geraes da nação e sabe cumprir nobremente e patrioticamente os seus deveres de disciplina, e de honra militar. (Apoiados.)
«As propostas decretadas em 19 de maio foram discutidas e votadas na camara dos deputados tendo havido tam bem sobre ellas parcceros favoraveis das respectivas commissões da camara alta.» Sr. presidente, esta rasão tem os inconvenientes das outras, aggravados de mais a mais pela circumstancia de não ser conforme com a verdade dos factos.
Existe profunda differença entre a proposta do governo que foi aqui approvada e a, reforma decretada em dictadura.
A camara não votou a creação de mais um major para cada um dos vinte e seis corpos de infanteria e caçadores; a camara não votou a creação do dois regimentos do artilheria de posição a camara não votou a organisação do corpo de estado maior e a camara não votou a creação de mais um general de brigada para cada uma das quatro divisões militares; a camara não votou a collocação das praças remidas na secunda reserva. D'este modo o sr. Fonte: declarou a dictadura em duas: uma para organisar o exercito em certas bases e outra para alterar essas bases. E assim se prova que ha necessidade de acrescentar na quarta dictadura as três analysadas pelo sr. deputado Beirão. O governo é pródigo em dictaduras. (Apoiados.)
«Não devo tambem esquecer - continua o governo - que ao terminar a ultima prorogação das cortes no anno Ando, só podia julgar aberto periodo eleitoral, produzindo-se a agitação costumada, tão prejudicial quanto incommoda para todo o organismo social». Mas, sr. presidente! não poderia sem perigo prorograr-se a sessão por mais quatro ou cinco dias para que a proposta do governo fosse convertida em lei? Não seria possivel alcançar-se nova proroga de quem tão facilmente as estava concedendo ao governo? Demais, reinando o accordo dos partidos, podia porventura receiar-se a agitação do periodo eleitoral que ainda vinha longe?
(Apoiados.)
Portanto, as rasões da dictadura foram outras; e tão debeis o proprio governo reputa as que apresenta, que, descontinuando d'ellas, promette dar outras que «serão adduzidas no decurso da discussão». Onde estão essas rasões? (Apoiados.) Ninguem as deu, ninguem as viu.
Ouço dizer agora que as alterações introduzidas pela commissão de guerra nas bases primitivas do governo não importam augmento de despeza! Peço perdão, mas creio que sim. Pois diga-me o sr. deputado que me interrompeu,

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como comprehende o alargamento dos quadros e a creação de majores e generaes, sem aggravamento das despezas do ministério da guerra? Só a despeza com um regimento da artilheria montada, segundo os calculos do sr. ministro de guerra, abrange 50:000$000 réis para compra de muares e cavallos, a verba de 12:948$000 réis para o quadro do officiaes, e pelo menos 9:000$000 réis para as praças graduadas necessárias ás dez baterias de um regimento. Bem sei que o novo regimento creado pela commissão de reforma não absorve aquellas quantias, porque sendo regimento de posição não tem muares, nem tão grande numero de officiaes e praças, mas basta reparar nos quadros que vem appensos á reforma, e della fazem parte, para se ver o novos encargos que as bases primitivas não calculavam (Apoiados.)
E assim não posso comprchender a rasão por que me dizem que a reforma definitiva não differe da reforma projectada. Sustento que differe, e se para condemnar basta dizer que a esta camara tem sido presentes varios requerimentos e reclamações, ora pedindo a reforma de algumas disposições do decreto, ora solicitando garantias que na foram concedidas, como era de rasão, a varias categoria da classe militar. Alumnos da escóla do exercito, musico e cirurgiões, sei eu que representaram ao parlamento contra varios preceitos da reforma. (Apoiados.)
A verdade é esta, sr. presidente; o exercito desejava a reorganisação da nossa forca publica; mas o que elle nunca desejou, nem podia desejar, e esta acanhada, incompleta e tumultuaria reforma que se publicou na ordem d exercito de 31 de outubro. (Apoiados.)
Mas antes de apreciar esse trabalho e justificar a ide desfavoravel que formo d'elle, permitta a camara que eu chame a sua attenção para as duas datas: 19 de maio 31 de outubro. A primeira e o anniversario da ultima revolta militar da mais gloriosa espada que teve o exercito portuguez; a segunda recorda o anniversario de El-Rei D. Luiz I.
O governo aproveitou o dia 19 de maio para demonstra ao paiz que bem podia infringir a lei com a penna á mesma sorte que o marechal Saldanha a infringira com espada; e a segunda para fazer acreditar ao exercito que a reforma era um presente de annos com que a real munificencia brindava as suas tropas! Leviandade ou proposito? Em qualquer dos casos, procedimento incorrecto censuravel. (Apoiados.)
Que necessidade havia em 19 de maio de assumir os cuidados extraordinarios? Para nomear uma commissão Mas o governo está sempre auctorisado a nomear as commissões que quizer, sem necessidade de auctorisação parlamentar nem de exercício dictatorial.
Para mostrar ao sr. conde do Casal Ribeiro que o governo sabe illudir as ameaças da camara alta e zombar d opposição enérgica e violenta que aquelle talentoso esta dista promettera fazer á reforma do exercito? N'este caso tem rasão o sr. deputado e meu correligionário Francisco Beirão, quando asseverou que o sr. Fontes recuou como panthera para melhor formar o salto. N'esse caso tenho e carradas de rasão, quando affirmo que o sr. Fontes fecho a camara por medo e por vaidades assumiu a dictadura quarenta o oito horas depois. (Apoiados.) E tanta rasão tenho, que o proprio relator da commissão confessa que discussão das bases da reforma levantaria na camara de dignos pares violenta discussão. Logo, foi o medo que fechou a camara; logo, foi o despeito que produziu o 19 de maio.
O governo não fica em situação muito invejavel, mas esta situação é o seu merecido castigo. (Apoiados.)
E depois, sr. presidente, que necessidade havia de publicar um decreto de dictadura no dia 31 de outubro, cinco dias antes do dia marcado para a abertura das curtes constituintes? Não seria mais prudente esperar mais cinco dias? Seria; mas acima dos conselhos da prudência está o poder soberano e a alienaria pessoal do sr. Fontes, cujos actos contradictorios até por vezes conseguem pôr-se em contradicção com as palavras do poder moderador.
No mesmo dia em que o governo praticava o attentado constitucional que hoje está expiando dolorosamente, El-Rei recebia as felicitações da camara municipal de Lisboa e agradecendo-as affirmava que se o respeito á lei avigora a liberdade e de força e prestigio ás instituições. Bellas palavras, sr. presidente, que o procedimento do governo, porventura n'aquelle momento, estava desmentido de um modo revoltante, porque é sempre revoltante a violação da lei. (Apoiados.)
Mas estas contradicções não são de agora. Quando no verão de 1832 eu tive a honra de presidir a uma commissão districtal que na cidade de Vizeu pedia a Sua Magestade que houvesse por bem mudar a situação politica, então como hoje dirigida pelo sr. Fontes, e lhe pediamos que attendesse aos clamores da opinião sufficientemente manifestada contra o governo, Sua Magestade respondia commovido: «Que desejava ser em tudo e sobretudo Rei constitucional; que bem sabia que o poder monarchico tem necessidade de apoiar-se nas sympathias populares, que confiassemos todos na sua imparcialidade...»
O M. Presidente: - Permitta-me o illustre deputado que o interrompa segunda vez para lhe lembrar que o artigo 102.º do regimento não permitte trazer para a discussão a pessoa do Rei, ou as suas opiniões. (Muitos apoiados.)
O Orador: - Mas, sr. presidente, eu não estou a discutir, estou a expor fielmente as opiniões do poder moderador. Refiro-me sem commentarios a actos publicos e officiaes, no exercicio do meu direito. Eu não aprecio, nem discuto, exponho...
O sr. Eduardo Coelho: - Pois eu hei de apreciai os e discutil-os.
O sr. Presidente: - E eu hei de cumprir o meu dever, fazendo manter a ordem e pugnando pela execução do regimento. (Apoiados.)
O Orador: - Julguei que a historia não estava fora da ordem do dia; mas acceito a responsabilidade ministerial cobrindo a responsabilidade da coroa, e digo que o governo é responsavel pelas palavras de El-Rei pronunciadas em Vizeu, mas não cumpridas, porque o governo, que já não tem por si o favor da opinião publica, ainda se conserva no poder, cuja magestade não sabe recatar, (Apoiados repetidos.)
O governo não respeitou as palavras de El-Rei, nem attendeu á reclamação dos povos, nem acatou a constituição do estado; antes se reconstruiu quantas vezes quiz, alcançou as prorogas que lhe aprouveram e para que se não dissesse que, por qualquer motivo de pudor político, parava no caminho dos desatinos, fechou o parlamento e nomeou-se a si mesmo dictador! (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, a dictadura de 19 de maio e a segunda dictadura de 31 de outubro, ainda teriam uma desculpa, se fossem aconselhadas por algum interesse publico, urgente e inadiavel, e provocadas pela eminencia de algum grande perigo. Mas onde estava esse perigo? Onde está esse interesse publico? Não os vejo. O que vejo diante de mim é uma reforma do exercito a que nenhum principio de justiça presidiu, que nenhuma theoria scientifica ou profissional fecundou, e que nada mais do que um desdobramento de quadros do officiaes. Unicamente um pretexto para promoções. (Apoiados.)
Esta refunna, que de reforma se tem o nome, nenhum dos antigos vicios orgânicos expungiu, nenhum dos males remediou, e conservou todos os defeitos do estado cahotico em que se encontrava a nossa força publica. A mesma falta de instrucçãão technica, a mesma lei de recrutamento o mesmo systema de promoções, a mesma insufficiencia da

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administração militar, os mesmos conselhos administrativos nos corpos, todos os inconvenientes da nossa péssima organisação militar. Alargamento do quadros e mais nada; foi este o unico fim que se teve em vista. (Apoiados.)
E todavia perdeu-se um magnifico ensejo. Já que houve capricho da dictadura, porque é que o sr. Fontes não fez um trabalho á altura da competencia da commissão e da moderna arte da guerra? Porque é que não manteve, por exemplo, as suas antigas opiniões ácerca do recrutamento ?
S. exa. sustentou em 1873 que as remissões eram immoraes, e agora restaura as remissões! Reconheceu, segundo penso, necessidade de remodelar a lei das promoções, e fez agora as promoções pelo systema condemnado! (Apoiados.) Mais alguns capitulei para aggregar a historia já volumosa das contradições do actual presidente do conselho.
Como comprehendeu o governo, por exemplo, o systema do recrutamento regional que actualmente está dando optimos resultados na Allemanha?
Vozes: - Deu a hora.
O sr. Presidente: - Está para dar a hora, e eu ainda tenho que dar a palavra a alguns srs. deputados que a pediram por parte de commissões. Se o illustre deputado quer, fica-lhe a palavra reservada para amanha; mas tambem póde continuar, se assim o deseja.
O Orador: - É para mim bastante desagradavel o ficar com a palavra reservada; mas visto que a estreiteza, da hora não permitte que eu conclua hoje a serio de considerações que desejo fazer, resigno-me e acceito a palavra que v. exa. me offerece para amanha.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados de ambos os lados da camara.)
O sr. Barata: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda com respeito á proposta do governo para a creacção de uma caixa de aposentações.
A imprimir.
O sr. Luiz de Lencastre: - Por parte da commissão de fazenda mando tambem para a mesa o parecer ácerca de um projecto de lei do sr. Figueiredo Mascarenhas que interessa á camara municipal de Lagoa.
A commissão de obras publicas.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte:
Proposta de lei n.º 24-A
Senhores: - A carta constitucional da monarchia portugueza declarou no artigo 80.º, que as cortes geraes da nação incumbia fixar a dotação do Rei, logo que succedesse no reino; e no artigo 85.º, que os palacios e terrenos reaes ficariam constituindo apanagio da coroa, cuidando o parlamento nas acquisições o construcções que julgasse convenientes.
Em harmonia com estes preceitos fixou a lei de 19 de dezembro de 1834 em 1:000$000 réis diários, alem da fruição dos palácios e quintas reaes, a dotação de Sua Magestade a Senhora D. Maria II; e esta dotação tem sido mantida aos seus augustos successores, subsistindo no actual reinado por virtude da lei de 11 de fevereiro de 1862.
Pelo que toca aos bens da coroa, a lei de 18 de março de 1834, supprimindo a casa do infantado, e mandando reverter os seus bens para a fazenda nacional, designadamente exceptuou as quintas e palacios, cujo usufructo permaneceria na casa real.
São estes os apanagios da coroa.
Em differentes epochas se effectuaram, porem, donativos de parte da dotação regia; de 1808 até ao presente, sommam esses donativos 2.113:000$000 réis.
No reinado da Senhora D. Maria II atrazaram-se as prestações da dotação, e foram depois envolvidas nas capitalisações ordenadas por leis de 31 de dezembro de 1841 de 28 de fevereiro e 3 de dezembro de 1851, e 30 de agosto de 1852; dahi resultou uma differença de réis 485:473$872, pois que sendo de 826:230$872 réis as prestações devidas, as inscripções entregues, no valor nominal de 815:350$000 réis, tinham o valor real de 340:757$000 réis.
Por lei de 16 de julho de 1855 ficou o governo auctorisado a despender annulmente até á quantia de 6:000$000 réis com os concertos e reparações necessárias á conservação dos jardins e palacios reaes, e ahi se consignou que o Rei poderia fazer nos bens da corôa as mudanças e construcções que julgasse convenientes, devendo essas bem-feitorias, bem como as acquisições, ser pagas por conta do estado mediante a decisão das cortes.
A despeza que, alem dos 6:000$000 réis annuaes, votados por essa lei, se tem feito, á custa da casa real, com a conservação e bemfeitoria dos palacios, jardins e almoxarifados, e com a acquisição do palacio das Carrancas, no Porto, desde 1855 até 31 de dezembro de 1884, sobe a 849:700$000 réis.
Isto explica a divida que pesa sobre a casa real, divida que ao fallecimento do Senhor D. Pedro V era de réis 416:000$000, que successivamente se elevou a réis 1.030:000$000 em dezembro de 1875, e que desde então, e em consequencia de rigorosas providencias, baixou a pouco mais de 800:000$000 réis.
Desta divida, 700:000$000 réis se acham representados no contrato de emprestimo feito em 30 de dezembro de 1882 por um grupo de casas bancarias do paiz, tendo por seu representante o banco de Portugal; o que resta em aberto facilmente se amortisará com a prudente administração que hoje tem a casa real, quando cessem os encargos desse emprestimo.
No uso da auctorisação conferida pelas leis de 7 de abril de 1877 e de 28 de maio de 1880, contrahiu aquella administração, em 12 de agosto de 1880, um emprestimo de 200:000$000 réis, para a construcção de novas cavallariças reaes, devendo o juro e amortisação sair do producto da venda das antigas cavallariças, e de determinadas propriedades do usufructo da coroa.
Findou em 31 de dezembro de 1882 o praso para o pagamento do capital e juros d'esse emprestimo, que importam já em 230:000$000 réis.
Não estando por emquanto livre o edifficio das antigas cavallariças, e sendo morosa a venda das propriedades cuja alienação foi auctorisada, poderia recorrer-se ás inscripções que existem averbadas á coroa, como producto da venda de diamantes, e de prédios rusticos, feita segundo as leis de 25 de julho de 1804 e de 12 de abril de 1876, se essas inscripções não estivessem depositadas em garantia do contrato de empréstimo, a que ja me referi, de 30 de dezembro de 1882.
Assim, o que mais conveniente se afigura ao governo, no intuito de extinguir a divida em que se acha a casa real, desembaraçando a sua administração das difficuldades em que por vezes se tem encontrado, e provendo á sustentação da dignidade da coroa, é que se auctorise o pagamento dos empréstimos que se realisaram por contrato de 12 de agosto de 1880 e de 30 de dezembro de 1882, abonando-se para isso, e até ao concorrente valor, as inscripções que são do usufructo real.
Taes são os fundamentos da proposta de lei que venho submetter á vossa alta consideração. É a seguinte:
Artigo 1.º É auctorisada a junta do credito publico a adiantar, pela caixa geral de depósitos, as quantias necessárias para pagamento dos empréstimos contrahidos pela administração da casa real em contratos de 12 de agosto de 1880 e de 30 de dezembro de 1882, recebendo em caução valor sufficiente em inscripções do usufructo da coroa, para seu reembolso, poderá alienar, de accordo com o

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governo, como mais conveniente for aos interesses da fazenda.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 16 de março de 1885.= Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.
Enviada á commissão de fazenda.
O sr. Presidente:- A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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