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SESSÃO DE 17 DE MARÇO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Duas representações, que foram apresentadas, uma pelo sr. presidente da camara e outra pelo sr. Luciano Cordeiro. - Justificações de faltas dos srs. Elias Garcia, Pinto de Magalhães e Eduardo Cabral. - O sr. Lopes Navarro, referindo-se á syndicancia aos actos do juiz de Moncorvo, pretende saber o que resolve o governo. - Responde-lhe o sr. ministro da justiça. - O sr. Santos Viegas lamenta que se conserve tora da sua diocese o bispo de Portalegre e pede providencias para que o facto não continue.- Responde-lhe o sr. ministro da justiça. - O sr. Avelino Calixto pede para ser prevenido o sr. presidente do conselho de que deseja interrogal-o sobre assumptos relativos ao ministerio do reino. - O sr. ministro da fazenda manda para a mesa as circulares politico-eleitoraes que existem no seu ministerio e cuja apresentação havia promettido na sessão anterior. - O sr. Rocha Peixoto pede ao sr. ministro da justiça para se dar brevemente por habilitado a responder á interpellação sobre o ensino nos seminários e dirige algumas perguntas ao mesmo sr. ministro, que lhe responde em seguida. - O sr. Pedro Diniz, por parte da commissão de marinha, pede que o governo seja ouvido sobre dois requerimentos de interesse particular que manda para a mesa. - O sr. Arouca pede explicações ao governo sobre as providencias a tomar para se facilitar a saída dos vinhos do Douro peia barra do Porto, manifestando-se contrario ás medidas indicadas para esse fim por uma commissão d'aquella cidade. - Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas.
Na ordem do dia lê-se e é admittida á discussão uma inócuo de ordem do sr. Alfredo da Rocha Peixoto, em referencia ao projecto n.° 21. - Responde aos discursos do mesmo sr. deputado, que havia combatido o projecto, o sr. ministro da fazenda. - Segue-se o sr. Consiglieri Pedroso, que faz largas considerações contra o mesmo projecto. - Responde-lhe o sr. Carrilho, relator, e a este e juntamente ao sr. ministro da fazenda responde o sr. Rocha Peixoto. - Encerra-se a sessão por não haver já na sala deputados em numero sufficiente para se votar.

Abertura - Ás quatro horas da tarde.

Presentes á chamada - 58 srs. deputados.

São os seguintes: - Lopes Vieira, Agostinho Lúcio, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Moraes Sarmento, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Carrilho, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, A. Hintze Ribeiro, Augusto Poppe, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Francisco Beirão, Francisco de Campos, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Franco Frazão, J. C. Valente, Searnichia, Souto Rodrigues, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Elias Garcia, Laraujo, Figueiredo Mascarenhas, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz Jardim, M. J. Vieira, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Mariano de Carvalho, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Rodrigo Pequito, Barbosa Centeno, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Sousa Pavão, Lobo d'Avila, Castro Matoso, Sant'Anna e Vasconcellos, Correia de Barros, Manuel d'Assumpção, M. P. Guedes e Vicente Pinheiro.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel; Adriano Cavalheiro, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Antonio Candido, Pereira Corte Real, Antonio Centeno, Antonio Ennes; Pereira Borges, Jalles, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Almeida Pinheiro, Segnier, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Pereira Leite, Barão do Ramalho, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Cypriano Jardim, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Fernando Caldeira, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Correia Barata, Mártens Ferrão, Wanzeller, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Silveira da Mota, Costa Pinto, Baima de Bastos, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Me-licio, Franco Castello Branco, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, Borges de Faria, Dias Ferreira, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, José Luciano, Ferreira Freire, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Reis Torgal, Luiz Dias, D. Luiz da Camara, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Correia, Gonçalves de Freitas, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da associação dos ferreiros e artes correlativas, com sede em Lisboa, pedindo que sejam approvadas ainda na actual sessão legislativa as propostas de lei pendentes de discussão e que lhes dizem respeito.
Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada às commissões a que se acham affectas as mesmas propostas de lei e mandada publicar no Diario do governo.

2.ª Do atheneu commercial do Porto, pedindo para ser approvado o projecto de lei, que tem por fim galardoar os serviços prestados ao paiz e á civilisação pelos exploradores Brito Capello e Roberto Ivens.
Apresentada pelo sr. deputado Lueiano Cordeiro, enviada às commissões de marinha e de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Por motivo justificado faltei às ultimas sessões. = José Elias Garcia.

2.° Declaro que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. = Pinto de Magalhães.

3.° Declaro que por motivo justificado não tenho comparecido ás ultimas sessões. = Eduardo Cabral.
Para a acta.

O sr. Presidente: - Fui procurado pelos corpos gerentes da associação dos ferreiros e artes correlativas, que me entregaram uma representação pedindo a approvação

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de algumas propostas que estão pendentes do exame d'esta camara.
Desejam os interessados a publicação no Diario do governo, mas como não se adia na sala numero sufficiente de deputados para se deliberar, não posso ainda consultar a camara a este respeito.
Pelo mesmo motivo tambem a não posso consultar ácerca da admissão de dois projectos que estão sobre a mesa, e que ficaram para segunda leitura.
O sr. Lopes Navarro: - Pedi a palavra para fazer uma pergunta ao sr. ministro da justiça. Como v. exa. e a camara sabem e já aqui se tem dito muitas vezes, tinha-se mandado syndicar dos actos do juiz de Moncorvo.
O magistrado encarregado d'essa syndicancia já regressou a Lisboa, o que faz suppor que ella já terminou.
Desejava, por isso, saber de s. exa. seja tinha dado entrada no ministerio da justiça a syndicancia e o respectivo relatorio, e se s. exa. já está habilitado para me dizer se sim, ou não, julga que o juiz deve permanecer n'aquella comarca, pois que com relação ao delegado nada mais se póde esperar de que seja louvado o seu correcto, digno e justo procedimento.
Aguardando a resposta do sr. ministro da justiça, peço a v. exa. me reserve a palavra para em seguida fazer as considerações que julgar convenientes. Esta é uma questão de alta moralidade, que por forma nenhuma será posta de parte, emquanto se não apurarem todas as responsabilidades.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Como o illustre deputado sabe, quando entrei para o ministerio já estava ordenada pelo meu illustre antecessor uma syndicancia aos actos que se dizia terem originado conflictos na comarca de Moncorvo.
Depois de eu ter tomado posse da pasta da justiça, já regressou á capital o magistrado encarregado de effectuar essa syndicancia, e disse-me que o relatorio estava completo, mas que faltava passar a limpo e dar-lhe os ultimos toques.
Isto passou-se ha tres ou quatro dias, mas até hoje ainda não me foi remettido o relatorio.
Eu reputo este negocio muito urgente, e, para tomar uma resolução, mandei hoje novamente pedir os trabalhos da syndicancia.
V. exa. comprehende que eu não posso estar habilitado a dar providencias algumas, emquanto não tiver conhecimento official d'essa syndicancia.
Era esta a resposta que tinha a dar ao illustre deputado.
O sr. Luciano Cordeiro: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação do atheneu commercial do Porto, pedindo a approvação do projecto de lei, que concede uma recompensa nacional aos beneméritos exploradores Capello e Ivens.
Peço a v. exa. que consulte a camara, sobre se permitte que seja publicada no Diario do governo.
Assim se resolveu.
O sr. Santos Viegas: - Sr. presidente, por circumstancias estranhas á minha vontade, tenho deixado de fazer uma pergunta ao sr. ministro da justiça, ácerca de um facto que diz respeito ao seu ministerio.
No meado do anno passado, pouco mais ou menos, foi apresentado na cadeira episcopal de Portalegre, por transferencia da de Bragança, o sr. D. Manuel Ennes.
A Santa Sé continuou esta nomeação, e o governo expediu os necessarios documentos, para que o agraciado tomasse posse legal e pacifica d'aquella cadeira episcopal.
A posse foi tomada por procuração, mas até hoje não consta que este prelado seguisse caminho de Portalegre, e fosse ali residir para desempenhar-se dos deveres inherentes ao seu munus pastoral.
Lamento o facto.
Não julgue a camara que fallando assim, tenho menos respeito por aquelle venerando prelado da igreja portugueza. Respeito-o, mas mais do que a elle respeito as leis da igreja, e o bom nome d'aquelles que Deus poz á frente d'ella para a dirigirem e governarem.
Veja-se, pois, no que digo apenas o sincero desejo de não ouvir censurar um bispo catholico por faltas, que podem e devem não existir, mas que, existindo, eu reputo graves em todo o sentido.
Fundamentarei estes meus reparos do procedimento do revdo. prelado portalegrense.
Como o nobre ministro da justiça reconhece, é expressa a obrigação que o prelado tem de residir na sua diocese.
Leis civis e leis ecclesiasticas lh'a assignalam, e preceituam, sendo certo que a boa rasão a aconselha.
As cartas regias de 15 de outubro de 1603, de 30 de setembro de 1608 e ainda antes a de 30 de junho de 1607; auctorisam o governo a tomar providencias sobre o procedimento do bispo, que sem licença deixa de residir na sua diocese.
Se eu quizesse referir-me mais largamente a outras disposições legaes ser-me-ía facil, mas não pretendo fazer longa dissertação sobre um assumpto, que é de simples intuição.
O meu fim, como disse, citando leis e principios recommendados pelos santos padres, que têem presidido á igreja catholica, é justificar o meu modo de ver em um ponto sempre recommendavel á attenção dos podes publicos, e muito especialmente na presente occasião.
Na encyclica de 3 de julho de 1862, enviada aos srs. patriarcha de Lisboa, arcebispo de Évora e bispos suffraganeos o immortal Pontífice Pio IX, exhortando-os a que velem pela instrucção do clero, diz-lhes que exercitem a predica, e cumpram todos os demais encargos do seu officio.
Na publicação d'este documento suscita-se, e lembra-se aos bispos a constituição de Urbano VIII Saneta Synodus, onde, como em muitas outras, se determina a residencia dos prelados nas suas dioceses.
E como não deveria ser assim? Só os parochos, ainda em tempo de peste, e com perigo de sua propria vida, são obrigados a residir nas suas freguezias, poderão os bispos, a quem impendem maiores obrigações, deixar de residir, porque lhes aprás assim proceder?
Facil é a resposta a esta interrogação.
Eu bem sei que algumas circumstancias podem dar-se que obriguem á falta de residencia, solicitando-se n'este caso a precisa licença da Santa Sé e do governo.
Uma das causas canonicas de escusa de residencia é, por exemplo, a necessidade imperiosa de attender a outros interesses do estado, que não os da sua diocese, necessidade urgente e evidente utilidade da igreja, que em geral só póde ou deve ser solicitada da Santa Sé pelo governo, e ainda a falta de saude, porque o clima da diocese, aonde têem de residir não a favorece, e pelo contrario a prejudica. Assim pelo breve de 15 de agosto de 1771, Clemente XIV dispensou o cardeal Cunha, arcebispo de Évora, de residir na archidiocese.
Mas nenhuma d'estas causas se dá, felizmente.
Em Portalegre o clima é excellente, a habitação igualmente excellente, e não ha necessidade urgente, porque me não consta que o prelado desta cidade esteja em serviço publico que o desvie de residir na sua diocese, como as leis canonicas lhe determinam.
Na diocese de Portalegre ha dois paços episcopaes, um em Castello Branco, e outro em Portalegre. O prelado póde residir n'um ou n'outro a seu talante.
Mas, pergunto eu, haverá no ministerio da justiça alguma representação d'este prelado no sentido de exigir que quaesquer obras ou melhoramentos sejam feitos no paço, para elle poder ali residir? Haverá outros quaesquer motivos, como, por exemplo, falta dos objectos necessários na sé para o culto, ou para poder celebrar os actos que lhe competem como bispo? Se isto assim é, peço ao go-

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verno que o attenda, pela necessidade que ha da presença d'aquelle prelado ali, porque a falta de residencia d'elle augura-se-me grave, e de perniciosos effeitos. Peço, repito, ao governo, como pediria a qualquer outro poder, de que esta questão dependesse para ser promptamente resolvida, que tome as providencias mais convenientes, para que este estado de cousas deixe de existir, e para que se cumpra a lei na parte que diz respeito á residencia effectiva dos prelados nas suas dioceses.
Ha uma portaria, de que eu tomei nota, com data de 24 de outubro de 1866, e publicada nos Diarios do governo n.ºs 234 e 243, em que se recommenda aos prelados que façam com que os parochos prestem aos commissarios de estudos, ou a quaesquer auctoridades que zelem o serviço da instrucção, todo o seu apoio, «Prégar e ensinar, diz a portaria, é preceito do Evangelho. A visita e inspecção dos que ensinam, e a correcção dos erros de doutrina, é um dos primeiros encargos do officio pastoral».
E de facto, como poderá corrigir erros quem porventura não assiste, não vigia, na o zela, estando junto do logar onde funccionem escolas?
E, desgraçadamente em Portalegre, que eu conheça, ha uma escola protestante sustentada por um rico proprietário inglez ali residente.
Note este facto a camara, e na existencia d'elle terá o principal motivo do desejo que eu tenho de ver ali o prelado.
A propaganda do protestantismo tem á sua disposição fabulosas sommas para angariar proselytos, visto como pela excellencia e utilidade do seu credo religioso o não póde conseguir. É urgentissimo que se tomem providencias, porque de contrario os interesses catholicos, que são os do estado, protegidos pela carta constitucional, serão prejudicados. (Apoiados.)
É indispensavel, que cesse de vez este estado de cousas, para cuja conservação concorre de certo a ausência do prelado, cuja piedade, crenças vivas, e sciencia são sabidas.
Elle por certo empenharia todos os seus esforços na reforma dos costumes, e na instrucção religiosa do rebanho, que lhe foi confiado, e que na sua maioria é sinceramente catholico, se estivesse presente na diocese a seu cargo.
Estou convencido de que o governo não tem conhecimento desta falta; e parece-me poder affirmar que o esclarecido nuncio de Sua Santidade nesta corte, um dos prelados mais respeitaveis que têem representado a Santa Sé neste paiz, dos mais distinctos por seu saber, (Apoiados.) e por isso dos mais conciliadores e estimados em Portugal, mr. Vannutelli, tem de certo tomado já providencias, para que o prelado siga para o seu destino; mas convem, que o governo, aluando a sua auctoridade com a auctoridade d'aquelle venerando prelado, representante da Santa Sé, e auxiliando-se reciprocamente, consiga que o prelado da diocese de Portalegre não abandone a sua diocese, siga para ali e pratique os actos que estão inherentes á sua altissima posição episcopal.
A camara comprehende perfeitamente que apresentar um prelado n'uma diocese não é só dar direito para auferir o lucro material que dali lhe possa vir, mas igualmente, e principalmente, para radicar na intelligencia e no coração dos crentes as verdades sublimes do Evangelho que tem necessidade e obrigação juridica e moral de prégar. Ora, se o prelado apresentado se recusa a ir occupar o seu logar na diocese de Portalegre, é claro que a missão não se satisfaz, o prestigio da igreja prejudica-se e o da sociedade igualmente, porque os interesses da sociedade e da igreja são correlativos.
Antes de terminar desejo citar um f dos vultos mais insinuantes do episcopado portuguez. É fr. Bartholomeu dos Martyres, que no concilio de Trento, debatendo-se a questão da residencia dos bispos, e lamentando elle que ella se levantasse; diz: «É um grande mal; é mesmo um grande crime para um bispo não residir, mas não se segue que seja louvado aquelle que reside. Um servo não é louvado, porque está sempre junto do seu amo, nem um capitão, porque se conserva no seu posto, nem um medico, porque permanece sempre junto ao seu enfermo. Em todas estas pessoas a presença é necessaria para que cumpram os seus deveres, mas a presença só não basta; é mister demais que ellas tenham muitas outras qualidades, que essa assiduidade exterior não póde supprir».
N'este sentido, pois, eu peço só sr. ministro da justiça se digne dizer-me, primeiro, se ha qualquer causa que demova o revdo. Bispo de Portalegre a estar ausente da sua diocese, se, não havendo causa alguma, s. exa. está de accordo combinando, se assim o julgar, com o esclarecido nuncio de Sua Santidade n'esta côrte em empenhar todos os esforços, para que aquelle prelado siga o caminho que lhe compete, quer dizer, vá residir, onde deve, conforme os preceitos das leis canonicas e civis; e ainda se o prelado, por qualquer circumstancia, não póde residir, porque não solicitou da Santa Sé a necessaria auctorisação, nem o governo lh'a concedeu, ou não póde conceder por não existirem os motivos canonicos que se devem apontar para a falta de residencia, o sr. ministro da justiça está na disposição de proceder por fórma, que aquella igreja não esteja vaga, como parece estar, apesar de existir o prelado que a deve governar dirigir.
É isto que por agora tenho a dizer, esperando que o sr. ministro da justiça me esclareça sobre este assumpto, por que nem á igreja nem ao estado convem que se prolongue indefinidamente este estado de cousas.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - O illustre deputado referiu-se ao facto de se conservar fóra da sua diocese o prelado de Portalegre.
Este facto, como s. exa. sabe, já existia quando se organisou o actual gabinete.
Quando eu entrei para o governo e me informei do estado em que estavam os serviços da administração no ministerio a meu cargo, soubeque o prelado de Portalegre não estava residindo na diocese, cuja administração lhe tinha sido confiada.
Concordo perfeitamente com o illustre deputado relativamente á necessidade da residência dos prelados nas suas dioceses; quando as leis assim o não determinassem, seria de simples bom senso tornar effectiva tal obrigação, sem a qual, se não póde exercer, convenientemente, a administração espiritual de qualquer diocese.
Na secretaria, a meu cargo, havia um officio em que, o illustre bispo de Portalegre, commmunicava que não lhe permittindo o seu estado de saúde ir logo exercer, pessoalmente, jurisdicção na diocese, mandara tomar a respectiva posso a que se procedêra em 25 de outubro ultimo, e nomeara o respectivo governador do bispado. Junto vinha o auto de posse por procuração.
Sendo estas as circumstancias, quando entrei no ministério, procurei saber se a rasão allegada continuava a subsistir, e recebi um officio d'aquelle prelado dizendo-me que esperava brevemente dirigir-se para a diocese, mas antevendo não ter em Portalegre casa propria para residir, em rasão da demora que tem havido nas obras de que o paço episcopal carece, recorria, por isso á minha intervenção a fim de lhes dar o impulso necessario.
Repete o mesmo prelado que por motivo de saude não poderá tomar, pessoalmente, posse da diocese, mas que dispondo-se a ir assumir o governo episcopal, logo que a sua saúde lho permitisse, fora informado de que o edificio episcopal de Portalegre, estava em tão mau estado de conservação, que precisava ser, previamente, reparado para se tornar habitavel, em consequencia do que, recorrêra ao ministerio das obras publicas, solicitando as providencias necessarias para se proceder aos reparos no paço episcopal. Em resultado das ordens desse ministerio fora encarregado um engenheiro districtal de examinar o dito edificio, e depois re-

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cebêra ordem de fazer o orçamento respectivo, mas que o engenheiro esperava para tal fim de um outro funccionario que requisitara á direcção geral, para o coadjuvar na expedição d'esse serviço, cuja necessidade reconhecêra. N'estas circumstancias o prelado recorria, como disse, a mim para que eu concorresse para a prompta execução das obras.
Em vista d'isso officiou-se ao ministerio das obras publicas ponderando que a demora das obras está obstando a que o prelado vá assumir o governo da diocese, e pedindo por isso a adopção de providencias necessarias para a conclusão das obras do paço episcopal com a possivel brevidade.
Já vê o illustre deputado que da parte do ministro da justiça não houve falta alguma e que tratou de saber ao que era devido o facto anormal de não estar residindo na sua diocese o prelado de Portalegre, e de empregar os meios necessarios a que tal falta cessasse.
O governo teve a attenção devida para com aquelle prelado.
Espero, porém, que, dentro em pouco tempo, as obras se concluam, a fim de que aquelle prelado possa cumprir a obrigação de residir na sua diocese.
(Interrupção do sr. Santos Viegas.)
O sr. bispo referia-se ao paço de Portalegre, não se referia ao de Castello Branco.
Não posso dar senão as informações officiaes que tenho. O prelado não se referia no seu officio senão ao paço de Portalegre, repito, e dizia que não podia lá habitar pelo mau estado em que elle se encontrava. Quando tiver desapparecido essa causa, creio elle ha de cumprir com - a obrigação civil e canónica, de residencia.
E se acaso qualquer prelado não cumprir com a obrigação de residencia na sua diocese, é claro que eu, como ministro, não posso deixar de tornar as providencias necessarias para que essa obrigação se cumpra, providencias que não posso dizer, antecipadamente, quaes hão de ser, pois que podem ser differentes conforme as condições diversas que se derem.
O sr. Presidente: - Consulto a camara sobre se permitte que seja publicada no Diario do governo a representação, a que ha pouco me referi, dos corpos gerentes da associação dos ferreiros e artes correlativas.
Assim se resolveu.
O sr. Avelino Calixto: - Eu desejava pedir informações e dirigir algumas perguntas ao sr. presidente do conselho sobre negócios da administração publica, que especialmente respeitam ao seu ministerio; mas, como s. exa. não está presente, peço a v. exa. que eu reserve a palavra para quando s. exa. comparecer; e no caso de não vir hoje á camara, pedia a qualquer dos srs. ministros presentes a amabilidade de communicar ao sr. presidente do conselho os meus desejos para que na primeira occasião em que lhe seja possivel, não é com urgencia de primeira ordem, s. exa. compareça, e eu possa realisar as minhas perguntas.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Cumprirei o encargo com que me honrou o illustre deputado, de prevenir o sr. presidente do conselho, se elle não vier hoje á camara, e que s. exa. deseja dirigir-lhe algumas perguntas e pedir informações.
Cumprindo a promessa que hontem fiz, mando agora para a mesa as circulares politico-eleitoraes que encontrei no ministerio da fazenda, para poderem ser consultadas pelos srs. deputados que o quizerem fazer; pedia apenas que a circular n.° 1 fosse devolvida ao ministerio da fazenda, porque não ha mais nenhum exemplar.
O sr. Presidente: - Ficam sobre a mesa para serem examinadas pelos srs. deputados que assim o quizerem.
O sr. Rocha Peixoto: - (O discurso do sr. deputado será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Sr. presidente, vou responder pela maneira mais precisa e mais clara, que me for possivel, ás variadas perguntas que o sr. Alfredo Rocha Peixoto me fez a honra de me dirigir.
Em primeiro logar devo dizer que, tendo s. exa. annunciado, ao meu antecessor, uma interpellação, com respeito ao ensino de theologia nos seminários diocesanos, e tendo, creio, por uma espécie de procuração dada a um collega, renovado essa interpellação em relação a mim proprio, não tenho outro conhecimento d'ella, que não seja o dos termos vagos e geraes em que se acha concebida, parecendo me conveniente que o illustre deputado precise bem os termos em que deseja ter explicações por parte do governo.
As phrases de que s. exa. se serviu são de tal maneira vagas que eu não posso dizer...
O sr. Alfredo Rocha Peixoto: - Os pontos principaes da minha interpellação são os seguintes: o provimento dos logares de professores dos seminários, os programmas das disciplinas, e a inspecção que o estado deve ter sobre o ensino.
O Orador: - Pois com relação a todos esses assumptos devo dizer ao illustre deputado que, havendo leis escriptas, o governo está na disposição de as cumprir.
(Áparte do sr. Alfredo do Rocha Peixoto.)
Só digo isto, que o governo está disposto a cumprir as leis.
Quando se realisar a interpellação, s. exa. precisará os differentes pontos d'ella, e eu virei habilitado com todos os documentos que existirem para lhe mostrar o que se tem feito a este respeito pelo ministerio da justiça, e refiro-me a este ministerio considerado sem solução de continuidade de ministro a ministro e para lhe dar conta de quaesquer actos do actual governo, se os houver.
S. exa., quando se referiu ao meu collega, o sr. ministro das obras publicas, taxou de menos correcta, me parece, a resposta que este cavalheiro lhe deu com relação a umas referencias feitas pelo illustre deputado á questão entre o sr. bispo de Coimbra e a faculdade de theologia.
Essa questão é anterior á minha entrada no gabinete; e em todo o caso o meu collega das obras publicas não disse uma palavra no sentido de diminuir ou coarctar as garantias ou os direitos dos srs. deputados da nação.
Os srs. deputados fazem as suas perguntas ou annunciam as suas interpellações, e o governo vem responder-lhes, como é da sua obrigação.
O illustre deputado não tendo annunciado interpellação alguma ácerca do conflicto entre o sr. bispo de Coimbra e a faculdade de theologia, fez porém algumas considerações a tal respeito. O sr. ministro das obras publicas limitou-se a lembrar que estava annunciada sobre este assumpto uma interpellação na outra camara, que fora adiada por se achar ausente do reino o sr. bispo de Coimbra, e acrescentou que, sendo assim, commetteria uma indelicadeza, se se alargasse em considerações, sobre o conflicto. Accentuou porém o meu collega que o governo, opportunamente, não teria duvida em manifestar a sua opinião, nas duas casas do parlamento, que têem iguaes direitos para a exigir.
Isto não queria dizer que, se o illustre deputado, ou outro qualquer membro desta camara, annunciar uma interpellação com respeito a este objecto, o governo não diga o que fez ou o que pensa a este respeito. (Apoiados.)
Parece-me, por consequencia, que a declaração do sr. ministro das obras publicas foi perfeitamente correcta e respeitadora das garantias e direitos dos srs. deputados. (Apoiados.)
Agora responderei ás differentes perguntas que o illustre deputado me dirigiu.
S. exa. perguntou em primeiro logar se eu tencionava apresentar alguma proposta de lei sobre a reforma da magistratura judicial, e se nessa proposta adoptava as idéas,

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aliás na minha opinião, muito para estudar, contidas no projecto que o illustre deputado offereceu á apreciação da camara.
Devo dizer a s. exa. que estou na intenção de apresentar uma proposta de lei para a reforma da magistratura judicial, da magistratura fiscal, ou ministerio publico, e dos officios de justiça.
Dizer, porém, quaes são as bases e os termos em que hei de propor a nova organisação parece-me extemporaneo.
Já comecei esse trabalho, já pedi na secretaria alguns elementos que hão de servir de base á reforma que tenciono propor, mas não posso dizer ainda qual será a minha idéa definitiva a respeito das variadissimas questões comprehendidas na nova organisação da magistratura judicial.
O que posso afiançar é que o governo ha de adoptar todos es principios tendentes a assentar em bases mais solidas a independencia e a inamovibilidade do poder judicial.
Esta é a idéa capital da reforma.
Quanto aos outros pontos sobre que ella ha de constar, como, por exemplo, a prova por concurso a que o illustre deputado se referiu, não me parece occasião opportuna de os discutir, devendo dar a s. exa. a segurança de que todos se hão de subordinar áquelle principio capital.
Tudo isto virá na reforma e s. exa. terá occasião de a discutir.
Com relação ao codigo civil perguntou o digno deputado se eu o considero como eterno. Eu não posso considerar cousa humana como eterna, muito menos o codigo civil, e sabe perfeitamente que nos codigos ha sempre um artigo, que permitte a revisão parcial d'aquelles, cujas disposições não estiverem em harmonia com as circumstancias.
S. exa. sabe perfeitamente que na lei de 1 de julho de 1867, que poz em execução o codigo civil, ha um artigo que auctorisa o inserir no logar proprio toda a modificação no direito que de futuro se fizesse sobre materia n'elle contida.
Não considero o codigo civil como eterno, repito, e por isso não teria duvida em tomar as providencias necessarias para o modificar, em qualquer ponto, se as circumstancias o exigissem.
Com relação ás questões de direito a que s. exa. se referiu, e que alem de especiaes, são das mais graves e espinhosas, não me parecem próprias para se resolverem desde já aqui. Como havemos de discutir, n'este momento, a conveniencia e os effeitos da separação dos conjuges, o regimen matrimonial dos binubos, e os outros gravissimos assumptos de que s. exa. tratou?
S. exa. comprehende perfeitamente que não é esta a occasião propria para isso.
Com relação aos concursos para delegados, conservadores e curadores geraes dos orphãos, eu penso em substituir o actual systema por outro em que, alem de outras reformas, só admitta o concurso por provas oraes.
O concurso é hoje só escripto, e como as funcções de alguns d'esses empregados precisam exercer-se, não só pela escripta mas tambem pela palavra, é minha idéa de que esses concursos se façam por provas escriptas e oraes.
Eu devo dizer que, comquanto a minha personalidade seja muito humilde, tenho alguma experiencia d'esses concursos; fui eu o primeiro que passou por elles, e, alem d'isso, algumas vezes, tenho feito parte do jury, n'esses concursos.
Conheço-os pois, permitta-se-me a phrase, activa e passivamente.
Com respeito ao artigo do codigo do processo civil, sobre que s. exa. perguntou a minha opinião, eu direi que se ha um artigo, n'este codigo, que obrigue um cidadão a assignar um papel qualquer, sem o ter lido, eu proporei a reforma d'esse artigo.
Mas não conheço artigo algum, nem nos relativos a conselhos de familia, nem a outros quaesquer assumptos, que obrigue alguem a assignar um papel sem o ler.
Tenho assistido a muitos conselhos de familia, não só como vogal, mas como representante de interessados, e nunca vi ninguem obrigar um membro d'esses conselhos a assignar cousa alguma sem ler.
(Interrupção do sr. Rocha Peixoto, que não se ouviu.)
V. exa. assignou porque quiz, e é por isso que eu não posso propor a reforma d'esse artigo.
O sr. Pedro Diniz: - Mando para a mesa dois requerimentos sobre assumptos de interesse particular, e peço, por parte da commissão de marinha, que sejam enviados ao governo, para que este informe o que se lhe offereça.
O sr. Arouca: - Pedi a palavra para fazer uma pergunta ao sr. ministro das obras publicas, sobre um negocio de que, por varias vezes, me tenho já occupado n'esta camara; refiro-me á idéa de se regulamentar a saída dos vinhos pela barra do Douro.
Tenho visto, sobre este assumpto, publicadas em diversos jornaes, algumas noticias e necessito que o governo declare se, porventura, são verdadeiras ou se carecem de rectificação.
Dois jornaes publicados em Lisboa, o Economista e o Commercio de Portugal, diziam que estavam em Lisboa alguns cavalheiros que fazem parte da commissão de defeza dos interesses do Douro, e que, tendo procurado o sr. ministro das obras publicas, a resolução tomada n'essa conferencia fôra a seguinte, segundo a versão do Economista:
«A commissão ficou de apresentar ao sr. ministro a indicação das providencias com que, sem de nenhum modo se embaraçar a liberdade de commercio dos vinhos das demais regiões do paiz, nem se estabelecerem restricções que seriam actualmente intoleraveis, se possa comtudo contribuir para manter lá fora o credito dos vinhos da região do Douro.»
E, segundo a versão do Commercio de Portugal, o seguinte:
«O illustre ministro mostrou a melhor vontade de attender ás justas reclamações da lavoura do Douro, achando de conveniência e justiça os fundamentos em que ellas são apoiadas. Esperava que cavalheiros que tão patrioticamente se empenham numa questão tão momentosa lhe prestariam os elementos para se adoptarem praticamente as medidas que assegurassem todos os direitos e interesses legitimos de producção e de commercio, e desde que lhe offerecessem um plano que fizesse respeitar o que é do Douro, a marca dos seus vinhos, e attendesse tambem ao exercicio da liberdade legitima do commercio e da industria, não teria duvida em lhe prestar todo o seu apoio e protecção.»
Ora, estas duas noticias, a meu ver, apresentam muita differença. (Apoiados.)
Eu sou o primeiro a reconhecer quaes são as difficuldades com que lucta a lavoura do Douro, e não será pela minha parte que o governo ha de encontrar embaraços, quando elle possa melhorar os males que affligem a agricultura d'aquelle districto; mas até agora as justas pretensões, de que se falla no Commercio de Portugal são as que constam do Diario do governo de segunda feira, 8 de março, em que foi publicado o projecto de regulamento apresentado por essa commissão.
Ora esse projecto é verdadeiramente assustador, (Apoiados.) porque tendo vinte e seis artigos e sendo formulado por uma commissão, que tem por fim promover a exportação dos vinhos, apenas em dois d'esses artigos, se trata d'esse assumpto e nos outros a commissão arroga-se poderes legislativos para estabelecer penas e poderes judiciaes para absolver delictos; põe debaixo das suas ordens todas as auctoridades judiciaes e administrativas, e alem d'isso estabelece uma matricula para os negociantes, obri-

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gando-os a declarar a quantidade de vinho que compram, a quantidade de vinho que vendem, d'onde entrou, e para onde saiu!!!
Ora parece-me que no século XIX não é permittido estabelecer providencias d'esta ordem, e que tão pouco é esta a fórma de remediar os males que affligem a agricultura do Douro. (Apoiados.)
Achava por consequencia differença, como disse, entre as duas noticias, porque se as justas reclamações são estas, não posso estar a seu lado, como poderia estar se fossem outras.
Não pude pedir explicações ao sr. ministro das obras publicas a este respeito, porque não houve sessões por serem feriados os dias de entrudo. Vi em seguida no jornal as Novidades que de mais a mais, para mim, tem o cunho de official, (Riso) vi, repito, a seguinte noticia:
«Reuniu hontem no Porto a commissão dos vinhos, sendo lidos os officios da direcção geral do commercio, industria e agricultura, indicando as bases para a elaboração do regulamento e instrucções para a execução das attribuições da commissão.»
Ora esta noticia estava perfeitamente em desaccordo com a que tinha visto no jornal o Economista, onde se dizia «que o sr. ministro tinha pedido á commissão que lhe indicasse as providencias que se haviam do tomar, para ver se as acceitava ou não», e n'esta afiançava-se que a direcção do commercio e industria já tinha ciliciado para o Porto indicando as bases d'esse novo regulamento.
Mas qual não foi o meu espanto quando vi tambem no Commercio de Portugal, mas noutro numero, uma noticia em que se lia que no officio da direcção geral do commercio e industria se dizia que para fazer face aos encargos da fiscalisação nos termos do tal regulamento publicado no Diario do governo se propunha a creação do imposto de 50 réis por cada pipa de producção, e alem d'isso um imposto de 50 réis por cada pipa de exportação! Finalmente ainda em outro jornal chame do Commercio portuguez, vi uma narração dos factos que se passaram na commissão, e ahi se diz que o presidente da commissão declarára que o officio em que se apontam as bases para as providencias a tomar a fim de melhorar as circumstancias da agricultura do Douro eram da responsabilidade do ministro, que não fazia, parte d'este ministerio, mas que a sua theoria era perfilhada pelo ministro actual.
De maneira que esta questão está posta nos seguintes termos. N'uns certos jornaes affirma-se que o sr. ministro dissera que esperava as indicações da commissão para então resolver, e n'outros jornaes affirma-se que a direcção geral de commercio e industria, imo só mandou as bases para se formular um novo regulamento, mas que, embora essas bases fossem da responsabilidade do ministro que não fazia parte da situação, eram com tudo perfilhadas pelo actual ministro das obras publicas.
Desejo saber se estes factos são verdadeiros, qual destas noticias é exacta, se effectivamente a direcção geral de commercio e industria mandou para o Porto aquelles officios, embora da responsabilidade do ministro anterior, se os mandou com conhecimento, como era natural, do actual sr. ministro das obras publicas, e se exa. auctorisou o director geral do commercio e industria a declarar n'esses mesmo officios que partilhava das theorias apresentadas nos referidos officios, mantendo as bases para se formular um novo regulamento.
Não quero alongar esta questão, que ha do necessariamente ser tratada no parlamento desenvolvidamente com todos os documentos, com todas as estatisticas e com todos os elementos para se poder apreciar quão grave é esta questão para todo o paiz, (Apoiados.) e na minha opinião quão errada é a idéa d'aquelles que entendem que a agricultura do Douro podo melhorar com o facto de se regulamentar a saída dos vinhos pela barra do Douro. (Apoiados.)
Quero affirmar mais uma vez, para que fique bem consignado, que sou o primeiro a reconhecer as dificuldades com que lucta a agricultura n'aquelle districto.
Já mais de uma vez tenho dado o meu voto e o meu insignificante apoio a medidas que tendem a melhorar o estado da agricultura n'aquelle districto, e estou resolvido a dar este apoio sempre que me convença que essas medidas são sabias e justas. Na minha qualidade do deputado e como representante de um dos circulos do sul hei de oppor-me com todas as minhas forças, com toda a energia do que sou capaz emquanto tiver a honra de occupar uma cadeira no parlamento, a que se promulgue qualquer medida que, longe de melhorar aquellas circumstancias, não irá senão prejudicar a receita do estado e os interesses do paiz. (Apoiados.) Póde ser que eu esteja em erro, póde ser que uma longa discussão me esclareça e mo convença de idéas contrarias, mas por emquanto eu estou convecido de que defendo os bons principios e de que estou no campo da verdade e da justiça.
Espero a resposta do sr. ministro das obras publicas, e desde já peço a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se me concede depois a palavra por poucos minutos para responder a s. exa.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - A minha resposta ao illustre deputado será a repetição do que já tive ensejo de dizer n'esta camara sobre este assumpto.
Não me compete a mim esclarecer nem commentar as differentes versões publicadas nos diversos jornaes. Não sou eu que os redijo, e essas versões podem ser erradas ou por más informações, ou intencionalmente pelo desejo, de patrocinar indirectamente por esse modo a causa que a cada um mais importa.
Eu disse aqui n'esta camara, e hoje repito, que não apoiarei nem proporei providencia alguma, que envolva restricções ao commercio da vinhos de qualquer região. (Apoiados.) Se o Douro tem interesses tradicionaes, e sagrados pelas circumstancias especialissimas em que se encontra, as outras regiões do paiz não são bastardas, e têem interesses, se não tradicionaes, igualmente sagrados, porque representam igualmente a vida e a riqueza, que eu não posso nem devo sacrificar aos interesses exclusivos do Douro. (Apoiados.)
Eu não posso sacrificar á producção vinicola do Douro a producção de muitos milhares de pipas de vinho do resto do paiz. Se o Douro se limita a pedir-me providencias, que sirvam para authenticar a genuinidade dos seus vinhos nos mercados estrangeiros, eu estou prompto a satisfazer a esse pedido, desde que o possa fazer sem estabelecer restricção alguma ao commercio dos vinhos em geral. (Apoiados.) Mas é preciso ver se, a coberto do pedido que se faz para se garantir a genuinidade dos vinhos do Douro, ha alguma cousa mais do que isso; porque os vinhos que são conhecidos com o nome de vinhos do Porto não são os vinhos de toda a bacia hydrographica do Douro; e dar o privilegio d'aquella marca a todos os vinhos da bacia hydrographica do Douro seria authenticar uma fraudo, porque essa bacia tem até vinhos dos chamados verdes. Estou prompto a adoptar todas as providencias realisaveis para garantir a genuinidade dos vinhos do Douro; mas de modo que essas providencias protejam só o que devem proteger, e em todo o caso sem prejudicarem o commercio legitimo dos vinhos das outras regiões do paiz. (Apoiados.)
Repito, terei o maior prazer em collaborar em qualquer providencia tendente a garantir as marcas para os authenticos vinhos do Douro, psoto que isso se me afigure praticamente muito difficil. Este meu desejo é tanto mais sincero, quanto é certo que, ao discutir-se aqui a lei de marcas de fabrica, tomei a iniciativa de apresentar uma emenda tendente precisamente a acautelar a genuinidade dos vinhos do Porto. N'essas idéas me mantenho; mas não posso

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ir mais longe do que isto, e não tomei compromisso algum que me obrigue a ir mais longe do que isto.
O officio, a que o illustre deputado se referiu, não é da minha responsabilidade. Vi-o hontem publicado no Jornal da manha, do Porto. Esse officio tem a. data de 20 de fevereiro, e eu tomei posse do ministerio das obras publicas em 22. Alem d'isso esse officio refere-se a duas portarias publicadas pelo governo transacto, e portanto em nada affecta a minha responsabilidade.
Não me preoccupa tambem que essa commissão esteja trabalhando sobre essas ou outras bases, e que a commissão do sul trabalhe igualmente por seu lado. Esses trabalhos temo sempre o proveito de esclarecer o assumpto, e poderão até servir como contraprova de que as providencias restrictivas são inapplicaveis. Em qualquer caso, e sejam quaes forem os pareceres, que essas commissões adoptem e recommendem, eu nada farei antes de se realisar o inquerito agricola, a que o governo tenciona mandar proceder, logo que esteja desembaraçado dos trabalhos parlamentares.
Essa questão do commercio de vinhos é, economica e financeiramente, demasiado ampla e complexa para ser resolvida de prompto e de leve sob a influencia de suggestões particulares. E necessario que todos sejam ouvidos sobre a sua justiça, e que o estado possa tambem dizer da sua.
N'estes termos, creio que o illustre deputado ficará satisfeito com a minha declaração, de que o governo não tomará uma resolução definitiva sem que sobre o assumpto todos os interessados tenham sido ouvidos. Não tenho outro compromisso senão o de garantir a authenticidade dos vinhos da região do Douro dentro dos justos limites a que essa região tem direito. (Apoiados.) Sem embargo de quaesquer noticias, que o illustre deputado possa ler nos jornaes, tenha s. exa. a certeza de que não são exactas senão aquellas que estiverem em harmonia com estas minhas declarações.
Agora duas palavras a respeito do illustre deputado ter considerado o jornal Novidades como orgão official.
Desde que tomei conta da pasta das obras publicas nunca mais escrevi para aquelle jornal, e possivel que uma vez ou outra ainda venha a escrever, porque não se largam de todo habitos antigos. Em todo o caso, esse jornal não tem mais authenticidade official que qualquer outro jornal politico. Fica feita esta declaração de uma vez para sempre.
O sr. Presidente: - A camara ouviu o pedido feito pelo sr. Arouca para lhe ser concedida a palavra, mas eu não lha posso conceder sem primeiro consultar a camara.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, tem v. exa. a palavra.
O sr. Arouca: - Limito me simplesmente a agradecer ao sr. ministro das obras publicas as declarações que fez. Achei-as muito precisas, muito claras e categoricas e por isso nada tenho a dizer.
Vozes: - Muito bem.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.° 21

Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara lembra ao governo a conveniencia de mandar publicar annexa á couta geral da administração financeira decretada, e em volume separado, uma tábua das relações seguintes:
1.ª Entre as despezas e as respectivas receitas;
2.ª Entre as receitas liquidadas e as cobradas:
3.ª Entre as receitas calculadas e as cobradas;
4.ª Entre as receitas calculadas e as liquidadas. = O deputado, Alfredo da Rocha Peixoto.
Foi admittida, ficando em discussão com o projecto.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - (O discurso será publicado guando s. exa. o restituir.)
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, vou dizer muito poucas palavras ácerca d'este projecto, o isto por dois motivos: primeiramente porque algumas das considerações que eu desejava fazer sobre elle já foram apresentadas pelo sr. Alfredo Peixoto, e em segundo logar porque, como o sr. ministro da fazenda entrou agora na phase do laconismo, e como eu, tanto quanto possa, não desejo tornar-me desagradável a s. exa., vou tambem ser o mais laconico possivel. (Riso.)
Fui, não sei se o unico dos deputados, que tive a má fortuna de não me convencer com o bom argumento (classificado assim peio sr. ministro) que s. exa. acaba de apresentar para defender a sua proposta de lei.
Confesso que não pude bem compreheuder a bondade do argumento!
E se eu estava já convencido de que merecia ser combatido, um projecto que eleva á categoria de Loa doutrina, segundo a phrase da commissão de fazenda, um expediente que entendo ser altamente pernicioso, mais convencido estou d'isso agora, depois das explicações que o sr. ministro da fazenda acaba de dar ao sr. Alfredo Peixoto.
Para mim este projecto é um prémio ao relaxismo.
Comprehendo, porque desejo ser justo, o ponto de vista em que o sr. ministro da fazenda se collocou.
O sr. ministro da fazenda procura haver a maior somma possivel das contribuições que estão por pagar, e para isso lança mão do expediente de offerecer certas vantagens e ate bónus aos devedores que se apresentarem. O que resta ver é se não haveria, para conseguir o mesmo fim, outro meio mais productivo para o thesouro e de mais moralidade para a administração.
Se porventura o sr. ministro da fazenda não tivesse declarado que dentro de breve tempo seria apresentada uma medida transferindo as execuções fiscaes para o poder judicial ...
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - E uma questão de regulamento.
O Orador: - De accordo, bem sei que é um regulamento; se s. exa., pois, não declarasse que dentro em breves dias seria publicado o regulamento, a fim de deixar entregue ao poder judicial as execuções fiscaes, arrancando-as á acção directa da politica, ainda se poderia admittir esse expediente; mas desde que s. exa. affirma que essas execuções vão ser agora uma realidade, por isso que já não ha de ser possivel a nenhum contribuinte escapar-se ao pagamento do que deve ao estado; desde que, repito, essas execuções vão ser sem excepção cumpridas, e que ninguém de hoje em diante poderá escapar-se ao rigor da lei, então digno eu - espere-se pelos elleitos do novo regulamento, que na opinião do sr. ministro é infallivel, e não se vá lançar mão de uma medida que é immoral.
(Interrupção do sr. ministro da fazenda.)
Diz o sr. ministro que não se trata de fazer uma lei, mas simplesmente de elaborar um regulamento, que nada tem que ver com o parlamento.
Exactamente, e é por isso que eu digo que n'este caso se espere pela sua acção, experimentando-lhe a efficacia sobre os devedores remissos.
O que não é proprio nem decoroso, é permittir que quem não cumpriu com o seu dever pague com bonus, e até pague, sendo duplamente favorecido, como acontece com os devedores a que se refere o § 3.º, porque ha n'este paragrapho um duplo favor: o geral que se contém no artigo 1.° e se applica a todos os paragraphos, e o especial, que consiste no abatimento de 10 por cento.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Não é isso, a doutrina do § 3.° está sujeita á do artigo 1.°

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O contribuinte que não quizer pagar em prestações, mas sim de prompto, é que têem o abatimento de 10 por cento.
O Orador: - Em todo o caso insisto em que ha dois favores; porque ha a doutrina geral do artigo 1.º e ha a doutrina do § 3.°
Primeiro favor: não será executado o devedor, e pagará em prestações; segundo favor, terá um abatimento de 10 por cento, se pagar de prompto, quando ha muito tempo elle devia ter sido executado!
Demais as consequencias da approvação d'este projecto, são muito problematicas, conformo a propria declaração do sr. ministro da fazenda, porque é notavel que, tanto este projecto como o anterior, apresentado pelo sr. Mariano de Carvalho, se fundam apenas em meras supposições, em meras hypotheses, em meras esperanças.
Para começo da nossa regeneração financeira, tal como a prometteu o partido progressista, não acho bom. E como precedente para futuras reformas, acho pessimo!
Se não ha com effeito a certeza de que este projecto venha a ter uma realidade pratica; se dentro em pouco o actual systema de execuções fiscaes passará para o poder judicial, não podendo haver desde então mais tolerancia para com o relaxismo dos devedores á fazenda, porque é que não se supprimem as disposições d'este projecto?
Disse o sr. ministro que é necessario começar vida nova. Pois comece-se. Mas creio que não ha melhor meio de começar essa vida, do que applicar o novo regulamente ao cahos existente.
Se consegue alguns resultados, está a experiencia feita, e nas melhores condições. Que mais querem?
Portanto, não ha rasão alguma que fundamento o projecto em discussão, a não ser o permittir-se intencionalmente que um certo numero de individuos, remissos no pagamento das contribuições, escapem às penalidades da lei. Para estes individuos, comtudo, não póde haver mais tolerância.
É lei; sujeitem-se a ella.
E não é licito argumentar que, tendo deixado de se fazer ate hoje o que a legislação em vigor mandava que se fizesse, não se deve proceder com relação ao passado, por isso que os effeitos da lei não hão de ser retroactivos.
Trata-se apenas de um regulamento; a lei persiste a mesma em todas as suas disposições; logo, a objecção não tem rasão de ser.
Póde a camara approvar este projecto, mas lembre-se que vae auctorisar um péssimo precedente, que já talvez se explique por uma medida análoga anterior, porque é a segunda vez, me parece, que um jubileu, como este, dos devedores á fazenda publica se põe em execução. Ora, a experiencia e os resultados actuaes da primeira tentativa devem elucidar-nos.
No entretanto, parece que o sr. ministro da fazenda não encontrou lição bastante n'essa primeira experiencia!
Tenho dito.
O sr. Carrilho, (relator): - O caso das contribuições em divida não é tão feio como pretenderam demonstrar os illustres deputados que me precederam.
Perguntou o sr. Rocha Peixoto qual a rasão por que em 30 de junho de 1885 existia uma tão valiosa somma de conhecimentos sem terem sido relaxados, accusando ao mesmo tempo a administração do estado, de não ter procedido a esse relaxe.
É que s. exa. não se recorda de que, como muito bem deve saber, ainda então não tinha chegado a epocha da cobrança da maior parte dos rendimentos do exercicio
de 1884-1885. Da contribuição predial, por exemplo, ainda faltavam duas prestações. E quantas não faltavam de direitos de mercê e da contribuição do registro? Querer s. exa. que tivessem sido relaxadas contribuições para as quaes ainda não tinha chegado o praso do vencimento, bem deve ver que era absolutamente impossivel.
Os documentos de cobrança, não relaxados, e que pertenciam ao exercicio de 1884-1885, representavam a de somma de 2.780:000$000 réis, mas destes ainda não estavam vencidos nessa epocha 1.620:000$000 reis. Addicione-se a isto tudo o que ha de outras contribuições, direitos de mercê, contribuições de registo, outros impostos directos e contribuição predial das ilhas adjacentes que não estavam cobrados no que respeita áquelle exercicio, e ver-se-ha do mesmo modo que os taes favores aos contribuintes não são tão exaggerados como aos illustres deputados se afigura. (Apoiados.)
S. exas. architectaram uma falta de cumprimento de deveres por parte da administração do estado, e essa accusação parece-me que não e perfeitamente fundada.
Ha mais. Disse-se aqui que havia como que uma contemplação para com os poderosos - o que quer dizer que a contribuição predial quasi que se não pagou; mas eu vou demonstrar que n'este mesmo livro em que o meu amigo o sr. Alfredo Peixoto não achou, segundo diz, todos os elementos necessarios para apreciar a questão que se debate, se encontra a prova de que e infundada essa accusação de ter havido contemplações para com os poderosos pela falta de pagamento de suas contribuições.
Vou dizer á camara quanto se devia, no continente, de contribuição predial, em todos os exercicios findos em 30 de julho de 1885.
(Leu.)
Ora aqui tem s. exa.!
Ora o que resta por cobrar no continente do reino importa em 168:000$000 réis!
Muito pouco poderosos são realmente estes contribuintes, para que, ao cabo de tantos annos só haja a cobrar d'elles a quantia de 168:000$000 réis.
Não accusemos, pois, os poderes publicos de relaxação, que seria isso uma injustiça.
(Áparte do sr. Consiglieri Pedroso.)
Peço perdão, aqui disse-se que o estado fazia favores aos ricos e aos poderosos, e que por isso havia uma grande somma de dinheiro que deixava de entrar nos cofres publicos.
Ora isto é que não e exacto. A verdade está no que eu acabo de mostrar á camara.
Quaes são as principaes contribuições em que ha divida importante?
Em primeiro logar temos a contribuição industrial, mas em relação a esta deve notar-se que muitas vezes se dá o caso de ser infundado o lançamento; e não esqueçamos tambem que o governo já apresentou uma proposta de lei, que foi approvada, para a mais rápida arrecadação de tal imposto, estabelecendo a cobrança domiciliaria em Lisboa.
Temos em segundo logar os direitos de mercê.
Estes são cobrados em quatro annos, isto é, em quarenta e oito mezes; mas como o exercicio dura apenas dezoito mezes, é claro que no fim d'esse exercicio uma parte importante d'este imposto não póde estar cobrada.
Segue-se a contribuição de registo por titulo gratuito.
Esta é cobrada em tres annos, isto é, em trinta e seis mezes, e como o exercicio dura apenas dezoito mezes, é claro que, com esta contribuição, succede exactamente o mesmo que acabei de notar em referencia aos direitos de mercê.
(Áparte ao sr. Alfredo Rocha Peixoto.)
Pois não era o nome dos devedores que o illustre deputado desejava? Mandar para a camara uma relação nominal do todos os individuos que têem conhecimentos nas recebedorias era effectivamente, como disse o sr. Ministro da fazenda, mandar uma bibliotheca.
Pretender que se apresentasse uma relação nominal de todos os individuos que, devendo pagar, não pagaram, assim como de todos aquelles que não tinham obrigação de pagar por não terem ainda chegado os prasos em que o deviam fazer, era com certeza...
(Áparte do sr. Alfredo da Rocha Peixoto.)
Perdão; s. exa. tem argumentado com o facto de não

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encontrar na conta geral do estado a referencia a todos os conhecimentos não pagos, sem exclusão d'aquelles para os quaes ainda não tinham chegado os prasos de vencimento.
Mas ha mais ainda.
O sr. Alfredo da Rocha Peixoto até chegou a dizer que o governo apresentara esta proposta á camara sem nenhuns elementos de apreciação, porque por ella não se póde saber qual a importância de cada uma das contribuições em divida.
Acrescentou s. exa. que apenas havia encontrado nas contas de exercicio a differença que havia entre as sommas lançadas, as sommas liquidadas, e as sommas arrecadadas; e que desta forma não podia saber qual a parte da divida que competia a cada contribuição.
Ora, a verdade é que s. exa. andou muito proximo das paginas em que tudo isto se encontra.
(Aparte do sr. Alfredo da Rocha Peixoto.)
Então é porque não quiz ver, e não ha peior cego do que aquelle que não quer ver. (Riso.)
S. exa., se quizesse ver, achava cada um dos impostos, no continente e nas ilhas; achava cada um dos rendimentos, achava quaes os exercicios e quaes as datas em que tinha sido feita a liquidação; e achava tudo isto com distincção das contribuições directas e das contribuições indirectas e por todos os grandes grupos em que é apresentada a receita do estado no orçamento geral.
Não póde, portanto, o illustre deputado dizer que não tinha todos os elementos necessarios para apreciar a importancia das dividas do estado por quaesquer contribuições.
Tinha; e podia até saber como havia sido feita a arrecação e por consequencia se da parte dos agentes fiscaes tinha havido a relaxação a que se referiu, e que aliás não é exacta.
Mas o sr. Alfredo Rocha Peixoto, que comparou a relação que havia em cada um dos exercicios entre as receitas liquidadas e as receitas cobradas, devia dar-se ainda a outro trabalho: era apreciar a relação entre as receitas cobradas e as receitas calculadas.
(Áparte do sr. Alfredo Rocha Peixoto.)
Estou de accordo...
O sr. Alfredo Rocha Peixoto: - Então declara v. exa. acceitar a minha proposta, que está em discussão?
O Orador: - Eu não acceito nada. O governo é que deve dizer se acceita ou não.
O documento é do governo.
Foi por elle mandado elaborar e está organisado em conformidade com os preceitos da lei.
É, portanto, o sr. ministro da fazenda, quem deve dizer se acceita ou não a proposta do illustre deputado.
Se s. exa. entender que a proposta contém uma providencia necessaria, elle de certo a acceitará; mas eu creio que não ha necessidade de a adoptar.
Como ia dizendo, o illustre deputado comparou as sommas liquidadas com as sommas que tinham sido cobradas.
Mas porque é que não fez a comparação com as sommas calculadas?
(Áparte do sr. Alfredo Rocha Peixoto.)Pois é necessario ver tudo.
É necessario ver, por exemplo, que muitas vezes se tiram documentos de decima de juros com relação a individuos que nem se sabe quem são; e tiram-se porque é de lei tiral-os.
É necessario ver que em questões de foros e de pensões ha uma grande quantidade de documentos tirados sem base comprovativa, documentos que são tirados em relação a individuos que não se sabe se existem, ou se existiam na data em que se tiraram esses documentos.
É por isto que lá estão a pejar nas secretarias documentos representando dividas que realmente não existem; é por isto que se imagina haver uma grande somma de dinheiro por cobrar, quando effectivamente a não ha.
Mas, quero referir-me ainda às considerações feitas pelo sr. Alfredo Rocha Peixoto relativamente á falta de cobrança.
Notou, por exemplo, s. exa. no anno de 1880-1881.
(Leu.)
Má fiscalisação! disse s. exa.; e accusou immediatamente a administração do estado de não ter cumprido com os seus deveres!
O illustre deputado esqueceu-se de uma cousa; e é que foi exactamente em 1880-1881 que se mandou...
(Interrupção do sr. Rocha Peixoto, que não se ouviu.)
É exactamente dos direitos de merco que eu fallo. Tomei nota, do que disse s.exa. Foi o seguinte:
(Leu.)
Nos direitos de mercê é que o illustre deputado fez os reparos e disse que a administração do estado tinha sido menos zelosa na arrecadação d'este imposto. E vê s. exa. que eu sou insuspeito porque em 1880-1881 não governava o partido regenerador.
S. exa. não quiz recordar-se de que esses direitos pela lei de 1880...
S. exa. estava vendo uma falta de fiscalização onde não havia senão o exacto cumprimento da lei.
Vejamos este tal mappa que não é do agrado do sr. Rocha Peixoto, e onde estão comprehendidas todas as receitas liquidadas, para se fazer uma idéa approximada da situação da fazenda, para se saber qual tem sido a marcha do imposto e qual a marcha da administração da fazenda. Vejâmos este mappa que eu preferiria, tendo a faculdade da escolha, ao apresentado por s. exa.
(Leu.)
Exactamente no anno em que a percentagem é maior; no anno em que mais avultou a cobrança dos direitos de mercê, é que o sr. Rocha Peixoto diz que a arrecadação do imposto tinha sido descurada pelo estado!
Já s. exa. vê que este mappa serve para alguma cousa...
E digo a v. exa. que entendo que este mappa é muito util. O governo, mandando-o fazer, prestou um bom serviço ao paiz. S. exa., para o anno, recorre a este mappa, e encontra n'elle a historia financeira do paiz, o que não obteria, sem muito trabalho e sem escrever muito. Assim, não tem mais do que olhar para o mappa, e, portanto, já vê que não é elle tão inutil que não forneça muitas luzes, que não se obteriam por outra fórma.
Os documentos que o illustre deputado deseja ver neste volume, são mais do dominio da estatistica, do que de uma conta, onde se diz qual foi a somma auctorisada e a despendida, e onde se dão contas da gerencia financeira; e o que o illustre deputado deseja não é uma conta de gerencia financeira; é antes uma estatistica do que outra cousa.
Voltando á proposta apresentada pelo sr. Alfredo Peixoto, convidando o governo a mandar publicar na conta geral do estado uma tábua das relações entre as despezas e as respectivas receitas, entre as receitas liquidadas e as cobradas, entre as receitas calculadas e as cobradas, e, finalmente, entre as receitas calculadas e as liquidadas, eu não a acceito, nem a deixo de acceitar. Parece me que esta proposta deve ser remettida ao governo, para a tomar na consideração que merecer. Em todo o caso direi que se tivéssemos de publicar uma tábua d'aquellas relações, deveriamos ir mais alem do que pede o sr. Alfredo Peixoto; porque a s. exa. ainda esqueceram as relações entre as despezas liquidadas e as cobradas, entre as despezas calculadas e as cobradas. Desde que s. exa. quer tantas minucias na apreciação das receitas, tambem as deve querer na apreciação das despezas.
E ainda mais. S. exa. não nos diz se quer que se separem os impostos das ilhas dos do continente; não nos diz se quer que se faça esta descripção na gerencia ou se a quer só no exercicio; emfim para se poder satisfazer ao

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656 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

desejo do illustre deputado, teriamos de fazer um livro muitissimo maior do que este e exibir que s. exa. nos dissesse bem claramente, qual era a sua idéa a respeito d'estes novos mappas e tabellas, que pretende sejam addicionadas á conta geral do estado.
Em todo o caso, isto não depende da camara, é um acto puramente do poder executivo, e entendo, portanto, que a proposta deve ser remettida ao governo para a tomar na consideração que merecer.
Por ultimo, resta-me fazer uma observação ao sr. Consiglieri Pedroso, que imagina que d'este projecto só resultam grandes vantagens para os contribuintes. Peço licença para lhe dizer que essas vantagens não são tamanhas, como se lhe augura. Apenas, em logar de pagarem de prompto, se lhes faculta o pagarem em prestações e n'um certo praso de tempo.
Nós não podiamos atirar com 5.000:000$000 réis de dividas, e levar pelo menos, dois milhões de conhecimentos para o poder judicial, que tem de executar os devedores. Estes hão de pagar o mesmo que tinham a pagar, porque não são dispensados de pagar o principal, nem os juros desde 1880, Portanto o estado vae embolsar o mesmo que embolsava no primeiro caso, e apenas dá a faculdade aos contribuintes de poderem pagar em prestações.
Não se póde dizer portanto que auferem extraordinaria vantagem ; e pelo que respeita às contribuições em divida anteriores a 1880, essas são tão poucas que o favor quasi que nenhum onus representa para o estado.
Em todo o caso sempre que podermos conciliar os interesses do fisco com os do contribuinte, creio que se prestara um grande serviço, e o parlamento, votando uma lei n'este sentido, fará uma lei sabia e justa.
Antes de terminar permitta-me o meu amigo, o sr. Alfredo Peixoto, que agradecendo a sua amabilidade lhe de uma explicação sobre o facto de a commissão de fazenda do anno passado não ter dado parecer sobre uma proposta mandada para a mesa por s. exa. .Desde que a mesa mandou essa proposta á commissão de fazenda, na minha qualidade de secretar io da commissão, era eu que devia apresental-a, mas não a apresentei, porque essa proposta me era agradavel.
Se não fosse isto eu seria o primeiro a pedir á commissão que desse o seu parecer; mas desde que se tratava de um louvor immerecido que só podia ter sido originado na demasiada bondade de s. exa., entendi que não a devia apresentar. Peco perdão ao illustre deputado, mas s. exa., no meu caso, teria decerto feito o mesmo que eu fiz.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Rocha Peixoto: - (O discurso do sr. deputado será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente : - A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões e para sexta feira a continuação da que estava dada, e mais o projecto n.° 188 da sessão de 1880, que já foi distribuido por casa dos srs. deputados.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarife.

Redactor = S.

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