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N.°46

SESSÃO NOCTURNA DE 25 DE AGOSTO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Eduardo José Coelho

Secretarios-os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramires

SUMMARIO

Approvou-se a acta o lê-se o expediente. - O sr. Laranjo apresenta o parecer relativo aos emolumentos cobrados nas cadeias civis. - O sr. Carlos Ferreira apresenta o parecer sobre o projecto da pensão a D. Julia Adelaide Pereira dos Santos. - Paz declaração de voto o sr. Fortuna Bosado. - Apresenta um projecto do lei o sr. J. A. Sepulveda. - O sr. Ornellas de Mattos apresenta um projecto sobre os direitos de importação do quinino. - Apresentam requerimentos os srs. Queiroz Ribeiro é Cayolla.

Na ordem da noite (renovação do contrato com a companhia dos tabacos) fallam successivamente os srs. Mello e Sousa, Cayolla, Dias Ferreira, ministro da marinha, Luiz José Dias (que requer a prorogação da sessão até se votar o projecto, requerimento que não teve vencimento) e Cabral Moncada.

Abertura da sessão - Ás nove horas e vinte e cinco minutos da noite.

Presentes á chamada 66 srs. deputados. São os seguintes: - Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alvaro do Castellões, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Alberto do Campos Henriques, Augusto José da Cunha, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, Eduardo José Coelho, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Silveira Vianna, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Frederico Ressono Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Antonio de Sepulveda, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João de Mello Pereira Sampaio, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Paes de Abranches, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Augusto Correia de Barros, José da Cruz Caldeira, José Dias Ferreira, José Frederico Laranjo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Luiz Ferreira Freire, José Malheiro Reymão, José Maria Barbosa de Magalhães, José Maria Pereira de Lima, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Pinto de Almeida, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde da Ribeira Brava e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Alvos de Oliveira Guimarães, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Bernardo Homem Machado, Conde do Burnay, Conde de Papo Vieira, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Ornellas de Mattos, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Eduardo Simões, Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Joaquim da Silva Amado e Luiz Cypriano Coelho de Magalhães.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde do Alto Mearim, Conde de Idanha a Nova, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Jacinto Candido da Silva, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu é Lima, João Abel da Silva Fonseca, João Catanho de Menezes, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José de Abreu do Douto Amorim Novaes, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Bento Ferreira de Almeida, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gregorio do Figueiredo Mascarenhas, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Mattos, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Affonso de Espregueira, Sertorio do Monte Pereira e Visconde de Melicio.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE Officio

Do ministerio da marinha, remettendo parte dos documentos pedidos pelo sr. deputado Ferreira de Almeida, na sessão de 2 de julho proximo passado.

Para a secretaria.

O sr. Laranjo: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei de iniciativa do sr. deputado Luiz José Dias, dispondo que da totalidade da receita dos emolumentos cobrados na cadeia civil de Lisboa, sejam deduzidas, a começar de 1 do julho de 1897, duas terças partes, para serem divididas pelo director e pelo official da mesma cadeia, na proporção dos seus respectivos ordenados.

O sr. Carlos Ferreira: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de marinha.

O sr. Fortuna Rosado: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que se tivesse estado presente na occasião em que se poz á votação a questão previa, apresentada pelo sr. deputado João Franco, a teria rejeitado e que teria votado o artigo 1.° do projecto em discussão. = O deputado, Rosado.

Para a secretaria.

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O sr. Presidente: - Vão entrar-se na

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão dos artigos 1.° a 5.°das bases annexas ao projecto de lei n.° 36 (novação do contrato com a companhia dos tabacos)

O sr. Mello e Sousa. - Dizia eu, sr. presidente, que a concessão dada á companhia para conceder licenças para a venda de tabacos era uma arma politica importante que se ía collocar nas suas mãos, que essa disposição do projecto está absolutamente em contradicção com o pensamento exarado no relatorio do sr. Dias Costa, que allega o seguinte sobre o não ser consentida a venda por zonas. (Leu.)

Ora, sr. presidente, concedida á companhia a permissão de dar licenças para a venda do tabaco, sabendo-se antecipadamente, como eu conhece, a pretensão que a companhia tem de estabelecer a venda por zonas; ella não dará licenças aos diversos vendedores que as desejarem mas unicamente aos que lhe convier. (Apoiados.) Eu sou mesmo informado de que a companhia já dividiu o paiz em setenta e duas zonas...

O sr. Teixeira de Vasconcellos. - E sem licença nem permissão.

O Orador. - E que aos cavalheiros a quem são concedidas as licenças por zonas, - a companhia chama-lhes zonistas, creio eu, - lhes dá tambem um desconto, que não podia dar dentro da lei, só para evitar que outros vendedores mais pequenos possam vender n'aquellas partes do paiz. (Apoiados.)

Ora se isto é assim, sr. presidente, se se permitte á companhia conceder licenças para a venda do tabaco por zonas, isso importa exacta e absolutamente o mesmo que se pretendia evitar! (Apoiados.)

Sr. presidente, dizia ou que esta condição devia ser eliminada e, n'esse sentido, terei a honra de mandar para a mesa uma proposta.

Sr. presidente, já hontem disse o quanto havia de importante no facto de se abolir o imposto sobre as licenças de venda, não só porque era a unica porta, o unico lado para poder ser atacada a companhia, (Apoiados) mas tambem porque a abolição d'este imposto importa um grave prejuizo para o estado e, ainda que pareça insignificante, a verdade é, sr. presidente, que no proprio relatorio da companhia se observa que a companhia vendeu no anno de 1892 a 1893 - 1:889:000 kilogrammas de tabaco no valor do 7:402 contos de réis.

Partindo pois, no caso mais favoravel, do augmento de 2 contos de réis annuaes, pelo desenvolvimento sempre crescente do rendimento da companhia, o que é um facto apontado no relatorio do sr. Dias Costa, e estabelecendo a progressão arithmetica, temos que o estado, cedendo aquelle direito, perde, nos restantes vinte e nove annos de contrato, a quantia de 870 contos de réis .

Eu acceito a hypothese mais favoravel, e é claro que a companhia, á proporção que mais tabaco vão vendendo, mais imposto paga.

Vê pois v. exa. e todos os que me escutam, que alem da gravidade da importancia da conta referida no ultimo anno d'este contrato da companhia, este imposto deve render mais 57 contos de réis, o que não é nada de extraordinario.

Pelo que respeita á reducção feita no imposto dos revendedores, e no imposto progressivo, trato só de imposto geral.

Não fiz o calculo para o imposto progressivo. E não o fiz porque nem é facil fazel-o, pois que no relatorio não se destrinça com facilidade.

No relatorio do sr. ministro da fazenda é que s. exa. indica qual a cifra no ultimo anno do imposto progressivo, mas pelo relatorio da companhia não se póde fazer calculo nenhum.

Acceito os 2 1/2 por cento, e acceite a media do desenvolvimento da venda de 131 contos, media a que já me referi, repito as bases dos meus calculos são só as contas da companhia.

Esta media de 131 contos é que da 524 contos em quatro annos.

A companhia vendeu, de 1892 a 1893, 7:402 contos; de 1896 a 1897, 7:926 contos; temos portanto 524 contos de differença entre estas duas medias; se não estou em erro.

Acceite portanto a media dos 131 contos.

Vê-se pois que a incidencia dos 2 1/2 por cento sobre esta verba, dá nos vinte e nove annos a somma de 1:413 contos, que a companhia recebe com o pretesto de cobrar.

A somma de todas as verbas nos vinte e nove annos seria de 1:413 contos, que a companhia recebia a pretexto de cobrar elle o imposto que pagava ao estado.

O sr. Franco Castello Branco. - Ouçam, ouçam.

O Orador. - E duro.

Eu não exagero, é a media, que constra do relatorio.

Mas supponhamos que é metade, ou já aceito metade.

A metade dos 133 são 66 contos. É verdade que 2,5 por cento incidiam sobre as licenças.

Portanto, eram 700 e tantos contos perdidos para o estado, tirados aos revendedores pobres e pequenos (Apoiados) sem vantagem para ninguem, senão para a companhia.

Segundo o meu modo de ver, entendo que o imposto sobre as licenças e vendas de tabacos deve ser mantido. Nenhuma rasão ha para o abolir.

E se o nobre ministro da fazenda deseja tirar do rendimento mais de 141 contos, mantenha o imposto da licença o venda dos tabacos.

Como já disse a v. exa., tenho duas soluções para checar aos resultados que o sr. ministro da fazenda deseja: duplicar o imposto da venda e licença, ou diminuir a percentagem que a companhia concede sobre os vendas.

Ambos os cominhos vão dar a Roma.
Duplicando o imposto das vendas e licenças obtem-se 124 contos; o dobro do que o sr. ministro da fazenda pretendo hoje, apenas com uma differença de 17 contos d'aquella que s. exa. obtem.

Justificada esta minha proposta tambem enviarei para a mesa a seguinte substituição ao artigo 3.°

(Leu.)

Mas no caso de que o sr. ministro da fazenda não acceite uma proposta tão radical, proponho uma segunda hypothese: que seja mantido o imposto, - e não me parece que haja rasão plausivel para o abolir.

É claro que o estado continuava a perceber 124 contos de réis a que S. exa. o sr. ministro da fazenda se refere no relatorio.

Não precisa ir pedir uma differença aos descontos; 265 contos de réis bastavam.

Assim, proponho a alteração do artigo 3.°
O vendedor soffre apenas a reducção de 1 por cento, e será mantida a redacção para o imposto progressivo.

Por esta fórma, se s. exa. o sr. relator da commissão se dignasse acceitar esta proposta, ella traria um acrescimo de 7 contos de réis; e explico o caso.

Sr. presidente, augmentando o imposto da venda e das licenças, o estado recebe 124 contos de réis; 1 por cento no imposto geral são 78 contos de réis; 1 por cento no imposto progressivo 70 contos de réis; ao todo perfaz 272 contos de réis.

Isto quando o sr. ministro apenas reclamava a differença os descontos.

Portanto soo mais 7 contos de réis, havendo a vantagem de manter o imposto, a que ligo grande importancia, e

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havendo ainda a vantagem importantissima de não cercear que me são muitissimo sympathicos.

A abolição do imposto de licença tem ainda um inconveniente de somenos importancia, mas que deve ser apontado.

O imposto de 40 réis de venda em kilogramma é pago não só pela companhia, mas por todo o tabaco que entra na alfandega; quer dizer, é pago pela propria companhia no tabaco que ella importa emmalado.

Ora a abolição d'este imposto é mais um favor que se faz; favor que é insignificante, mas, emfim, sempre é uma verba que ella deixa de pagar, e sé não tom importancia para a companhia, tem importancia para os importadores de tabaco, que ficam isentos d'esse imposto; quer dizer: esse imposto é eliminado para o tabaco dos ricos, que o pagavam e que ficam isentos d'elle, sem rasão nenhuma explicável nem acceitavel.

Exactamente o tabaco que melhor podia pagar o imposto é aquelle que é governo vae alliviar.

Sr. presidente, vou terminar, notando ainda que o sr. relator Dias Costa diz no seu relatorio que fica tambem melhor assegurada a partilha de lucros do pessoal, conforme as aspirações formuladas pelos operarios manipulados dos tabacos.

(Leu.)

Acho muito bem exposta a idéa no relatorio, mas não a vejo traçada no projecto. Não sei onde isto esteja acautelado.

Mas, francamente, não percebo que haja rasão acceitavel para deixar de obrigar a companhia a fazer a sua escripturação clara, a fim do estado poder ver qual era a participação, qual a parte que tem alem da cifra que se estabeleço.

Isto é muito importante, e o nobre relator assim o estabelece, mas na lei não está devidamente acautelado.

Desde que é esse o pensamento da commissão havia toda a conveniencia em torna-o bem preciso e claro no projecto, para evitar que suceda o que succedeu agora com a commissão nomeada pelo governo, que declarou "que a escripturação está muito boa para os accionistas, mas que para o estado não é acceitavel".

Se assim é, assim continuará a ser, não obstante o paragrapho que aqui se encontra, que diz que a companhia
não póde elevar o fundo de reserva sem auctorisação do
governo, mas nada diz a respeito da fórma de escripturação. Peço á commissão que traduza o seu pensamento no projecto.

Parecia-me tambem conveniente que se discriminasse por fórma clara e precisa quaes as contas e mappas que a companhia teria de publicar nos seus relatorios, porque a verdade é que quem quer fizer estudo pelos relatorios cada vez se verá mais embaraçado, - e v. exa., se tem a collecção dos relatorios, verá que a companhia, nos dois ou tres primeiros, é leal e correcta na exposição dos mappas, chegando a publicar doze, e no ultimo relatorio já tem apenas quatro! Já não dá nota do legado João Paulo Cordeiro, nem das despezas de fabrico, nem de muitas outras indispensaveis para o estudo do assumpto!

É facil de dizer que a escripturação lá está ás ordens para nós irmos vela-a, mas é sempre desagradavel e vexatorio ir ver a escripta de qualquer casa. Nós podemol-a ver pelos relatorios, como viamos pelos relatorios, e não se póde allegar que haja n'isso inconveniente, visto que a compnhia começou por seguir esse systema e adoptou-o durante um certo periodo.

Sendo assim, não vejo rasão para que a companhia não seja forçada a continuar n'um principio que tão bom era.

Tenho baseado as propostas que vou ter a honra de mandar para a mesa, concluindo assim as minhas considerações.

(S. exa. não reviu estas notas.)

O sr. Lourenço Cayola: - Se eu podesse ter algumas duvidas sobre a utilidade do projecto que se discute, sobre o ponto de vista do que convem aos interesses nacionaes, unicos que nos devem preoccupar aqui, essa duvida desvanecer-se-ia depois do discurso que a camara acaba de ouvir ao illustre orador que me antecedeu.

O sr. Mello e Sousa é um parlamentar distincto. Digo-o sem espirito de lisonja, porque esse sentimento não se compadece com o meu caracter. É um espirito culto, uma intelligencia lucida e tem-se consagrado quasi exclusivamente ao estudo dos assumptos financeiros. Pois, apesar d'isso, sr. presidente, desde que teve de sair das nebolusidades da moção previa, apresentada pelo illustre leader da minoria, para discutir concretamente o projecto, a palavra tornou-se-lhe difficil, o pensamento perdeu a clareza o os argumentos falharam-lhe por completo. O que nos disse o sr. Mello e Sousa no seu discurso, especialmente na parte proferida na sessão de hontem? Apreciou o contrato com o criterio e a reflexão, caracteristicas do seu espirito, quando estuda qualquer projecto financeiro? Não. Fez antes um inquerito á escripturação e á situação da companhia dos tabacos, uma devassa, permitia-se-me o termo, onde não vae o minimo proposito de melindrar o meu adversario, ás faltas em que, segundo a sua opinião, essa companhia tem incorrido á face da legislação vigente. Que tem a camara n'este momento com essas faltas, com esse aspecto errado da questão?

Que nos importa a nós só a companhia está arruinada, ou se ella distribue dividendos de 9,10 ou 20 por cento? O que se discute é o projecto apresentado pela commissão de fazenda, para celebrar um novo contrato com essa companhia, modificando d'esse modo o que foi estabelecido em 1891. E se algum interesse póde ter o parlamento na situação, economica em que ella só encontra, será para se alegrar com o seu desafogo, visto que ás prosperidades da companhia se acham ligados importantes interesses do thesouro. (Apoiados.)

Diz-se que a companhia dos tabacos deve milhares de contos de réis de contribuições que não tem satisfeito ao estado, contribuições derivadas das operações bancarias, que tem realisado desde a sua constituição. Se assim é, não será a minha voz que a defenderá, ou que deixará de incitar os poderes publicos a que tornem effectivas essas responsabilidades. Mas como se explica similhante facto, tendo sido essas operações feitas á luz do dia, narradas circunstanciadamente nos seus relatorios e sobretudo tendo sido os mais importantes de entre ellas contratadas com o thesouro?! Em 1892, por exemplo, a companhia chegou a fornecer ao estado capitães no valor de 3:600 contos de réis, e na epocha em que occupava o poder o sr. Dias Ferreira, ella emprestou, gratuitamente, ao thesouro 500 contos de réis, pelo que mereceu até uma portaria de louvor. Os governos, pois, não ignoravam as alludidas operações e se não obrigaram a companhia a entrar nos cofres publicos com os respectivos impostos, faltaram a uma obrigação sagrada. Como se explica, porém, que tantos ministros da fazenda deixassem de cumprir esse principalissimo dever!? (Apoiados.)

Mas não é d'isso que se trata agora. Por mim, considero deslocada e inopportuna a direcção que os oradores opposicionistas têem querido dar ao debate. (Apoiados.) Não estou aqui para defender os interesses da companhia dos tabacos; estou para defender os interesses do estado, e se me alegro com a fortuna d'essa companhia, é simplesmente, como já disse, no reflexo que ella póde ter nos interesses do thesouro.( Apoiados.)

O contrato é bom ou é mau? É o que temos que discutir, e foi exactamente d'esse terreno que o sr. deputado Mello e Sousa constantemente fugiu.

Antes de apreciar os poucos argumentos que o illustre deputado regenerador apresentou, para apreciar os artigos e as bases hoje em discussão, permitta-me v. exa. que me refira a uma phrase proferida pelo sr. conselheiro João

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Franco, o illustre leader da minoria, no seu discurso de hontem, phrase que s. exa. repetiu muitas vozes, apesar de já a ter pronunciado no seu discurso anterior.

S. exa. d'isse que o partido regenerador não quer o poder, e o facto de insistir tanto n'essa declaração, sendo s. exa. como é um orador, de cuja sinceridade de palavra ninguem duvida, deixou-me a certeza de que elle era o primeiro a recciar que a esta vez não o acreditassem. (Apoiado.)

Comprehendo esse recrio do nobre orador. O partido regenerador padece ha muito de uma doença que se diagnostica, alem de outros symptomas, pelo modo como procedo sempre que cota na opposição.

Assim como ha megalomanicos, isto é, individuos atacados do delirio dos grandezas, assim o partido regenerador tem o delirio do poder. (Apoiados.) Todos os seus correligionarios, desde os seus marechaes até nos mais humildes soldados, perdidos nos recantos da provincia, todos pensam n'essa familia politica que o poder lhes pertence por direito do juro o herdado e que soffrem uma verdadeira espoliação quando outros o disfructam. (Apoiados,) Tem a séde insaciavel do mando e por isso na opposição o seu procedimento é inalteravelmente o mesmo (Apoiado.)

Não posso dar melhor prova da verdade d'estas palavras do que recordando o acolhimento com que esse partido recebeu o actual governo, logo que elle se constituiu. (Apoiados.)

Escuso de fazer historia retrospectiva, de descrever o descredito o a fraqueza a que chegou o gabinete Hintze Ribeiro, descredito o fraqueza que os seus proprios e mais estrenuos defensores não só atreviam a negar. (Apoiados.)

Esse gabinete saiu do poder n'uma hora difficillima para o paiz, deixando-o a braços com uma crise cada dia mais temerosa o ameaçadora, sem que uma esperança despontasse no horisonte, hora tão sombria e amargurado, que muitos espiritos, dos menos propensos ao receio, pensavam que não haveria meio de se travar a roda da desventura e de evitar uma liquidação, que nos podia levar até á perda da nossa gloriosa nacionalidade. (Apoiados.)

Nunca uma tregua politica foi mais aconselhada pela força das circumstancias, nunca um armisticio honrado entre os partidos seria mais justificado pelos principios mais nobres do patriotismo. (Apoiados.)

Se o partido regenerador assim tivesse procedido, não teria feito mais do que imitar o exemplo que lhe deu o actual presidente do conselho em 1893, exemplo que s. exa. nos recordou aqui ha dias com sincera e elevada eloquencia, auxiliando então, por todos os meios, o ministerio que se organisára, fazendo com que na medidas d'esse ministerio podessem ser efficazes, desbravando e removendo-lhe todos os attrictos, por entender que seria um crime dar voz as ambições partidarias, quando a patria tanto precisava da união do todos os seus filhos. (Apoiados.)

O partido regenerador não o comprehendeu assim. Tendo caído, depois de ver fallir os seus processos de administração e de politica, acreditou que o paiz poderia esquecer depressa as responsabilidades do seu consulado e, por isso, logo que o actual ministerio subiu ao poder, recebeu-o nas pontas das bayonetas e começou a guerreal-o como um inimigo que é preciso destruir de prompto. (Apoiados.)

O plano financeiro, sobretudo, mereceu-lha uma guerra cruel e desapiedada. A imprensa regeneradora, logo que esse plano foi publicado, e antes de poder ser estudado com a ponderado o madureza que a sua vastidão e complexidade exigiam, declarou que os seus correligionarios o haviam de fazer mallograr.

O procedimento d'esse partido, oppondo-se ao plano financeiro apresentado pelo illustre estadista o sr. Ressano Garcia, plano financeiro que se conjuga intimamente com s medidas economicas e do fomento, apresentadas para se combater a crise que nos assoberba, fazia acreditar aos mais imparciaes que não ora só o interesse nacional que o instigava em similhante caminho. (Apoiados.)

Fez por isso muito bom o sr. João Franco em affirmar o repetir que não deseja o poder, que não combate por elle, porque o procedimento dos seus correligionarios faz suppor exactamente o contrario. (Apoiados.)

Pedindo a v. exa. desculpa d'esta divagação, eu passo a analysar as objecções apresentadas pelo sr. Mello e Sousa aos artigos que se discutem.

S. exa. disse que os 575 contos de réis em que se irão augmentar as receitas do estado, se o projecto for convertido em lei, não passara de um augmento nominal. Abençoado augmento nominal que tanto se parece com um augmento real. (Apoiados.)

Se se podessem alcançar assim muitos augmentos nominaes para as receitas, e ao mesmo tempo deduzissemos do nosso orçamento muitas despezas da mesma natureza, embora o sr. Mello e Sousa as classificasse tambem de nominaes, estava salvo o paiz e vencida a crise economica que o assoberba. (Apoiados.)

Eu bem sei o que o illustre deputado queria dizer. Elle já aqui nos affirmou que d'aquella verba considerava 250 contos de réis apenas como a venda de um direito, de que o estado até agora tem estado na posse, e a verba restante como a transposição a favor do thesouro de encargos que a companhia satisfazia a outras entidades; mas nem por isso essas quantias deixarão realmente do ser receitas, nem por isso os 250 contos de réis e as restantes verbas que prefazem os 575 contos de réis, se obteriam sem a approvação do projecto.

Sem alienarmos os direitos de rescisão não alcançariamos os 250 contos de réis em que a companhia augmenta por esse titulo a sua renda annual, e sem votarmos o novo contrato, tambem não poderiamos contar com as outras parcellas do augmento que o projecto assegura, visto que, por exemplo, a percentagem dos revendedores e depositarios, não se póde alterar sem a combinação com a companhia, por isso que o contracto de 1891, estipula expressamente que esse imposto será de 10 por cento. Portanto, só por meio de um novo contrato é que se póde obter a quantia que por essa fórma só obtem. (Apoiados.)

Disse depois s. exa. que era pesadissimo o onus de 2 1/2 por cento imposto aos vendedores o depositarios. N'este ponto mostrou o illustre orador quanto é generoso o seu coração e deu largas ao mais acendrado sentimentalismo a favor d'aquellas classes.

Não lhe quero mal por isso; mas a verdade é que o imposto referido não é do 2 1/2 por cento. Já aqui se demonstrou, sem que ninguem se atrevesse a impugnal-o.

O parecer da commissão prova irrefutavelmente que, deduzindo a esse imposto os impostos de venda e de licenças, que ficam abolidos, os depositarios e vendedores chegam na peior das hypotheses a soffrer apenas o desconto de 1 por cento. (Apoiados.)

Em 1892, em virtude do acrescimo no preço dos tabacos e do desenvolvimento da venda, subiu tanto o beneficio dos vendedores e sobretudo dos depositarios, que alguns d'elles chegaram a obter lucros no valor de 14 por cento!

S. exa. o sr. Mello o Sousa, que a muito instruido em tudo que se passa lá fóra o que sabe tudo quanto os estadistas francezes, belgas o hespanhoes pensam, meditam o fazem, tudo o que os governos d'ali projectam realisar, não desconheça decerto que em Franca os revendedores não chegam a ter 10 por cento, o em Hespanha, apenas usufruem 3 por cento, recebendo uma percentagem extraordinaria, ainda que não muito valiosa, na venda dos charutos.

Mas o, que é extraordinario é que o sr. Mello e Sousa,
que tanto se interessou pela sorte dos vendedores, que
chorou lagrimas tão ardentes pelo omaque novo con

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trato lhes poderá produzir, se atrevesse não só a defender a conservação do actual imposto de venda, mas a pedir instantemente o aggravamento d'esse imposto. (Apoiadas.) Como se conciliam estas duas opiniões?

O sr. Mello e Sousa, seguindo nas suas considerações, apresentou-nos depois uma idéa salvadora e em torno d'essa bordou o seu discurso.

O seu plano é muito simples e claro. Oxalá que elle fosse igualmente pratico.

Disse s. exa.

"A venda dos tabacos - producto bruto - tem attingido ultimamente uma verba approximadamente de 8:000 contos, e lançando sobre essa verba um imposto de 10 por cento, cobraremos, - sem difficuldade, 800 contos de réis."

Quando ouvi s. exa. pronunciar estas palavras, duvidei da fidelidade dos meus orgãos auditivos. (Apoiados.)

É uma heresia financeira de tal ordem, que não é propria de quem tem a illustração, a competencia e o estudo do illustre deputado. (Apoiados.)

Sr. presidente, não ha ninguem que ignore entre nós que o tabaco tem hoje em Portugal um preço elevadissimo, superior ao de todas ás nações vizinhas. Ninguem se illude igualmente em que, desde o momento que se aggravasse o preço d'esse artigo, a venda havia fatalmente de diminuir, porque uns não o comprariam, muitos outros venceriam o prazer que o seu uso lhes suggere e finalmente, e como factor principal, porque fragmentaria o contrabando. (Apoiados.)

Desde que diminuisse a venda do producto, qual seria a primeira consequencia d'esse facto? A diminuição do lucro dos vendedores e depositarios, d'esses mesmos vendedores e depositarios que o illustre deputado defendeu com tanto calor. (Apoiados.)

A prova do que acabo de affirmar, tiro-a d'um quadro, que aqui tenho, relativo aos mezes que decorrem desde julho de 1890 a junho de 1801. Durante esse periodo as vendas oscillaram entre quantidades varias, todas superiores a 160:000 kilogrammas. No ultimo mez alludido a venda attingiu 195:000 kilogrammas.

A companhia sobrecarregou então os preços em 12 por cento. Quer v. exa. saber o que succedeu? O producto baixou logo de 195:000 a 114:000 kilogrammas. Teve uma quebra do 81:000 kilogrammas, teve uma quebra superior a 40 por cento (Apoiados.)

O illustre deputado regenerador estranhou depois a garantia que o actual projecto de lei dá á companhia com a concessão das licenças. Na porto do seu discurso, proferido na sessão de hoje, tornou novamente a insistir n'esse ponto. S. exa. estava dominado por um verdadeiro pavor e por isso dizia:.

"A garantia que tem a companhia para conceder licenças, juntamente com á sua pretenção de estabelecer a venda por zonas, representa uma importantissima arma politica!"

Engana-se o illustre deputado. A companhia não tem politica; a sua politica é vender muito tabaco. Mas ainda que assim não fosse, ainda que a companhia só pensasse em considerações de predominio politico, em vez de cuidar dos seus interesses, não seria decerto com a concessão das licenças que podia realisar a sua aspiração.

Quando eu ouvi hontem o illustre deputado apresentar e insistir em similhantes receios, tomei as minhas notas.

Depois de as ter tomado, duvidei ainda de que ellas fossem verdadeiras, e só hoje, ao ler no extracto da sessão as bases de discurso de s. exa. é que me convenci de que não me tinha enganado.

O projecto é n'este ponto tão simples e tão positivo que não admitte a menor divergencia de interpretação.

For isso, ao ouvir s. exa. ler ha pouco o artigo 4.°, eu fiquei sinceramente admirado de que uma intelligencia tão lucida assim se confundisse, porque esse artigo do projecto é de uma clareza absoluta. Não admitte uma duvida, não consente uma hesitação e diz claramente:

"As licenças, isentas de qualquer imposto, serão concedidas gratuitamente pela companhia a todos os que as requisitarem, devendo a formula d'estas licenças ser previamente approvada pelo governo."

A companhia não fica com o direito de negar licenças a ninguem.

Ha de conceder as que lhe forem requeridas, sem onus nenhum o apenas, regulando-se os requerentes por uma formula, que é igual para todos e que terá de ser approvada pelo governo. (Apoiados.)

Mas ha mais. Nas emendas ao projecto, apresentadas hontem polo meu illustre amigo e distinctissimo relator, o sr. Dias Costa, vem uma pela qual é abolido o direito dado no projecto á companhia, de poder supprimir as regalias concedidas aos vendedores.

A companhia daqui por diante, em virtude d'essa emenda, não poderá supprimir essas regalias, e apenas suspender a venda, emquanto o tribunal arbitral, convocado sem demora, não decidir da justiça d'essa resolução.

Como se affirma então que a companhia fica possuidora de uma poderosa arma politica? (Apoiados.)

A politica da companhia, já o disse e repito, deve ser procurar a venda de muito tabaco, e creio que não tem e não terá outra. (Apoiados.)

O illustre deputado a quem estou respondendo, ainda fez mais considerações, mas o ponto fundamental do seu discurso, no que foi procedido pelo illustre leader da opposição, baseou-se na defeza do aggravamento do imposto de licença, de maneira que esse imposto attingisse, nem mais nem menos, do que 10 por cento do preço actual do tabaco.

Já apontei rapidamente as consequencias economicas d'essa medida. Mas superior a ellas existe ainda uma rasão, que torna impraticavel a idéa do sr. Mello e Sousa, que ella não póde ser applicada á face da lei vigente. Sem esta se alterar, o estado acha-se cohibido de alterar o imposto do venda dos tabacos.

E, a proposito, eu noto com surpresa o facto dos srs. deputados regeneradores advogarem a alteração da lei de 1892, ao mesmo tempo que se insurgem contra a celebração d'um novo contrato, porque querem acima de tudo manter intacto o direito da revisão. (Apoiados.)

O contrato de 1891; diz muito expl icitamente no seu artigo 6.°, §4.°:

(Leu.)

Este imposto é portanto taxativo, expresso, não póde ser alterado.

(Áparte do sr: Luciano Monteiro.)

Pergunta-me o sr. Luciano Monteiro porque? A resposta é simples. Porque é da lei.

O sr. Luciano Monteiro: - É o direito soberano do estado, é claro.

O Orador: - Pois v. exa. estão a protestar contra o actual projecto, e querem ao mesmo tempo que se altere a lei de 1891! E se não querem, para que apresentam então alterações a essa lei? (Apoiados.)

(Interrupção do sr. Luciano Monteiro.) Está v. exa. enganado. A clausula que eu li é uma clausula que fez parte da lei. Essa lei deriva de uma combinação, de um contracto entre o governo e a companhia.

Desde o momento em que n'elle figuram duas partes, o contrato não póde ser alterado senão por accordo entre ambas. (Apoiados.)

O sr. Luciano Monteiro: - Ahi não ha contrato.

O Orador: - A prova que o ha é que a lei affirma o seguinte:

"As bases a que se refere o contrato..."

Portanto vê-se claramente que, sem se alterar a lei de 1891, por cuja inviolabilidade o opposição tanto pugna, se não podia augmentar ou diminuir o imposto de venda.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1897

O sr. Mello e Sousa, acompanhado n'este ponto, mais uma vez, pelo illustre leader da opposição regeneradora, insistiu muito na alienação do direito de rescisão, sendo até este o objectivo principal do ataque dos oradores opposicionistas contra o projecto.

Dizem s. exa. que a desistencia do direito de rescisão e a concessão á companhia para exploração do monopolio dos tabacos por um periodo que ainda vigorará vinte e nove annos, equivale á ruina do paiz.

Como v. exa. muito bem sabe, a idéa do monopolio dos tabacos não é nova na nossa legislação.

Esse regimen existiu durante muito tempo, sendo abolido por um ministerio historico, de que era ministro da fazenda o sr. conde de Valbom.

Mais tarde, em 1887, foi a mesma idéa resusciada pelo illustre financeiro, o sr. Marianno de Carvalho.

S. exa. apresentou ao parlamento a proposta do monopolio, conjunctamente com outras duas propostas, para que as camaras decidissem qual d'ellas devia ser a preferida.

A primeira foi logo posta de lado; a segunda, que estabelecia o gremio das fabricas foi adoptada durante algum tempo e por ultimo implantou-se o regimen da régie, regimen existente quando se constituiu o ministerio regenerador de 1890, em que tomou conta da pasta da fazenda o sr. João Franco.

Foi s. exa. que deu fóros de cidade á idéa do monopolio dos tabacos. (Apoiados.)

Na sessão de 19 de maio d'esse anno apresentava o seu relatorio de fazenda e as respectivas propostas.

Esse relatorio foi o famoso relatorio, de que já aqui se tem fallado muitas vezes, por ter lançado tanto no paiz como no estrangeiro um verdadeiro grito de alarme, declarando o seu auctor, de certo com as mais sinceras intenções, que estavamos ameaçados de um perigo imminente, talvez impossivel de vencer. Elle, e o emprestimo mallogrado dos 9:000 contos de réis, constituem dois factos financeiros das mais desastrosas consequencias, o prologo do doloroso calvario que ha annos vamos subindo e de que ainda não attingimos o cume. (Apoiados.)

N'esse documento fazia o actual leader da opposição, a apreciação rigorosa e severa, não sei se isenta de paixão, da administração progressista que o antecedera, rectificava o orçamento que fóra elaborado pelo sr. conselheiro Augusto José da Cunha, dizendo que se lhe tornava indispensavel delimitar responsabilidades.

Quem nos diria a nós, ao lermos aquelle documento, que havia de ser o sr. conselheiro Franco Castello Branco, o mesmo que, annos depois, viria verberar com tanto calor o indignação o procedimento do governo actual, por ter commettido o crime de seguir o exemplo que s. exa. lhe legára? (Apoiados.)

Fechando este parenthesis, devo dizer que foi effectivamente o ministro da fazenda de 1890 que apresentou ao parlamento como idéa definida e salvadora a do monopolio dos tabacos durante dezeseis annos.

Sr. presidente, offerecia-se-me agora occasião propicia apreciar demoradamente essa proposta, mas não o faço para não cansar a attenção da camara. É apenas de um modo muito summario direi que ella estabelecia uma renda fixa animal para o estado de 4:250 contos de réis, inferior, portanto, á actual; uma partilha de lucros para o thesouro no valor de um terço, depois de satisfeitos todos os encargos de fabrico e venda, partilha de lucros muito menor do que a estipulada, tanto no contracto de 1891, como n'aquelle que está sujeito á apreciação da camara, a qual attinge a percentagem de 60 por cento; auctorisava a companhia a constituir um comité estrangeiro, e finalmente, peço para este ponto a attenção da camara, o governo compromettia-se com a companhia a estabelecer direitos differenciaes nas nossas colonias, relativamente ao tabaco, de maneira que o tabaco da companhia podesse concorrer vantajosamente com os tabacos estrangeiros! (Apoiados.)

Tendo lido esta disposição na proposta do sr. conselheiro João Franco, eu fiquei sem comprehender em que differia ella do monopolio da venda nas nossas colonias, monopolio que tantas indignações provocou ainda hontem aqui, e tão revoltados protestos suggeriu ao proprio sr. João Franco. (Apoiados.)

Sr. presidente, a proposta do monopolio, nos termos que acabo do indicar o apresentada em circunstancias muito menos graves do que as do anno seguinte, quando ainda se não desenhava sequer a crise economica, que urge combater sem demoras, para salvação do commercio e das forças vitaes do paiz, conjunctamente com o addicional de 6 por cento, o aggravamento do imposto do sêllo e o imposto sobre o alcool, formava toda a bagagem financeira com que o jovem ministro desembarcou á porta do ministerio da fazenda, para iniciar a sua primeira tournés ministerial, tournés que elle tem repetido depois muito a miudo, de certo com gloria para o seu nome, mas, a meu ver, sem vantagem alguma para o paiz. (Vozes: - Muito bom, muito bem.)

Se recordo estes factos é para dizer ao sr. conselheiro Franco Castello Branco que, nem sempre, a indignação e a violencia são as melhores conselheiras nas discussões parlamentares, sobretudo quando os emprega um orador com uma já longa carreira politica e portanto com largas e pesadas responsabilidades. (Apoiados.)

Sr. presidente, não desejo fazer retaliações politicas, porque julgo não ser util ao paiz, no momento presente, responder-se com irritações da maioria ás irritações da opposição parlamentar. Deixo por isso esta ordem de considerações, mas desejo ainda alludir ás referencias feitas por varios oradores n'este debate, especialmente do lado da minoria, ao contrato dos tabacos realisado em 1891.

N'essas referencias tem principalmente insistido o sr. Franco Castello Branco, declarando mais de uma vez que considera aquelle contrato como a primeira causa da nossa ruina e dizendo-nos, n'um dos seus reptos mais eloquentes e apaixonados, que não quer votar ás cegas, o que está agora em discussão, como teve de votar aquelle.

Aproveito a occasião para levantar a suspeita, a que se tem querido dar curso, de que foram alguns dos estadistas mais queridos e prestigiosos do partido progressista que promoveram e acariciaram a celebração ao monopolio dos tabacos. Não ha insinuação mais injusta. (Apoiados.) Os factos são de hontem, póde-se dizer assim, e ainda ninguem os esqueceu de certo.

As duas crises politicas que cortaram o anno de 1890 haviam lançado o panico em todos os espiritos, e dado um profundo golpe no credito nacional.

O sr. conselheiro Augusto José da Cunha, que foi n'esse periodo um verdadeiro martyr das suas grandes qualidades civicas (Apoiados) do seu excepcional patriotismo (Apoiados) viu-se atormentado, desde que entrou no poder, por difficuldades insuperaveis. Em poucos dias teve de satisfazer dois importantes supprimentos em oiro, para occorrer a encargos, para os quaes o thesouro não estava preparado nem com um ceitil. Esses supprimentos não podiam deixar de ser pagos.

A revolta do Porto fôra uma nova causa de perturbação e de desordem, que aggravára ainda mais o descredito da nação. (Apoiados.)

E o ministro que depois se apresentou ao parlamento dizendo honradamente as dores que soffréra, as noites de insomnia que passára, teve de ceder não só á consignação da receita dos tabacos como garantia a um grande emprestimo, mas tambem a formar um contrato que elle bem reconhecia não ser dos mais vantajosas para o paiz. (Apoiados.) N'esse contrato estabelecia-se o direito da rescisão ao fim de dezeseis annos.

Duvidava-se porém, geralmente, do valor pratico d'esse direito, e tanto que, na discussão que se travou na camara dos deputados, na triste sessão de 14 de março de 1891,

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O sr. Dias ferreira o classificou não como um direito de rescisão, mas como um direito de irrisão. Foram pois as circumstancias e ellas só que impozeram a lei de 1891. (Apoiados.)

O governo d'essa epocha e em especial o nobre ministro da fazenda de então, o sr. Augusto José da Cunha, modelo austero da mais alta honestidade, (Apoiados) a quem nem um salpico do lama das nossas pugnas politicas ainda conseguiu manchar, (Apoiados) não obedeceram a suggestões de ninguem, determinaram-se exclusivamente pelas dolorosas necessidades do thesouro publico! (Apoiados.) Este facto constata-se das discussões parlamentares.

Na sessão, a que já me referi, de 14 de março de 1891, fallava em nome do partido regenerador, na antiga camara dos deputados a voz eloquentissima e sempre saudosa de Pinheiro Chagas, para dizer que acceitava o projecto como uma liquidação forçada, e que a solução, embora não fosse boa, era preferivel a qualquer adiamento, e em nome do progressista o sr. Emygdio Navarro, declarando que só a necessidade inexoravel das circumstancias o podia forçar, bem como aos seus amigos politicos, a votarem o contrato. Na dos dignos pares, fatiou o ar. Antonio Serpa, dizendo que acceitava o projecto pelas rasões expendidas pela respectiva commissão parlamentar, e o actual e nobre presidente de conselho affirmando que lhe, era dolorosissimo ter de dar o seu voto á proposta ministerial, fazendo-o só pela confiança que lhe merecia o governo e pela convicção de que fôra impossivel elaboral-a mais vantajosa para o estado.

Dos partidos que então figuravam no parlamento, apenas o unionista ousou rejeital-a. Como se póde pois dizer que a sua approvação dependeu d'este ou d'aquelle homem publico, d'este ou d'aquelle partido? (Apoiados.) Não. Foi a terrivel situação do paiz que o determinou como o inicio de uma vida nova, que depois não houve infelizmente nem criterio nem juizo para seguir. (Apoiados.)

O sr. Mello e Sousa seguindo, como bom discipulo, o
exemplo do seu mestre, ou antes do seu chefe, porque entre um e outro é difficil discriminar qual é o discipulo e qual é o mestre, apresentou hontem aqui um calculo, que já fôra annunciado pelo sr. João Franco, e no qual dizia que só o clausula da prorogação do monopolio assegura á companhia, nos vinte e nove annos que restam, um lucro de 16:000 contos de réis.

Não sei onde s. exa. foi buscar este calculo. Estou ancioso por o ver desenvolvido e publicado, e creio que conseguirei lograr este desejo, em vista do compromisso solemne que s. exa. tomaram sobre o assumpto.

Quando ellas vierem a publico saberemos então como se descobriu um tão grande manancial de riquezas. Eu terei muito que aprender com a publicação d'esse calculo. Terei muito mais que aprender do que o sr. Mello e Sousa, que ainda hontem se nos mostrava tão maguado pela simples suspeita de que alguem n'esta camara lhe quizesse dar qualquer indicação sobre assumptos de contabilidade, sendo elle, como é, um da mais distinctos representantes da classe commercial da paca de Lisboa, e julgando-se isso mais habilitado á esse assumpto parado guarda livros. (Risos.)

A sua autoridade é de tal ordem que ainda hontem o vimos aqui passando rapidamente a vista pelas contas da companhia, dos tabacos, e exclamar, com o ar de quem proferia um dogma:

"Estas contas estão erradas", phrase que deve de certo causar alguma surpreza ao guarda-livros d'aquella companhia, empregado de largo e valioso tirocinio.(Riso.)

Esta prova da extraordinaria competencia do sr. Mello
e Sousa, causou em mim, sr. presidente, uma profundissima impressão.

S. exa. não precisa que ninguem lhe passe attestados d'essa competencia, nem eu possuo auctoridade para tanto. Mas se assim não fosse e eu podesse entrar no sacro colegio dos guardas-livros, o meu voto para pontifice da contabilidade não recaíria em mais ninguem. (Riso.)

Sr. presidente, ha pouco, quando exprimi a minha opinião - posto que á minha opinião é das menos auctorisadas, porque não sou jurisconsulto, nem conheço nenhuma das difficeis sciencias que formam a jurisprudencia - de que o artigo do contrato de 1891, fixando o imposto das licenças em 48 réis, não podia ser alterado sem ser de accordo com a companhia, o sr. Luciano Monteiro, talento de primeira ordem e opinião de incontestavel valor no assumpto, levantou-se para dizer que não concordava com o meu humilde parecer.

Forneceram-se agora uns dados que, creio, comprovam absolutamente o que affirmei.

Depois de estabelecido o contrato com o engenheiro Hersent para as obras do porto de Lisboa, o governo augmentou os direitos aduaneiros consignados n'aquelle contrato. A consequencia foi o sr. Hersent reclamar por esse facto uma indemnisação, e o thesouro portuguez ser obrigado a satisfazel-a integralmente. (Apoiados.)

Sr. presidente, o sr. Mello e Sousa analysando as contas da companhia dos tabacos, disse que no anno futuro a verba da amortisação, bem como algumas outras teriam diminuido. Acceito a declaração de s. exa., e acceito-a como a melhor defeza do projecto. (Apoiados.)

Desde que o novo contrato estabelece para base de partilha de lucros, os que se apurarem na gerencia do anno de 1896-1897, quanto mais diminuirem as despezas, tanto maior será a partilha dos lucros para o estado.

Por ultimo, nas suas considerações, disse ainda o sr. Mello e Sousa que, a companhia dos tabacos tinha chamado muito voluntaria e inutilmente um capital de 4:500 contos de réis para a sua industria, por isso que o capital que dia exigia podia ser muito inferior.

Eu já disse e torno a repetir que nada tenho com a companhia, ou com os seus interesses, mas todos comprehendem que a companhia, tomando sobre sua responsabilidade as obrigações do emprestimo de 1891, na importancia de 36:000 contos de réis, não podia fazer face a essa responsabilidade com um capital relativamente tão insignificante como o de 900 contos de réis, arbitrado pelo sr. Mello e Sousa como o necessario para a industria do tabaco. (Apoiados.)

Sr. presidente, vou terminar. Cumpri, como pude, o dever que me impuz, inscrevendo-me na defeza d'este projecto. - (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Todos os oradores que me precederam, têem afirmado que o momento actual é grave, tão grave como o de 1891.

Não repetirei a triste afirmação. Mas direi que é urgente atacar sem hesitações, nem cobardia, a crise economica, que se deixou abandonada nos ultimos quatro annos. (Apoiados.)

Desde 1891, desde que se accentuou a crise que a drenagem do oiro se tornou verdadeiramente assustadora.

Basta observar os mappas que acompanham o relatorio apresentado pelo illustre ministro da monumental (Apoiados) que só por si fará possa esquecer o nome ao seu auctor, (Apoiados) para ver que não haveria paiz por mais rico e poderoso que elle fosse que podesse resistir a esta depauperante sangria. (Apoiados.)

O governo e o parlamento têem de arcar de frente com um duplo problema que se acha nitidamente posto: pôr um dique á baixa cambial e levantar a riqueza do paiz, collocando-a em condições de responder pelos encargos que temos de satisfazer no estrangeiro. Precisâmos de oiro para mandar para fóra como juro aos nossos credores e satisfazer no estrangeiro os productos que de lá mandâmos vir. (Apoiados.)

Precisâmos de desenvolver a agricultura, as industrias e os mercados coloniaes, como unico meia de salvação possivel. (Apoiados.)

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Nos ultimos mezes do situação transacta o cambio desceu quasi cinco pontos e essa descida ameaçava engulir todas as economias, todos os esforços alcançados á custa da maior dedicação civica. (Apoiados.)

A formula de que nos devemos contentar com a prata da casa, não passa do uma phrase vã, reduzida ainda ha dias, pelo nobre ministro da fazenda, ás suas devidas proporções quando exclamou: "prata não é oiro". (Apoiados.)

Ao pensamento de encontrar solução a tão difficeis problemas obedeceu o plano financeiro e economico do governo. (Apoiados.)

É claro que o ministerio e em especial o illustre ministro da fazenda não encontrou nenhum deposito de peças amoedadas, nem descobriu a pedra philosophal para salvarem milagrosamente a nação.

Os ministros fizeram o que dependia d'elles e que era licito esperar da sua illustração, da sua competencia, do seu patriotismo e da confiança que inspiram ao paiz (Apoiados.)

O que fizeram foi tentar reparar o mal produzido por quatro annos de inercia e completo abandono das questões economicas. (Apoiados.)

A opposição levantou-se indignada contra o plano ministerial. Mas até agora tem empregado uma critica de demolição e nem uma só idéa ella apresentou a contrapor ao plano que combate. O seu passado abona pouco a existencia de taes idéas. (Apoiados.) E como o paiz precisa quatro tem d'elle e não que se inutilisem os esforços que o podem redimir, é justo que o maioria perfilhe aquelle plano, comprehendendo o verdadeiro alcance das censuras apresentados. (Apoiados.)

Sr. presidente, o partido regenerador diz que está prompto o collaborar comnosco.

Bem vinda seio essa collaboração, que se deve affirmar mais por actos do que por palavras. (Apoiados.)

Por ora ella offerece-se em troca de condições inacceitaveis, taes são as da desistencia e abandono das medidas que formam precisamente a base do plano ministerial.

Procede assim, exclama o seu illustre leader, porque a collaboração n'outros termos seria uma escravidão. Tudo o que não seja nós acceitarmo-lhes as idéas e as imposições no integra, será considerado por elles como uma abdicação. (Apoiados.)

Pois a maioria tombem não estará disposta a abdicar. (Apoiados.)

Fallo por mim, porque a minha palavra não representa mais do que o meu voto. Préso muito os ministros e tenho absoluta confiança no governo. Mas se, para viver, elle tivesse de abandonar as idéas do seu programma e de capitular perante os caprichos e intimações dos seus adversarios, que nada produziram de util ao paiz, preferiria que morresse, porque ao menos não sacrificaria assim a sua dignidade propria e os oitos interesses da patria.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado por todos os ministros e deputados da direita.)

O sr. Dias Ferreira: - Sr. presidente, a minha moção de ordem é a seguinte:

"A camara:

"Considerando que o augmento successivo das despegas publicas, e os frequentes emprestimos levantados no estrangeiro, collocaram o thesouro nas condições durissimos de exportar todos os annos perto de 2.000:000 libras para pagar encargos em oiro;

"Considerando que, quaesquer que sejam as emprezas que se tentem e as providencias que se adoptem, não póde o thesouro n'estes annos mais chegados haver no paiz continental o oiro preciso para effectuar taes pagamentos;

"Considerando que os novos emprestimos em projecto para serem pagos em oiro, se de momento podem attenuar as difficuldades financeiros, preparam para um futuro mais ou menos proximo uma situação angustiosa;

"Considerando que só nas possessões ultramarinas, onde se produzem em larga escala os generos ricos que em todo a parte representam oiro, poderemos encontrar recursos, para custear do modo regular as despezas a que somos obrigados no estrangeiro; e assim

"Considerando que nenhuma concessão deve ser feita no ultramar sem o clausula de pagamento em oiro de quaesquer encargos a que fique obrigado o concessionario; e
"Considerando, finalmente, que as concessões no ultramar, qualquer que seja a sua fórma e natureza, quando representam altos interesses do estado, não devem ser feitas senão mediante concurso publico: resolve que o projecto volte á commissão para ser estudado do novo o assumpto, e passa á ordem do dia."

Sr. presidente, esta proposta resume o meu pensamento sobre a estructura geral do projecto.

Devo antes de tudo declarar á camara que não me envolvo no debate politico que encontrei travado entre a minoria regeneradora e o governo. Deixo-o intacto aos illustres contendores.

São-me absolutamente indiferentes os lucios politicas entre os dois partidos, com os quaes não collaboro, nem posso collaborar, porque me preoccupo unicamente com o interesse do paiz.

Lembro a v. exa. e á camara que, em todas as nossas questões, vamos de mal a peior.

Começámos por comprometter a receita dos tabacos n'um projecto que chegou a ser convertido em lei em 1890.

Mas n'esse projecto o monopolio era por dezeseis annos, e dado em concurso, o que constitue differença capital entre essa concessão e a que se pretendo fazer pelo projecto pendente.

O sr. Franco Castello Branco: - V. exa. dá-me licença?

O Orador: - Pois não.

O sr. Franco Castello Branco: - Visto v. exa. querer dar-me licença, e visto que v. exa. teve a bondade de se referir a esse projecto e notar a clausula do concurso, permitta-me recordar á camara que, por esse projecto, o concessionario a quem fosse feita a concessão, entregava ao estado 7:000 contos de réis em oiro, não recebendo garantia. O sr. Cayola que se mostra entendido em assumptos financeiros, póde fazer a reducção d'essa quantia, e é uma explicação que esclarece a camara e nós tratamos de nos esclarecer a todos, porque ninguem está aqui com o pensamento reservado de votar cousas que sejam contrarias aos interesses do paiz, e eu faço justiça a todos de que nenhum, nem mesmo por impulso partidario, que sejam contrarias dos interesses da patria, votaria este contrato.

O Orador: - A questão dos tabacos foi largamente discutida em 1891, e, cousa singular, não se toca n'um assumpto de administração publica, sem que as alterações sejam sempre para peior!

O contrato de 1891 teve a minha opposição energica, como teve o apoio dos partidos, e o approvação de quasi toda o gente politica, que explicava o seu procedimento pela pressão violenta de uma bancarrota inevitevel, não se votando o contrato dos tabacos.

A votação do projecto dos tabacos em 1891 não evitou, nem podia evitar o bancarrota, porque era, como todos os emprestimos, medida contraproducente!

Podia, adiar a infeliz solução da bancarrota; mas nem isso conseguiu!

São os emprestimos, como modo de vida, que determinam a fallencia dos particulares e do estado.

O projecto, que estamos discutindo, é caminho aberto para a fallencia do thesouro!

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Tenho ainda nos ouvidos o echo das palavras honradas e sinceras do nobre ministro das obras publicas, então ministro da fazenda, e das palavras dos mais distinctos oradores, que affirmavam á camara que, não se votando o contrato dos tabacos, rebentaria um crack medonho nas duas praças de Lisboa e do Porto, e ficariamos em pleno descredito nos mercados estrangeiros!

Pois foi precisamente a votação do projecto que precipitou o crack, e que desacreditou o thesouro!

De 23 de março de 1891 é a lei que sanccionava o projecto para evitar o crack, e de 7 do maio seguinte é o decreto da inconvertibilidade da nota, que abriu a bancarrota!

Quarenta dias depois do projecto salvador vinha a bancarrota com todo o seu cortejo de infortunios!

Porque não valeu de nada o contrato de 1891, como de nada valeria qualquer expediente analogo?

Porque a essa hora já tudo estava a desabar!

Pensavamos que podiamos illudir-nos eternamente, e que as nossas dividas se pagavam com os constantes reclames á nossa honradez, sem nos lembrarmos de que não ha honra que suppra a falta permanente de dinheiro!

Ha dias disse eu á camara, em termos os mais serenos, tranquillos e benevolos, que era gravissima a situação, que a quadruplicação de alguns impostos, longe de representar augmento de riqueza publica, da industria, do commercio, e da agricultura, accusava tendencia para pobreza, que os impostos sobre a importação de cereaes recaíam Sobre a fome, que o paiz, essencialmente agricola, ás vezes não tinha pão para metade do anno, que os impostos do sêllo do registo, que tanto tinham subido, recaiam sobre o capital ou eram tributos de capitação, etc.

Como respondeu o sr. ministro da fazenda ás minhas considerações?

Com um trocadilho de palavras sobre pratas da casa!

Foi a resposta a um discurso no interesse do paiz, em que se chamava a attenção do governo e das cortes para os perigos da situação economica e da situação financeira, que estão cada vez mais imminentes!

Em todo o caso o sr. ministro da fazenda revelou certa logica na fórma da sua resposta.

Quem não apresenta ás côrtes um unico projecto, que não vise á aggravar a situação financeira e a situação economica, não tem outra resposta senão fugir á questão.

Temos no debate, correcta e augmentada, a segunda edição da celebre contrato dos tabacos approvado em 1891, e agora com circumstancias as mais aggravantes.

Em 1891 ainda serviu de pretexto á monstruosa operação dos tabacos o avultado da divida fluctuante no estrangeiro, que andava por 24:000 contos de réis.

Hoje não irá a divida fluctuante no estrangeiro alem de 4:000 ou de 5:000 contos de réis; e desgraçado do thesouro se o paiz não tivesse recursos para saldar aquella divida, sem se sujeitar aos encargos humilhantes que necessariamente resultam da approvação do projecto em discussão!

Mas como poude o sr. Augusto José da Cunha, então ministro da fazenda, sustentar n'uma e n'outra casa do parlamento o malfadado contrato de 1891, não tão leonino ainda assim, como o que pende hoje do exame da camara?

Qual foi a ancora a que então se agarrou o actual sr. ministro das obras publicas para salvar um contrato, que aliás não era tão afixontoso para os interesses do thesouro, como o que está sujeito ao debate parlamentar?

Não hei de eu dizel-o, porque as minhas palavras podem ser suspeitas.

Ha de dizel-o elle, e o actual sr. presidente do conselho,

É muito curioso e singular que o grande argumento para defender o projecto de 1891 fosse o direito de resgatar passados dezeseis annos a concessão, e que a primeira base do projecto em discussão seja a seguinte:

"O estado desiste, desde já, da faculdade de dar por finda a concessão do exclusivo do fabrico do tabaco no continente do reino, ao cabo do primeiro periodo de dezeseis annos, conforme está preceituado no n.° 1.° do artigo 6.° das bases annexas á carta de lei de 23 de março de 1891" !!

O estado desiste desde já do direito de resgatar o contrato, decorridos dezeseis annos, quando foi em nome do direito de dar por findo o contrato no fim de dezeseis annos, que poude sustentar-se no parlamento o contrato de 1891!

Pela lei de 1891, findos os dezeseis annos, podia o governo declarar terminado o monopolio, e era isso o que até certo ponto desculpava a monstruosidade da concessão!

Argumentou-se em 1891 que o paiz ou o thesouro não ficavam irremediavelmente compromettidos n'uma concessão pelo longo periodo de trinta e cinco annos, porque passados dezeseis annos, com o aviso previo de dois annos, podia o governo dar por terminado o contrato!
Agora elimina-se completamente o direito de resgate.

A camara vae ouvir o que diziam os nossos grandes homens de então, e de hoje, para defender a concessão de 1891.

Começo, pelo sr. presidente do conselho, que não era ministro n'essa occasião, mas que era par do reino, e já então, como hoje, o mais graduado do partido progressista. Vou reproduzir perante a camara as palavras do illustre ministro presidente, o depois faltarei do nobre ministro das obras publicas, que então geria a pasta da fazenda.

O sr. presidente do conselho,, na qualidade de par do reino, quando o projecto de 1891 foi discutido na camara alta, disse, no seu memoravel discurso, o seguinte:

"N'estas circumstancias o orador e os seus amigos entenderam do seu dever dar todo o apoio ao governo, e iriam até votar uma auctorisação ao governo para consolidar a divida fluctuante, tal era a confiança que depositavam no incontestavel sêlo e probidade do sr. ministro da fazenda.

"Votam, portanto, sem hesitação nem reservas o projecto em discussão. Mas, elle, orador, não quer occultar a impressão dolorosa que lhe causou a desconfiança e a suspeita que este contrato traz sobre nós, quando temos sido sempre pontuaes no desempenho dos nossos compromissos para com os credores do estado.

"Todavia, se o emprestimo não é absolutamente bom, nem por isso merece as denominações odiosas que têem caldo sobre elle. Quem, attendendo ás circumstancias especiaes dos mercados tanto nacionaes, como estrangeiros e ás dificuldades resultantes, souber que, ainda assim, esta operação nos sáe a menos de 7 por cento, quando estabelecimentos, de credito dos mais solidos e acreditados levantam dinheiro muito mais caro, não poderá deixar de convencer-se de que este emprestimo está longe de ser uma operação ruinosa.

"Duro era, realmente, que houvesse a adjudicação sem concurso do fabrico do tabaco por trinta e cinco annos; o orador preferiria a simples consignação do rendimento do tabaco, que nos deixaria mais desafogados, sem carecermos do expediente da rescisão, e com o direito de dispormos livremente, da administração dos tabacos. Na situação especial em que o sr. ministro viera encontrar a questão dos tabacos, o monopolio, afigura-se ao orador que o contrato representa até um augmento de receita crescente até ao decimo anno, e não deverá dar lucros fabulosos aos seus negociadores.

"Desde que fica assegurado que ao cabo de das annos póde o estado operar a remissão, e que essa remissão é perfeitamente praticavel, os exagerados lucros dos contratadores hão de encontrar um termo n'aquella operação e no restabelecimento das forças do thesouro. Não acompanho as apreciações e de um pessimo desanimador

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que têem sido apresentadas em ambas as casas do parlamento, tocante ao estado da fazenda publica."

Eu tinha então, como tenho hoje, a maior consideração pelo inquestionavel zêlo e probidade do sr. Augusto José da Cunha.

Mas nunca votei providencia alguma no parlamento em nome da probidade dos ministros!

Vamos porém á parte importante, e ao ponto fundamental do discurso do sr. presidente do conselho.

O argumento capital, de que o sr. presidente do conselho se valia para sustentar o celebre monopolio dos tabacos, decretado em 1891, era reservar-se o governo a faculdade de dar por findo o contrato, decorrido o praso de dezeseis annos!

Pois agora a primeira concessão que faz o governo á companhia dos tabacos é a desistencia d'esse direito supremo de resgate, unica cousa que desculpava o malfadado contrato de 1891!

Vejâmos agora as palavras do sr. Augusto José da Cunha, então ministro da fazenda. São mais memoraveis ainda, porque nossa occasião solemne o espirito lucido do nobre ministro provia e prophetisava o que havia do succeder n'uma epocha mais ou menos proxima!

O projecto dos tabacos de 1891 foi atacado, entre outros fundamentos, porque sanccionava por largos annos o
monopolio da primeira receita do estado, abalando assim profundamente a economia do paiz.

Não encontrou esse desgraçado monopolio viva opposição nem n'uma, nem n'outra camara, porque segundo as tradições da politica portugueza os dois grandes partidos, que ha largos annos se revesam no poder, votavam em massa, e sem reservas, aquella monstruosa providencia.

Mas, como sempre acontece, tambem n'esta discussão appareceram alguns discolos ou nephelibatas n'uma e n'outra casa do parlamento, que não quizeram associar-se á ruina do paiz.

Navegando nos mesmas aguas do sr. Luciano de Castro dizia o sr. Angusto João da Cunha:

"Já tem dito varias vezes que não lhe agrada o contrato em discussão, e que o não assignaria em conjuncturas normaes. Mas, entre não lhe agradar este contrato, e consideral-o ruinoso e uma grande catastropbe para as finanças do paiz, vae um grande distancia, que ainda não percorreu, nem ha de percorrer.

"O primeiro grande defeito que elle tem é que o exclusivo do tabaco foi arrematado por trinta e cinco annos.

"Mas este defeito attenua-se consideravelmente, se se attender a que for uma condição d'esse contrato fica o governo autorisado a rescindil-o no fim de dezeseis annos, logo que tenha pago as obrigações do emprestimo que é feito ao governo."

Depois foi descrevendo, como quem ha distinctamente no futuro o sudario administrativo que se iria desenrolar a nossos olhos em seguida á approvação de tão desastrada medida, e dizia:

"Será possivel esta conversão? Apparecerá este ensejo favoravel para o governo poder contrahir o emprestimo em condições que não traga augmento de encargo? Isto depende da administração financeira que se seguir n'este paiz, apartir da data actual.

"É claro que se se continuar com definis de 12:000 e 14.000 contos de réis, se proseguirmos em larga proporção as obras publicas e melhoramentos materiaes do paiz, se não se administrar com economia e prudencia, essa occasião não apparecerá."

Vamos á chave de oiro:

"Mas não apparecendo essa occasião pouco se póde lamentar que não se possa rescindir o contrato no fim de dezeseis annos, porque a par d'essas lamentações virão outras mais graves."

O sr. Augusto José da Cunha comprehendia muito bem, que se depois de uma proeza tão heroica, como foi o contrato dos tabacos de 1891, não se entrasse em vida nova rigorosissima, ao fim da dezeseis annos nos encontrariamos n'uma situação lastimosa e em circumstancias tão anormaes, que, se não podessemos remir o contrato, tambem sob os outros pontos de vista deviamos considerar-nos irremediavelmente perdidos!

A camara comprehende bem a significação das palavras do illustre ministro, que não carecem de commentarios, que só poderiam confundil-as, e nunca esclarecel-as!

Se no fim de dezeseis annos não podermos resgatar as obrigações é porque estamos completamente perdidos, e quem está perdido não se preoccupa nem utilisa com taes remissões!

Portanto a unica circumstancia, que sustentava o contrato, na opinião dos que o apoiavam, desapparece agora de todo na segunda edição do mesmo contrato!

Eliminou-se agora a clausula, que foi fundamento da argumentação em 1891 no corpo legislativo!

O direito de resgatar o contrato dos tabacos, findo o periodo de dezeseis annos, foi agora prescripto!

Pois é com estes argumentos, que sito todos contraproducentes, que se procura arrancar á camara a approvação de tão desastrosa providencia!

Diz-se por ahi que o projecto dos tabacos poderá ainda servir de base a um emprestimo de 60:000 contos de réis em oiro.

Não creio.

Mas se o governo conseguisse agora levantar um emprestimo de 60:000 contos do réis, então a bancarrota nacional seria rapida e inevitavel!

Se nós, como todos sabem, já não podemos pagar hoje os encargos existentes, menos poderiamos pagar ámanhã esses encargos, e mais os encargos dos 60:000 contos de réis!

Não á preciso ser financeiro, nem ter vastos conhecimentos dos negocios da administração publica, nem ser muito lido em economia politica, para comprehender que, se não é possivel pagar os encargos em oiro quando elles estão representados na somma, por exemplo de 4:000 contos de réis, menos poderão pagar-se quando attingirem a importancia de mais de 7:000 contos de réis!

O sr. Laranjo: - Peço a palavra.

O Orador: - Mas onde está, no meu entender, o cancro d'este projecto, permitia-se a expressão, é na concessão á companhia dos tabacos da exploração de todo o ultramar!

Não quero mal nem á companhia dos tabacos, nem ás outras companhias, quer portuguezas, quer estrangeiras. Desejo que todas prosperem.

Mas não posso dispor do que é do thesouro em beneficio de estranhos, quando nem para as despezas impreteriveis são já suficientes os recursos do estado. (Apoiados.)

Affirma o sr. ministro da fazenda que já nas bases annexas ao contrato de 26 de fevereiro de 1891, no n.° 1.° do artigo 6.°, se reconhecêra aos actuaes concessionarios o direito de preferencia em igualdade de condições no caso que o governo resolvesse tornar extensivo o exclusivo do fabrico dos tabacos a qualquer porção de territorio portuguez fóra do continente do reino.

Mas a preferencia estabelecida na lei de 1891 não é a preferencia a que se refere o projecto pendente.

Chamo a attenção da camara para a afirmação do sr. ministro da fazenda, que não póde passar sem correctivo.
A companhia não tem a preferencia nos termos em que lha assegura o parecer em discussão.

A companhia, pela lei de 1891, apenas tem preferencia no ultramar com relação ao exclusivo do fabrico e o que o governo agora lhe entrega de mão beijada é o exclusivo da producção, do fabrico, da venda e da importação dos tabacos!

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Preferencia porém que tivesse nas concessões em discussão não era isso motivo para excluir o concurso.

Entrega-se á companhia de mão beijada a exploração de todo o ultramar!

O governo nem sabe o que dá á companhia!

E, como ella não póde por si só explorar todos os nossos dominios de alem mar, é auctorisada a dividir e a subdividir em concessões especiaes esta concessão geral!

Dão-lhe tudo, e ella restituo ao estado como um bonus, para assim dizer, 60 por cento, ou o que for!

A concessão do exclusivo dos tabacos no ultramar deve representar lucros fabulosos para a companhia, a julgar pelo desenvolvimento que, segundo o relatorio do governo, tem tido a venda do tabaco no ultramar.

Em vista d'aquelle relatorio, só as vendas de tabaco feitas pela companhia no ultramar têem tido, nos exercicios de 1892-1893 a 1896-1897, o desenvolvimento que consta do seguinte mappa que acompanha os documentos officiaes:

[ver tabela na imagem]

É enorme o movimento assencional do tabaco vendido pela companhia no ultramar!...

Pena foi que o governo não apresentasse tambem á camara a nota dos tabacos vendidos no ultramar por outros estabelecimentos, e documento comprovativo dos despachos de tabacos em todas as nossas alfandegas ultramarinas nos ultimos dez annos, para melhor se poder calcular até onde vae a importancia dos lucros que mettemos, á custa do estado, nos cofres da companhia!

Sr. presidente, a questão principal para mim não é se a companhia tem em si 2:600 contos de réis de lucros que pertencem ao thesouro, nem as garantias a conceder aos revendedores e aos depositarios, nem o estabelecimento da venda por zonas, assumptos aliás importantes, e já largamente debatidos na assembléa.

Esses assumptos não os discuto, uns, porque a differente instancia pertence julgal-os, e outros, porque são assumptos secundarios, que não fale a pena considerar, desde, que eu rejeito o projecto na sua base.

Para mim não há circumstancias accessorias que recommendem um projecto, que eu na essencia reputo fatal aos interesses do paiz!

Sr. presidente, dêem á poderosa companhia o que quizerem, uma vez que dispõem de votos para isso.

Mas não lhe entreguem o monopolio da exploração no ultramar, que vão com isso consumar a ruina do paiz!

É preciso empenhar todos os esforços no desenvolvimento da riqueza publica.

Optimo seria augmentar a producção cerealifera até á quantidade necessaria para equilibrar a producção com o consumo, se isso é possivel em presença da alta dos salarios, e esmagada como está a propriedade com impostos de toda a ordem.

Mas, ainda equilibrada a producção de cereaes com o consumo, que não seja preciso importar um real de trigo, mesmos que nos colloquemos na posição de dispensar a importação de generos de consumo, de machinismos, de materiaes de construcção, e de materias primas em geral, a nossa situação é insustentavel, sem resolvermos a questão do premio do oiro.

Desde que acabou o recurso ao emprestimo, que era a ruina successiva do thesouro, e que não possuimos no continente sommas de oiro, nem de prata, nem os generos ricos, que valem oiro nos mercados da Europa, não temos com que pagar os encargos da divida externa, que nos absorvem por anno 8:000 a 9:000 contos de réis!

Esta situação é ainda aggravada pela situação das companhias que têem a fazer pagamentos em oiro lá fóra.

Para obter oiro precisâmos de concentrar as nossas attenções no ultramar.

N'esta ordem de idéas não devemos fazer concessão nenhuma para as regiões ultramarinas, qualquer que seja a sua natureza, sem nos serem pagos em oiro os encargos que o concessionario porventura tenha a satisfazer.

Ser-nos-ha difficil colher oiro, a não ser no ultramar, onde temos generos ricos, como o café, o cacau, a borracha, e muitos outros, que representam verdadeiras cambiaes, para auxiliar o pagamento dos nossos encargos no estrangeiro.

Entregar a exploração dos tabacos no ultramar á companhia, é entregar-lhe a exploração de todo o ultramar, porque a velha concessão á companhia não abrangeu só o exclusivo do fabrico e venda dos tabacos no continente do reino e o exclusivo do fabrico nas colonias de alem mar.

Em 1891 deu-se-lhe mais e muito mais!

Segundo consta dos estatutos de 13 de abril de 1891, artigo 2.° n.° 3.°, tem a companhia tambem por fim "quaesquer operações commerciaes, industriaes ou financeiras, que só relacionem directa ou indirectamente com as suas concessões, abertura de creditos, emprestimos, supprimentos e emissões de titulos que lhes digam respeito"! O campo de operações da companhia é não só vasto, mas illimitado, porque não ha operação commercial, industrial ou financeira, que se não relacione, pelo menos indirectamente, com as concessões da companhia!

Tambem em 1891 foi concedida á companhia a exploração de quaesquer industrias accessorias, com a simples formalidade da auctorisação do governo, que lhe não ha de custar a obter.

Mas para operações commerciaes, industriaes ou financeiras, que se relacionem directa ou indirectamente com a concessão do exclusivo dos tabacos está inteiramente livre de quaesquer pelas governativas.

Habilmente dirigida, como está sendo, a companhia, tem n'este projecto larga margem para explorar sob todos os pontos de vista as nossas possessões ultramarinas. Para nada lhe faltar, até agora dispõe para a protecção de suas industrias de uma força militar, a guarda fiscal!

Quer o governo e a camara deixar presa a nossa soberania de alem-mar nas mãos da companhia? Quer entregar-lhe o direito de explorar todas as regiões do nosso vastissimo territorio colonial e de emprehender quaesquer operações commerciaes, industriaes ou financeiras, que directa ou indirectamente se relacionem com as concessões da companhia?

Se é fatal a entrega da nossa soberania ultramarina á companhia dos tabacos, ao menos que pague em oiro os encargos ao estado!

Pelo leonino contrato de 1891 ficou o premio do oiro no pagamento das obrigações dos tabacos a cargo do governo, como a cargo do governo ficará qualquer outro emprestimo agora contrahido com a companhia.

Ao menos direito igual!

Pague-nos tambem a companhia em oiro, visto que ella recebe generos ricos de Africa, que facilmente transforma em oiro, ou em papel que o represente.

Se o governo continua a obrigar-se a pagar as suas responsabilidades era oiro, e se presta a receber só em papel, mais dia ou menos dia é inevitavel grande catastrophe no paiz!

Entregar á companhia o exclusivo da producção, importação, fabrico e venda do tabaco no ultramar, bem como a exploração de quaesquer operações commerciaes, industriaes ou financeiras, que directa ou indirectamente

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se relacionem com as suas concessões, é entregar-lhe a vida economica das nossas vastissimas regiões ultramarinas, e priva-nos do unico elemento que poderia dar o o renascimento da patria!

Desfazendo-se do ultramar o governo, pergunto eu onde se ha de ir buscar o oiro para pagar ao nossas responsabilidades no estrangeiro?

Se o governo e a camara, com a mesma impassibilidade, com a mesma constancia e com a mesma devoção, com que todos os dias aqui votam projectos de augmento de despeza, empregassem os seus esforços em resolver os problemas reclamados pelas necessidades imprateriveis da situação economica e da situação financeira, não estariamos hoje no estado quasi desesperado em que nos encontrâmos!

Tão desorientada anda a opinião politica, que espera a relisbilitação nacional só da pasta da fazenda; e na verdade as propostas pela pasta da marinha para regular as concessões no ultramar não se preoccupam com a questão do oiro, quando devia sor esse o seu objectivo principal.

No continente não será facil encontral-o.

Poderemos equilibrar a producção cerealifera no paiz, poderemos dispensar alguns artigos de consumo que vem do estrangeiro, e até a introducção de materias primas que pagamos em oiro.

Mas, ainda assim, para pagar todos os annos 8:000 ou 9:000 contos em oiro no estrangeiro não temos recursos na metropole!

Querem emprestimos para levantar o cambio?

Mas o allivio que poderia produzir de momento, traduz-se do futuro em ruina inevitavel para o thesouro!

Outro dia citei á camara processos identicos, empregados no Brazil, que deram os resultados funestos que um paiz tão rico como o Brazil está experimentando!

O ultimo ou o penultimo gabinete do imperio contrahiu um emprestimo de 12.000:000 de libras no estrangeiro, para occorrer aos pagamentos da divida externa, e levantou ao mesmo tempo outro emprestimo de 150:000 contos de réis dentro do paiz para desenvolver a agricultura.

O emprestimo para desenvolver a agricultura nada desenvolveu!

O cambio manteve-se alto emquanto duraram os 12.000:000 de libras!

Logo, porém, que foi necessario recorrer de novo ao mercado para pagar os juros na Europa, o cambio desceu ao nivel em que hoje está, e um paiz tão rico como o Brazil collocou-se na situação de ser necessario declarar o presidente da republica que ainda não era precisa a suspensão dos juros e da amortisação de titulos, como o presidente da commissão do orçamento da camara dos deputados propunha!

A alta ficticia dos cambios por via de emprestimos produz ainda outros resultados fataes, como produziu no Brazil.

É que todos os que dispõem de recursos aproveitam o melhoramento artificial de cambio para transferirem os seus capitães para o estrangeiro. Não ha meio de segurar os cambios senão pela boa administração da fortuna publica e particular.

O capital, que é cosmopolita, desde que não confie na gerencia da fortuna do paiz, emigra, e esta emigração deixa depois, como succedeu no Brazil, exhausta de recursos a vida nacional!

A alta ficticia dos cambios por moio de emprestimos é passo decisivo para a ruina do thesouro!

Ao systema de contrahir divida no estrangeiro nenhum povo resiste, por mala opulento que seja.

Dos paizes, que têem o seu nome inscripto no registo, lugubre das finanças arruinadas, não ha um só que não deva essa situação affrontosa, principalmente, ao uso e abuso da divida externa!

A Turquia, o Egypto, a Servia, e a Grecia, que está entre a vida e a morte, e a quem as nações credoras têem os pés no pescoço, collocando-a no dilemma terrivel - ou a commissão de contrôle ou o turco na Thessalia - devem os seus desastres, principalmente aos grandes emprestimos contrahidos no estrangeiro para serem pagos em oiro!

Sem perigo grave não podem reduzir-se outra vez os juros da divida publica.

É indispensavel empenhar o ultimo esforço para pagar aos credores.

Pensemos sobretudo na divida externa, que é paga em oiro, e em que para obter oiro é indispensavel appellar para o ultramar.

Repito esta idéa por descargo de consciencia. Bem sei que não se fará nada. Mas lavo d'ahi as minhas mãos.

Postas de parte as retaliações partidarias e politicas, para o que a occasião uso é mais propria, e porque para explicações todo o tempo é opportuno, devemos preocoupar-nos apenas com os perigos imminentes que pendem sobre o paiz!

Já não é cedo, mas ainda temos tempo de obstar á grande catastrophe!

Não me importa que me considerem pessimista. O que desejo é cumprir o meu dever do homem publico, dizendo n'esta assembléa politica, que é o logar mais alto de onde posso fallar, que sito graves as circumstancias que a nação atravessa, e tão graves, que o conselho de todos, a actividade de todos, e os esforços de todos, não são de mais para resolver os momentosos problemas que n'este momento nos assoberbam! (Apoiados.)

Enormes responsabilidades ficarão pesando sobre esta camara, se ella não resolver, de maneira efficaz, as difficuldades que nos presentemente affligem, porque cada hora no adiamento da resolução é um novo aggravamento! (Apoiados.)

O que porém não é remedio para as reformas é o projecto dos tabacos. Similhante remedio é muito peior que o mal! (Apoiados.)

Parece que nos envergonhâmos de confessar que são pessimas as nossas circumstancias, que o contribuinte em Portugal está sobrecarregadissimo, que o agricultor está esmagado com impostos, que só temos industria porque temos pautas, etc.

Pois é forçoso fazer confissão, aliás dolorosa d'estes factos, que denunciam a gravidade da nossa situação, em vez de proclamarmos ao paiz, que as receitas nos ultimos quarenta annos têem quadruplicado, e que tudo vae bem!

Ha duas cousas em que temos sido de uma constancia heroica. São ellas - os homens publicos a affirmar que as nossas circumstancias não são desesperadas, e que pelo contrario tendem todos os dias a melhorar, - e o paiz a queixar-se de que os sacrificios todos os dias augmentam e de que as despezas duplicam e quadruplicam! - Não se pensa senão em organisar e segurar clientela partidaria.

Pois creiam todos os que me ouvem que o paiz está profundamente irritado, e que para os altos poderes do estado é bem peior o paiz verdadeiramente irritado do que os partidos essencialmente divididos!

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): - Quem devia erguer-se em meu logar, por mais de um motivo, era o meu collega da fazenda; porque ninguem com mais competencia, grande valor e maior auctoridade, poderia defender, em todo o seu conjuncto, o projecto de que se trata; e independentemente d'isso, ha uma rasão pessoal, que faz talvez até, com que n'este momento s. exa. esteja lamentando não ser elle que use da palavra, para significar ao illustre deputado a extrema consideração que lhe merecem os seus serviços publicos, a sua larga carreira parlamentar e as qualidades pessoaes que exornam s. exa. e que a todos inspiram o maior respeito e a maior consideração, (Apoiados geraes.)

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Digo, portanto, que da parte do meu collega não podia haver, - n'um discurso como os que s. exa. costuma, pronunciar, sempre amenisado com um ou outro dito gracioso ou espirituoso; com alguma cousa, emfim, que allivie um pouco, esto esforço que nos causa a todos ouvir, dois, quatro, dez discursos, sobre o mesmo assumpto; - não podia haver, digo, e n'este ponto, não terei o merecimento de dar uma novidade, intuito nem intenção alguma, de melindrar por qualquer fórma o illustre deputado, as suas intenções, e a sua argumentado, que tem sempre todo o peso que resulta da larga experiencia da negocios, das qualidades intellectuaes que o adornam e da fórma por que na sua vida publica tem procedido na administração dos negocios publicos. (Apoiados.)

Portanto, qualquer d'estas pequenas allusões, não podem nem devem raspar de leve, pela epiderme de s. exa.(Apoiados.)

Dito isto, em nome do meu collega, para até certo ponto justificar o motivo, por que sou eu que uso da palavra, vou entrar no assumpto.

O illustre deputado alludiu por tal fórma á parte do projecto que se refere ao ultramar e appellou mais de uma vez, tão visivelmente e dê um modo tão claro, olhando para mim, como ministro da marinha, que eu, que tinha estudado esta parte do projecto, - e não podia deixar de e fazer, visto que tinha ligado o meu nome a toda a obra do governo e não podia estar alheio ao assumpto,- entendi dever pedir a palavra, notando que me parece que s. exa. n'esta camara, como na outra camara o digno par sr. Moraes Carvalho, nutrem um pensamento phantasioso o que seria excellente se podesse ter resultados praticos.

É manifesto, que nas circumstancias em que se encontram hoje as nossas colonias, nós não podemos tirar d'ellas outro oiro que não seja o que resulta do seu commercio, e esse tem já contribuido em muito para alliviar a nossa crise cambial, salvo quando os circumstancias e não permitiam como agora succedeu com Angola. Mas esperar, que das suas alfandegas nos venha oiro para supprir ás nossas crises financeiras, a minha opinião é de que isso é uma perfeita illusão!

A amisade que me liga ao sr. ministro da fazenda data de muito longo, vem dos bancos da escola, onde se estabeleceu e tem permanecido inalteravel através dos annos, sem que haja uma nuvem, uma quebra de boa camaradagem, da verdadeira admiração que me inspiram o seu caracter e as suas extraordinarios qualidades de trabalho, e ou folgo de poder testemunhar, como membro do governo, o intenso amor do seu paiz, o profundo sentimento do cumprimento do dever, com que o sr. ministro da fazenda se lançou ao estudo d'este problema.

Quiz s. exa. procurar por todas as fórmas a maneira que teria de poder conseguir attenuar a nossa crise, por fórma a dar-nos um tempo de descanso. Correram-se todos os problemas e entre esses figurou o das colonias.

Pois creia s. exa. e creia a camara, que nós estudámos só seria possivel tirar oiro das colonias por uma operação tambem colonial; estudámos muito, batemos a muitas e variadissimas portas; examinámos o problema sob todos os aspectos, e tivemos a final de reconhecer que os operações que podiam fazer-se, em condições de não encontrar resistencia na opinião, essas não podiamos realisal-as. Por outra fórma tinhamos muita facilidade, mas, naturalmente, não agradava e não era acceita, nem por um nem por outro lado da camara.

Faço justiça ao intensissimo patriotismo de s. exa., e creio tambem, com todo aquelle enthusiasmo que me inspira a muita amisade e a mesma communidade de idéas que me ligam a este lado da camara, que não é n'elle menor o sentimento do amor pelo paiz. (Apoiados.)

Quero tambem suppor que s. exa está animado do pensamento de zelar os interesses publicos, e que foi uma e outra cousa que o levaram a encontrar facilidades no sentido de fazer com que as colonias se tornassem para nos n'uma origem de oiro, como s. exa. queria.

Isto vem unicamente para dizer que o meu collega da fazenda, apresentando muitos alvitres, não tinha com certeza no seu animo a idéa de lançar mão de todas as propostas que apresentava para as converter em oiro, em empréstimos, sobrecarregando o paiz com esses sacrificios a que tão - eloquentemente e com muita rasão alludiu o sr. Dias Ferreira. S. exa. não teve, nem podia ter tal pensamento. O que queria era ter uma maneira segura de conseguir vencer as dificuldades de momento, agarrando-se a mais de uma amarra; e fez muito bem, procedeu muito patrioticamente, para poder escolher na occasião propria, com o auxilio das camaras, o expediente que menores dificuldades podesse acarretar sobre o contribuinte e influir e de um modo mais satisfactorio sobre a economia da nação. (Apoiados.) Não apresentou tantas propostas com a idéa de fazer emprestimos sobre phosphoros, sobre beterraba, nem operações sobre os tabacos, ou sobre qualquer outro rendimento do estado; fel-o com o pensamento de escolher aquella que mais facilidade apresentasse e maior vantagem trouxesse para o thesouro. (Apoiados.) Pela força das circunstancias foi a dos tabacos. Isto significa que o governo não descura á idéa e o estudo do problema de trazer oiro das nossas colonias.

Este ponto, que s. exa. discutiu muito particularmente, foi, devo dizel-o, o que me obrigou a tomar a palavra.

Nós achámos a situação definida, encontrámos um privilegio creado por uma lei, privilegio contra o qual, se algum governo quizer insurgir-se, por uma providencia isolada, encontra immediatamente um protesto ante, o qual tem de curvar-se. (Apoiados.)

Vou citar um facto que se deu commigo, quasi directamente, e a respeito do qual tenho presente um documento que poderia communicar á camara. Constituiu-se uma commissão a que eu presidi de principio, e mais tarde o sr. Ferreira do Amaral, commissão encarregada de estudar as pautas das alfandegas do ultramar. Reconheceu-se que se devia começar pela da Guiné, e que seria convenientissimo modificar o regimem aduaneiro d'aquella provincia, estabelecendo, em logar de fortes direitos de importação estrangeira, - que se prestavam ao contrabando, e em presença de uma organisação economica e fiscal differente, nos territorios limitrophes da França, - direitos de exportação que iam de accordo com o regimem das colonias francezas.

N'este sentido se elaborou a pauta para a Guiné, mas quando isto constou, veiu immediatamente a companhia dos tabacos e declarou: "que por effeito da base 22.ª do seu contrato isso não poderia fazer-se para a Guiné e para todo o ultramar".

O decreto de 1887, elaborado em tempo para beneficiar os productos da regie, não foi promulgado e feito na idéa de beneficiar acompanhia dos tabacos; foi na idéa de beneficiar, se não estou enganado, unica e exclusivamente a producção da regie, para dar vasão ás fabricas do estado, pois que não tinha que dar a fazer ao enorme pessoal, e era obrigada a mantel o, compensando-o com meio salario.

Veiu a companhia e protestou em face do artigo 22.° O governo reconheceu a validade do protesto e o sr. Ferreira do Amaral decidiu, suscitando no ultramar a observancia do decreto de 1887, de accordo com a companhia, o declarando a companhia, que só por accordo com ella é que poderia modificar-se a legislação do tabaco na Guiné. Esse accordo fez-se e tambem aqui está.

Por elle se declarou-que a companhia cedia do direito respectivo á importação de tabaco na Guiné, com o beneficio de 30 por cento, compromettendo-se o governo para com a companhia a que o beneficio que na nova pauta se fizesse, de um modo geral, á industria portugueza, se fizesse tambem a ella, e que em logar da protecção dos 30 por cento se lhe concedesse o maximo, que se concedia

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ás outros industrias; o que prova que não estamos diante de um direito a conceder, mas estamos em face do jure constituto. Não podemos alterar a situação em face de um privilegio da companhia, que ella mantem e o estado tem reconhecido a rasão por que o procura manter. É preciso accordar com a companhia e que ella a isso se mostre disposta. Pela fórma que discutimos este contrato com os representantes da companhia, foi difficil trazel-a á situação, que se apresenta aqui.

Não creio que seja possivel de modo algum obrigar a companhia a ceder do privilegio que se lhe mantem a este respeito. E os resultados praticos que tem auferido do ultramar, estão mostrando que infelizmente o tal oiro só existe na phantasia e na imaginação do illustre deputado e de outros que sustentam a sua doutrina! Ora vejamos qual é o rendimento dos tabacos no ultramar.

A provincia ultramarina aonde esse rendimento tem alguma importancia é exclusivamente a India portugueza.

(Leu.)

Esta é a colonia de onde tirâmos maior rendimento do tabaco.

Cubo Verde. Tem direitos pesados sobre o tabaco, hoje não importa nenhum, tem importado 3:000$000 réis por anno. Não supponho que seja uma base que nos permitia uma largueza financeira capaz de trazer para cá uma importancia em oiro muito consideravel.

S. Thomé. Tem-se importado tabaco nacional em media nos ultimos dez annos 1:300$000 réis, e estrangeiro réis 8:300$000.

São estes os numeros officiaes. Pedi para todas as alfandegas do ultramar o rendimento estatistico d'este imposto.

Resta Angola e Moçambique.

Angola é um mercado de onde poderemos esperar algum resultado. Só a companhia, vencida esta batalha, poder cultivar este exclusivo, tem mais facilidade em obter ali collocação para os seus productos, estudando o paladar e os habitos da população que fuma, estudo que não está ainda cabalmente feito.

O rendimento de Angola foi no anno passado de réis 875$000, tabaco nacional e 3:861$5000 réis estrangeiro.

Antigamente, quando existia ali outro regimen, antes do de 1887, o direito sobre o tabaco estrangeiro era muito leve, e não havia o contrabando, a que se presta por um lado o paladar pouco aperfeiçoado ao producto da companhia portugueza, e por outro a affeição pelo tabaco estrangeiro e a elevação dos direitos.

No quinquennio de 1886 a 1890 a media do rendimento do tabaco em Angola e Moçambique foi esta:

(Leu.)

Ora eu pergunto, se em face de um rendimento que não chega a elevar-se a 30:000$000 réis, póde alguem imaginar que se tira d'ali oiro? Sob esta base, que, pouco a pouco, se ha de ir ampliando com os mercados que se forem estabelecendo, podemos, porventura, contar fazer face aos encargos das operações realisadas no continente?

Relativamente a Moçambique ouvi hontem a um amigo, que muito prezo, lembrar a hypothese de que talvez nós podessemos tirar uma vantagem consideravel a respeito do oiro, que tambem nas nossas colonias existe. Os generos que ellas exportam, em grande parte são generos de que Lisboa se torna o entreposto commercial, o que tem ajudado a fornecer algum oiro, o que já tem contribuido para alliviar a crise cambial. Não me consta, porém, que a libra circule em Loanda; pelo contrario, estamos mandando para lá a nossa prata, que é fraquissima, e não podemos, nem devemos mandar por emquanto outra cousa porque essa moeda vae substituir as cedulas da junta de fazenda e em grande parte as notas do banco ultramarino Isto tem uma significação, e a significação é esta: emquanto a cedula era um titulo fiduciario do estado em Moçambique, a situação é um pouco melhor, mas é diversa em certos pontos. No geral de Moçambique a circulação tem melhorado um pouco, porque temos introduzido ali a prata, o que foi para aquella provincia de um grande beneficio, porque até ali o commercio era feito com rupias e Marias Therezas, que, como se sabe, não tinham caracteristico algum legal da moeda e eram até feitas em fabricas particulares.

N'estas condições, a distribuição da prata com o cunho portuguez foi de uma grande vantagem. Oiro, porém, só apparece na Beira, onde ha muito capital inglez e onde portanto circulam muitas libras, porque fazem d'ali centro de penetração para a Africa. Ahi foi possivel á companhia de Moçambique decretar a circulação do oiro.

Uma tentativa similhante a esta fez Mousinho em Lourenço Marques, mas tem luctado com grandes dificuldades, e a libra tem chegado a ter ali o valor de 6$000 réis. Nos mercados das colonias não se encontra, portanto, na melhor hypothese, senão prata portugueza e, por excepção, oiro nos territorios da companhia de Moçambique, na Beira. Ha tambem, como disse, uma tentativa para ter oiro em Lourenço Marques, mas por emquanto é uma simples tentativa. Onde quer pois s. exa. ir buscar esses caudaes de oiro em que tanto nos fallou?

Esse remedio, essa panaceia, parece-me, portanto, que pelo lado pratico não póde ser attendida. Mas, pergunta a s. exa., "como quer o governo fazer face aos encargos de uma operação a que podemos ser levados"?

Em primeiro logar, devo dizer que o governo ha de empenhar-se por todas as fórmas, e até por lei, em assegurar essa operação; mas isso não significa que ella se torne attingivel no dia em que o governo ferisse o contrato, porque sendo as necessidades de oiro para um determinado periodo é claro que não pesam os encargos todos ao mesmo tempo sobre o paiz. Devemos garantir a operação, eu já o declarei, e fil-o auctorisado pelo sr. ministro da fazenda, a quem n'este ponto não tenho senão de me subordinar, - mas o que digo é que os encargos não vem pesar todos n'um dado momento sobre o paiz.

Se nós conseguirmos alliviar o mercado do panico que o domina, da pressão extraordinaria que exerce sobre elle a divida do governo, que para occorrer ao pagamento do coupon e liquidar a divida externa se lança sobre o mercado em demanda d'esse papel já tão rareado, essas circunstancias devem necesssariamente alliviar o cambio e melhorar a situação. E quando digo "allivio do cambio", não quero dizer normalidade; porque essa representaria os 3:600 contos de réis, que nos custam, a 6 por cento; e não podemos supportar tal encargo n'uma operação d'estas.

Mas, dir-se-ha: é o juro dos 60:000 contos de réis. Mas não precisâmos para já, e nada que se pareça com os 60:000 contos de réis; e para os encargos que vamos tomando, é possivel que a melhoria, do cambio, deva necessariamente compensar de um modo muito largo o encargo novo; o que redundaria em proveito do paiz.

Quando vejo citar na camara palavras minhas, antigas, ou de alguns collegas, que prezo e estimo tanto, como o meu velho mestre e amigo, o sr. Augusto José da Cunha, - e não me levo s. exa. a mal, o epitheto de velho, - estremeço quasi sempre, de receio; e ainda agora, quando s. exa., por um d'estes effeitos rhetoricos, veiu apoiar-se sob a auctoridade do meu illustre collega das obras punem precaução e prudencia!

Em primeiro logar, justificava bem, nas suas palavras, o mal que o affligia n'aquelle momento, por ter de ser elle um instrumento que parecia que impunha ao paiz as condições duras d'aquella operação, mas por outro lado dizia que deviamos ter juizo uns e outros, - e n'este ponto, não posso deixar de o repetir, carecemos de ter juizo uns e

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SESSÃO NOCTURNA N.º 40 DE 25 DE AGOSTO DE 1897 797

outros, e de governar com prudencia, se não quizermos dar locar ás censuras que hoje ainda vi expressas por um escriptor, economista notavel Leroi-Beaulieu. - Precisâmos ser um povo bem governado e que inspire confiança aos outros. (Apoiados.)

Se nós governarmos com tino e prudencia será isso um inicio de regeneração; agora, se continuarmos, apenas cheias as arcas do thesouro, a pensar na melhor maneira de os esvasiarmos; se continuarmos a fazer uma administração larga, attendendo muito a todos os pedidos e a todas as necessidades, que se manifestam logo por trinta mil maneiras, - quer nos localidades, quer nos partidos, quer nos individuos, - não ha nada que chegue. Então cruzemos os braços, curvemos a cabeça e não pensemos mais em salvação do paiz.

Mas quando se faz um esforço d'esta natureza é sempre na supposição de que a lição do passado não será perdida e que de futuro teremos mais prudencia, seremos mais cautelosos na maneira de proceder, cuidando zelosos na administração dos dinheiros publicos, para que não exijâmos mais sacrificios ao paiz, e para não termos de confessar perante os credores estrangeiros a nossa impotencia para resolver as dificuldades que nos assoberbam e tornam angustiosa a nossa situação.

Ora, são estas circumstancias que me levam a pedir ao outro lado da camara, que tem collaborado comnosco, - apesar da discussão um pouco violenta, por vezes, e das censuras um pouco acres que nos têem sido dirigidas, - que continue a contribuir para melhorar a lei, em harmonia com a declaração do sr. ministro da fazenda, de que acceitava quaesquer emendas, quaesquer alvitres, que se convencesse serem em beneficio do estado, porque não imaginava ter o dom da infalibilidade".

E s. exa. podem cantar victoria porque muito se tem conseguido.

Houve duvidas sobre o artigo 2.°, - foram attendidas e nova redacção se deu ao artigo. Levantou-se a questão previa e nós procurámos arredar uma questão que poderia ferir os escrupulos dos illustres deputados e respeitámos esses escrupulos. Levantou-se ainda a questão "de que para tirarmos d'este projecto uma operação financeira, é necessario ligar á concessão feita á companhia essa operação por fórma que ella não nos escape".

É este o pensamento do governo, acceitâmos, portanto, a indicação de s. exa. e votâmol-a, porque acceitando a collaboração da opposição, nós temos em vista o interesse do paiz e não o orgulho das nossas idéas, que é descabido.

(O orador foi muito comprimentado.)

(S. exa. não reviu estas notas.)

O sr. Luiz José Dias (para vim requerimento): - Sr. presidente, peço a v. exa. consulto a camara sobre se ella quer que se prorogue a sessão até só votar a materia em discussão.

Foi rejeitado por falta de vencimento.

O sr. Cabral Moncada: - Confronta o procedimento da maioria, procurando exercer uma violencia sobre a opposição, com as palavras nobres e de inteira justiça que o sr. ministro da marinha acabava de proferir com respeito á mesma opposição.

Começa em seguida a referir-se a um incidente occorrido em uma das anteriores sessões, em que ao orador foi retirada a palavra, pedindo ao sr. presidente que se tiver de o chamar á ordem o faça por fórma que ...

(O discurso terá publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente: - Ámanhã ha sessão diurna e nocturna, e pedia aos sra. deputados que se dignassem comparecer ás duas horas da tarde para se acabarem os trabalhos ás seis, a fim de serem menos mortificados com os trabalhos da sessão nocturna.

A ordem do dia, na primeira parte, é a discussão do projecto de lei n.º 56 (banco de Portugal), e na segunda parte as emendas do projecto de lei n.° 27 (empreitadas).

A sessão nocturna será exclusivamente destinada á continuação da discussão do projecto dos tabacos.

Está encerrada a sessão.

Eram doze horas da noite.

O redactor = Barbosa Colen.

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