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N.º 46

SESSÃO DE 2 DE ABRIL DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azeredo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta, dá-se conta do expediente, lendo-se dois officios e tendo segundas leituras dois projectos de lei: um sobre uma auctorização á Santa Casa da Misericordia da Horta e outro sobre uma auctorização á Camara Municipal de Penamacor. São ambos admittidos. - O Sr. José de Lacerda realiza o seu aviso previo aos Srs. Ministros das Obras Publicas, da Fazenda e do Reino, sendo, pelo seu discurso, cumprimentado pelo Sr. Presidente do Conselho (Hintze Ribeiro). - Enviam para a mesa: um projecto de lei o Sr. Alfredo Brandão; uma requisição da commissão de guerra o Sr. Magalhães Ramalho; o Sr. João Tavares um parecer da mesma commissão; o Sr. Machado um requerimento ; uma proposta o Sr. Christovam Ayres; o Sr. Luiz José Dias um projecto de lei.

Na ordem do dia, continuação da discussão do pertence ao projecto de lei n.° 12 (emendas offerecidas durante a discussão do Orçamento Geral do Estado), propõe o Sr. Rodrigues Nogueira a verba de 1:200$000 réis para pagamento de carruagens dos Ministros. Impugna esta proposta o Sr. Presidente do Conselho (Hintze Ribeiro). O Sr. Francisco Machado defende-a e faz diversas considerações sobre limite de idade e outros assumptos do exercito. Responde ao Sr. Machado o Sr. João de Oliveira. - Refere-se o Sr. Antonio Centeno á moderna escravatura branca e á emenda do Sr. Presidente da Camara. Responde-lhe, em nome do Governo, o Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques). - Envia para a mesa propostas, de emendas o Sr. Abel Andrade - O Sr. Luiz José Dias refere-se á acceitação e rejeição de emendas. - Faz declaração de voto pessoal o Sr. Beirão. Responde o Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos).

Abertura da sessão - Ás 11 horas e l quarto.

Presentes - 55 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possolio de Sousa, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio José Boavida, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Domingos Eusebio da Fonseca, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Frederico dos Santos Martins, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Ignacio José Franco, João Alfredo de Faria, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, Joaquim Antonio de Santa Anna, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Coelho da Motta Prego José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Simões, José de Mattos Sobral Cid, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Joaquim Fratel, Matheus Teixeira de Azevedo, Rodolpho Augusto de Sequeira e Rodrigo Affonso Pequito.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Antonio Affonso Maria Vellado Alves, Pereira da Fonseca, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Caetano de Abreu Freiro Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Eduardo Vilaça, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Augusto Cesar da Rocha Louza, Carlos de Almeida Pessanha, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Guilherme Augusto Santa Rita, Hypacio Frederico de Brion, João Augusto Pereira, Joaquim Faustino de Pôças Leitão, José Dias Ferreira, José Maria de Oliveira Mattos, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Maria de Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Fisher Berquó Pôças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara e Paulo de Barres Pinto Osorio.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Botelho, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Roque da Silveira, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Malheiro Dias, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Eduardo Burnay, Filippe Leite de Barros e Moura, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Patricio, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Marcellino Arroyo, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Tavares, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Pereira Jardim, José Adolpho de Mello e Sousa, José Caetano Rebello, José da Cunha Lima, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral; José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nu

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nes, Luciano Antonio Pereira da Silva, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marqueis de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Visconde de Mangualde, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde da Torre.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do Ministerio da Marinha, enviando 120 exemplares das contas da gerencia de 1898-1899 e exercicio de 1897-1898.

Para a secretaria, a fim de serem distribuidos.

2.° Da Camara dos Dignos Pares do Reino, enviando a mensagem que acompanha a seguinte

Proposição de lei

Artigo 1.° É concedida a pensão annual de 180$000 réis, paga, mensalmente, e livre de todo e qualquer encargo, a Augusta da Conceição Silva, filha do fallecido escriptor Inocencio Francisco da Silva.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 31 de março de 1902. - Luiz Frederico de Rivar Gomes da Costa = Visconde de Athouguia = Fernando Larcher.

Enviada á commissão de fazenda.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Pela carta de lei de 16 de maio de 1884 foi concedido á Santa Casa da Misericordia da Horta a posse definitiva do edificio do extincto convento de S. Francisco e suas dependencias, onde, desde 1835, mantinha um hospital e asylo de mendicidade, para nelle continuarem estes pios estabelecimentos.

Senhores. - Se as circumstancias de então, eloquentemente descriptas no relatorio que precedeu o projecto de lei, determinaram que, com inteira justiça, se permittisse a alludida concessão, os motivos que revestem o projecto de lei que vou ter a honra de submetter ao vosso douto parecer, são tanto mais poderosos, attendendo ao aggravamento de factores economicos que sobrecarregaram a existencia d'aquelle pio estabelecimento.

Com effeito, na noite de 4 de maio de 1889, um horroroso incendio surprehendeu toda a cidade da Horta, reduzindo a cinzas aquelle vetusto edificio, sendo, a muito custo, salvos das chamas, os doentes que ali tinham ido receber allivios aos seus padecimentos, assim como os pobres velhos que se achavam recolhidos no Asylo de Mendicidade.

Não é facil descrever as difficuldades com que a zelosa mesa administrativa lutou para alcançar um edificio que pudesse comportar o numero de doentes e de asylados, mas, auxiliada pela mão da caridade conseguiu-o, ao mesmo tempo que procurava estudar o local, onde, a bem da hygiene, devesse ser construido um novo hospital.

Reconhecendo a sciencia que o recinto do hospital incendiado e seus annexos era de exiguas dimensões para o estabelecimento de hospital e asylo, opinou que o edificio hospitalar fosse construido noutro local que mais desafogadamente satisfizesse ás condições exigidas, reservando-se aquelle recinto para a construcção do asylo e albergue.

Em virtude, porem, da referida carta de lei, o edificio e suas dependencias voltou para a posse da Fazenda Nacional, uma vez que se lhes dê applicação diversa da indicada na dita lei.

Mas, para que a Santa Casa continue no gozo da concessão conferida, vou submetter á vossa illustrada apreciação, um projecto de lei com que, concretisando-se o pensamento da mesa d'aquella Santa Casa, o Governo poderá contribuir para a construcção de tão piedosos estabelecimentos.

Resumindo estas considerações, vê-se que a Santa Casa da Misericordia da Horta, para levar a cabo a construcção do hospital, asylo de misericordia e albergue, precisa continuar no gozo da concessão que lhe foi feita pela carta de lei de 16 de maio de 1884, podendo no terreno do hospital incendiado e seus annexos ser construido o asylo de mendicidade e albergue.

Se, porem, posteriormente for reconhecido que o asylo e albergue poderão com mais vantagem ser construidos noutro local, ainda reverterá em favor da mesma Santa Casa o producto da venda do referido terreno, nos termos do seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o Governo auctorizado a permittir que a Santa Casa da Misericordia da Horta possa construir um edificio para asylo de mendicidade e albergue no local onde houve o hospital e seus annexos, que foi reduzido a cinzas pelo incendio de 4 de maio de 1889 e que lhe fôra concedido por virtude da carta de lei de 16 de maio de 1884.

Art. 2.° Se, todavia, se encontrar local que mais vantajosamente possa ser aproveitado parta a construção de que trata o artigo 1.° d'este projecto, poderá a mesma Santa Casa vender o terreno, granel e materiaes, para o seu producto ser applicado na construcção dos novos institutos.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, l de abril de 1902. = O Deputado pelo circulo da Horta, João Joaquim André de Freitas.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

Projecto de lei

Senhores.- A Camara Municipal de Penamacor, representou ao Parlamento, pedindo que, por lei, fosse auctorizada a elevar até mais 15 por cento a percentagem que actualmente lança sobre as contribuições geraes do Estado.

Na sua representação justifica largamente a Camara a necessidade da referida providencia, que é urgente, não só para dotar sufficientemente verbas de despesa ordinaria, como ainda para acudir á necessidade de melhoramentos sanitarios indispensaveis.

Como o alvitre da Camara mereceu a approvação, por unanimidade dos 40 maiores contribuintes do concelho, parece nos que este facto por si só basta a justificar a necessidade e utilidade da providencia pedida e que por isso podeis approvar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorizada a Camara Municipal do Penamacor, nos termos do artigo 69.°, § 5.°, do Codigo Administrativo, a elevar, até mais 15 por cento, a actual percentagem, lançada sobre as contribuições geraes do Estado.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, l de abril de 1902.= O Deputado, Conde de Penha Garcia.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

O Sr. José de Lacerda: - Sr. Presidente: mandei para a mesa, vae para dois meses, um aviso previo aos nobres Ministros do Reino, das Obras Publicas e da Fazenda, não com o fim de fazer propriamente o que, nos usos do Parlamento se denomina um discurso, e que, nas

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tradições d'esta casa, se chamaria uma estreia, mas simplesmente para tratar, com singeleza e laconismo, modesta e rapidamente, como o assumpto requer, de interesses consideraveis e urgentes de algumas terras açoreanas por onde tive a honra de ser eleito Deputado. Em occasião, para mim, mais asada do que esta, Sr. Presidente; quando a Camara tenha de estudar e discutir assumptos em que a minha restricta competencia, toda profissional, possa naturalmente - e, porventura, com alguma utilidade - interferir, farei, se me for possivel (pois que nem sempre, nesta casa, é isso cousa facil ou possivel), a minha estreia classica, para não desacatar as pragmaticas. Hoje, pretendo outra cousa.

Sr. Presidente: a cidade de Angra do Heroismo, capital do districto do mesmo nome, maritima como este nome indica, situada no litoral do sul da conhecida Ilha Terceira, dos Açores, é servida por um pequeno porto natural e mau, sem melhoramentos, sem segurança para as embarcações, sem commodidades para os commerciantes.

Este facto implica, é bem de ver, Sr. Presidente, um antigo, e grave, e crescente obice ao natural desenvolvimento do commercio e da industria d'aquella trabalhadora e productiva terra.

Emquanto as capitães dos dois outros districtos açoreanos eram - e ha muito tempo que o foram - attendidas, melhoradas, enriquecidas, com a construcção de portos artificiaes em que os nossos Governos teem gasto (e muito bem), avultadissimas sommas, a historica cidade de Angra, a antiga capital dos Açores, a heroica acolhedora do Prior do Grato e de D. Pedro IV, a chamada, emfim, sempre leal cidade de Angra do Heroismo, continuava, e continua, por uma verdadeira falta de equidade, Sr. Presidente, tão verdadeira quanto inverosimil, a fazer penosamente, pelo seu pequeno e mau porto natural, sempre incommodo e muitas vezes perigoso, o seu importante e progressivo, mas cada vez mais difficil e mais caro, commercio maritimo...

E cada vez mais difficil e mais caro, Sr. Presidente, porque toda a navegação, quer nacional, quer estrangeiro, e principalmente esta, que, antigamente, antes da existencia dos portos artificiaes de S. Miguel e Faial, se dividia, se repartia, como era natural, pelas capitães dos tres districtos açoreanos e pelas outras ilhas dos Açores, hoje, attrahida pela segurança, pelas, commodidades, pelas officinas de reparações nauticas e pelos depositos de carvão e apparelhos que aquelles portos lhe offerecem, abandona, cada vez mais, como é logico, a Terceira, tornando, assim, o commercio maritimo d'esta ilha cada , vez mais difficil e mais caro.

Ora a Terceira, Sr. Presidente, por não possuir porto de abrigo, não tem, e não pode ter, d'aquelles depositos nem d'aquellas officinas que são, a um tempo, como é sabido, estimulo e resultado, razão de ser e producto, de uma intensa navegação. E, todavia, esta ilha, Sr. Presidente, cujo movimento maritimo tende a reduzir-se a raros, esporadicos navios a custo fretados para ali; a uma pequena cabotagem de estio entre Angra e as Ilhas de S. Jorge, Graciosa e Pico; e ás visitas quinzenaes (obrigatorias, dos vapores da Empresa Insulana de Navegação (navios que, a bem dizer, são os unicos vehiculos certos dos generos que constituem o commercio externo da Terceira), é uma terra de commercio e industria notaveis, uma terra de larga importação de tecidos, madeiras e muitas outras mercadorias nacionaes e estrangeiras, e de importante exportação de cereaes, alcool, lacticinios e gado . Mas a verdade, a crua verdade, é esta: emquanto S. Miguel, com o seu porto de abrigo e o intenso trabalho da sua população - é um dever e um prazer proclamá-lo -, está sendo uma das mais productivas e ricas terras portuguesas; emquanto o Faial, menos trabalhador e menos prospero, se prepara, ainda assim, com o seu porto e o seu commercio, para um futuro melhor; a Terceira, tão injustamente esquecida pelas instituições que ella, em tempo, tão brilhantemente defendeu com o seu heroismo e á custa do seu sangue, continua, no gozo incontestado mas meramente platonico das suas glorias passadas, a fazer penosamente, como já tive a honra de dizer, o seu commercio maritimo - por um pequeno porto natural e mau, sem melhoramentos , sem segurança para as embarcações, sem : commodidades para os commerciantes...

Dir-se-hia, Sr. Presidente, que o nosso país e os seus Governos se teem habituado a considerar esta boa e agasalhadora terra suficientemente enriquecida e melhorada pelas glorias grandes que ella outr'ora conquistou - em sacrificar-se por elles...

Em vista do exposto, Sr. Presidente, caberia bem aos habitantes da Terceira e aos seus representantes em Côrtes (ao numero dos quaes me honro de pertencer) impetrar do Governo, com insistencia e firmeza, em nome da justiça a mais clara e da equidade a mais perfeita, a construcção immediata de um porto artificial em Angra do Heroismo, a exemplo do que se tem feito (e, repito, muito bem, com excellentes resultados) em Ponta Delgada e Horta.

Mas os habitantes da Terceira e os seus representantes em Côrtes sabem bem, como todo o país sabe, que as actuaes circumstancias do Thesouro nada teem de florescentes, e, por isso, razoaveis e cordatos, se limitam a pedir-mas isto, Sr. Presidente, com a sua maior energia e a sua melhor dedicação, uma cousa infinitamente menos custosa e importante de que um porto de abrigo: pedem, apenas, por agora, a simples e facil ampliação de um caes, do caes do Porto de Pipas, da bahia de Angra, a qual, Sr. Presidente, sobre não offerecer aos navios boas condições de ancoragem e abrigo, nem ao menos tem um caes commercial por onde o seu crescente trafego mercantil possa ser realizado em boas condições de segurança e rapidez.

Alem d'esta consideravel e urgente melhoria de ordem material e economica, os habitantes da Terceira - que não esquecem nem descuram, Sr. Presidente, as suas necessidades reaes nem os seus direitos justos de ordem intellectual e ethica precisam e pedem: que o seu antigo instituto official de instrucção secundaria seja elevado á categoria de Lyceu Central; que o moderno Gymnasio Escolar adjunto ao referido Lyceu Nacional fique fazendo, desde então, parte integrante do mesmo e que, finalmente, o moderno Curso Nocturno de Português annexo á Escola de Desenho Industrial mantida pela Junta Geral- destinado ás classes operarias e muito frequentado por estas - seja, outrosim, ampliado com noções elementares de corographia e historia patrias, arithmetica e aciencias naturaes, para cujo ensino tem demonstradas idoneidade e competencia o actual professor do dito curso.

Os corpos administrativos do districto de Angra, conscios da importancia e do alcance d'estas modestas reformas do ensino publico, obrigam-se, de bom grado, ao pagamento o que é muito para accentuar aqui- de todas as despesas que ellas determinarem.

Superfluo seria, Sr. Presidente, encarecer, nesta casa, estes ou quaesquer outros melhoramentos da instrucção do povo português, pois que o carecimento e e a utilidade d'elles constituem um principio fundamental de boa governação, que anda no espirito e no desejo de todos os nossos homens publicos e Governos.

Melhorar e ampliar a cultura, intellectual de todos, e, sobretudo, a instrução descuradissima e pessima das nossas classes operarias- as menos (e profundamente menos) instruidas de toda a Europa culta e de toda a America saxonia - é uma das mais urgentes das nossas necessidades publicas, porque envolve os mais graves e serios pro-

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blemas da nossa vida economica e moral, um imperioso e evidente dever governativo que não carece, portanto, de demonstração nem de insistencia.

Demais, Sr. Presidente, terei de apresentar a Camara uniu representação da Junta Geral de Angra em que a carencia e as vantagens das reformas referidas são devidamente fundamentadas.

E, acima de tudo, confio, Sr. Presidente, em que o Governo, que tão zeloso tem sido em reformar, no continente do reino, este ramo tão atrasado dos nossos serviços publicos, não quererá, por equidade, nem poderá, por coherencia, esquecer e pôr de parte, neste momentoso assumpto, as ilhas adjacentes. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

Apesar da modestia, verdadeiramente franciscana, dos beneficios que acabo de pedir para o districto que em Côrtes represento, receio bem que o mais importante d'elles - a repisada e pequena obra hiydraulica, cuja feitura, claramente inadiavel, tenho vindo advogando e cujo custo, naturalmente diminuto, será ainda muito reduzido pelas boas qualidades hydrugraphicas do local indicado para ella soffra impugnação, aqui, por exigir, ainda assim, ao Governo central da metrópole, um tal ou qual augmento de despesa...

Tenho ouvido dizer e repetir, nesta casa, Sr. Presidente, que o Governo, sob pena de excommunhão maior, não deve, não pode augmentar de um reís os seus dispendio" ...

"Diminuir despesas e augmentar economias", é a habitual e vaga formula proposta para a regeneração economica o financeira do país...

Será, talvez, boa esta formula, Sr. Presidente, mas... ou estou muito enganado (o que, de resto, é facil porque não faço profissão de economista), ou ella é extremamente timida e estreita, muito archaica sobretudo, para synthetizar e abranger os processos de progresso economico financeiro de um país culto e moderno. (Apoiados).

Quer-me, ao contrario, parecer, Sr. Presidente, que, num país moderno bem administrado como num organismo novo bem alimentado, são as despesas justas que produzem as receitas uteis, dependendo, portanto, de uma maneira inilludivel e forcada, estas d'aquellas. Bom equilibrio entre gasto e producção é o que constituo, segundo creio, numa sociedade como num organismo, boa economia, isto é (usando o abusando um pouco da terminologia medica): o bom tonus, o bom rythmo, a boa pulsação, a circulação sã, as trocas physiologicas, a funcção hygida, emfim, das riquezas e da vida. (Vozes:-Muito bem. - Muitos apoiados).

Tenho ouvido fazer, e repetir, nesta sala, accusações graves ao Governo actual porque alterou usos o modificou leis, reformou usos e transformou serviços, criou receitas. Não pretendo, nem por sombras, Sr. Presidente - e apresso-mo a declará-lo - deffender estes ou outros actos do Governo. Não tenho competencia, nem auctoridade, nem cathegoria para tal empresa, nem o Governo tem carecido, nem carece, para ella, do meu insignificante auxilio. Mas, Sr. Presidente, sem paixão, sem política, sem partidarismo, com inteiras liberdade e sinceridade de critica, eu quisera, para minha aprendizagem e, sobretudo, para esclarecimento do paíz, ouvir formular, noutro pé e de outra forma, aquellas accusações, por bons e bellos talentos que admiro o respeito. Accusar um Governo simplesmente, unicamente, porque alterou, modificou, reformou e transformou - não! Alterar, modificar, reformar o transformar é a função suprema e obrigada de todos os Governos que pretendem acompanhar os povos progressivos na sua evolução continua, na sua acquisição constante de novas aspirações, novas necessidades e novos ideaes. (Apoiados).

Accusar um Governo se alterou, modificou, reformou, transformou mal - sim Pois que, nesta hypothese, elle, falhado gravemente á, flua funcção primacial

Ora, Sr. Presidente, no que toca, por exemplo, a mudanças em usos e em leis, a verdade, a boa e historica verdade, é que, desde as mais confusas civilizações antigas ato ás mais conhecidas civilizações modernas, desde os nebulosos Pharaós do Egypto até ao claro Imperador Guilherme da Allemanha - o qual (seja dito com respeito e de passagem) é, sob alguns pontos de vista, Sr. Presidente, um verdadeiro Pharaó moderno-o que de mais natural, de mais humano e de mais util tem acontecido ás usanças e ás leis é terem sido sempre, lenta mas continuamente, mais ou menos alteradas, modificadas, reformadas e mesmo de todo transformadas, em virtude do uma lei sociologica que, das leis, Sr. Presidente, é das poucas que parecem, felizmente, inalteraveis. E mal de nós se assim não fôra, Sr. Presidente! Muito mesquinha e precaria seria, nesta tristissima hypothese, a vida das grandes maiorias... das grandes maiorias sociaes, Sr. Presidente, que das outras, das parlamentares - por exemplo, nem esboços informes haveria!...

Ainda pelo que respeita ás tão faladas e importantes reformas despesas nos serviços de saude e instrucção, o Governo, segundo o criterio que expus e que reputo acceitavel, deve ser accusado se reformou mal - mas não por ter reformado. Uma cousa, é empunhar uma arma, e outra cousa é o uso, bom ou mau, que se faz d'ella. (Apoiados).

Ha apenas tres maneiras, Sr. Presidente, de uma nação moderna ser grande e respeitada: ou pela qualidade (como a Suissa) ou pela quantidade (como a Russia) ou simultaneamente pela qualidade e pela quantidade (como a Inglaterra, a Allemanha, a França e outras) dos seus subditos.

Ora Portugal, Sr. Presidente, nação geographicamente pequena na Europa, somente poderá engrandecer-se pela qualidade (isto é: pela saude e pela illustração) ou pela quantidade (isto é: por uma vasta expansão colonial) ou pela qualidade e pela quantidade do povo português - o que importa, ao mesmo tempo, um progresso da saude, de saber, da natalidade, da educação, das aptidões, da boa civilização, emfim, das nossas populações. (Apoiados).

Melhorar, pois, as condições hygienicas e intellectuaes da vida portuguesa seria iniciar uma grande obra de regeneração nacional. Tentou iniciá-la, embora timidamente, embora incompletamente, falho de meios e de exemplos, o Governo actual? O futuro, a experiencia e a critica o dirão. É cedo, Sr. Presidente, tanto para louvar como para condemnar.

Portanto, não me parece razoavel nem justo accusar um Governo simplesmente porque, em vez de "diminuir despesas e augmentar economias", ampliou trabalhos e criou receitas. Em boa economia, Sr. Presidente, embora o que vou dizer pareça um paradoxo: ha economias que representam perdas como ha despesas que significam ganhos. Deixar terras ferteis em pousio ou mal aradas para não comprar uma charrua: é d'aquellas; pagar a quem desenvolva a força e o saber de um povo: é d'estas. E d'estas será, também, Sr. Presidente, a despesa em melhorar o porto de Angra do Heroismo - dispendio pequeno que trará augmento grande ao commercio e á industria d'aquella terra açoriana.

Na grande e indispensavel obra de regeneração nacional a que acabei de referir-me, é mister, Sr. Presidente, que os governos portugueses contem, como devem, e mais do que até aqui teem feito, com o archipelago dos Açores.

Pelo seu optimo clima, que faz d'algumas das suas bellas lhas (da Ilha do Pico, por exemplo) verdadeiros sanatorios naturaes; pela exuberante e variada flora e pela intensa e tenaz fertilidade do seu solo que mede cerca de 3:000 kilometros quadrados e mantem, sobra uma abun-

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dante e productiva fauna industrial e agricola, perto de 300:000 pessoas; e sobretudo, pela sua magnifica situação geographica, a meio do Atlantico, entre a Europa, as Americas e a Africa, interposto as colossaes e crescentes relações marítimas d'estes vastíssimos centros do commercio e da industria do presente e do futuro - o archipelago açoreano mereçe, attenção demorada e estudo cuidadoso aos governos portugueses. (Apoiados).

A mais alta, mais difficil e mais útil das funcções de um estadista moderno é, sem duvida, Sr. Presidente, destrinçar, com firmeza e segurança, as feições e as necessidades sociaes do seu momento histórico, e prever, com acerto e lucidez, os problemas e os modos sociológicos que, na evolução de cada povo, só irão logicamente succedendo. Ora, de um modo geral e para a boa maioria dos homens de Estado modernos - como, ha pouco tempo, expôs brilhantemente, nesta casa, o meu illustre amigo e distincto parlamentar Sr. Anselmo Vieira -, os grandes problemas sociaes da actualidade, e de futuro mais próximo - pelo menos, são, e serão, sem a menor sombra de duvida, as grandes questões económicas.

Na tormentosa e ensinadora evolução dos povos civilizados, as questões políticas (que tantas guerras produziram e tanto sangue derramaram) passaram ao segundo plano por impraticas e as questões religiosas (que tantas paixões accenderam e tantas vidas consumiram) vão a cair, de todo, por inanes. Alguma cousa que num. ou noutro destes hereditários e tradicionaes assumptos ainda, por vezes, se agita, não é mais que passageiro phenomeno de atavismo doutrinal, mero facto de sobrevivencia sociologica, como que um coccix psychico, sem importancia de maior.

Percebeu-se afinal, e ainda bem, Sr. Presidente, que monarchias e republicas, por exemplo, se confundem nas suas maneiras serias de governar e de viver, e que, muitas vezes, estas não são mais progressivas nem mais humanas do que aquellas.

Sabe-se, já, perfeitamente, que não foi a republica que engrandeceu a America do Norte, mas, sim, as qualidades do povo e do meio americanos que, naquelle extraordinário pais, acreditaram a republica.

A vida intensa e crescentemente positiva das sociedades modernas deixaram, pela mesma forma, de quadrar as fundas preoccupações metaphysicas e as grandes, paixões religiosas.

Seja qual for o grau de exactidão da famosa lei de Malthus sobre os crescimentos das populações e das subsistências, o que é certo, Sr. Presidente, é que a vida social vae sendo cada vez mais estrenua e complexa, e que ao homem mais culto - mais capaz de bem sentir e bem pensar - antes e acima de tudo é necessário viver...

O numero dos habitantes de uma cidade ou de um país deixará, em breve, de exprimir-se, metaphysicamente, e segundo o velho modo euphemico, em almas, para ser computado, economicamente, e á maneira severa e realista do Japão, em estômagos.

Ora Portugal, Sr. Presidente, no fundo real e serio das cousas, não faz excepção a esta regra. Entre nós, como em todos os países actuaes, experientes, progressivos, ambiciosos, lutadores, não existem, nem podem existir, grandes ideaes políticos ou religiosos, rasgadamente sinceros, profundamente sentidos, e, como taes, productores de grandes actos e grandes sacrifícios. Mas temos como poucas nações, infelizmente, um dilettantismo ou melhor, um sport politico e religioso, artificial e epidermico mas irritativo e pruriginoso, entre ridículo e grave incapaz de produzir, é bem de ver, a regeneração economica e moral do pais, mas sufficiente para perturbar, por vezes, a necessária serenidade da nossa evolução nacional.

Pelo que respeita á previsão da grande forma de luta commercial e economica capaz de reingrandecer OCCIDENTAL PRAIA LUSITANA - teem-na nitida e perfeita, devem tê-la, os nossos homens de Estado. Assim tivessem, todos elles, a coragem e a firmeza, necessárias para que ella passasse de mera theoria palavrosa a solida realidade pratica. Portugal, Sr. Presidente, pela sua situação, pelo velho caracter do seu povo, pelas suas tradições e pelos eus domínios coloniaes tem de ser - sob pena de quedar-se sem funcção e, portanto, sem razão de ser - um país de intenso commercio marítimo e de extensa colonização civilizadora. É o seu grande programma de regeneração economica e a sua grande funcção internacional. E é tempo, Sr. Presidente, é tempo - se não é tarde - que o nosso bello país tome a serio e a peito o seu poderoso papel na vida, cada vez mais ligada e solidaria, das nações civilizadas. Mas, para isto, Sr. Presidente, é necessário, que terminem ou, pelo menos, se calem irritantes e anachronicas divergências políticas e religiosas em que homens de valor se esterilizam, em que os nossos partidos tão lamentavelmente se tolhem uns aos outros. É uma obra para todos e em que todos não serão demais. (Apoiados).

Que os dois ou mais partidos políticos d'este pais se aggrídam, se estimulem, se fiscalizem, mutuamenie, dentro de um programma severo de decoro e de justiça - era, sem duvida, um bem. Mas que sejam, Sr. Presidente, apenas inimigos e rivaes na alta e nobre emulação de bem servir e engrandecer cada vez, e cada um, melhor pátria! (Apoiados).

Na sua funcção marítima, Portugal, Sr. Presidente, não leve nem pode pôr de parte as ilhas dos Açores.

Collocadas entre a progressiva navegação mercante da Europa e a inevitável expansão dos turistas americanos, aquellas ilhas precisam ser preparadas em ordem a que possam, quanto antes, aproveitar, pôr em acção, valorisar,
sua excepcional posição geographica. Reclamam bons portos, boas docas, bons regulamentos marítimos, etc., e, acima de tudo isto, acima dos maiores interesses commerciaes e económicos, por um inadiável dever de humanidade
de brio nacional, as ilhas dos Açores, Sr. Presidente, devem ser pharolizadas! Urge que o trágico naufrágio nocturno deixe de ser o receio, o phantasma, o pesadelo, de quem navega nos mares dos Açores, e que ás plagas açoreanas, como, em geral, a todas as costas portuguesas, os ingleses - que apprenderam comnosco a navegar - deixem de dar, nas suas cartas marítimas, a designação afugentadora e affrontosa, mas, infelizmente, justa, de: costas tenebrosas! (Apoiados).

Mas ha mais e melhor, Sr. Presidente, que é fácil e necessario prever: quando a sciencia ao serviço da industria e, do commercio unir, pelo canal de Panamá ou pelo de Nicarágua, o Atlântico ao Pacifico; quando pelo corte interoccanico da America Central passarem, annualmente, segundo cálculos de Levasseur, de Amédie Marteau e de economistas norte-americanos, mais de 7.000:000 de toneladas de mercadorias, mais de 100.000:000$000 réis de géneros commerciaes; quando toda a navegação entre o occidente da Europa (desde Portugal até á Russia), as costas occidentaes das Americas (desde Alaska até ao Chili) e o oriente da Ásia, e da Austrália (desde o Estreito de Bering até á Nova Zelandia) atravessar os mares dos Açores; quando, todos os navios das actuaes e futuras linhas marítimas do norte de Portugal e da Hespanha, do norte occidental da França, dos portos da Bélgica, da Hollanda, da Allemanha, da Rússia, da Suécia, da Noruega, da Dinamarca e da Inglaterra para o occidente da America do Norte e da America do Sul, e para os portos do Japão, da China, da Insulandia e da Australia, e vice-versa, arribarem - attrahidos pelas já existentes estações telegraphicas internacionaes, e por interesses e commodidades de outras ordens que é mister desenvolver, - aos nossos portos insulanos; o nosso obscuro e esquecido
archiptelago dos Açores tera, então Sr. Presidente, impor

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tancia e encomenda excepcionaes ao mundo commercial e economico...

Não ha ainda muito tempo, Sr. Presidente, que Sua Magestade El Rei e Sua Augusta Esposa, dois dos actuaes Ministros da Coroa, e mais algumas individualidades importantes da sociedade portuguesa, visitaram os Açores, onde tiveram recepções calorosas e brilhantes, feitas da espontanea alegria dos humildes e da fidalga gentileza dos poderosos. Mas, Senhor Presidente, os Augustos visitantes e os seus Ministros - que só viram as terras principaes do archipelado quando ellas, adrede preparadas para a visita regia, exhibiam um estado anormal de luxo, alegria e festa - poderam colher, conseguiram fixar, impressões perfeitamente juntas, noções rigorosamente exactas, sobre o trabalho, a industria, e commercio, a intruducção, e caracter ... sobre as aptidões e as necessidades, em fim, de toda a ordem, do povo açoreano? A verdade Sr. Presidente, e esta é necessario dizê-la, aqui, bem alto - é que nem tudo, nos Açores, é luxo e festa; é que nem tudo, por lá, é alegria ...

Convem analysar um pouco o reverso da medalha ...

É o que muito summariamente vou fazer, pedindo para este assumpto importante a boa attencção da Camara e do Governo.

A emigração legal e clandestina, e dominantemente esta, de todas as ilhas dos Açores, e principalmente das Ilhas de S. Jorge, Graciosa, Pico, Faial e Flores, para a America do Norte, é verdadeiramente assustadora, Sr. Presidente, e ameaça proximo e grave despovoamento de algumas d'quellas ilhas.

Fugidos ao serviço militar - a que teem horror tradicional por deficiencia ou falta absoluta de instrucção - é a pequenez dos salarios, ou mancebos açoreanos das classes pobres, os mais sadios, fortes e prestantes, emigram delirantemente, nos contos, aos milhares, aos rebanhos, para a California e para outros Estados da União, onde as suas qualidades congenitos de honestidade e de trabalho os tornam - espantosamente rudes e incultos como quasi todos vão - apreciados para labutas braçaes. (Apoiados).

Muitos d'estes foragidos, fugindo ainda (na hypothese ao terem do regressar á patria) á acção das nossas leis militares, naturalizam-se; numa ausencia total e triste de civismo, mercê da ignorancia crassa em que o seu país os deixa, bisonhos e analphabetos cidadãos da livre e instruida America.

Mas a maior parto d'elles não regressa, Sr. Presidente; adapte se depressa e bem á nova patria, onde - porque o trabalho é bem pago e a vida bem mantida - melhor trabalha e melhor vive do que na patria antiga.

D'antes, regressavam limitou d'elles aos Açores, depois de 5 ou 6 annos de labuta brava, cada um com 3:000 ou - 4:000 dollars de economias avidas, dispostos a trabalhar e a cavar nas suas terras.

Actualmente, o emigrante açoriano não se repatria; vaqueiro, ovelheiro, mineiro, pequeno agricultor ou pequeno negociante em varias regiões da California; operario fabril, baleeiro, peccador ou carrejão de Fall-River, New-Bedford ou Boston; raramente aventureiro na Arizona ou no Mexico; o ilhéu que está na America não quer saber mais das ilhas. Americaniza-se o melhor que pode e, em vez de visitar os paes e de lhes mandar dinheiro como outr'ora fazia, arrasta-os, agora, para a America tambem.

Expatriam se familias inteiras de animo feito a não mais voltar a patria.

An mulheres, em virtude de uma lei physiologica imperiosas e respeitavel, deram em emigrar tambem, aos centos. É o exodo natural o logico de futuras mães; determinado pelo exodo exagerado e crescente dos seus noivos naturaes.

Assim, emquanto as colonias açoreanas, em algumas estados da União Norte-Americana, repullulam, a população, a vida, a mocidade, a infancia, em muitas terras dos Açores, esmorecem.

A agricultura, extremamente rotineira e atrasada nas pequenas ilhas, afrouxa. Detinham ou terminam as pequenas industrias locaes.

E ao passo que o trabalho, cada vez mais difficil e peor, diminue; em impostos, cada vez mais vexatorios e injustos, augmentam. Impostos cada vez mais vexatarios e injustos, sim, Sr. Presidente, sim, Sr. Ministro da Fazenda, porque grande parte da gente (e da mais pobre) dos Açores, que crescentemente vae contribuindo para viação, para instrucção publica e para muitas outras cousas que outras terras vão tendo, não tem estradas, nem escolas, nem recebe, a bem dizer, o menor beneficio do Governo...

Este esboço de quadro, que se refere especialmente, a muitas populações das Ilhas de S. Jorge, Graciosa, Pico, Flores e á pequena e interessante Ilha do Corvo, pudera parecer a V. Exa., Sr. Presidente, ao Governo e á Camara exagerado, mas é perfeitamente exacto.

E isto não é de agora, Sr. Presidente, vem de muito longe e aggrava-se.

Ora este estado do cousas, cheio de problemas graves porque interessam gravemente a vida intellectual e economica de alguns centos de milhares de cidadãos portugueses, exige, evidentemente, da parte dos poderes publicos, analyse o remedio efficazes e urgentes. (Apoiados).

Não é só pelo futuro que os Açores se impõem á consideração immediata dos governos portugueses. Terras que - mal cuidadas como são e foram sempre - contribuem para as despesas do Estado com cifra não inferior a 2.000:000$000 réis de impostos annuaes, merecem bem, é evidente, a attenção e o estudo dos nossos poderes publicos.

E não é só pelos seus dons naturaes - em regra muito pouco e muito mal explorados - que os Acures teem jus á mais aberta benevolencia do país; e, tambem, Sr. Presidente, pelas qualidades de trabalho o de valor intellectual dos seus nem sempre bem aproveitados habitantes. Terras que - mal cuidadas como são e foram sempre - teem dado á nação homens como: Anthero de Quental, Theophilo Braga, o Padre Senna Freitas, João Teixeira Soares e Ernesto do Canto, na litteratura, na philosophia e nos estudos historicos; Hintze Ribeiro e Antonio José de Avila, na politica (Apoiados); Francisco Chaves e Arruda Furtado, nas sciencias naturaes e physicas; Sousa Pinto, na pintura; Francisco de Lacerda, na musica; Antonio Maria Barbosa, Philomeno da Camara e Curry Cabral, na medicina e na cirurgia; e muitos outros homens de trabalho e do valor que todas as maneiras do saber; não devem, Sr. Presidente, não podem ser postas de parte - no esforço de regeneração que imperiosamente se impõe a toda a gente portuguesa! (Apoiados).

O povo açoreano, Sr. Presidente, que, pela sua ethnogenose complexa e pelo seu habitat especial, tem, em muitas faces da sua vida economica e moral, feições propriamente suas, não inteiramente portuguesas, carece, nessas feições, de providencias e leis especiaes.

O archipelago dos Açores, - que representa, talvez, com os da Madeira, de Cubo Verde e das Canarias, algumas das mais altas serranias da mysteriosa Atlantida cuja existencia e cuja submersão proto-historicas parecem até certo ponto confirmadas por antigas tradicções phenicias, cartilaginosas e gregas, e por modernos dados scientificos, (Apoiados) - descoberto, em 1432, pelo navegador português o henriquino Goncalo Velho Cabral, primeiro donatario de Ilha de Santa Maria (a primeira, das 9 de archipelago, que elle viu e povoou), - não foi colonizado comente pelos portugueses, ao invés do que em geral de suppõe, em ilhas o epocas diversas ali se foram fixar.

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A fertilidade, o clima, o socego e a belleza das terras açoreanas attrahiram e prenderam muitas colonias estrangeiras. As familias e os companheiros dos flamengos: Yoost van Hurter no Faial, Villem van der Hurter em S. Jorge, e Jacob van Brugge na Terceira; uma suspeitada colonia francesa em S. Miguel; numerosas familias hebrêas e outras de povos varios em todo o archipelago; foram, segundo noções historicas e tradições correntes, outros tantos nucleos antigos, hecterogeneos e caracteristicos do povo açoreano, ainda não de todo homogeneizado em feitio social e ethico, mormente se observado em ilhas diversas e distantes, mas tendo já, ainda assim, um caracter ethnographico geral propriamente seu, feito da combinação e das modificações reciprocas entre os caracteres plasticos e psychicos dos povos que ali se alliaram e fundiram.

O Sr. Presidente: - Faltam 5 minutos para se entrar na ordem do dia.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, pedindo, mais uma vez, ao Governo e á Camara a devida dedicação pelas ilhas dos Açores, por aquellas obscuras e um pouco esquecidas terras que, pela sua situação geographica e por outras qualidades naturaes, devem fatalmente interferir, e muito, num futuro mais ou menos proximo, nas relações commerciaes, e outras, entre os velhos e os novos continentes...

Aquellas ilhas, Sr. Presidente, exigem e merecem, dos governos portugueses, estudos, protecção, melhorias e vigilancia especiaes-mormente neste momento historico em que as grandes nações industriaes, a Inglaterra, á Allemanha e (mais que todas as outras) a America do Norte, se preparam, num crescendo collossal e invasor da sua industria e do seu imperialismo, para as grandes lutas commerciaes e economicas que serão, Sr. Presidente, os grandes acontecimentos d'este seculo...

Mas, Sr. Presidente, falhando ao que me impus e expus no principio d'este meu já muito longo arrazoado, afastei-me do meu assumpto restricto. A elle volto, portanto, passando abruptamente, para terminar depressa, da vasta expansão commercial da Inglaterra, da Allemanha e da America do Norte á modesta ampliação do caes do Porto de Pipas, do Lyceu Nacional e da Escola de Desenho Industrial de Angra do Heroismo.

Em 26 de agosto ultimo, a Associação Commercial d'esta cidade representou a Sua Majestade e ao Governo sobre a impreterivel urgencia do primeiro d'estes melhoramentos publicos.

Na sua representação, de que possuo copia, a referida corporação fez considerações importantes, algumas das quaes vou, muito resumidamente, expor a Camara:

"A obra de que se trata será de facil e pouco dispendiosa construcção e de enormes vantagens commerciaes. Mas o melhor e o maior dos seus grandes resultados será a salvação de vidas, pois que só ali poderão encontrar abrigo e refugio as tripulações dos navios surtos na bahia de Angra, quando os repentinos e frequentes temporaes do sul e do sueste as obrigarem a abandonar, como é de regra, as suas embarcações".

Por estas e outras considerações, mas, sobretudo, pela ultima - a salvação de vidas (e muitos naufragios e muitas mortes teem havido, na bahia de Angra, Sr. Presidente, á mingua de abrigo e refugio), - peço ao Governo (e especialmente ao nobre Ministro das Obras Publicas), no meu dever e no meu direito do Deputado pelo districto de Angra do Heroismo, que, attendendo á mais que demonstrada necessidade da obra reclamada, mande proceder aos estudos necessarios para que o projecto, o orçamento e a conveniente e possivel dotação da mesma possam ter a devida approvação dentro do actual anno economico.

Neste sentido, e sobre as pedidas reformas do ensino publico no districto de Angra do Heroismo, vou mandar para a mesa algumas propostas minhas e uma representação da Junta Geral do referido districto.

E tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Dois minutos apenas, e com o fim de mui cordialmente cumprimentar o illustre Deputado, que acaba de falar, pela prova brilhante que S. Exa. vem de dar do seu provado talento, da sinceridade das suas convicções e da maneira, tão nítida e justa, como expõe as suas idéas adquiridas.

Sr. Presidente: trouxe a opposição a esta Camara as suas mais finas e elegantes espadas, os seus mais notaveis oradores de combate, os seus mais profundos homens de sciencia; temo-los ouvido a todos com deferencia-se não posso dizer que a todos com agrado, porque, ás vezes, as suas accusações teem sido violentas mas, em todo o caso, a todos temos escutado com o respeito e a attenção que se devem a quem trabalha e lida em proveito do seu país, com sinceridade e convicção, embora com vehemencia na sua palavra.

Mas, Sr. Presidente, trouxe tambem a maioria a par de talentos provados como brilhantes, talentos de homens moços que o país ainda não conhecia, e que folga de apreciar e conhecer como esperanças novas em que põe confiados olhos (Apoiados). Todos os dias, aqui na Camara, ouvimos discursos, verdadeiras apologias do que pode e deve ser a causa do país, no seu mais nobre e mais levantado sentido; todos os dias, nesta casa, temos ouvido discursos em que a palavra fluente, em que a convicção arreigada e em que ao mesmo tempo o caracter nobre, o mais acrisolado e o mais puro, se põe ao serviço da nação!

Isto, Sr. Presidente, é para mim, que vejo nesta maioria os meus amigos politicos, a maior satisfação que eu posso ter na minha vida publica.

Porque, gasto já pelos combates da vida politica e de Governo, prevejo não poder ir muito longe na minha carreira (Muitas vozes: - Não apoiado) e tenho a consolação de que, assim, ficam ao serviço do meu país apostolos devotadas, estrenuos, cheios de convicções as mais sinceras e as mais enraizadas, e ao mesmo tempo capazes de, pela sua illustração, pela sua experiencia e pelo seu conhecimento dos homens e das cousas, amparar a causa do país em qualquer transe por que elle tiver de passar.

Esta é a minha convicção, e ao mesmo tempo a minha maior e mais intima alegria.

Pelo que respeita, Sr. Presidente, ás palavras do illustre Deputado o Sr. José de Lacerda, fluentes como raras vezes me foi dado ouvir, ricas de altos conceitos, dos mais nobres que se podem apresentar nesta assembléa, illuminados de uma critica tão alevantada e, ao mesmo tempo, trazendo a justeza precisa e sobria que emprestam as orientações rigorosas, essas palavras do illustre Deputado, terei eu, Sr. Presidente, o orgulhoso jubilo de commentar aqui, dizendo que mais uma vez me honro de pertencer aos Açores, aonde nasci.

É que tive hoje um momento de sincero prazer em ouvir o illustre Deputado; porque desde que os Açores teem propugnadores que, como S. Exa., tão alto erguem as suas nobilissimas aspirações, invocando as tradições do passado - de que a Ilha Terceira é um testemunho immorredouro - e, ao mesmo tempo, referindo-se ao presente e appellando para o futuro numa invocação tão cheia de conceitos bem formados e de observações tão justas, pode-se ter a certeza de que a sua causa não morre, desde que possua, de entre os seus mais sinceros e devotados apologistas, um talento tão brilhante, tão formoso e tão sincero como o do illustre Deputado. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu).

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O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia e convido ou Srs. Deputados que tiverem papeis a apresentar, a mandá-los para a mesa.

O Sr. Alfredo Cesar Brandão: - Mando para a mesa um. projecto de lei que tem por fim dividir em cinco assembleias eleitoraes, o concelho de Oliveira do Hospital, o qual faz parte do circulo eleitoral n.º 9.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Magalhães Ramalho : - Mando para a mesa a adjunta requisição da commissão de guerra, acerca de oito requerimentos de officiaes do exercito, para que sejam informados pelo Ministerio da Guerra.

Mandou-se expedir.

O Sr. João Tavares: - Mando para a mesa ura parecer da commissão de guerra sobre o projecto de lei n.° 24-A que tom por fim conceder uma pensão annual ao tenente coronel de artilharia Antonio José de Araujo.

Foi a imprimir com urgencia.

O Sr. Francisco Machado: - Mando para a mesa o seguinte.

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, mo seja enviada nota do numero das praças da guarda fiscal que foram julgadas incapazes de serviço desde o dia l de janeiro d'este anno até 31 de março do corrente anno, indicando os vencimentos que recebem. = F J. Machado.

Mondou-se expedir.

O Sr. Luiz José Dias: - Apresento um projecto de lei, tornando definitivas as concessões provisorias do edificio, cêrca, predios o igreja do supprimido convento do Desaggravo, do Villa Pouca da Beira, á Camara Municipal de Oliveira do Hospital, e junta de parochia da mesma freguesia.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Christovam Ayres: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho para ser aggregado á commissão de instrucção superior e especial o Deputado Sr. Jeronymo Rodrigues Monteiro. = Christovam Ayres.

Foi approvada.

ORDEM D0 DIA

Continuação da discussão do pertence ao projecto de lei n.º l2,emendas offerecidas durante a discussão ao Orçamento Geral do Estado

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Não vão discutir as emendas ao orçamento, porque o orçamento já foi largamento discutido, e apesar do se ter demonstrado, por parte da minoria, que o orçamento não foi elaborado com o rigor que era para desejar, o facciosismo da maioria levou-se a affirmar constantemente que não houve augmento de despesa.

Ora, desde que a questão está posta neste pé, tudo que se dissesse da parte da minoria, e tudo o que a maioria respondesse seria completamente inutil. Não insiste, portanto, nossa, discussão, e dirá simplesmente duas palavras relativamente a uma proposta que fez, para que, pelos differentes Ministerios, fosso abonada a verba de 1:200$000 réis para pagamento da carruagem dos Ministros.

Quando apresentou esta emenda, disse que a não justificava; tanto lhe parecia que ella estava na consciencia de todos. Disse apenas que tinha ouvido antigos Ministros seus correligionarios, antigos Ministros do partido contrario, deputados seus amigos, deputados que pertencem a outros grupos o até alguns estranhos e todos lhe tinham dito que era justa a sua proposta. Todos a acharam justificadissima, mas eu, devo confessá-lo, acho que ella peccava por uma cousa: é do, obedecendo ás idéas jacobinas, tê-la feito diminuta e exigna. D'isso se arrependo. Mas se era pouco, do mal o menos, minima de malte.

A commissão para não acceitar essa proposta apresenta duas razões; a primeira é que a verba das diversas despesas dos differentes Ministerios, feita essa deducção, só tornaria absolutamente insuficiente. Ora elle, orador, é engenheiro, tem feito muitos orçamentos, e para obras que tem de ser dirigidas e pagas por elle; pois nunca teve a pretenção de os fazer por forma que nelles não pudesse haver um erro de l por cento; e era exactamente isso que ia ás desposas diversas dos differentes Ministerios para fazer face á despesa que propunha. A commissão é que entendo ser o seu orçamento tão perfeito, que tão diminuta percentagem o iria desequilibrar.

Mas ainda quando se entenda que não se pode recorrer a essas verbas, ha uma outra onde se pode ir buscar o preciso para custear a sua proposta; é á verba - subsidios para transportes, ajudas de custo, etc., do corpo da fiscalização.

Seja, porem, d'esta verba ou de outra qualquer, o que é justo, é que a sua proposta seja attendida, pois, como ninguem ignora, um Ministro recebe por mês 213$000 réis, e d'ahi tem ainda a abater para carruagem 100$000 ou 120$000 réis, ficando o resto para as obras de beneficencia com que os Ministros são constantemente apoquentados e a que não podem esquivar-se.

A outra razão allegada pela commissão para não acceitar a proposta, é a da condescendencia com os melindres do Governo. Comprehende, elle, orador, esses melindres do Governo, e só estivesse no seu logar, talvez procedesse da mesma forma; mas a Camara é que tem obrigação de se impor, approvando a proposta.

Os applausos com que a Camara, tanto de um como de outro lado, está cobrindo as suas palavras mostram como ellas são justas. Votem, pois, a proposta, porque, neste caso, votar contra o Governo, não é dar-lhe uma prova de desconfiança.

(O discurso será publicado na integra guando S. Exa. devolver as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Sr. Presidente: em 1896, quando a opposição progressista se não fez representar no Parlamento, foi apresentada uma proposta semelhante, no pensamento, na essencia e nas razões que a inspiravam.

Tinha eu então, como tenho hoje, a honra de presidir ao Ministerio, o oppus-me formal e terminantemente, como hoje me opponho, a que essa proposta fosse approvada. Cheguei mesmo a dizer, na commissão, que punha a minha pasta sobre este assumpto. D'aqui se deve deprehender que é necessario que as minhas razões sejam muito fortes para que eu tome esta resolução, e para que fale d'esta forma.

Se me perguntam se as considerações feitas pelo illustre Deputado são verdadeiras, dou-lhe o meu pleno testemunho; se me interrogam sobre se é justa e sobre se é nobre, na sua intenção, a proposta que S. Exa. mandou para a mesa, eu declaro que sim; e que nenhum serviço pode qualquer illustre Deputado prestar, não ao Ministerio, mas aos homens publicos que no país teem as responsabilidades da administração, e que, através de muitos sacrifícios, do todos os cuidados, das maiores preoccupações, se empenham em bem servir o seu país, com absoluta isenção de si proprios; que nenhum serviço pode fazer-se-lhes tão desprendidamente como o illustre Deputado acaba de fazer.

O que o illustre Deputado disse ó profundamente verdadeiro, fica mesmo áquem da verdade. (Apoiados).

or muito que o illustre Deputado quisesse dizer, porventura ainda não diria tudo no tocante ás difficuldades com que os Ministros teem de lutar para procederem com a independencia a que o illustre Deputado Sr. Cayolla se referiu, e que, felizmente, os homens publicos, entre nós, se prezam do ter, e ainda bem, sem que possam jamais

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temer confrontos com homens publicos de outros países onde os homens de Estado são largamente remunerados. (Apoiados).

As difficuldades que os Ministros portugueses teem a vencer para sustentarem a sua fronte erguida e a sua consciencia tranquilla no meio dos maiores embates, só as conhece quem as experimenta.

Dito isto, pergunto: porque é que hoje como hontem - hontem era 1896, um dia na vida de uma nação - me levanto para declarar positivamente que não posso acceitar a emenda proposta, e para pedir aos meus amigos políticos que, por attenção para commigo, quando outra razão não impere no seu espirito, a não acceitem?

É que, Sr. Presidente, se deu entre nós uma crise, uma das crises mais graves que nos tem assolado: a de 1892.

Apresentou-se aqui um Ministerio que não saiu de algum dos partidos militantes, mas que tinha o apoio, o consenso, não quero dizer o applauso, de todos os homens publicos em uma e outra casa do Parlamento.

Esse Ministerio trouxe á Camara uma proposta de lei, a que chamou de salvação publica, em razão de tão apertadas se julgarem as circumstancias do pais; porque tilo estrictas eram as suas condições economica, e financeira que, para todos, para o Ministerio que então subia, para o partido que hoje milita na opposição, e para o partido em que milito, para todos emfim, á proposta de lei que o Governo apresentava, era uma proposta de salvação publica.

Nunca um Ministerio teve um coro tão unisono de apoio incondicional, nem auxílios moraes de mais boa vontade, de energia e de elementos, tirados de todos os partidos, irradiados de todas as parcialidades, para bem servir a cansa do seu pais, como teve aquelle Ministerio.

Nunca mais o facto se repetiu.

Era a lei de salvação publica.

Na lei de salvação publica, disse-o ha pouco um dos meus adversarios políticos, ao mesmo tempo um dos meus amigos pessoaes que mais respeito e estimo, o Sr. Conselheiro Beirão, consignaram-se os princípios mais duros e mais crueis para o funccionalismo publico; e todos acceitaram e se submetteram ás exigencias de occasião e ás imposições d'aquillo que representava o mais alto serviço prestado á nação.

Emquanto a lei de 1892, que tributou todos os funccionarios publicos duramente, cruelmente, com um imposto pesado, subsistir, Sr. Presidente, eu não quero, para mim nem para os meus collegas, nem posso, acceitar para um Ministerio qualquer, uma excepção que seria affrontosa para o funccionalismo.

Ou para todos ou para nenhum.

Permitta-me o illustre Deputado Sr. Rodrigues Nogueira

Se, com a mesma sinceridade com que S. Exa. falou, e eu tambem; com a mesma sinceridade e com igual convicção.

Em que situação e com que auctoridade ficavam os Ministros que se sentam nestas cadeiras se, acompanhados pelos seus amigos políticos, rejeitassem a equiparação de vencimentos aos amanuenses das secretarias, o que para elles era justiça, e acceitassem ao mesmo tempo para os Ministros um augmento. de vencimentos, por muito justo e por muito necessario que elle fosse?

Quando a situação do Thesouro permittir que se augmentem os vencimentos aos funccionarios publicos, então sim, será tambem de justiça que se lembrem dos Ministros.

Mas, emquanto as disposições da lei de salvação publica subsistirem, e subsistem para todos, eu hei de me oppor, com a auctoridade e prestigio que possa ter, para que uma tal proposta não possa ser approvada.

Nem a mais pequena parcella, nem o mais pequeno obulo deverá ser augmentado aos vencimentos dês que se sentam nestas cadeiras.

Tanto mais que o sacrifício que pesa sobre o funccionalismo é constante, porque, para elles, o funccionalismo é a sua vida social, A sua carreira; emquanto que para os Ministros o sacrifício é de momento.

Faça-se pois, o sacrifício a bem da nação, e que ella reconheça o serviço que se lhe presta. E, agradecendo-lh'o o pais, ficarão os Ministros mais largamente compensados do que acceitando essa proposta que lhes concede umas migalhas.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu).

O Sr. Francisco Machado: - Sr. Presidente: é sina minha ter de estar sempre em desacordo com o Sr. Presidente do Conselho. Não ha meio de nos podermos harmonizar.

O Sr. Rodrigues Nogueira apresentou, e defendeu brilhantemente uma proposta para que das verbas para despesas diversas, nos differentes Ministerios, seja destinada em cada um d'elles, a quantia de 1:200$000 réis com o fim de pagar o aluguer de uma carruagem para serviço do Ministro da respectiva pasta. O desinteresse o abnegação com que S. Exa. fez esta proposta é digno de todo o louvor. A maioria toda apoiou calorosamente as palavras com que o illustre Deputado sustentou a sua proposta, que era de todo o ponto justa.

Eu do mesmo modo approvo a iniciativa do meu illustre amigo assim como toda a opposição parlamentar, pois tem ella por fim collocar os Ministros numa situação mais desafogada para manterem a dignidade do poder; mas o Sr. Presidente do Conselho acaba de declarar que não pode acceitar essa proposta, porque tambem não pode augmentar os vencimentos dos empregados publicos, e invoca a lei de salvação publica.

Mas essa lei já reduziu 20 por cento nos vencimentos dos Ministros e eu entendo em minha consciencia que S. Exa. não poderio decentemente sustentar a sua elevada posição com os parcos vencimentos que recebem.

O que o Sr. Rodrigues Nogueira propõe agora, não bastava, mas já era alguma cousa, visto que não ha a coragem de acceitar o augmento de vencimento que mais de uma vez tenho proposto.

Sr. Presidente: em 1889, creio eu, fazendo parte da maioria, e estando no Governo o partido progressista, fiz uma proposta na occasião analoga a esta, em que se discutia o Orçamento, para augmentar o ordenado dos Srs. Ministros até 4:500$000 réis, salvo erro, mas com a condição de só começar a vigorar, quando caisse aquella situação política, quer dizer, quando a situação progressista deixasse o poder.

E procedi assim, Sr. Presidente, para que se não pudesse dizer, que eram os meus amigos políticos, que me tinham pedido, e influenciado no meu espirito para fazer aquella proposta. A proposta que então fiz, foi da minha unica iniciativa e responsabilidade.

Veja V. Exa. quanto sou sincero e consciencioso.

A Camara de então tambem não acceitou a minha proposta. Fez mal, porque não ha uma só pessoa que possa dizer que os Srs. Ministros podem viver com os parcos vencimentos que recebem, se não tiverem fortuna propria, como a maior parte não tem.

Em 1890 estava tambem o partido regenerador no poder, como agora, e nas discussões do Orçamento, referindo-me ao que disse em 1889, fiz uma proposta analoga.

E disse: "Esta proposta é para os actuaes Ministros começarem já a aproveitar d'ella". Eu que sou o mais acerrimo partidario das economias, veja V. Exa. qual é a minha convicção de que o diminuto ordenado que os Srs. Ministros recebem os colloca numa situação deprimente.

Sr. Presidente: em vista do que acabo de expor, e da

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coherencia dos meus principio, não podia deixar de estar de acordo com o meu illustre amigo, o Sr. Nogueira, por que quero sustentar a minha antiga opinião. E alem d'isso entendo, que o preciso collocar quem está desempenhando togares tão elevados e de tanta responsabilidade acima de todas as malversações, que possa encontrar ao seu caminho.

Não é pelas pessoas dos Srs. Ministros, que sustento estes principiou, É pela dignidade do logar que S. Exa. desempenham.

Sr. Presidente: tem-se cercado os Ministros de tantas peias e de tantas difficuldades, que nem se permitte que accumulem as suas funcções com os logares de directores de companhias; cerceiam-se todos os meios de poderem angariar recursos para viverem desafogadamente e ao mesmo tempo rejeita-se uma proposta tão insignificante e tão justa. Francamente não comprehendo. O Sr. Hintze Ribeiro, tão arrojado para umas cousas e tão pussillamine para outras. S. Exa. pela attitude de toda a Camara via que a proposta do Sr. Nogueira ia ser approvada por aclamação. S. Exa. não tinha a mais leve responsabilidade, o ao mesmo tampo impõe a sua auctoridade e impede que se pratique um acto de justiça, fazendo mudar de opinião, claramente manifestada, os seus amigos.

Porque ? Eu não encontro facil explicação.

Mas então, pergunto eu, não se dá carruagem a ninguem contra lei ? Não sabe toda a gente que muitos directores geraes, contra lei, toem carruagem paga pelas despesas do sen Ministerio?! Pois o arbitrio vale mais do que a lei? Pois nós, que somos representantes do povo, não podemos votar que os Ministros, quaesquer que elles sejam, tenham carruagem, paga pala nação que lhes é tão necessario e indispensavel, para que tenham uma representação digna e ha de haver muitos funccionarios que sem lei, unicamente por arbitrio, tenham o que lhos não pertence?!

Pois não sabem todos, que muitos directores geraes das secretarias e muitos outros indivíduos, teem carruagem, não havendo lei nenhuma que isso auctorize?! Quem auctorizou o Sr. Presidente do Conselho a consentir que se desviem dos cofres publicos dinheiros para pagar carruagens a quem não tem direito a ellas?

Sr. Presidente: as considerações apresentadas pelo nobre Presidente do Conselho calariam no meu animo, se S. Exa. mantivesse em toda a sua pureza as taes leis do salvação publica de 1892. Mas as despesas são as mesmas? Não se tem, augmentado a despesa de então para cá?

O Sr. Rintze Ribeiro é um parlamentar distincto, com quem se luta com dificuldade; mas a este respeito, apresentou S. Exa. um argumento, que se esvae, com facilidade extraordinaria. S. Exa. não quer augmentar a despesa por cansa da lei de 1892, de salvação publica.

Mas então de 1892 para cá, não se tem augmentado a despesa em milhares de contos?! Eu falo nisto com calor, porque é a minha profunda convicção, e tanto mais, que não espero nunca occupar essas cadeiras, por muitas A variadas razões: uma d'ellas é porque não me julgo com competencia para desempenhar tão elevado cargo; outra é porque, ainda que a minha consciencia me dissesse que a tinha, não queria.

Portanto, estou absolutamente á vontade; não se supponha que estou a expender a minha opinião com algum intuito reservado.

Os homens collocados numa certa posição precisam ter os meios necessarios para a poder sustentar digna e decorosamente. Por isso, apoio com toda a convicção a proposta do Sr. Nogueira, e sinto não poder estar ainda d'esta vez do acordo com o Sr. Presidente do Conselho. E depois, ainda isso se podia admittir se não se gastasse tanto dinheiro mal gasto. (Apoiados).

Sr. Presidente: dêmos pois uma vez, ao menos, uma prova da nossa independencia, o creio que no seu intimo os Srs. Ministros não desgostarão que assim procedamos.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro)- Eu não quero que a Camara fique sob a impressão do que o illustre Deputado acaba de dizer e por isso declaro que o Governo não estimaria de modo algum que essa proposta fosse approvada.

O Orador: - Com as minhas palavras não tive idéa de melindrar S. Exa. porque não tenho agora motivo de o fazer mas entendo que a Camara deve approvar essa proposta, mesmo contra vontade dos Sra. Ministros.

Feitas estas considerações, e exposta a minha opinião, franca e desassombradamente, entro no assumpto para que propriamente pedi a palavra.

Sr. Presidente: quando discuti o orçamento do Ministerio da Guerra, apresentei á Camara uma proposta unica que tinha por fim modificar a lei dos limites de idade.

Sr. Presidente: nessa occasião, disse eu, que mantendo as minhas opiniões anteriores, que sempre foram contrarias a esta medida, entendia que o Sr. Ministro da Guerra tinha feito bem em a estabelecer, porque o exercito gostou, e o pais que paga, parece que tambem gostou porque não tem sabido reagir contra a despesa enorme que ella acarreta, como tenciono demonstrar mais uma vez. Já vê, portanto, S. Exa., como eu sei fazer justiça. O Sr. Ministro da Guerra inspirou-se mais nos interesses do exercito, é verdade que interesses egoistas, porque os officiaes querem subir á custa da desgraça dos seus camaradas; eu inspiro-me mais nos interesses do país, porque entendo que primeiro que tudo temos obrigação de zelar o dinheiro dos contribuintes, que tantos e tão dolorosos sacrifícios fazem para satisfazer os seus encargos tributarios. Gastar o que ó necessário e indispensável, sim; gastar o superfluo, não.

Sr. Presidente: a lei que estabeleceu definitivamente os limites de idade, é de 13 de maio de 1896. Nella se prescreve que deixarão de fazer parte dos quadros do exercito activo, os officiaes combatentes que attingirem os seguintes limites de idade:

Generaes de divisão...................... 70 annos

Generaes de brigada..................... 67 "

Coroneis............................... 64 "

Quaesquer outros postos.................. 60 "

Estes limites de idade teem sido extraordinariamente perniciosos para os officiaes, que são obrigados a deixar as fileiras do exercito activo, terminando assim a sua carreira, embora sejam uns Hercules de força e robustez, e é necessario, pois, que a Camara fique sabendo os resultados que estes limites teem dado.

No dia em que um general de divisão fez 70 annos de idade, embora esteja forte e robusto, é posto fora do exercito.

O mesmo acontece aos generaes de brigada aos 67 annos; aos coroneis quando attingem os 64, e todos os outros postos quando os officiaes chegam aos 60 annos.

Quando os officiaes chegam ás idades que deixo expostas, nem mais uma hora os deixam ficar nas fileiras.

Se um oficial, até ao posto de tenente-coronel, tiver hontem uma vaga e hoje fizer 60 annos, hontem foi promovido e estará forte para o serviço, podendo continuar nas fileiras por mais 4 annos, até aos 64; porem, se a vaga se der amanhã, já não pode ser promovido, já passa o limite, já não está forte para o serviço, já não serve para nada!

Sr, Presidente: basta este exemplo, para ver o absurdo

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que resulta d'esta perniciosa medida. E este facto tem-se dado e ha de repetir-se.

Sr. Presidente: não podendo eu evitar tão perniciosa disposição, por mais que tenha lutado, propus que os limites de idade fossem alterados do seguinte modo, que não destruía o principio, que favorecia alguns officiaes, e principalmente o Thesouro:

Generaes de divisão...................... 70 annos

Generaes de brigada..................... 67 "

Officiaes superiores....................... 64 "

Alferes, tenentes e capitães................ 60 "

Sr. Presidente: como V. Exa. vê e a Camara, mantinha os mesmos limites, não melindrava a susceptibilidade do Sr. Ministro da Guerra, auctor da lei, mas distribuia-os de outra maneira mais equitativa. Os majores e tenentes-coroneis eram reformados pelo limite de idade, não aos 60 annos, mas aos 64, como succede aos coronéis, por isso que os tenentes-coroneis desempenham funcções muitas vezes análogas, e substituem-nos nos seus impedimentos.

Confesso a S. Exa. com a mais absoluta sinceridade, que me causou uma verdadeira surpresa que a commissão tivesse rejeitado a minha proposta.

Vou dizer em que me fundei para apresentar a proposta, que não foi acceite.

A marinha tem os seguintes limites:

Vice-almirante........................... 70 annos

Contra-almirante........................ 67 "

Capitão de mar e guerra e postos inferiores... 64 "

Como V. Exa. vê a marinha não tem o limite de 60 annos, que foi estabelecido para o exercito.

Diz o relatório que precedeu a lei que estabeleceu os limites de idade, que para o exercito se devia adoptar, as mesmas regras que para a marinha, mas foi grande a minha surpresa quando vi que tal não se fez, e que se fixou para o exercito um limite de idade de 60 annos, que na marinha não existe.

Sr. Presidente: na marinha não ha os inconvenientes com os limites de idade que ha no exercito, porque ha um só quadro, emquanto que no exercito cada arma tem o seu quadro differente.

Se uma certa arma tem a sua promoção atrasada, num certo período, os indivíduos que pertencem a essa arma ficam altamente prejudicados. Na marinha não succede isto, porque havendo como disse um só quadro, todos os officiaes teem a mesma sorte.

No exercito é o contrario,; uma arma porque tem a sua promoção acelerada, os seus officiaes são favorecidos, porque obteem a promoção antes de serem attingidos pelo limite da idade; emquanto que noutra arma em que a promoção está parada, os seus officiaes são sacrificados porque são por esse facto attingidos pelo tal limite.

Ha por exemplo dois officiaes que foram condiscípulos nas escolas: um seguiu numa arma, e outro seguiu arma differente. Pois bem, aquelle cuja arma tem um pequeno atraso na promoção, vê o seu camarada seguir até ao fim a carreira e elle tem de ser reformado, podendo até ser mais robusto, mais competente e mais dedicado ao serviço do que aquelle que a sorte favoreceu.

Não será isto uma rematada loucura, um absurdo sem nome?

No caso de haver limite de idade para a magistratura como propunha o Sr. Alpoim, se houvesse, injustiça era para todos; mas no exercito não. Por isso é que eu propus, para attenuar esta injustiça, que nos limites de idade e fizesse as alterações que indiquei. Não remediava o mal que deixo apontado, mas atenuava-o e alem d'isso dava uma reducção de despesa, mas a commissão de fazenda entendeu que propor reducções de despesa é um crime.

Para mostrar ainda mais os inconvenientes dos limites ,de idade actuaes eu dou um exemplo pratico.

O Sr. Ministro da Guerra organizou agora o exercito, dotando-o com 6 divisões de infantaria em vez das 4 que existiam. Essas 6 divisões teem 12 brigadas.

Como os generaes de brigada são poucos, e não chegam para os diversos serviços, algumas d'essas brigadas estão commandadas por coroneis; de maneira que quando um coronel commandante de uma brigada chegar aos 64 annos é reformado pelo limite de idade, e vae substitui-lo um general de brigada com os mesmos 64 annos, pudendo desempenhar o mesmo serviço que o coronel que foi posto fora, e isto até aos 67. (Apoiados).

Sr. Presidente: eu não digo isto para os meus collegas militares, que o sabem melhor do que eu; mas emfim quero mostrar em publico e para os que não são da profissão, qual o erro que se commetteu em estabelecer os limites de idade e a injustiça que a commissão praticou não acceitando a minha emenda, que tendia a suavizar os rigores de uma lei tão iniqua.

Eu digo que o Sr. Ministro da Guerra fez bera em estabelecer os limites de idade. Não concordo com elles mas S. Exa. fez bem.

No exercito estabeleceu-se um grande egoismo, o que se quer são vagas, embora se sacrifiquem os camaradas e o futuro das familias. O que tem isso perante o desejo de cada um subir mais rapidamente ! (Apoiados).

Eu tenho observado que um official o que quer, é ser promovido, rapidamente, e por isso fica contente quando vê um camarada attingir o limite de idade, embora não goste quando lhe toca pela porta; por consequencia o Sr. Ministro da Guerra, como chefe do exercito, procedem em harmonia com este desejo, fez bem. Satisfez o desejo dos officiaes que teem pressa de subir, embora isso custe lagrimas de sangue aos que são sacrificados e ás suas famílias.

Não concordo com o principio, mas não falo mais sobre isso, porque eu só desejava que se fizesse a modificação, que propus. Do mal o menor, mas a commissão entendeu dever rejeitá-la.

A despesa tem sido grande, mas como ninguem se revoltou contra ella, viva a folia; estranhei e muito que a commissão rejeitasse a minha proposta de emenda porque ella era justa e equitativa. (Apoiados).

Eu conheço um official que vae em breve ser attingido pelo limite de idade, no posto de major, que está são, robusto e é muito competente, mas isso não importa para que seja sacrificado.

Se fosse acceite a minha proposta, este e outros officiaes só seriam reformados aos 64 annos e podiam deixar um melhor montepio á sua família. Elle tem quasi 60 annos, mas está tão forte como eu. Este official, de quem sou amigo, é o Sr. José Rodrigues Franco, major de infantaria 7, que faz os 60 annos a 11 de novembro e nessa occasião estará n.° l ou 2 para tenente-coronel.

Pois não é barbaridade ir arrancar das fileiras do exercito indivíduos que querem e que podem trabalhar?

Isto não é uma barbaridade ?

Alem d'isso não é pernicioso para o Thesouro ?

A questão dos limites de idade tem dado origem a casos muitos graves, mas eu não queria que se destruíssem os limites de idade, apenas queria que se modificassem, para attenuar casos como estes.

Entendo que a commissão deve acceitar a minha pró posta de emenda, que não era prejudicial para ninguem e alem de tudo era vantajosa para o Thesouro.

Eu já transigia com o principio, com que não concordo, só desejava que elle fosso modificado entre outras razões porque vão ser attingidos pelo limitte de idade e postou fora do exercito indivíduos sadios, com robustez, com vontade de trabalhar e que querem ter o tempo necessario para a reforma.

Ha dois annos o Sr. Espregueira apresentou a Camara

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uma proposta para que os empregados publicos não se pudessem reformar com meus do 35 annos do serviço; entretanto, pelo limite de idade de 60 annos fixado para o exercito, succede que são postos fora do serviço individuos ato com menos de 30 annos de serviço.

É isto correcto?

É isto humano? (Apoiados).

Deixo á confidencia da Camara que responda.

Tudo isto são razões que deviam determinar a commissão a acceita a minha proposta, porque o pais que tanto gasta não podo estar a despender tanto dinheiro com as classes inactivas.

Serei ou, porem, o unico que tem combatido o limito do idade no nosso país? Não, Sr. Presidente, e até muitos dos mais importantes vultos do partido regenerador pousam do mesmo modo que eu, mas isso é quando estão aã opposição, quando estrio no Governo renegam tudo quanto disseram. (Apoiados}.

Quando só discutiu o limite de idade para a magistratura, o sr. Campos Henriques, actual Ministro da Justiça, na sessão de 11 do maio de 1900, discutindo o projecto, mandou para a mesa a seguinte moção:

"A Camara, reconhecendo que o projecto em discussão é desnecessario, inutil e prejudicial, continua no ordem do dia".

Nas desenvolvidas considerações que S. Exa. fez durante o seu discurso, que eu ouvi com a maior attenção, porque estava de acordo com o que S. Exa. expunha, d'isse o seguinte, que eu apontei logo, porque calculei que atada me havia servir: Este projecto-o dos limites de idade para a magistratura vae aggravar as circumstancias do Thesouro.

São agora melhores ás circumstancias do Thesouro do que eram então? Nilo, e o proprio Sr. Presidente do Conselho o declarou ha pouco ao rejeitar a proposta do Sr. Rodrigues Nogueira.

Disso ainda o Sr. Campos Henriques, que havia mais do 4:000 processos do aposentação pendentes, que não podiam ter andamento por falta de recursos do Thesouro, que os encargos do Thesouro, se se applicasse desde então todos os limites do idade sommavam 32:000$000 réis e tanto annuaes, que iriam successivamente crescendo.

Pois, Sr. Presidente, emquanto que o Sr. Conselheiro Campos Henriques, e com elle todos os distinctos oradores do partido regenerador, se apavoravam e muito bem com o augmento do despesa de 82:000$000 réis por anno, estuo muito tranquillos e satisfeitos com o augmento de centos do contos que todos os annos se gasta com os limites de idade no exercito!

E ainda por cima se revoltam commigo, que propus uma providencia que diminue a despesa e dulcifica a crueldade da lei. (Apoiadas).

Sr. Presidente: será isto serio, será correcto? Eu não respondo, porque a Camara toda e o pais responderão por mim. (Apoiados).

O Sr. Cabral Moncada mandou para a mesa a seguinte moção:

"A Camara, considerando absolutamente iniquo e inutil todo o limito do idade relativo a magistrados judiciaes, quer nos termos do projecto inicial, quer aos termos restantes do additamento proposto pulo illustre relator;

Considerando que o estado da Fazenda Publica não importa, aggravamento de despesa, antes urgentemente recommenda a mais severa e escrupulosa economia, etc., etc.:

Continua na ordem do dia".

Sr. Presidente: o estado da Fazenda Publica, e as severas e escrupulosas economias, só dão cuidado aos illustres membros do partido regenerador quando estão na opposição; quando estão no Governo é o que teem visto. (Apoiados).

Sr, Presidente; disso mais o Sr. Moncada na sessão de 14 de abril de 1900: que era desnecessario o limite de idade para pôr fora os incapazes, por que nas leis havia providencias para isso, que todo o limite du idade era uma monstruosidade inqualificavel.

O mesmo Sr. Moncada, falando segunda voz na sessão do 11 de junho, disso: "que é uma violencia o que se pretendia praticar e porque o unico motivo por que se deve pôr fora o funccionario é a incapacidade". Completamente o acordo.

Mas o que fizeram os Ministros do partido regenerador? (Apoiados).

E não vê a Camara a tenacidade com que sustentam uma medida que mereceu estas apreciações aos oradores do seu partido?

É conveniente saber-se que os limites de idade no exercito e na marinha foram implantados em dictadura e sancionados - os do exercito - pela Camara, chamada dos barrigas, de eterna memoria, na qual só havia regeneradores.

Sr. Presidente: ha muitas pessoas estranhas no serviço militar que talvez supponham que sem limite de idade o exercito ficaria cheio de velhos o de impossibilitados; mas não succede assim, porque temos as juntas militares que não acabaram e continuam a funccionar do mesmo modo e põem fora do exercito os officiaes quando não estão em situação de continuar no serviço.

Não é necessario limites de idade para nada, para que os officiaes invalidos sejam reformados. Os limites de idade só servem para arranjar vagas.

Mais ainda: o Sr. Visconde da Torre, que nessa occasião fez um notavel discurso que ainda ha pouco o tornei a ler, continuava na mesma ordem de ideas e mandou a moção seguinte:

"A Camara, reconhecendo que o projecto em discussão augmenta em muito a despesa publica e prejudica a boa organização judicial, continua na ordem do dia".

Como se vê, Sr. Presidente, o que principalmente preoccupava todo o partido regenerador era o augmento da desposa publica.

Como este partido tem honrado tão categoricos afirmações está o país farto de saber.

Mas afinal S. Exas. são coherentes quando estão na opposição: e que querem é que os outros façam economias para elles devorarem quando estão no Governo.

No magnifico discurso que o meu illustre amigo o Sr. Visconde da Torre pronunciou na discussão dos limites da idade, para a magistratura judicial, disse bocadinhos do ouro como este: "Este projecto é iniquio, e mesmo que o país não estivesse nas mais precarias circumstancias votaria contra elle".

Sr. Presidente: o pais só está em precarias circumstancias quando não está no poder o partido regenerador; assim que este partido volta a assumir a governação publica essas precarias circumstancias do país desappareceram, e então já se podem estabelecer e conservar todos os limites de idade que tão perniciosas eram em 1900.

Sr. Presidente: a opinião predominante no illustre partido regenerador é contra o limite de idade, por iniquo e vexatorio o prejudicial á Fazenda Publica e ainda porque as circumstancias do país não comportavam semelhante despesa. (Apoiados).

Onde está esta coherencia? Para onde foram estas declarações tão categoricas?

Sr. Presidente: Se eu tivesse feito, algum dia, declarações tão terminantes perante o pois, havia de ser muito difficil que me desdissesse.

Pois então a opinião muda assim tão facilmente, só porque se muda de logar na Camara?

É verdade que já ouvi dizer a um político, que a lei ó para quando se está na opposição obrigar o Governo a cumpri-la, porque quando se é Governo, nenhum caso se faz d'ella; mas eu não penso assim e custa-mo que haja quem

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tão facilmente se contradiga e apresente perante o país tanta versatilidade.

O Sr. Teixeira de Sousa, na sessão de 11 de maio disse:

"O limite de idade é uma verdadeira monstruosidade nas suas consequencias".

Pediu que se imaginasse um juiz que tivesse attingido a idade do 75 annos e não tivesse 30 de serviço. Depois, na sua voz mais plangente exclamou:

"Veja-se as consequencias".

Pois, Sr. Presidente, pois, Sr. Teixeira de Sousa, essas consequencias, essas monstruosidades, estão succedendo no exercito, teem succedido muitas vezes e hão de continuar a succeder, e para as evitar, foi que eu propus a minha emenda, que a commissão rejeitou com applauso de todo o Governo, ao qual pertencem o Sr. Campos Henriques e Teixeira de Sousa, que a Camará acaba de ouvir qual era a sua opinião em 1900.

O Sr. Teixeira de Sousa, na sessão de 6 de junho, em que se discutia as emendas ao projecto do limite do idade para a magistratura judicial, declarou que reprovava o projecto in limine, porque as condições do Thesouro não comportavam tão enorme despesa.

A Camara ha do ouvir logo qual tem sido o augmento fabuloso da despesa que nos trouxe os limites de idade no exercito.

E o Sr. Dias Ferreira, combatendo tambem energicamente o limite de idade, accrescentava:

O Sr. Visconde do Seabra aos 95 annos tinha ainda as suas faculdades em toda a sua pujança; com esta medida tão odiosa vamos augmentar as despesas publicas.

Sr. Presidente: como V. Exa. vê e a Camara, eu não defendo unicamente a minha opinião, defendo a de homens dos mais illustres do pais o dos mais auctorizados do partido regenerador.

Eu sustento as mesmas ideas que sustentei quando o meu partido estava no poder; os illustres membros do partido regenerador é que mudaram.

O Sr. Ferreira de Almeida e o Sr. Avellar Machado fizeram mesmo as seguintes propostas, na occasião de se discutir o orçamento do Ministerio da Guerra em 1898:

O primeiro propus os seguintes limites de idade:

Generaes de divisão, 72 annos.

Generaes de brigada, 70 annos.

Coroneis o quaesquer outros postos de todas as classes do exercito, 67 annos.

O segundo propôs apenas um limite de entrada para o exercito, e outro do saida, acabando com os limites intermedios.

Sr. Presidente: eu combati logo os limites de idade desde que elles foram estabelecidos; sou, portanto, coherente. Outro tanto não succede aos illustres Ministros, como tenho mostrado.

Francamente, cada vez fico mais desnorteado com tudo isto.

O Sr. Presidente do Conselho falou-nos ha pouco em economias, mas quando é apresentada uma proposta como a minha, que reduz a despesa, é rejeitada.

Não entendo.

Vou ser muito breve porque não quero cansar a Camara nem demorar a votação do parecer que se discute.

Disse o outro dia que as despesas militares teem crescido muito nos ultimos annos. Assim é:

Por uma nota official que me foi enviada pela Repartição de Contabilidade do Ministerio da Guerra, vê-se que a despesa ordinaria e extraordinaria d'aquelle Ministerio foi nos annos que vou mencionar a seguinte:

1890-1891........................6.763:563$498

1891-1892....................... 5.521:704$439

1892-1893........................ 6.125:792$723

1893-1894......................... 482:533$021

1894-1895.......................... 5.648:106$770

1895-1896......................... 5.921:902$868

1896-1897......................... 8.054:347$331

1897-1898......................... 7.065:514$026

Na despesa do anuo do 1896-1897 está incluída a verba de despesa extraordinaria com a confeccionação de material de guerra, e o mesmo acontece no anno de 1897-1898, em que se comprou material de guerra.

Sr. Presidente: o pais gastou já uma somma bastante avultada, mas que não é de mais, com o exercito.

O que devia, porem, ora gastar menos com os reformados e mais com as praças de pret, augmentando-lhes o numero, para que pudesse haver a devida instrucção.

O pais dá para o Ministerio da. Guerra mais de réis 6.000:000$000, mas é preciso que se saiba que perto de l .000:000$000 réis são gastos com o pessoal inactivo.

O exercito precisa de armamento, e não tem verba;, precisa de cavallos, que tem poucos; necessita de mais soldados, porque os que tem não chegam para as unidades, poderem dar a devida instrucção.

Se amanhã precisarmos de um exercito para entrar em campanha, não temos o armamento suficiente. (Apoiados).

Os limites do idade foram criados só para arranjar vagas, e podia apresentar muitos exemplos.

Basta um só.

O exercito tem por especial funcção entrar em campanha. Se tivessemos a certeza de que não tinhamos guerras podíamos acabar com o exercito.

Entra-se em campanha amanhã, o exercito está empenhado numa batalha que pode durar 10, 15, 20 dias e mais, e durante elles alguns officiaes são attingidos pelos limites de idade.

Vão por acaso pôr fora das fileiras esses officiaes nesses dias?

Evidentemente que não, ninguem se lembrava de praticar tal absurdo.

Ora, se um official, tendo attingido o limite de idade, não é mandado embora na occasião em que está a combater, muito menos deve sair das fileiras no tempo de paz, uma vez que na guerra o conservam.

Isto, é claro, suppondo que elle está apto physica e moralmente.

Por isso digo, que o limite de idade só foi criado para arranjar vagas para os ambiciosos.

Eu vou apresentar os resultados que teem dado os limites de idade, e chamo a attenção do Sr. Presidente do Conselho, porque naturalmente S. Exa. não os conhece.

Alem dos limites de idade, inventaram tambem os exames para generaes, que são verdadeiras ratoeiras onde hão de cair todos os officiaes que pretendam fazê-los sair das fileiras. Nem um só escapará.

O que representa o exame para general? Eu vou mostrar á Camara.

Um exame é sempre a prova final de um estudo. Mas onde estão essas escolas para esse estudo?

Muitos coroneis, que teem feito a sua carreira nas ilhas, não podem ter conhecimento de artilharia, nem de cavalaria, porque nunca viram manobrar estas duas armas. Os que teem feito a sua carreira em Trás-os-Montes ou nas Beiras succede lhes o mesmo.

Não commandaram nunca uma brigada, e depois diz-se: venham, fazer exame.

Não contentes com isto, inventou-se tambem uma cousa chamada à Junta Moral, que serve para ir ver, por exemplo, vinte annos atrás, se na vida do official elle teve alguma, escorregadella e aproveitar este facto para o pôr fora e reformá-lo.

Quer dizer, um indivíduo teve uma pequena mancha na sua vida militar e quando era ainda rapaz, e durante vinte annos puderam passar sobre ella, tendo o official

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continuado ao serviço com bom comportamento e com as melhores informações dos superiores com quem serviu; mas, quando querem arranjar vagas, vão esquadrinhar, nos vinte annos atrás, se elle commetteu alguma falta, para o porem fora.

Tem-se feito isto, Sr. Presidente.

Não ha nada que não se tenha inventado para arranjarem vagas para os individuos passarem por cima dos seus camaradas o chegarem rapidamente ao posto que ambicionam.

E isto chega a tal ponto, que os rapazes, ao saírem das escolas, põem-se logo a fazer calculos para verem quando hão de chegar a generaes !

Esta medida tem dado estes resultados, afrouxando-se a disciplina entre os officiaes do exercito, quebrando-se a harmonia entre camaradas, entre os quaes deve haver sempre a maios amizade.

Sr. Presidente: não discuto o limite de idade com a largueza o e com os argumentos que devia apresentar para o combater, para não tomar muito tempo á Camará. E assumpto que, pela sua importância, merecia uma larga explanação.

Vou agora mostrar quanto tem crescido a despesa com os reformados e mais pessoal inactivo do Ministerio da Queira:

Gastou-se em:

1891-1892.......................... 714:742$305

1892-1893.......................... 740:524$345

1893-1894.......................... 784:602$813

1894-1895.......................... 806:362$688

1895-1896.......................... 802:582$982

1896-1897.......................... 850:726$237

1897-1898.......................... 857:161$102

1898-1899.......................... 835:516$444

1899-1900.......................... 840:883$233

1900-1901.......................... 854:772$045

1901-1902.......................... 902:415$176

1902-1903 (vem no Orçamento)........ 921:735$918

Vê-se, portanto, que a verba com os reformados tem successivamente augmentado e ha de continuar a augmentar, se não pararmos no caminho que temos seguido ha uns annos a esta parto.

Vê-se, pois, que a despesa com os reformados augmentou, do 1891-1892 para 1902-1903, 206:993$613 réis.

Com este dinheiro que se gasta a mais com o pessoal que não produz, podia-se augmentar o numero dos effectivos, que o meu amigo Sr. Raposo Botelho disse que era preciso elevar ato 30:000 praças de pret para se poder dar instrucção devida.

Este dinheiro que se gasta a mais, podia ser para dotar serviços uteis e proficuos.

E este augmento será ainda maior para o anno, porque todos sabem o que são os orçamentos.

Já outro dia mostrei, com dados irrespondiveis, como são confeccionados estes documentos.

Mesmo no orçamento do Ministerio da Guerra, que foi organizado com todo o cuidado e revisto pela commissão com o maior desejo de acertar, esse enferma das mesmas pechas.

Assim, por um mappa que me foi enviado e que tem a data de 18 de março corrente, vê-se que a despesa com reparações de quarteis o outros edificios militares, no anno do 1899-1900, foi do 105:851$771 réis.

No orçamento d'este anno vem para esta despesa réis 60:000$000. Logo faltam 45,:851$771 réis.

Por outro mappa, da mesma origem official, vê-se que com subsídios de marcha, de residencia eventual, transportes, no exercício de 1900-1901, foi de 186:235$758 réis.

No orçamento d'este anno vem para estas mesmas despesas 145:000$000 réis.

Differença para menos 41:235$758 réis.

Sr. Presidente: já que a commissão rejeitou a minha proposta de emenda, ha de ouvir e o pais ha de ficar sabendo que quando um Deputado apresenta uma medida para diminuir a despesa, ella é rejeitada.

Sr. Presidente: por um mappa official que tenho presente, de 25 de fevereiro de 1902, vê-se que os reformados da Guarda Fiscal consomem a importante verba de 255:966$372 réis, que, sommada com 921:735$918 réis dos reformados do exercito, dá a importante verba de 1.177:702$290 réis.

Com estas duas classes inactivas, que nada produzem, que serviço algum prestam ao pais, gasta-se tão avultada somma.

E uma barbaridade e uma deshumanidade atirar para fora dos quadros com individuos que, podendo continuar a servir, passam a ganhar dinheiro sem fazerem nada.

É preciso que a Camara onça que a despesa com as duas classes de reformados, do exercito e da Guarda Fiscal, sobe á bonita cifra de quasi 1.178:000$000 réis e ha de ser muito em breve de 1.200:000$000 ou 1.300:000$000 réis!

Não é isto uma cousa de apavorar?

Não devia a commissão ter presente estes algarismos para approvar a minha proposta?

Pois, Sr. Presidente, o mappa que recebi da Guarda Fiscal não representa a verdade toda. A despesa com os reformados é ainda maior.

E porque? Porque teem sido reformados ultimamente muitos soldados da Guarda Fiscal, que são simplesmente julgados incapazes, mas não passam á classe de reformados para não avolumar a verba. Teem-se reformado ultimamente, desde janeiro até 17 de março, 151 praças da Guarda Fiscal e estão preparadas para irem á junta perto de 400, que não se classificam como reformados, mas sim como incapazes, para não avolumar a verba já tão importante.

Veja V. Exa., se contarmos com isto tudo, onde vamos parar, para onde vae o dinheiro do contribuinte!

Vae para pagar a indivíduos que não fazem: nada, que estão capazes de trabalhar, mas que lhe dizem: o sr. ha de ir passear porque queremos o logar para outro. A Camara vae conhecer outros factos bastante edificantes. O pais gasta com reformados do continente, das ilhas e do ultramar e com subsídios que dá ás diversas instituições de beneficencia isto é com as classes inactivas a bonita verba de 2.343:000$000 réis numeros redondos.

O pais paga ao seu pessoal inactivo a bonita verba de 2.343:000$000 réis!

É esta a verba que o Sr. Espregueira nos apresenta num dos seus bem elaborados relatorios. Hoje deve ser muito maior.

O Sr. Almeida Serra:- Mas não paga a quem trabalha.

O Orador: - É que neste pais quem mais trabalha monos ganha.

O que acabo de expor dizia o Sr. Espregueira no seu relatorio em 1899. Calcule V. Exa. o que será d'ahi para cá. Esta verba deve estar em perto de 2.400:000$000 réis. Isto não é assombroso? Não era preciso pôr um travão, um dique a estes desmandos e desvarios?! Segundo o relatorio do Sr. Espregueira gastava-se em 1899 com o pessoal addido ás diversas repartições 516:000$000 réis, numeros redondos; hoje esta verba deve estar muito accrescida.

Sr. Presidente: á vista d'este sudario que rapidamente tenho apresentado em duas palavras, não seria conveniente moderar um pouco as despesas e pararmos nesta corrente vertiginosa de desvarios em que vamos seguindo, nesta voragem por onde se consomem os dinheiros publicos ?

Não quero que se diminua 5 réis á dotação do Ministerio da Guerra, porque ainda é pequena, mas o que

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SESSÃO N.º 46 DE 2 DE ABRIL DE 1902 15

queria era que mantendo-se esta dotação, ou mais alguma, ainda se possível fosse, reduzissem lá as despesas para serem melhor applicadas. O orçamento para as despesas do Ministerio da Guerra é calculado para o proximo anno economico em 6.429:581$093 réis, descontando perto de l .000:000$000 réis, com os reformados, fica para todas a despesas pouco mais de 5.000:000$000 réis, o que é pouco.

Nós teremos, alem d'este sudario que tenho apresentado, um deficit orçamental este anno economico que vão começar entre 6.000:000$000 réis a 7.000:000$000 réis.

Tenho ouvido calculá-lo em 5.000:000$000 réis a 6.000:000$000 réis, mas pelos precedentes dos outros annos, estou certo que irá até 7.000:000$000 réis e Deus queira que me engane. Temos uma divida fluctuante de 60.000:000$000 réis, e para pagar os juros da nossa divida um encargo annual de 20.000:000$000 réis! Isto é de apavorar.

Em que situação estamos nós para podermos, de animo leve, quando um Deputado vem aqui propor, com a sinceridade das suas convicções, uma diminuição de despesa, a commissão sem dar razão nenhuma, rejeitar in limine essa proposta, porque diz, não é occasião para a considerar!

Sr. Presidente: Quando é então que a commissão entende ser occasião para attender propostas para a diminuição de despesa?

É necessario ter coragem para fazer tal affirmação!

Eu, Sr. Presidente, é claro, não desejo ser desagradavel a nenhum dos meus collegas da commissão, tanto mais que alguns d'elles são meus particulares amigos e sinceros. Entendo que a minha proposta devia ser attendida, pelas razões que tenho apresentado.

Quer V. Exa. e a Camara ver uma nota muito ellucidativa da maneira como teem augmentado as despesas do Ministerio da Guerra ? - Vae ouvir para ficar identificado.

A nota é a seguinte:

Officiaes que se reformaram nos annos de 1880 a 1886 e qual a sua despesa:

1880, 58......................... 38:016$000
1881, 53......................... 41:112$000

882, 54......................... 41:052$000
1883, 60......................... 42:816$000
1884, 47......................... 30:927$000
1885, 48......................... 31:572$000
1886, 45......................... 29:964$000
365

Como se vê, a verba com os reformados tendia a decrescer.

A media dos officiaes reformados nestes 7 annos foi do 52 proximamente.

A media annual da despesa foi do 36:000$000 réis.

O que succede agora?

No anno de 1897 reformaram-se 100 officiaes,
cuja despesa foi de........................... 79:744$800
A media que acabo do indicar foi de........... 36:500$000
A mais........................................ 43:244$800

Veja V. Exa. se isto não é para apavorar!

No anno de 1897 reformaram-se 14 generaes de divisão, mas para a Camara ver quanto isto é exagerado, basta dizer que o quadro de generaes de divisão é de 6.

Reformando-se 14, foi mais do dobro dos generaes do quadro effectivo; foram duas camadas num anno!

Nesse mesmo anno de 1897 reformaram-se 24 generaes de brigada; quer dizer: sendo 20 o quadro effectivo, reformaram-se mais 4 do que o quadro!

Só neste anno ficaram reformados ao todo 38 generaes!

Quer a Camara ver quantos generaes reformados ficaram existindo no fim do anno de 1897? Ficaram existindo 258!

Note a Camara isto: sendo de 26 o numero de generaes no effectivo de serviço, 6 de divisão e 20 de brigada, nós temos reformados quasi dez vezes mais do que temos no effectivo!

Isto não será uma cousa para ponderar?

Todos os officiaes reformados neste anno subiram a 1889!

Eu acho que precisamos parar neste caminho, porque o país não pode pagar tanto desvario.

Sr. Presidente: eu fiz parte da, Camara de 1892, a que ha pouco se referiu o Sr. Presidente do Conselho; com a mais profunda convicção apoiei aquelle Ministerio e votei todas as leis de salvação, imaginando que se ia entrar em vida nova e d'ahi por deante não se fariam despesas senão aquellas que fossem absolutamente indispensaveis.

Sr. Presidente: qual não tem sido, porem, a minha surpresa ao ver que d'ahi por deante acontecia ainda peor do que d'antes.

Para que serviu tão grandes sacrifícios que se obrigou o pais a fazer?

Para, haver mais dinheiro para esta enorme voragem a que temos assistido e que parece haver proposito de fazer gala no impudor com que se dispõe do dinheiro do contribuinte.

Sr. Presidente: tinha muito mais a dizer sobre o assumpto, que é deveras importante, mas não quero cansar a attenção da Camara, e, por isso, vou simplesmente fazer ainda algumas referencias para mostrar quanto se tem abusado das reformas no exercito.

Este augmento não tem sido só pelo limite de idade, mas tem-se forçado a reformar officiaes que ainda eram validos.

Sr. Presidente: mostrei eu ha pouco que em 1897 havia:

Generaes reformados......................... 258
Em 1896 havia............................... 220
Augmentou num só anno....................... 38

No anno de 1898 ficaram existindo 263 generaes reformados, que, comparados com os que existiam em 1896, ficou havendo 43 a mais!

Todos os officiaes reformados que existiam:

Em 1896.................................... 789
Em 1898.................................... 907
A mais..................................... 118

Sr. Presidente: quando se estuda e se medita a serio no que tem sido a administração d'este pais, não pode deixar de se ficar apprehensivo sobre qual será o seu futuro, porque para toda a parte para onde se olha não se veem senão esbanjamentos.

Sr. Presidente: já mostrei quaes foram os officiaes que se reformaram no periodo de 7 annos, de 1880 a 1886; quero agora mostrar tambem quaes os que se reformaram no mesmo período de 7 annos de 1891 a 1897:

1891 reformaram-se.......................... 53
1892 reformaram-se.......................... 41
1803 reformaram se........................... 63
1894 reformaram-se........................... 77
1895 reformaram-se........................... 73
1896 reformaram-se........................... 70
1897 reformaram-se.......................... 100
Somma........................................ 477
Differença a mais neste perlado.............. 112

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16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A media annual dos officiaes reformados de 1891 a 1897 é de 68,1.

A media annual do mesmo periodo de annos de 1880 a 1886 é de 52. Vê-se, portanto, a enorme differença.

Sr. Presidente: parece-me que a Camara deve estar edificada com os argumentou que lenho apresentado, e de mais preciso dizer que, a continuar este estado de cousas, que vejo que se truta de eternizar para desgraça do pais, havemos de ver em breve tempo muitos officiaes serem attingidos pelo limite de idade no posto de capitão. Bonita carreira paru elles o admiravel situação para o país, que tem do lhes pagar.

Na arma du artilharia ha officiaes que saíram capitães proximo dos 48 annos. Dos capitães de artilharia ultimamente promovidos ha 3 de idade de 46 a 49 annos; aos 60 annos não podem estar majores e serão, portanto, attingidos pelo limite de idade no posto de capitão.

Actualmente já ha capitaes do artilharia com 16 annos neste ponto, ao passo que na infantaria estão a sair majores com 12 annos de capitaes e na cavallaria succede outro tanto.

Veja V. Exa. que bonito futuro está reservado aos officiaes de artilharia:

Officiaes

Em 1891 acabaram o curso de artilharia......... 31
Em 1892 acabaram o curso de artilharia......... 30
Em 1893 acabaram o curso de artilharia......... 37
Todos.......................................... 98

Sendo o quadro dos capitaes de artilharia de 86, vê-se que só nestes tres annos ha mais officiaes do que o numero de capitaes. Muitos d'elles hão de ser attingidos pelo limite de idade neste posto.

Esta questão dos limites de idade dá absurdos notaveis. Os que preconizam os limites de idade dizem que a França, a Hespanha, a Italia, a Grecia e a Inglaterra teem essa disposição nu sua legislação. Quando lhes convem citam a Allemanha como modelo das instituições militares, mas como esto pais não tem limites de idade, já lhes não servo. Para este caso não é a, Allemanha que lhes serve de typo, é a. França, a Italia, a Grecia, etc. Até a Grecia lhes serve !

Ha umas cousas notaveis e singulares na questão dos limites de idade, que vou apresentar a Camara.

A França tem limito de idade, pois, apesar d'isso, em 1870, na guerra com a Allemanha, que não tem limite de idade, ficou derrotada, tendo a Allemanha, a dirigir a campanha, Moltko, com 80 annos.

A Italia tem limite de idade, mas em 1897, quando teve a guerra com a Abyssinia soffreu um grande e enorme desastre, e a Abyssinia, que não tem limite de idade, ficou victoriosa.

A Grecia tem tambem limite de idade, mas em 1898, quando leve a guerra com a Turquia, ficou derrotada, e a Turquia, que não tom limite de idade, ficou victoriosa.

A Hespanha tem limito de idade, pois, apesar d'isso, quando teve a guerra com a America, ficou derrotada e a America, que não tem limite do idade, ficou victoriosa, perdendo a Hespanha todo o sen imperio colonial. Parece que os chins tambem teem limites de idade e por isso ficaram derrotados na guerra com o Japão.

Todas as nações que teem limite de idade, teem soando grandes desastres nas lutas que ultimamente teem travado com as nações suas rivaes, que não admittem tal absurdo.

Os boers não teem limite de idade, mas a Inglaterra tem; pois apesar d'isso, os boers teem dado que fazer a Inglaterra, pelo que me tenho consolado de uma maneira extraordinaria. Eu, que sou liberal e patriota, não hei de ficar contente do ver aquelle desgraçado povo esmagado, tiver a sua desforra?

Confesso a V. Exa. com a franqueza que me é propria, que sinto unia verdadeira satisfação quando os telegrammas annunciam uma victoria dos boers, valente povo que luta pela sua independencia e que tem dado uma lição ao mundo do que podo uma pequena nação, quando querem os terminá-la.

Mas passemos adeante. Eu quis apresentar estes factos, para mostrar esta notavel coincidencia, que aliás tem uma explicação muito plausível; é que ura individuo quando chega a uma certa idade tem a prudencia, a moderação e o saber para dirigir os novos, que muitas vezos são imprudentes, sondo precisa a capacidade e a reflexão para moderar os seus impetos. Em todos os tempos os conselhos dos velhos furam sempre apreciados. Agora tudo está mudado, até em desprezar este salutar principio.

Sr. Presidente: eu falo aqui poucas vezes, e por consequencia tenham a paciencia os meus collegas de mo aturar por mais um bocadinho.

Nesta questão dos limites de idade, a Camara voe ver uma coincidencia extraordinária que ha de vir a dar-se.

D'aqui a poucos annos, os seis generaes de divisão, que é o posto mais alto do exercito, estão todos preenchidos por officiaes de engenharia. São os officiaes do engenharia que hão de occupar todos os legares de generaes de divisão. V. Exa. vê que estes indivíduos, attingindo estes postos muito novos, isto é, aos 60 annos proximamente, o como o limite de idade ó aos 70 annos, estão ali 10 annos a immobilizar a promoção, na sua e nas outras armas.

Pois isto não ha de ser modificado ?

Pois as outras armas não hão de ter promoções a estes postos? Pois só os officiaes de engenharia é que hão de occupar durante um largo período todos os postos do general do divisão? Pois a arma de infantaria, a mais numerosa do exercito, ha de estar tanto tempo sem ter um representante neste posto?

Pois o país podo estar descansado, entregando o cominando de todas as unidades superiores do exercito aos officiaes do engenharia, que são intelligentes mas que passaram a sua vida numa secretaria, ou a dirigir trabalhos da sua profissão e não a dirigir soldados ou a exercitar-se no cominando do tropas?

Sr. Presidente: faço só estas observações e não digo mais nada, porque o meu fim não é melindrar ninguem porque não é essa a minha indole, o não tenho motivo para o fazer.

Eu não quero cansar mais a attenção da Camara, ainda que tinha muitas cousas a dizer, todavia, vou ainda referir-me a outro assumpto.

Sr. Presidente: está nesta Camara um projecto que foi apresentado o anno passado pelo Governo, e que renovou a iniciativa este anno, para dispensar os officiaes do exercito do pagamento da contribuição de renda de casas.

Peço que rasguem este projecto, que a meu ver representa uma affronta aos officiaes do exercito.

Querem equiparar os officiaes do exercito com os candongueiros, a quem foi primeiro dispensada essa graça, servindo-se para isso das auctorizações parlamentares; não podo ser.

O exercito repelle uma cousa d'essas, porque deve julgar affrontosa da sua dignidade. Alem d'isso o beneficio é tão insignificante que não valo a pena dispensar lho um favor igual ao que se fez aos empregados da fiscalização dos impostos. Os officiaes do exercito não querem cm caso algum equiparar-se com tal gente.

O Sr. Presidente do Conselho sabe bem por experiencia propria, as dificuldades que já encontrou no exercito quando em 1885 pretendeu equiparar os empregados da antiga fiscalização aos officiaes.

Ultimamente dispensaram-se do pagamento da contribuição de renda de casas os empregados da fiscalização dos impostos; agora quer-se comparar com elles os officiaes do exercito. Não pode nem deve ser. De mais, uma

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17 SESSÃO N.° 46 DE 2 DE ABRIL DE 1902

differença de 2$000 a 3$000 réis por anno não tem importancia alguma. Não é isso que vem remediar a má situação financeira em que se encontram os officiaes do nosso exercito.

Sr. presidente: o official do exercito é pobre, mas é digno. Tem bem provado em todas as epocas.

A situação que elles atravessam é muito critica mas o seu patriotismo não pode ser! posto em duvida.

Sr, Presidente: em 1887 fazia eu parte da maioria progressista e era membro da commissão de guerra. O Sr. Coado de S. Januario como ministro da guerra, apresentou á Camara uma proposta para o augmento de soldo dos officiaes, mostrando até á evidencia que elles não podiam viver com tão diminuto vencimento. (Apoiados). Esteve para haver uma crise ministerial; o Sr. Ministro da Fazenda oppôs todas as dificuldades a augmentos de despesa ; mas, reunidas as commissões de guerra e de fazenda, ; conseguimos chegar a um acordo, porque o Sr. Conde de S. Januario provou com toda a evidencia que os officiaes não podiam manter-se com o diminuto vencimento que recebiam.

As commissões de guerra e fazenda reunidas, compenetraram-se dos ponderosos motivos apresentados e resolveram dar parecer favoravel ao projecto do Ministro.

O augmento que se lhes deu foi pequeno, porque as circumstancias do pais, que eram mais desafogadas do que agora, não permittiam, comtudo, muita largueza.

Ora, se em 1887 já os officiaes não podiam viver com tão parcos vencimentos, o que fará agora em que os generos necessarios á vida, de então para cá, teem augmentado consideravelmente.

Mas elles são tão briosos, attendem tanto ás circumstancias do pais, que, não pedem que lhes augmentem cousa alguma; lutam com difficuldades, mas lutam calados; o que exigem, é que se faça o mesmo ás outras classes: não se augmentem as despesas,, porque o pais atravessa uma situação angustiosa. Isso é que elles teem direito de exigir, mas isso é que todos vêem que não se faz, e, sendo assim, poderão dizer como o celebre sapateiro de Braga: "ou comem todos, ou ha de haver moralidade! (Riso).

Este projecto, a que me estou referindo, é uma affronta aos officiaes do exercito. (Apoiados). Se quiserem melhorar a sua situação, façam como se faz na Austria; dêem-lhes gratificações de guarnição, conforme as terras em que fazem serviço, dêem-lhes casas para morar, uma vez que os quartéis as não teem e não se mostre que se lhes faz um favor que redunda em 2$000 a 3$0000 réis por anno, e que nada remedeia a sua situação.

Não quero abusar mais da attenção da Camara. Se quisesse fazer opposição, tinha elementos de mais e mesmo pendor para isso. Mas não quero fazer um discurso de opposição, porque, emfim: "Haja paz entre todos os christãos! (Riso).

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Sergio de Castro: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se consulte a Camara, sobre se consente que a com missão de redacção se reuna durante a sessão. = Sergio de Castro.

Foi approvado.

O Sr. João de Oliveira: - Sr. Presidente: comprehende V. Exa. quanto tem de embaraçosa no momento actual a minha situação.

Cabe me usar da palavra seguidamente ao illustre Deputado o Sr. Francisco José Machado que, como parlamentar antigo e dos mais valiosos, pôde proferir o brilhantíssimo discurso que a Camara acaba de ouvir, sem ter, como irá succeder-me, a toldar-lhe o espirito o apoucado dos dotes ou a velar-lhe a palavra a commoção, a que não consegue eximir-se quem pela primeira vez tem a honra de erguer a voz nesta sala.

Eu suppus, Sr. Presidente, que o Sr. Deputado Francisco Machado, tomando hoje a palavra, viria apenas impugnar o modo de ver da commissão do orçamento, que, não julgando a emenda proposta por S. Exa. susceptivel de attender-se na lei de receita e despesa, opinou por que ella fosse submettida ao estudo da commissão de guerra d'esta Camara.

S. Exa não se limitou porem a tal; munido de uma larga copia de documentos, veiu apresentar á Camara uma desenvolvida defesa do seu projecto, como se em discussão estivesse já um parecer da commissão de guerra, porventura contrario ás idéas de S. Exa.

Sr. Presidente: não vou acompanhar o illustre Deputado nas suas considerações sobre o limite de idade, porque S. Exa. considerou o assumpto, não na generalidade, mas num caso de applicação muito restricto e, a esse respeito, não tendo ainda opinião assente não poderia apresentá-la devidamente fundamentada.

O que agora dissesse, pró ou contra as considerações expendidas por S Exa., representaria apenas uma impressão de momento, susceptivel de alterar-se por um estudo mais reflectido., e como tal, se a Camara nunca terá a lucrar em ouvir-me, absolutamente perderia o tempo que eu lhe tomasse, enveredando por esse caminho.

Se me for dada a honra de discutir na commissão de guerra a proposta do illustre Deputado o Sr. Francisco José Machado, fa-lo-hei desapaixonadamente e emittirei a opinião que no meu espirito houver radicado o minucioso exame e demorada reflexão que não deixarei de consagrar lhe.

Devo porem desde já declarar ao illustre Deputado que estudarei o assumpto suggestionado pela sua inopportunidade.

Eu entendo, Sr. Presidente, que a instabilidade da legislação constituo um grave prejuizo para as instituições militares, e portanto apenas admitto que os diplomas legislativos se alterem quando esteja absolutamente reconhecida a necessidade de assim proceder.

Não succedendo isso com a lei do limite de idade, por algum modo tive de estranhar que a iniciativa de revogá-la partisse justamente de quem, com a sua palavra sempre auctorizada e sincera, com tanto brilho usa defender a causa do exercito.

Sr. Presidente: se um caracter de permanencia não pode infelizmente descobrir-se na excellencia das nossas organizações militares, menos pode notar-se, através dos tempos, um são criterio na opportunidade de decretá-las.

Sem remontar a data demasiado longinqua, basta analysar o succedido desde o meado do seculo ultimo, epoca em que, terminando as convulsões politicas que durante annos agitaram o pais, se inicia o periodo do paz interna e externa até hoje não mais interrompido.

A organização do exercito decretada em 1849 subsistiu até 1862.

Iniciou-se então uma época em que o prurido reformador surge com todas as suas desastrosas consequencias e o exercito é successivamente remodelado por decretos com data de 1863, 1864, 1868 e 1869.

Abre-se depois um largo parenthesis e Portugal não acompanha as demais nações da Europa nesse amplo movimento renovador a que todas se entregam em face das deducções tiradas da campanha de 1870.

Só em 1884 Fontes Pereira de Mello publicou uma nova organização do exercito, que sem duvida representou um agigantado passo no progresso das nossas instituições militares. (Apoiados).

Não seria justo esquecer seguidamente o benefico, influxo que em 1887 imprime ao exercito a intelligente direcção do Conde de S. Januario. (Apoiados).

De 1898 para o presente, a verdade manda se confesso

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18 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

que quantos toem passado pelos conselhos da Coroa, gerindo a pasta da Guerra, toem dedicado ao engrandecimento do exercito os seus mais louvaveis esforços e votado ao melhoramento das nossas instituições militares todos os recursos do seu saber e toda a energia de que é capaz a sua vontade.

São por iguaes salutares os effeitos d'esse criterio que em todos, por igual, se tom definido? Não o discutirei. Basta-me, Sr. Presidente, e isso faço-o com toda a força das minhas convicções e com toda a certeza de que ninguem pode levá-lo á conta de dedicação pessoal, basta-me, arrogar para o Sr. Conselheiro Pimentel Pinto a gloria de ter sido o iniciador d'essa radical evolução, d'essa nova era de esplendor para o exercito, abençoada hoje por quantos se honram de vestir uma farda. (Apoiados).

Só espiritos exageradamente propensos ao optimismo deixariam de sentir que em 1892 o exercito estava abatido no sou prestigio, o que na opinião publica lavrava contra elle uma accentuada corrente de desfavor. Da classe militar falava-se apenas ou para amesquinhá-la pela sua esterilidade ou para accusá-la de gastar, sem proveito para o Estado, largo quinhão das suas receitas.

Só espiritos demasiadamente minados pelo facciosismo podem negar que á passagem do Sr. Conselheiro Pimentel Pinto pelos conselhos da Coroa, no primeiro gabinete de que S. Exa. fez parte, se deve uma absoluta mudança no pensar geral da nação. (Apoiados).

E que S. Exa., tendo sabido erguer o exercito do abatimento a que o iam condemnando, não perdendo ensejo de avigorar-lhe o prestigio, pensando apenas em proporcionar-lhe os meios de bem cumprir a sua missão, conseguira pô-lo em circunstancia não só de despertar a admiração e respeito dos seus conterraneos, mas de causar assombro e impor-se á veneração de todo o mundo civilizado. (Apoiados).

Em 1896 o país, nutrindo polo exercito sentimentos bem oppostos ao de 1892, não negava, como hoje não nega, ao Sr. Conselheiro Pimentel Pinto a justiça de attribuir-lhe, e em muito, a gloria do que se cobriram em Africa as tropas expedicionarias de 1895. (Apoiados).

Sr. Presidente: da harmonia de pensar, da identidade de sentimentos a que alludi e que, como disse, vem desde 1893, era licito esperar resultados superiores aos colhidos, o sê-lo-iam se nos 9 annos, desde então decorridos, o porfiado empenho dos titulares da pasta da Guerra obedecesse a um logico espirito de sequencia e o seu dedicado trabalho apenas tivesse servido a causa do exercito.

Mas, Sr. Presidente, 9 annos é um periodo demasiado longo para que a paixão e o ardor partidario não tenham, durante elles, uma d'estas convulsões ou abalos capazes de trahir os mais sagrados designios.

A politica que, durante annos, se arredara dos assumptos militares, escolheu-os em 1899 para sen principal instrumento; isso explica seguramente o não ter a organização decretada nesse anno representado de beneficies para o exercito quanto poderia esperar-se da provada intelligencia, do muito valor e da incontestavel dedicação do illustre official que, como Ministro da Guerra, a subscreveu.

Seria, porem, faltar á verdade dos factos o affirmar que esse diploma correspondeu em merito ás boas intenções ao Sr. Conselheiro Sebastião Telles, ou que, por alguma forma, elle fez resplandecer a aureola de gloria com que S. Exa. ascendeu aos conselhos da Coroa, e que justamente emanara dos seus brilhantes escritos sobre a sciencia da guerra.

E estas palavras, creia V. Exa., Sr. Presidente, que tem de proferi-las com magna, quem, como eu, foi educado, ouvindo citar o nome do Sr. Conselheiro Sebastião Telles como um dos mais dedicados o prestimosos servidores das instituições militares, e, portanto, como tal, de novo de acostumou a
Venerá-lo

A luta travada em 1899 assumiu num e noutro campo proporções por tal forma agigantadas que motivo bastante de tristes apprehensões causou áquelles que, sinceramente devotados ao seu pais, teem de sentir todo o prejuízo que para elle advem da inconstancia da legislação do exercito e da falta do methodo e espirito de continuidade nos diplomatas que affectam a economia das instituições militares, essa luta nasceram, como forçada consequencia os diplomas ultimamente promulgados.

Sr. Presidente: os erros passados só pode remi-los no futuro uma nova orientação sã e perduravel. Que essa seja: collocar o exercito absolutamente fora da política e, para bem servi-lo, estabelecer-se entre os partidos um acordo que lhes permitia uma franca e leal collaboração. (Apoiados).

Por demais, Sr. Presidente, ia desviando as minhas considerações; reatando-as direi que se é certo não possuirmos uma legislação militar tão perfeita quanto poderia sê-lo, incontestavelmente nella se encontram diplomas de assignalado valor, muitos mesmo sem duvida, superiores, aos documentos similares do outros exercitos.

Encontramo-nos, seguramente, em condições de excluir, por absoluto, a necessidade de que venha um novo Schomberg, um novo Conde de Lippe, ou outro Beresford, redimir os erros da imprevidencia nacional.

Mas não creia V. Exa., Sr. Presidente, nem supponha a Camara, que eu sou um utopista, ou que o meu optimismo vae ao ponto do considerar a nossa legislação militar tão boa, que não seja susceptivel de em muito se beneficiar.

Terei talvez, Sr. Presidente, a opinião de que não será necessario legislar mais nem alterar o existente, mas reputo indispensavel radicar ou levar á pratica e á realidade muitas disposições que esperam ainda essa feliz hora.

A primeira necessidade consiste, Sr. Presidente, em estudar os meios de poder elevar-se o effectivo orçamental até á cifra necessaria para que nas differentes unidades haja pessoal bastante para se percorrer todo o programma da sua instrucção. (Apoiados). Bons regulamentos para ministrá-la não faltam.

Segue-se depois cuidar e com affinco do meio de pôr termo á crise dos graduados que hoje se accentua (Apoiados) e que nasceu, porque as disposições que em 1899 reduziram a 2 annos o tempo de serviço na fileira, não foram acompanhadas de quaesquer medidas tendentes a evitar essa crise que inevitavelmente tinha de produzir-se. (Apoiados).

Ha a elaborar o regulamento de reserva, em que hoje não terão apenas do considerar-se as tropas de segunda linha, mas tambem as de terceira visto que a criação d'esta foi uma das beneficas e salutares disposições do ultimo regulamento de recrutamento.

A escassez da producção cavallar no pois carece do prompto remedio por isso que dia a dia augmentam as difficuldades de remontar as nossas tropas.

Do capitalissima importancia é, Sr. Presidente, a questão do armamento que, infelizmente é forçoso confessá-lo falta para todas as armas. Louvavelmente entendeu o nobre Ministro da Guerra dever começar pela acquisição do material de artilharia necessario para as fortificações da barra (Apoiados), mas seguidamente terão de renovar-se as bocas de fogo dos regimentos de campanha como urge substituir o armamento usado pela infantaria. (Apoiados).

Sr. Presidente: quando tantas e tão momentosas questões devem preoccupar o espirito dos titulares da pasta da guerra, quando na solução de tantos e tão complicados problemas de administração existe largo campo para assignalar-se a iniciativa e valor d'aquelles a cuja, guarda estejam confiados os interesses do exercito, menos bem procederia, no meu entender, quem desviasse as attenções para reformar uma lei que se é Certo ter defrontado dura

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resistencia ao implantar-se, indubitavelmente hoje é bem acceite pelo exercito, talvez porque na sua applicação não tem dado logar a justos clamores, (Apoiados).

Se o adeantado da hora e a necessidade de encerrar esta já longa discussão, não devessem impor um breve termo ás minhas palavras, eu, Sr. Presidente, sem perder o ponto de vista generico em que me colloquei, algumas considerações teria a contrapor ás produzidas pelo Sr. Deputado Francisco José Machado a respeito do principio do limite de idade.

Justificá-lo como systema, não isento de defeitos, mas o mais racional para operar a selecção physica dos quadros ; apontar a necessidade de estabelecer escalonamento nos limites como meio unico de garantir alguma permanencia nos altos postos da hierarchia militar; cotejar a legislação similar dos outros paises para inferir que a nossa nada tem de severa, seriam, Sr. Presidente, entre outras, theses a que eu desejava dedicar alguns momentos mas que, pelas razões expostas, apenas posso citar, restando-me a esperança de que, com brilho de que eu não seria capaz, as desenvolverão os meus illustres collegas que venham a usar da palavra quando a proposta do Sr. Deputado Francisco José Machado volte á tela do debate nesta Camara.

Sr. Presidente: convencido, como estou, de que seria em desproveito do exercito a abolição da lei dos limites de idade, conhecendo quanto pelo exercito é apaixonado o meu illustre antecessor, e sabendo quanto teem de elevado e nobre os sentimentos que sempre ditam as suas palavras, eu sou forçado a attribuir talvez á differença de idades a divergencia que manifestamente existe entre o criterio de S. Exa. e o meu no assumpto que se discute.

Se assim é, Sr. Presidente, oxalá, e digo-o com toda a sinceridade, eu venha no futuro a pensar como S. Exa.

Isso será prova de que, ainda então, eu conservo pela vida militar todo o enthusiasmo com que a abracei, de que não apoucou em mim o affecto que hoje lhe consagro, nem tão pouco enfraqueceu a dedicação e boa vontade, com que, até ao presente, tenho procurado servi-la.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Antonio Centeno:- Quando se discutiu o orçamento do Ministerio da Fazenda, teve a honra de mandar para a mesa uma proposta de emenda, acerca da previsão de encargos para a divida fluctuante. Leu, porem, o parecer da commissão, que hoje, se discute, e quanto á proposta, que se referia a uma somma tão importante, como é a de 738:000$000 réis, nem uma só palavra encontrou. Limitou-se a commissão a dizer que não a acceitava, mas sem apresentar um unico motivo d'essa sua não acceitação. Está muito bem.

Um orçamento como este, em cuja discussão a opposição parlamentar, larga e completamente, demonstrou não corresponder este documento á verdade dos factos e que está cheio de inexactidões, não podia deixar de ser completado por um parecer, da natureza do que se discute, e no qual a commissão se limita a declarar que acceita ou rejeita esta ou aquella emenda, mas sem a minima razão justificativa, ou explicativa.

Se alguem tem necessidade de defesa, neste parecer, é o proprio Sr. Relator, porquanto as proprias emendas que apresentou, foram rejeitadas pela commissão, sem, satisfação de qualidade alguma!

Aproveitando o ensejo de estar com a palavra, seja-lhe permittido tratar de um assumpto, que vem a proposito de uma emenda apresentada pelo Sr. Oliveira Simões, e que, a seu ver, a commissão, fez muito bem em não acceitar.

Quer referir-se á emigração que, constantemente, se fez; sobretudo das nossas provincias do norte, para a America do Sul. Em sua opinião, é muitissimo mal gasto o dinheiro destinado á chamada policia de emigração.

Ha muito tempo que prendiam a sua attenção noticias de jornaes, dizendo terem chegado 200 ou 300 individuos, repatriados pelas nossas auctoridades no Brasil, e que recebiam do Governo Civil os meios necessarios, para se transportarem para as suas localidades.

Como succedia isto ? Ignorava-o; procedendo, porem, á investigações, averiguou que existem montadas, em Lisboa, agencias de emigração, algumas das quaes se denominam agencias de navegação, e isto por motivo de economia, pois que não pagam o imposto de sêllo. Tem ellas agentes espalhados por todo o país, a fim de angariar individuos, que vão, enganados, para a America. Os contratos feitos com esses individuos são deveras repugnantes. Esses agentes teem contratos com entidades officiaes, lá fora, e recebem, por cada homem ou mulher, de mais de 14 annos, 5 libras, e 2,5 libras por cada menor de 14 annos.

Os individuos angariados chegam a Lisboa, e ahi começam já a soffrer as suas penas. A maior parte das vezes promettem-lhes uma indemnização pelo tempo que aqui estiverem á espera de vapor; mas, depois, não lhes pagam, e são elles obrigados, durante 2 e mais dias, a passar as noites nos caes de Lisboa, onde, muitas vezes, são recolhidos pela policia.

Depois, vão para bordo dos vapores onde são alojados em condições peores do que as dos animaes.

O capitão recebe-os como se se tratasse de uma manada de bois, pois que até são numerados nas agencias.

Seguem d'aqui até ao porto do seu destino sem poderem desembarcar em parte alguma, e, chegados lá, são mettidos numa casa como se fosse um mercado onde os roceiros vão escolhê-los.

D'ahi, são transportados em vagon fechado, como se fossem para a praça do Campo Pequeno, para os differentes pontos onde vão trabalhar, mas pouco depois são repatriados a maior parte das vezes pelas auctoridades portuguesas, á custa do Thesouro.

Para isto é que elle, orador, chama a attenção do Sr. Ministro do Reino, para saber se S. Exa. está ao facto do que se passa, debaixo d'este ponto de vista.

Não quer alongar as suas considerações, para não prejudicar a votação do parecer; mas antes de terminar chama a attenção da Camara para o facto de ter a commissão de orçamento rejeitado uma emenda apresentada pelo Digno Presidente, sem ao menos dizer quaes os fundamentos d'essa rejeição, nem tambem qual a opinião do Governo; porque, então, a Camara votaria com conhecimento de causa.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. devolver as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Sr. Presidente: o Governo, para dizer qual a sua opinião sobre a emenda a que o illustre Deputado se referiu, não tem mais do que repetir palavras por mim proferidas nesta casa do Parlamento.

Ha dias, numa das ultimas sessões, respondendo eu a um aviso previo do illustre Deputado Sr. Queiroz Ribeiro acêrca da morosidade dos negocios da Justiça em Portugal, tive nessa occasião a grande satisfação de dar um testemunho bem publico e solemne de quanto era digna a nossa magistratura judicial, de quanto ella honrava a sua classe e illustrava o seu país. Dizia eu que, tendo o meu Illustre antecessor procurado saber qual o numero de causas que fora dos prazos legaes estavam pendentes de conclusão, se tinha demonstrado, em virtude d'essas averiguações, que apenas na Relação do Porto dois juizes e tinham causas fora dos prazos legaes; e que na Relação de Lisboa nem um só juiz retinha processos fora dos prazos da lei. Dizia eu tambem, que o Supremo Tribunal de Justiça

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tem dado provas completas o cabunes de quanto pode a sua dedução pelos serviços publicos; o accrescentava, nessa occasião, que isto era tanto mais para admirar quanto é certo que, nesse tribunal, excepção unica, onde ao trabalha desde manhã, os empregados em razão dos achaques proprios da sua idade não podem concorrer ali com a assiduidade que seria para desejar.

Accrescentava eu ainda que na Relação de Lisboa ha alguns juizes que, por não terem terço nos seus orçamentou, estão em circunstancias de nem sequer poderem prover á sua sustentação o manter dignamente a sua posição.

Quando dizia isto, Sr. Presidente, o Sr. Queiroz Ribeiro, membro da minoria progressista, dava-me apoiados.

E então respondia ainda: que aproveitava a occasião para declarar que trazia ao Parlamento uma proposta para que fosse concedido o terço.

É acompanhavam-me os apoiados do illustre Deputado, e nomeadamente os do Sr. Francisco José Machado!

Portanto, a opinião do Governo é agora a que era então. A concessão do terço aos juizes da relação é um acto de inteira justiça, porque o terço é o meio de se lhes dar ordenado condigno. O decreto de março de 1890 tinha cercado esse terço, nem lhes dar outros meios, ficando assim em condições do não manter na devida altura a dignidade do seu logar!

Por consequencia, a opinião do Governo é que é inteiramente justa a proposta. E, Sr. Presidente, fazendo inteira justiça ao sentimento patriotico e ás intenções dos membros da commissão, entendo tambem, como lembrou o illustre Deputado a que tenho a honra de responder, o Sr. Centeno, que já em 1899 se tratou tambem de assumpto absolutamente identico, tendo sido reconhecido o direito ao terço, d'aquelles magistrados judiemos, que lhes tinha sido tirado em 1892 pelas leis de salvação publica. Por consequencia, o Governo estimaria que a illustre commissão e a Camara votassem a emenda apresentada por um membro d'esta casa.

E respondendo assim á pergunta do illustre Deputado, não posso tambem deixar sem resposta outras considerações feitas por S. Exa.

S. Exa. referia-se a abusos que se davam com a emigração clandestina. Devo dizer ao illustre Deputado que a policia de emigração clandestina foi justamente criada para cohibir o coarctar esses abusos.

Até hoje, ainda não chegou ao conhecimento do Governo nenhum dou graves factos a que o illustre Deputado se referiu; mas tenho a certeza do que o nobre Presidente do Conselho e Ministro do Reino procurará informar-se decidamente e, contra quem quer que seja, proceder de maneira a terminar os abusos, e serão rigorosamente punidos. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu}.

O Sr. Abel Andrade (relator): - Segundo a declaração do Sr. Ministro da Justiça, mando para a mesa as seguintes propostas de emendas:

Proposta de emenda

Emenda ao artigo 6.° (additamento).

É o Governo auctorizado a regular a forma da amortização dos titulos da divida publica, que forem criados nos ternos d'este artigo.

(Substituição da emenda n.° 3). = Abel Andrade.

Emenda ao § 4.º (substituição).

§ 4.° Continuam prorogadas até 30 de junho de 1903 as disposição dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.°, e do § 2.° do artigo 13.° da carta da lei de 26 de fevereiro de 1892, subentendendo-se que, em relação aos juizes de 2.º instancia do continente do reino e aos do Supremo Tribunal de Justiça, fica, em vigor a disposição do § 2.° do artigo 1.°do decreto n.° 4, de 29 de março de 1890, confirmado por lei de 7 de agosto do mesmo anno. = Abel Andrade.

Foram admittidas.

O Sr. Francisco Beirão: - Alguma das propostas, que acabam de ser mandadas para a mesa, é a do Sr. Presidente da Camara?

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara para a leitura que vae fazer-se.

São, lidas e admittidas as duas propostas.

O Sr. Luiz José Dias: - Veja a Camara e conheça o país a coherencia que o Governo manifesta nos actos da sua vida administrativa!...

O Sr. Presidente do Conselho não podei associar-se, á proposta do Sr. Nogueira, em nome das leis de salvarão publica; e no entanto adopta o perfilha a proposta do Sr. Abel Andrade, a qual traduz uma clara e manifesta violação d'essas mesmas leis, que o Sr. Hintze invocou para rejeitar a do meu nobre amigo Sr. Nogueira.

Não nego a justiça d'esta ultima proposta, porque entendo que os magistrados judiciaes, a que ella se refere, estilo mal remunerados, mas igual razão assistia á proposta do Sr. Nogueira, que a maioria tão calorosamente applaudiu para em seguida rejeitar, só pelo simples facto de com ella não concordar o Sr. Presidente do Conselho.

Em tudo se manifesta a coherencia do Governo o da sua gente!

A propria commissão do orçamento, no parecer sobro as emendas mostra bem que é uma dilecta filha do Governo, porque tambem em nome da mesma incoherencia ministerial, com as mesmas razões, com que rejeitou uma proposta, admittiu outra, sondo ambas de fundo de justiça identico.

É assim que a commissão ao passo que proroga as disposições da lei de salvação publica, a que se refere a emenda, admittiu uma proposta em contrario d'essas mesmas disposições !

Não me admira que as propostas de emenda ao orçamento tenham norte varia, porque o critério da commissão deriva da incoherencia do Gabinete, secundada pela brandura dos nossos costumes; e por isso a approvação e a rejeição das propostas ficou dependente do padrinho, que as protegeu perante o Governo.

O que, porem, é novo nos annaes parlamentares, é o criterio malleavel com que ora se diz que é opportuno o augmento de despesa, ora se diz que não é opportuno; ora se diz que se pode legislar a proposito do orçamento, ora se diz que não. A minha surpreza occasionada por tal procedimento subiu do ponto, quando agora vi mandar para a mesa uma emenda relativa á proposta, que por occasião do debate sobro a generalidade eu havia apresentado.

V. Exa. vae ver e ha de ficar admirado com a exposição, que vou fazer rapidamente, depois da qual pouco mais direi, porque não quero causar a attenção da Camara, nem quero demorar a approvação do projecto, visto que o Governo está tratando de negociou importantes, e está precipitando os trabalhos parlamentares para se ver livre de nós o mais depressa possivel.

A nação vae-se manifestando, e é necessario arredar estes embaraços; é por isso que temos tido sessão á porta fechada e se tem praticado outras violencias, mas deixemos isto, porque o tempo urge.

Eu apresentei no dia 5 a proposito da discussão na generalidade uma emenda, que aqui esta assignada a que diz o seguinte:

(Leu).

A minha proposta tinha por fim substituir o artigo 6.º, que significava nada maio e nada menos do que a votarão de um orçamento à forfait, por isso que auctorisava o Governo a gastar quanto quisesse, auctorizando o a supprimento de receita até onde lhe apronvasse. Eu vi

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que esta faculdade inutilizava toda a votação orçamental e entendi na minha consciencia e em harmonia com as leis de contabilidade e com as regras da boa administração que devia mandar para a mesa essa emenda a fim de se substituir o artigo por ella, devendo prevalecer o seguinte:

(Leu).

Aqui tem V. Exa. qual era a minha emenda.

No dia 22 ao terminar a discussão do orçamento do Ministerio das Obras Publicas, o Sr. Relator perguntou-me o que queria eu significar com essa emenda?

Disse lhe qual era o sentido da minha idea, a qual tinha por fim, conseguir que esse ponto ficasse regularmente estabelecido.

O Sr. Abel Andrade: - Pedi a V. Exa. que me explicasse o espirito da sua emenda, porque tive dificuldade em ler a letra de V. Exa. que não é das que mais facilmente todos lêem.

O Orador: - A minha emenda é datada de 5 de março, e só no dia 22 e a seguir á minha resposta é que a substituição foi enviada para a mesa. Essa substituição diz o seguinte:

(Leu).

Esta proposta representa uma monstruosidade e por isso eu não podia deixar de diligenciar por obter a palavra para emittir a minha opinião.

Na estreiteza do tempo e na ordem dos trabalhos conheci que a discussão ia terminar antes de me chegar a vez, e por isso expus particularmente ao Sr. Presidente do Conselho o que havia a este respeito, chamando-lhe a attenção para essa emenda extraordinaria.

S Exa., por sua vez, chamou a attenção do Sr. Ministro da Fazenda, conferenciando nós tres, e achando-me ambos razão, e por isso o Sr. Ministro da Fazenda conferenciou com o Sr. Relator, o qual, como V. Exa. viu, mandou para a mesa outra proposta, que é exactamente a que eu dissera ao Governo ia offerecer.

São estes os factos.

Parece que se julgam vencidos ou mal collocados com a approvação das emendas, que a opposição apresenta. Mas o meu intuito não é fazer política na discussão de um assumpto, em que todos temos obrigação de collaborar; apenas desejo que o orçamento se aperfeiçoe o mais possível.

A precipitação nos factos provem da confusão de ideas em que labora a commissão, como clarissimamente se mostra pela simples leitura do parecer que se apresenta a proposito da minha emenda.

(Leu esse parecer).

Vê-se que ha uma confusão quanto ás respectivas receitas.

Como se vê do confronto da minha proposta com a materia do artigo 6.°, o caso de que se trata não é este, mas outro muito differente.

A commissão porem confessa ainda mais.

(Leu).

Veja V. Exa. como é manifesta a confusão e o equivoco em que labora a commissão.

Vejo a impaciencia do Sr. Presidente e do illustre leader da maioria.

Bem sei que a Camara está com pressa para votar, mas tenham paciencia e esperem, tanto mais que os discursos de estreia não são para estas occasiões, e eu não tenho culpa de se apertar a hora.

E aproveito a opportunidade para felicitar o illustre Deputado o Sr. Oliveira, que mostrou muito conhecimento do assumpto, que versou muito bem, mas que poderia ter deixado para outra occasião mais propicia.

Eu podia falar cinco quartos de hora, ficando com a palavra reservada, e bastante tinha que dizer sobre o projecto.

Parece que o Governo lança mão de todos os meios para abafar a voz dos Deputados da opposição.

No entanto não posso deixar de mostrar bem claramente que o projecto não podia ser approvado sem a correcção, que eu já não proponho, Visto que o Sr. Relator me antecedeu, como disse, e mandou a seguinte substituição.

(Leu).

V. Exa. comprehende isto?

A verdade é exactamente o contrario do que aqui está.

Pois se eu não applicar as sobras das verbas de despesa dos differentes capítulos do orçamento para amortizar, dentro do respectivo exercício, os bilhetes, as letras e os escritos do Thesouro, aggravo o desequilibrio orçamental, tendo de recorrer a outras fontes de receita para effectuar essas amortizações.

Alem de que se confundem as duas especies de divida fluctuante, representativas de receitas: - uma é a que representa receitas votadas e não cobradas, e outra a que suppre o deficit, e d'esta fala a commissão, quando d'aquella é que trata o artigo e a minha emenda.

Mas V.Exas. teem pressa e desejam que o parecer seja votado hoje, como se vê pelas impaciencias, que manifestam, e eu nada lucro em lhes ser desagradavel e por isso omitto as considerações, que desejava fazer.

Não me opponho a que se vote hoje este projecto; mas entendo que com a emenda do Sr. Relator o artigo 6.° e seu § unico ficam sem sentido.

Na minha proposta havia um artigo, que auctorizava o Governo á emissão dos títulos da divida publica e limitava a de emissão dos bilhetes do Thesouro. Eram auctorizações pautadas pelas leis da contabilidade publica.

Entendi limitar essa faculdade, que era illimitada e indefinida, de emittir bilhetes o escritos do Thesouro, porque a nossa administração corre por tal maneira que, se a Contabilidade Publica se quisesse combinar com a direcção da Thesouraria e não fossem honrados e honestos os funccionarios d'esses dois importantissimos ramos de serviço, poderiam gastar até 6.000:000$000 réis sem que o Sr. Ministro da Fazenda pudesse perceber!

Veja V. Exa. se um pais, administrado com estas regras, pode levantar cabeça e collocar a sua administração financeira á altura exigida pelas circumstancias tão melindrosas, que vamos atravessando.

Neste sentido e para apertar um pouco as malhas da gestão dos dinheiros públicos, mandei a minha emenda para a mesa e que foi substituída por outra, que se não comprehende e antes augmenta o mal de que adoece o projecto.

( leu)

Nem se diz se o Governo fica ou não auctorizado a emittir os bilhetes e qual o limite da emissão.

E como não diz cousa alguma a esse respeito vae a Camara votar uma cousa, que não faz sentido.

O Governo por esta emenda, que substituo a minha, podo empenhar no presente e no futuro todas as receitas do pais; pode estabelecer normas de amortização differentes d'aquellas, que estão consignadas nas leis. (Apoiados).

Tenho a consciencia de que não empreguei mal os 5 ou 8 minutos, expondo a minha opinião e chamando a attenção da Camara e do Governo e de todos para estes assumptos, a fim de que ao menos se legisle uma cousa clara e intelligivel, embora prejudicial e desorganizadora das finanças e da contabilidade.

Com relação ao augmento, que a commissão fez nas despesas, tambem ha muitos e grandes reparos a fazer.

No projecto havia augmentado a importante verba de 84:000$000 réis e agora parece, á primeira vista, augmentar apenas 11:000$000 réis, mas a verdade, que resulta e se apura da autopsia dos pareceres parciaes as emendas, eleva esse augmento a muitas centenas de contos de réis.

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E note-se que ainda ninguem tomou esta nova despesa em linha de conta para o calculo do deficit.

Nestes pareceres ha auctorizações concedidas ao Governo para poder gastar muito dinheiro, e só uma apresentada pelo Sr. Ministro das Obras Publicas ou alguem por elle, isto é, por intermedio do seu secretario, para poder fazer o pagamento de todas as dividas do Ministerio das Obras Publicas, absorve mais de 1.000:000$000 réis.

Com isto não contavamos para o desequilibrio orçamental !

Este novo artifício do Sr. Ministro das Obras Publicas não o tinha eu descoberto quando discuti o orçamento, porque é do agora e posterior áquella discussão.

As auctorizações, que, no parecer agora em discussão, se concedem ao Governo, augmentam as despesas em mais de 1.200:000$000 réis, que tenho de sommar ao deficit calculado na discussão geral.

Veja V. Exa. e vejam todos a quanto montará o deficit!

O Sr. Machado dizia que o Sr. Hintze Ribeiro, pelo facto de ter feito envergar uma farda de Ministro ao Sr. Vargas e ao Sr. Pereira dos Santos, tinha as inquirições tiradas; eu digo, em conclusão, que com uma administração d'estas e com Ministros como os actuaes, o país está livre de uma penhora.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. Ministro da Fazenda (Fernando Mattozo Santos) : - Vou rapidamente responder ás observações do illustre Deputado. Eu não tenho senão de confirmar os factos como se passaram. S. Exa. fez a observação de que não estava bem claro o que se dizia na substituição da emenda. Não se procurou, nem mesmo a commissão o diz, substituir a emenda de S. Exa. por outra equivalente; o que se diz é que se acha preferivel a forma que está no parecer áquella que S. Exa. propunha. Cada uma d'ellas, porem, tem o seu feitio diverso. É uma cousa a substituir outra. Nestas condições, diz a commissão do orçamento: "rejeita a segunda proposta de emenda apresentada pelo Deputado Luiz José Dias e em substituição d'ella acceita a proposta de emenda apresentada pelo Deputado Abel Andrade".

Trata-se, portanto, de uma outra cousa.

O Sr. Abel Andrade - Apoiado.

O Orador: - Mas desde o momento em que S. Exa. fez a ponderação de que não entendia, por isso que representativo do antecipação de receita não corresponde a representação de receita, o que evidentemente corresponde, eu procurei tornar mais clara a intenção da commissão perguntando ao Sr. Relator se tinha duvida em referir-se á disposição do artigo 6.°, não do artigo 6.° proposto por S. Exa., mas tal como se encontra no projecto de lei de receita e despesa, accrescentando no fim a forma de amortizar os títulos que em virtude das disposições d'elle forem emittidos, no que S. Exa. concordou.

(O orador não reviu).

O Sr. Francisco Beirão: - Como conclusão de toda esta larga discussão que tem tido o orçamento, eu desejo fazer uma pergunta ao Governo, especialmente ao Sr.
Ministro da Fazenda. Eu desejo saber se S. Exa. foi ouvido e se está de acordo com todo este parecer que está em discussão, porque o nosso Regimento diz que nos pareceres das commissões se deve sempre declarar que o Governo está de acordo, sob pena de se entender que não foi ouvido, nem está de acordo. Ora no parecer não se diz se Governo está de acordo.

O Sr. Ministro da Fazenda (Fernando Mattozo Santos) : - Fui ouvido e estou de acordo.

O Orador: - Ora, muito bem; fica declarado que o Sr. Ministro da Fazenda está de acordo com tudo quanto se diz neste parecer. Eu quero só chamar a attenção da Gamara o fazer uma declaração de voto pessoal com respeito ao seguinte: o Sr. Presidente da Camara mandou para a commissão uma emenda que representa não só a iniciativa de um Deputado qualquer, mas também a auctoridade do nosso Presidente.

A commissão, de acordo com o Sr. Ministro da Fazenda, diz o seguinte:

(Leu).

Facto inedito! Não só emittiu parecer e nem a commissão nem o Sr. Ministro da Fazenda emittiram juizo sobre a emenda do Sr. Presidente da Camara. Isto hoje surprehendeu alguns membros da opposição progressista. (Apoiados).

O Sr. Ministro da Justiça esse deu parecer sobre o caso disse que acha a proposta de V. Exa. muito justa e que acceita; e logo a commissão, de acordo com o Sr. Ministro da Fazenda, passa a ter uma opinião sobre o caso, e apresenta a proposta de V. Exa. Isto são factos averiguados ; não faço a critica d'elles, mas deixo-os consigna-los. Eu considero justa a proposta que V. Exa. mandou para a commissão, e acho que a commissão era incompetente para dar parecer sobre ella; mas como importa um augmento de despesa, e nas circumstancias actuaes não voto augmento algum de despesa, voto contra o parecer o portanto contra a emenda.

Quero deixar a responsabilidade da approvação d'esta emenda á maioria da Camara e ao Governo.

(O orador não reviu).

O Sr. Motta Prego: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. que consulte a Camara sobre se julga a materia da discussão sufficientemente discutida.- Motta Prego.

Foi approvado.

Foi approvado o parecer das emendas.

O Sr. Sergio de Castro: - Mando ultima redacção sobre o Orçamento.

Foi enviado á Camara dos Dignos Pares.

O Sr. Presidente: - Amanhã realizar-se-ha sessão de manhã, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje, começando a discussão pelo parecer n.° 20.

Está levantada a sessão.

Eram, 2 horas e 20 minutos da tarde.

O redactor = Affonso Lopes Vieira.

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