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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
lecer as alfandegas em torno de Macau, e os inglezes nossos alliados ajudaram-n'os n'esse empenho. Permittiram os inglezes que os chinezes collocassem alfandegas em torno de Hong-Kong, mas em territorio chinez, mas fóra da linha do respeito, mas de modo que não prejudicassem o commercio de Hong-Kong. Os chinezes, argumentando com este facto do estarem collocados os postos fiscaes em torno de Hong-Kong, collocam tambem postos fiscaes em torno de Macau, mas em territorio portuguez, mas dentro da linha de respeito, mas de maneira que está em frente de nós a artilheria chineza, do modo que o commercio de Macau foi altamente prejudicado.
O sr. ministro dós negocios estrangeiros, em nota de 3 de julho de 187G, convida a Inglaterra a cooperar comnosco para que sejam retirados os postos fiscaes das immediações do Macau o de Hong-Kong; a Inglaterra responde que não cooperava comnosco porque o caso era differente, pois que Macau não nos pertencia de direito, era chinez. A nossa alliada Inglaterra encarregava-se do dar á China argumentos para nos disputar Macau. Instada de novo a Inglaterra para uma cooperação commum ácerca dos postos fiscaes, a Inglaterra responde ao sr. Andrade Corvo que 03 interesses do Macau e de Hong-Kong eram differentes, e que o accordo não era desejavel. Eu não invento, eu não inverto, aqui estão os documentos. A esta generosidade, a Inglaterra junta o escarneo; a Imprensa diaria, jornal inglez de Hong-Kong, publicava no seu numero de 21 de julho de 1870 o seguinte:
A Camões voltou para Macau, e é de crer que os officiaes que n'ella vieram determinar a verdadeira posição das estações da alfandega chineza se certificassem de que taes estações se acham pelo menos a oito ou a dez milhas de Hong-Kong, e que esta colonia não está felicitada com ramificação alguma de estabelecimentos aduaneiros chinezes,: como succede em Macau, onde os chins cobram direitos, não obstante os portuguezes declararem ser Macau porto franco. Consta agora que um a-kau guarnecido por seis peças de artilheria está cruzando exactamente debaixo das peças da fortaleza da barra. Lindo estado de cousas para um porto franco!
E depois d'isto o sr. ministro dos negocios estrangeiros vem dizer-nos que não ha que receiar da Inglaterra, que ella anda toda entregue a santos e generosos emprehendimentos. O sr. presidente do conselho não quer que sé diga que é mau o estado da nossa fazenda, o sr. ministro dos negocios estrangeiros doura as nossas relações internacionaes. Sejamos, porém, verdadeiros, é de verdades o não de illusões que podem viver as nações e principalmente as nações pequenas. A Inglaterra, a nação que na Oceania faz desapparecer diante de si as raças indigenas; que na Asia opprime a índia com armas e mercadorias e envenena a China com opio; que na Europa empresta dinheiro a nações tontas para lhes recolher a herança, como fazem os usurários aos filhos familias; que inventou para a Europa o opio do livro cambio, para lhe destruir a industria; a Inglaterra, cujos missionarios dirigidos, auxiliados o hospedados pelos portuguezes, nos pagam essa direcção, auxilio o hospedagem, tornando-nos odiosos perante os africanos,; desacreditando-nos perante a Europa, como aconteceu com Livingstone; a Inglaterra apontada nas côrtes portuguezas por um ministro de Portugal como uma nação de que não temos nada que receiar para as nossas colonias de Africa!
Na concorrencia vital das nações, nenhuma deve descansar na generosidade das outras o muito menos as nações pequenas. Sejamos alliados da Inglaterra, sim; mas interpretemos os factos á luz da verdade o não á luz do arco iris.
Temos que receiar da Inglaterra; vejamos agora em que situação nos deixará uma companhia ingleza que fizesse as explorações concedidas ao sr. Paiva de Andrada.
Para se demonstrar que as concessões são convenientes, disso já um dos srs. ministros o seguinte: «quo um subdito
inglez conseguira do regulo de Matabele uma concessão do minas em territorio portuguez, e que á nossa reclamação se respondeu allegando se o direito de conquista do mesmo Matabele». Generalisando, a Inglaterra nega-nos o direito a todo o territorio que não occupâmos effectivamente. Para segurar esse territorio, o governo fal-o occupar pelos inglezes, que nol-o disputam, julgando que a Inglaterra, que sophisma o nosso direito comprando terrenos nossos a regulos, não encontrará sophisma algum tendo-lhe nós concedido a occupação. Não ha melhor meio de defender uma praça do que metter-lho o inimigo dentro.
Outro argumento para defender as concessões: conta-se nos que os jornaes inglezes dizem ás colonias portuguezas: «vede o estado florescente em que nós estamos sob o regimen inglez e o estado do miseria em que vós estaes».Isto quer dizer: — submettei-vos á Inglaterra, deixa e Portugal.
Para remediar isto, não ha cousa melhor do que conceder a região da Zambezia a uma companhia com capitães inglezes, porque os inglezes não farão então senão dizer aos indigenas: — conservae-vos fieis a Portugal. (Apoiados.)
Outro argumento ainda para defender as concessões: a Inglaterra em todas as suas colonias tem uma grande população ingleza, ao passo que nós não temos portuguezes europeus nas que nos pertencem, ou temos tão poucos, que não podem ser lá preponderantes.» Pois é por isto mesmo que não convem lá metter estrangeiros. Eu não receio que no continente do reino se formem algumas companhias estrangeiras; essas companhias, do algumas centenas do homens, não absorverão alguns milhões d'elles, ainda que muitas vezes a sua influencia nefasta se manifesta junto dos governos fracos, como o que se senta n'essas cadeiras; (Apoiados.) fraco diante de quaesquer capitalistas e do quaesquer bancos, só forte diante do eleitor para viciar o suffragio; (Apoiados.) mas, na colonia onde ha poucos portuguezes do origem o do coração, uma companhia que dispõe de capitães sufficientes para explorar as minas de oiro, de cobre, de ferro, de carvão, etc.. n'uma extensão do mais de 8:000 leguas quadradas, e claro que domina e que dispõe da colonia. (Apoiados.)
Pois que! Acreditaes que e possivel persistir a nacionalidade portugueza onde fosse tão grande o predominio do capital inglez o da população ingleza que dirigisse os trabalhos? A colonia ficaria ingleza dentro de pouco tempo, e a Inglaterra não teria que recorrer ás armas; recorreria a um principio de direito publico moderno; os indigenas e os trabalhadores das minas, pagos pelos seus capitães, declarariam que queriam ser governados pela Inglaterra, e a Inglaterra diria: — é minha a colonia de Moçambique; deu-m'a um plebiscito. (Apoiados.)
«O maior perigo na organisação de uma tal companhia consiste na quasi certeza de ir entregar a importante provincia de Moçambique a estrangeiros, que difficilmente serão d'ali desalojados. Podia exigir-se que a direcção fosse exclusivamente composta de cidadãos portuguezes. Mas isto é quasi impossivel, sendo os capitães estrangeiros, como de facto serão no caso de que se trata. Quem dá o dinheiro ha de dar o governo d'elle, e a influencia estrangeira será a dominante na provincia, se a proposta chegar a ser contrato, e convertido em lei; e este é um dos pontos de vista em que ella se afigura peior ao juizo d'este tribunal.»
E não são minhas estas palavras; escreveu-as a junta consultiva do ultramar ácerca da concessão pedida pelo sr. marquez do Niza, o estão assignadas pelo sr. presidente do conselho; o não julgava s. ex.ª que o maior perigo do tal concessão fosse pedirem-se direitos magestaticos, mas sim serem os capitaes estrangeiros, por que, quem dá o dinheiro, dá o governo; nem julgava s. ex.ª que bastasse exigir-se que fossem portuguezes os directores, para resalvar a nacionalidade da colonia. Agora, porém, nem tal exigencia se fez. Tinha s. ex.ª rasão então; agora temol-a nós, nós