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O sr. Laranjo (Na sessão de 7 de março): — O senado romano quando lho parecia que as circumstancias do estado eram anormaes, costumava dizer aos consules: «Acautelem-se os consules, não corra a republica algum perigo». E os consules diminuíam a liberdade, suspendiam as garantias, o diziam a final: «Foi uma providencia de ordem publica».

Acautele-se o sr. ministro da marinha, não corram perigo os interesses do sr. Paiva do Andrade, segredou a s. ex.ª não sei que genio familiar intimo que anda com s. ex.ª e que vela constantemente pelo sr. Paiva de Andrade; e como os consules romanos, s. ex.ª diminuiu tambem uma parte das garantias que eram concedidas aos cidadãos de poderem pesquizar as minas e adquirirem a concessão d'ellas; (Apoiados.) e como os consules romanos disse, tambem o sr. ministro da marinha. «Foi uma providencia de ordem publica.»

E a lei que permitte a pesquiza e exploração das minas a qualquer cidadão e clara e terminante; e d'isto dá testemunho o sr. ministro dos negocios estrangeiros, Andrade Corvo, que quando ministro da marinha o do ultramar dizia o seguinte n'um documento que vou ler á camara.

(Leu.)

Como a camara acaba de ouvir é o proprio sr. ministro dos negocios estrangeiros que reconheceu que a lei a este respeito era clara; e sendo permittido a todo e qualquer individuo explorar essas minas, é evidente que não podia fazer-se a concessão que se fez ao sr. Paiva de Andrade. (Apoiados.)

Providencia do ordem publica! Providencia contraria aos trabalhadores o á colonisação. Contraria aos trabalhadores, porque diminuindo a concorrencia na procura do trabalho, entrega os trabalhadores por um preço vil nos braços dos capitalistas; contraria á colonisação, porque impede, pela posse concedida ao sr. Paiva de Andrade, que outros emprezarios e outros capitães se empreguem no desenvolvimento d'essa colonisação. (Apoiados.)

Mas, na verdade, reputa o ministerio um mal que os trabalhadores fujam de umas para outras minas e vão explorar por sua conta? Se ámanhã uns emigrantes alliciados em Portugal, chegassem á Zambezia e lá encontrassem duas ou mais companhias que disputassem o seu trabalho, que lhes offerecessem salarios mais elevados do que os que se lhes tinham offerecido na metropole, habilitando-os com esses salarios a tornarem-se cultivadores, supporta o governo isto um mal?

Não é, de certo.

Se as emprezas disputavam os trabalhadores, offerecendo-lhes salarios mais elevados do que os offerecidos na metropole, é porque os lucros das emprezas lh'o permittiam, é porque os contratos primitivos feitos com os emigrantes eram lesivos para estes. (Apoiados.)

E oxalá que os emigrantes portuguezes encontrem sempre, em toda a parte para onde forem, essa liberdade e essa multiplicidade de emprezas que faz com que o trabalho seja bem remunerado. Oxalá que nunca encontrem diante de si providencias de ordem publica de natureza igual á d'aquella que foi decretada pelo sr. ministro da marinha, porque tal providencia acorrental-os-ha ao arbitrio dos capitalistas, e fará com que elles vivam na miseria e morram no desespero. (Muitos apoiados.)

Mas, na verdade, reputa o ministerio um mal, que, após o sr. Paiva de Andrade, vão outros emprezarios?

Diz a junta consultiva do ultramar que a lavra de qualquer das minas do estado na Zambezia daria resultados extraordinarios. E o governo concede não só qualquer dessas minas, mas todas, e, receiando pelos interesses do sr. Paiva de Andrade, ainda conceda minas que não são do estado, com o susto de que, após o sr. Paiva de Andrade, vão centenares ou milhares do emprezarios. Quer o governo, dia, occupar as colonias de Africa, para que não

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nol-as expropriem por utilidade da humanidade, e assusta-se diante da occupação?

É verdade que, como o partido regenerador fez o milagre de tornar o sr. Paiva de Andrada equivalente a todos os homens; indo para a Zambezia o sr. Paiva de Andrada, é o mesmo que irem milhões de homens; não é preciso que vão engenheiros, emprezarios, mineiros, cultivadores; basta que vá só o sr. Paiva do Andrada. No sr. Paiva de Andrada contêem-se todos os homens, do mesmo modo que em 50:000 hectares de terrenos, que não chegava a haver para o sr. Walker, se contêem 100:000, que ha para o sr. Paiva de Andrada. A um aceno poderoso do sr. presidente do conselho, ou as terras da Zambezia se dilataram ou a arithmetica mudou. Mas que muito, se ao seu fiat apparece um novo pantheismo, o sr. Paiva de Andrada consubstanciando, todos os homens!

Conta-se de um hespanhol que, retirando-se de Madrid, lho dissera: «Adeus, Madrid, que te despovoas». O sr. Paiva de Andrada póde dizer: «Salve, Zambezia, que te colonisas».

Mas, sr. presidente, eu não tenho intenção de seguir um a um pelo lado economico os artigos do decreto; o que eu pretendo é demonstrar que as concessões quase fizeram não darão, em resultado colonisação com que nós lucremos, e que naturalmente nos fazem saír das mãos a colonia.

Não desejo cansar a attenção da camara; e que a camara está cansada vejo-o perfeitamente, porque conversa muito. Desejo por isso ser breve. Mas, para a camara se não enfadar, tenha a bondade de attender, mesmo porque me parece que se cansa mais quando ao ouvido chegam sons que a distracção não consente que se tornem idéas.

No decreto ha concessões de minas, concessões de terrenos e concessões de florestas.

Investigarei quaes são as vantagens directas das concessões do minas, quaes são as vantagens indirectas e quaes as vantagens das concessões dos terrenos, combinadas essas concessões do terrenos com as das minas.

Não fallarei das florestas, ainda que poderia demonstrar á camara, que todas as vezes que nas diversas nações se têem feito concessões de florestas, d'esta ordem, o resultado tem sido sempre a devastação d'essas florestas.

Ninguem ignora a riqueza das florestas da índia ingleza, que creio que são: muito mais importantes do que as da Zambezia; pois" quando a Inglaterra fez concessões, de florestas da ordem d'aquella que acaba de ser feita, o resultado foi a devastação d'essas florestas em lai escala, que a Inglaterra viu-se obrigada a fazer depois uma plantação de arvores, para de novo poder ter florestas, o a organisar um corpo florestal com um pessoal numerosíssimo com instrucção e conhecimentos technicos.

Esse pessoal marca as arvores que se podem abater; essas arvores são vendidas, ou em hasta publica ou em contrato particular, ou abatidas e vendidas por conta do governo; mas nunca são dadas.

Dir-se-ha que esta concessão que se fez das florestas fica subordinada a regulamentos, mas pergunto: onde estão esses regulamentos?! Pergunto mais, os regulamentos têem, porventura pés, braços, ouvidos, olhos? Os regulamentos ião de se executar por si mesmos?!

E iremos nós constituir um pessoal numeroso e dispendioso para que o sr. Paiva do Andrada ou as companhias que elle organisar, explorem, de graça as florestas? Nós, com relação ás florestas, ficámos n'este dilemma, ou o sr. Paiva do Andrada ha de devastar o cortar as florestas á sua vontade ou nós havemos de ter ali um serviço especial, com numeroso pessoal o custando-nos muito dinheiro, para que faça cumprir os regulamentos florestaes. (Apoiados.)

E convem isto á nação?! Decerto que não. (Apoiados.)

Fallemos agora da exploração de minas.

É necessario, diz-se, que desappareça o estado do charneca das nossas possessões da Zambezia o Moçambique, o para isso. faz se uma concessão enorme de minas; o que suppõe que, com a exploração d'essas minas, se consegue o resultado desejado — cultura e colonisação.

E preciso, porém, em primeiro logar, fazer uma distracção radical, absoluta entre a exploração de minas e a exploração do terrenos. (Apoiados,)

A exploração agricola, se é feita segundo 03 methodos scientificos ou pelo menos com uma certa prudencia, deixa os terrenos valendo mais do que valiam antes da exploração; a exploração das minas, embora feita pelos methodos scientificos, deixa os terrenos valendo menos do que valiam antes de explorados, por isso que lhes tirou o minerio que continham, e deixa deteriorada uma certa porção do terrenos era torno da zona de exploração.

Sabemos que phenicios, carthaginezes e romanos exploraram minas na peninsula ibérica; ahi existem como vestigios vastíssimas galerias; pergunto eu, como seriamos mais ricos, encontrando essas minas exploradas por áquelles povos, ou tendo-as para as podermos explorar?

O que determina para uma nação a utilidade de uma exploração de minas não é a exploração em si, é a consideração das pessoas que fazem a exploração, o dos effeitos agricolas, industriaes commerciaes o politicos que ella produz.

Para sabermos, pois, se na colonia é conveniente a exploração, é necessario fazer as seguintes investigações. Primeiro, investigar quaes são as companhias, se são portuguezas ou estrangeiras; segundo, investigar quem são os trabalhadores; terceiro, investigar quaes são os effeitos da exploração mineira sobre a agricultura da colonia; quarto, investigar quaes são os effeitos que produzirá no commercio; quinto, investigar quaes os effeitos politicos que se produzem nas relações da colonia o da metropole.

Parece-me que foi de todas estas investigações que o governo se esqueceu absoluta o completamento.

A exploração das minas em qualquer nação traz lucros para essa nação quando a exploração é feita por nacionaes, porque é riqueza occulta nas entranhas da terra que passa a riqueza circulante, motora do trabalho nacional, productora por seu turno do outra riqueza.

Se são, pois, os naturaes da nação que exploram as minas, a nação lucra.

Mas as companhias que ha de formar o sr. Paiva de Andrada serão companhias compostas de capitalistas portuguezes ou estrangeiros?

Confessam todos que serão estrangeiros; os lucros dos emprezarios não virão para Portugal, a não serem os do sr. Paiva de Andrada, que por muito grandes que sejam, hão do ser insignificantes em proporção aos dos capitalistas.

Vamos agora a ver quem são os trabalhadores. Serão portuguezes, e virão por isso para portuguezes os salarios?

Se eu dissesse á camara que os trabalhadores hão de ser chinezes, a camara ria se, crivava-mo de ironias, perguntava-me onda fóra eu buscar o dom da prophecia; pois é certo que hão de ser chinezes; affirmou-o, e affirmou-o muito bem, o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Formadas as companhias de estrangeiros, essas companhias irão buscar chinezes para o trabalho.

A rasão d'isto é simples; é que as companhias procuram sempre os trabalhadores onde os encontram mais baratos, o são os chinezes os trabalhadores mais baratos do mundo. (Apoiados.)

Portanto, já vê. v. ex.ª e já vê a camara que não virão

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tambem para portuguezes os salarios dos trabalhadores (Apoiados.) E se suppozermos que o sr. ministro dos negocios estrangeiros se enganou quando affirmou que os trabalhadores seriam chinezes, o que acontecia o que aconteceu no Transvaal, quando ali se descobriram as minas de oiro, accorrerem mineiros da Austrália e da Califórnia, então a colonia pelo peso da nova população tornar-se-ía rapidamente ingleza.

Mas, dir-se-ha, esses chinezes, esses trabalhadores fixar-se-hão na colonia, o far-se-ha assim a colonisação.

Outro engano, outro erro.

A emigração chineza é Uma emigração temporaria, é uma emigração do ida o volta. (Apoiados.)

Não ha exemplo nenhum dos chinezes se fixarem nas colonias para onde vão trabalhar.

Os chinezes não têem repugnancia, têem horror a estabelecer-se nas terras estrangeiras para onde vão trabalhar.

Quando os chinezes chegam a qualquer paiz, o primeiro cuidado que têem é formar sociedades que lhes garantam, no caso de morrerem, que os seus cadaveres serão transportados para a China, o que tem feito dizer nos paizes para onde os chinezes vão: «Nós importamos chinezes vi voa, exportâmol-os manufacturados e mortos».

Já vê, portanto, v. ex.ª e já vê a camara que com os trabalhadores que se chamem por este meio a Moçambique que não se fará á colonisação. (Apoiados.)

Mas, dir-se-ha talvez, deixarão uma grande parte d'aquillo que ganharem na colonia.

Outro erro, outro engano tambem.

Os chinezes ganham o mais que podem, gastam é monos que lhos e possivel, esmagam com a sua concorrencia todos os outros trabalhadores e retiram-se. (Apoiados.)

Uma parte dos Estados Unidos está em sublevação quasi constante, por causa da emigração chineza. As colonias inglezas das ilhas da Oceania estão quasi nas mesmas circumstancias; o se não fossem os tratados de commercio que os Estados Unidos e a Inglaterra lêem com a China, ha muito tempo que teria sido prohibida a emigração dos culis.

Já se vê, portanto, que por este meio tambem se não póde alcançar nenhuma vantagem para a provincia de Moçambique.

Eu vou ler á camara, como testemunho do que estou dizendo, um trecho do uma obra sobre colonisação, obra que está sobre a mesa do sr. ministro da marinha, como s. ex.ª declarou no prologo que escreveu a um livro, obra cujo auctor já foi citado aqui como auctoridade pelo sr. ministro da fazenda:

E a obra de Leroy-Beauliéu sobre colonisação. Diz elle: »A immigração dos culis n’uma grande escala é talvez ainda mais perigosa do que a manutenção da escravatura. Nós não nos collocámos aqui no ponto de vista da moral e da liberdade humana, que raras vezes são respeitadas n'esses contratos quasi sempre viciados pela fraude ou pela ignorancia fallâmos unicamente no ponto do vista economico, social e politico.

«A introducção d'estes milhares de operarios estrangeiros com Costumes, linguagem e religião completamente differentes; a corrupção asiática que esses aventureiros da escoria das sociedades indiana e chineza inoculam nas colonias europeas; a instabilidade que resulta d'esta vasta população fluctuante que nada prende á terra que cultiva, as crises monetarias ou alimenticias que se multiplicam, ou pela derivação dos metaes preciosos que produz periodicamente a partida dos culis para a sua patria, levando as suas economias no fim do seu contrato, ou a necessidade permanente de pedir ás Índias alimentos especiaes, os unicos que os culis se prestam a consumir; o espectaculo desta sociedade sem homogeneidade, sem laço algum, sem communidade do interesses, sem subordinação real; é a nosso ver uma cousa para affligir e para dar inquietações. Os governos têem animado demasiadamente esta institui cão viciosa; em logar de auxiliar o seu desenvolvimento, teria sido maia conveniente procurar restringil-o. A immigração dos culis perpetua com effeito o estado do cousas que a escravatura tinha creado: a cultura exclusiva e a todo o transo dos generos do exportação, a ausencia de espirito de progresso e de investigação do que resultaram tantos males no passado, e que gerará ainda sem duvida bastantes males no futuro.»

Todos os demais escriptores concordara com este em que a emigração dos chinezes perpetua o estado de cousas crear; do pela escravatura e em que com tal emigração não só funda nada.

Mas diz-se «lucrará o commercio.» Mas eu pergunto qual será a direcção do commercio? Quem ha de dar a direcção ao commercio são os capitalistas e os trabalhadores; mas como nem uns nem outros são portuguezes, está claro que a direcção do commercio não será para Portugal.

Mas diz se «lucrará a colonia.» A colonia lucrará alguma cousa pelo menos por algum tempo. Mas aqui a questão está mal posta; não se deve encarar a questão simplesmente pelo lado da utilidade da colonia; mas pelo lado da utilidade da colonia combinada essa utilidade com a nossa, e não sacrificando a uma utilidade momentanea, pouco solida, outra mais duradoura, mais real

Se queremos simplesmente a utilidade da colonia, então entreguemol-a a qualquer nação mais poderosa do que nós que a colonia lucrará com isso; mas eu penso que não se trata da colonia simplesmente considerada como uma região, mas da prosperidade d'essa região combinada com a prosperidade portugueza.

Mas diz-se «lucrará o mundo». Lucrará o mundo sim, mas a questão não é esta, a questão está mal posta, e ainda mais mal posta agora do que pela primeira vez.

O mundo ganhará com a massa de novas riquezas que entram em circulação; mas Portugal perderá ou não? E é isto o que se deve investigar.

O que diria a camara do um individuo, que tratando dos negocios da sua casa, para saber se devia fazer ou não qualquer contrato, perguntasse a si mesmo: lucra o meu vizinho, os meus vizinhos todos, a humanidade, e nunca estabelecesse a questão por esta fórma — lucro eu sem offender os outros?

Não seria insensato esse homem?

A Inglaterra, essa não faz nunca senão politica ingleza; a França tem feito politica ingleza, politica italiana, politica prussiana, mas d'essas politicas generosas tirou Sédan. Não façamos nós politica que não seja portugueza para não encontrarmos o Sédan das nossas colonias; investiguemos se lucra o mundo; mas investiguemos antes se lucra Portugal; e Portugal perdiria. Tinhamos um grande valor na colonia; lançavamol-o do graça na circulação; sentíamos os effeitos na proporção da nossa grandeza com a grandeza do resto do orbe, davamos milhões, recebiamos um maravedi; fizeramos politica humanitária, mas não politica portugueza; fizeramos politica do eremitas, politica de ascetas, politica tambem de prodigos, mas não politica de nação sensata, não politica de governos reflectidos.

Dir-se-ha, nós ganhámos pelo menos 6 1/2 por cento; mas eu confesso que não me pareço que seis e meio a troco de cem seja um grande contrato. Parece-me um contrato do estroinas que vendem a herança futura e opulenta dos seus ascendentes por uma bagatella; um processo de selvagens, que corta uma arvoro para colher um fructo.

Consideremos agora a concessão de terrenos. As grandes concessões de terrenos estão reprovadas pela sciencia, não pela sciencia á priori, mas pela sciencia do factos, por experiencias tristes e por experiencias felizes.

Se olharmos para o Brazil o para os Estados Unidos, vemos que a emigração agricola para o Brazil é infelicíssima; consultando-se escriptores brazileiros e não brazilei-

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ros, quasi todos concordam em que as grandes propriedades, a falta do pequenas concessões de terrenos impedem que os emigrantes passem do salariados a cultivadores; o este phenomeno de passagem dos emigrantes de salariados a cultivadores é um phenomeno simplississimo, que se nota em todas as colonisações prosperas, e que signalam todos os economistas e entre elles Adams Smith.

Nos Estados Unidos á delimitação geometrica dos terrenos, a venda d'elles em lotes desde um minimo de 56O hectares até um maximo de 9:000 hectares, deu em resultado essa passagem gradual dos emigrantes de salariados para cultivadores e por ella a rapida formação d'essa nação gigante.

O resultado das grandes concessões é a exploração das colonias, contra todos os methodos agricolas, a devastação dos terrenos, a falta de cultura de viveres, as crises de fomes.

As grandes concessões de terrenos estão coordenadas com a escravatura; do mesmo modo que na Europa as propriedades' dos senhores feudaes e dos morgados estavam coordenadas com os servos da gleba e com as differentes Ordens.

Coordenadas com a escravatura, sim, ou legalisada ou do facto, mas facto que não se póde destruir sem se destruirem essas; concessões. O modo de ser da propriedade tem uma acção inevitavel sobre as relações entre os homens. Onde uns forem os proprietarios de leguas e leguas de terrenos e outros não possuirem terras, uns serão os escravos dos outros, embora a lei os declaro todos livres, todos iguaes. " Não são convenientes as, grandes concessões; e d'esta opinião "é tambem o sr. Andrade Corvo e tambem o sr. presidente do conselho; e eu vou provar o que digo com documentos assignados por s. ex.ªs

O sr. Andrade Corvo, n'umas instrucções dadas ao governador geral de Moçambique, em maio de 1874, diz o seguinte « Os terrenos (dos prazos da corôa) devem ser repartidos em lotes, que devem ser. dados aos indigenas para serem cultivados.»

Estou perfeitamente do accordo com estas idéas.

E n'uma consulta do conselho ultramarino, assignada pelo sr, presidente do conselho, diz-se o seguinte:

(Leu.)

Um dos problemas da politica portugueza, actualmente, é fazer derivar uma parte da emigração do Brazil para as nossas colónias"; estas grandes concessões vão impedir a resolução do problema; vamos constituir nas colonias o mesmo estado do prosperidade que no Brazil impede a prosperidade da nossa emigração agricola.

Ò unico meio de colonisar Moçambique, continuando a colonia a ser nossa, é colonisar por meio de portuguezes e por meio de indigenas; e estas concessões impedem uma o outra cousa.

Mas se ás grandes concessões têem estes inconvenientes, elles augmentam quando essas concessões se combinam com ás concessões de minas. Concedem-se explorações de minas.

Era conveniente que em torno das explorações se concedessem aos trabalhadores pequenos lotes 'de terreno; isso permitter-lhes-ía passarem de salariados a cultivadores, conservaria os salarios elevados, contribuiria para se fazer a colonisação; mas se ao mesmo tempo que se fazem concessões do minas, se fazem do terrenos ás mesmas companhias, é claro que essas companhias se apoderarão dos terrenos que ficarem mais proximos, e no seu interesse não os deixarão passar ao estado de propriedade particular dos trabalhadores, conservar-se-hão baixos os salarios, não se fará a colonisação.

Disse ha dias n'esta camara o sr. dr. Bocage que a nossa colonisação contava tres seculos de erros, tres seculos -de primes.

A camara applaudiu.

Eu pergunto agora á camara em que consistiram esses erros, em que consistiram esses crimes? Não foi um dos maiores erros constituir enormes propriedades? Não foi um d’esses crimes cultival-as por meio de escravos? E b que é isto agora senão constituir enormes propriedades? E não darão ellas em resultado a escravatura de facto, como a dá sempre a grande vastidão da propriedade? E quando as nações que constituiram as concessões vastas conhecem que se enganaram o procuram um regimen de pequena propriedade que o governo portuguez favorece o regimen contrario nas colonias? (Apoiados.)

Não repitamos os erros e os crimes que commettemos; ha tres seculos teriamos talvez desculpa; eramos inexperientes; abríamos o caminho á Europa; hoje somos os ultimos e é necessario que do mesmo modo que os nossos erros lho aproveitaram a ella, os erros o os acertos d'ella nos aproveitem a nós.

Considerámos as concessões pelo lado economico, consideremol-as agora nos seus effeitos politico?.

A Inglaterra, a nação que pelas suas circumstancias naturaes, reforçadas por meios artificiaes centralisou em si a industria e se fez a officina do mundo, vê se hoje a braços com uma crise prevista de ha muito pelos homens da sciencia. É claro que á proporção que as diversas nações que serviam de mercado á Inglaterra, forem progredindo industrialmente, o poder da Inglaterra ha de ir, diminuindo. Vão-se fechando já hoje:uma grande parte dos mercados da Inglaterra, e a activa nação vê que só a Africa a póde salvar. Rodeia-nos pelo sul, disputou-nos a bahia de Lourenço Marques, e os seus escriptores não se conformam ainda hoje com a sentença do Mac-Mahon; nega o nosso direito ás terras do interior, por falta do effectiva occupação; cerca-nos do estabelecimentos pelo norte; é pelos nossos portos o é pelas nossas terras que póde fazer se com facilidade o seu commercio, e ha pouco se noticiava que se tinha formado na Inglaterra uma companhia com o intuito de fazer" um caminho do ferro que passe pela Zambezia, e a Revista Britannica affirma que esta região lhe cairá fatalmente na mãos.

A Inglaterra é pois a mais interessada em formar a companhia de que precisa o sr. Paiva de Andrada, e ou ella a formará ou as acções passarão em breve para ella. E o que fará a Inglaterra?

O sr. ministro dos negocios estrangeiros, cujo saber eu respeito muitissimo, disse que não havia que receiar da Inglaterra, que a Inglaterra não quer terrenos, que a Inglaterra tem o nobre e generoso pensamento de levar á Africa a civilisação, o de extinguir para sempre o nefando trafico da escravatura.

Como está mudada a Inglaterra! a nação em que nasceu a philosophia do util, o que tem por principaes representantes em sciencias sociaes Bentham e Spencer, que se riem da moral da dedicação o que affirmam que é tratando cada um de si que se faz o bem, a Inglaterra a morrer pela humanidade, a Inglaterra a pregar o sermão da montanha, a Inglaterra feita o Christo das nações!

Mas, se a Inglaterra não quer terrenos, porque foi que nos disputou Bolama, porque foi que nos disputou a bahia de Lourenço Marques, porque é que nega o nosso direitos uma parto das nossas colonias? Pois é porque não quer terrenos que nos disputa terrenos? Para mostrar que temos que receiar da Inglaterra, não relembrarei a politica que ella tem sempre seguido comnosco, apontarei um facto passado com o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Todos sabem que nós e os inglezes temos ao sul da China, duas colonias, que são feitorias commerciaes importantes: Macau e Hong-Kong. Um governador energico de Macau, um martyr dos interesses o da honra de Portugal, Ferreira do Amaral, vilmente assassinado pelos chinezes, fez entrar no dominio effectivo de Portugal, ilhas que rodeiam Macau e fez levantar a alfandega chineza que se tinha estabelecido perto d'aquella colonia. Os chinezes tentaram restabe-

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lecer as alfandegas em torno de Macau, e os inglezes nossos alliados ajudaram-n'os n'esse empenho. Permittiram os inglezes que os chinezes collocassem alfandegas em torno de Hong-Kong, mas em territorio chinez, mas fóra da linha do respeito, mas de modo que não prejudicassem o commercio de Hong-Kong. Os chinezes, argumentando com este facto do estarem collocados os postos fiscaes em torno de Hong-Kong, collocam tambem postos fiscaes em torno de Macau, mas em territorio portuguez, mas dentro da linha de respeito, mas de maneira que está em frente de nós a artilheria chineza, do modo que o commercio de Macau foi altamente prejudicado.

O sr. ministro dós negocios estrangeiros, em nota de 3 de julho de 187G, convida a Inglaterra a cooperar comnosco para que sejam retirados os postos fiscaes das immediações do Macau o de Hong-Kong; a Inglaterra responde que não cooperava comnosco porque o caso era differente, pois que Macau não nos pertencia de direito, era chinez. A nossa alliada Inglaterra encarregava-se do dar á China argumentos para nos disputar Macau. Instada de novo a Inglaterra para uma cooperação commum ácerca dos postos fiscaes, a Inglaterra responde ao sr. Andrade Corvo que 03 interesses do Macau e de Hong-Kong eram differentes, e que o accordo não era desejavel. Eu não invento, eu não inverto, aqui estão os documentos. A esta generosidade, a Inglaterra junta o escarneo; a Imprensa diaria, jornal inglez de Hong-Kong, publicava no seu numero de 21 de julho de 1870 o seguinte:

A Camões voltou para Macau, e é de crer que os officiaes que n'ella vieram determinar a verdadeira posição das estações da alfandega chineza se certificassem de que taes estações se acham pelo menos a oito ou a dez milhas de Hong-Kong, e que esta colonia não está felicitada com ramificação alguma de estabelecimentos aduaneiros chinezes,: como succede em Macau, onde os chins cobram direitos, não obstante os portuguezes declararem ser Macau porto franco. Consta agora que um a-kau guarnecido por seis peças de artilheria está cruzando exactamente debaixo das peças da fortaleza da barra. Lindo estado de cousas para um porto franco!

E depois d'isto o sr. ministro dos negocios estrangeiros vem dizer-nos que não ha que receiar da Inglaterra, que ella anda toda entregue a santos e generosos emprehendimentos. O sr. presidente do conselho não quer que sé diga que é mau o estado da nossa fazenda, o sr. ministro dos negocios estrangeiros doura as nossas relações internacionaes. Sejamos, porém, verdadeiros, é de verdades o não de illusões que podem viver as nações e principalmente as nações pequenas. A Inglaterra, a nação que na Oceania faz desapparecer diante de si as raças indigenas; que na Asia opprime a índia com armas e mercadorias e envenena a China com opio; que na Europa empresta dinheiro a nações tontas para lhes recolher a herança, como fazem os usurários aos filhos familias; que inventou para a Europa o opio do livro cambio, para lhe destruir a industria; a Inglaterra, cujos missionarios dirigidos, auxiliados o hospedados pelos portuguezes, nos pagam essa direcção, auxilio o hospedagem, tornando-nos odiosos perante os africanos,; desacreditando-nos perante a Europa, como aconteceu com Livingstone; a Inglaterra apontada nas côrtes portuguezas por um ministro de Portugal como uma nação de que não temos nada que receiar para as nossas colonias de Africa!

Na concorrencia vital das nações, nenhuma deve descansar na generosidade das outras o muito menos as nações pequenas. Sejamos alliados da Inglaterra, sim; mas interpretemos os factos á luz da verdade o não á luz do arco iris.

Temos que receiar da Inglaterra; vejamos agora em que situação nos deixará uma companhia ingleza que fizesse as explorações concedidas ao sr. Paiva de Andrada.

Para se demonstrar que as concessões são convenientes, disso já um dos srs. ministros o seguinte: «quo um subdito

inglez conseguira do regulo de Matabele uma concessão do minas em territorio portuguez, e que á nossa reclamação se respondeu allegando se o direito de conquista do mesmo Matabele». Generalisando, a Inglaterra nega-nos o direito a todo o territorio que não occupâmos effectivamente. Para segurar esse territorio, o governo fal-o occupar pelos inglezes, que nol-o disputam, julgando que a Inglaterra, que sophisma o nosso direito comprando terrenos nossos a regulos, não encontrará sophisma algum tendo-lhe nós concedido a occupação. Não ha melhor meio de defender uma praça do que metter-lho o inimigo dentro.

Outro argumento para defender as concessões: conta-se nos que os jornaes inglezes dizem ás colonias portuguezas: «vede o estado florescente em que nós estamos sob o regimen inglez e o estado do miseria em que vós estaes».Isto quer dizer: — submettei-vos á Inglaterra, deixa e Portugal.

Para remediar isto, não ha cousa melhor do que conceder a região da Zambezia a uma companhia com capitães inglezes, porque os inglezes não farão então senão dizer aos indigenas: — conservae-vos fieis a Portugal. (Apoiados.)

Outro argumento ainda para defender as concessões: a Inglaterra em todas as suas colonias tem uma grande população ingleza, ao passo que nós não temos portuguezes europeus nas que nos pertencem, ou temos tão poucos, que não podem ser lá preponderantes.» Pois é por isto mesmo que não convem lá metter estrangeiros. Eu não receio que no continente do reino se formem algumas companhias estrangeiras; essas companhias, do algumas centenas do homens, não absorverão alguns milhões d'elles, ainda que muitas vezes a sua influencia nefasta se manifesta junto dos governos fracos, como o que se senta n'essas cadeiras; (Apoiados.) fraco diante de quaesquer capitalistas e do quaesquer bancos, só forte diante do eleitor para viciar o suffragio; (Apoiados.) mas, na colonia onde ha poucos portuguezes do origem o do coração, uma companhia que dispõe de capitães sufficientes para explorar as minas de oiro, de cobre, de ferro, de carvão, etc.. n'uma extensão do mais de 8:000 leguas quadradas, e claro que domina e que dispõe da colonia. (Apoiados.)

Pois que! Acreditaes que e possivel persistir a nacionalidade portugueza onde fosse tão grande o predominio do capital inglez o da população ingleza que dirigisse os trabalhos? A colonia ficaria ingleza dentro de pouco tempo, e a Inglaterra não teria que recorrer ás armas; recorreria a um principio de direito publico moderno; os indigenas e os trabalhadores das minas, pagos pelos seus capitães, declarariam que queriam ser governados pela Inglaterra, e a Inglaterra diria: — é minha a colonia de Moçambique; deu-m'a um plebiscito. (Apoiados.)

«O maior perigo na organisação de uma tal companhia consiste na quasi certeza de ir entregar a importante provincia de Moçambique a estrangeiros, que difficilmente serão d'ali desalojados. Podia exigir-se que a direcção fosse exclusivamente composta de cidadãos portuguezes. Mas isto é quasi impossivel, sendo os capitães estrangeiros, como de facto serão no caso de que se trata. Quem dá o dinheiro ha de dar o governo d'elle, e a influencia estrangeira será a dominante na provincia, se a proposta chegar a ser contrato, e convertido em lei; e este é um dos pontos de vista em que ella se afigura peior ao juizo d'este tribunal.»

E não são minhas estas palavras; escreveu-as a junta consultiva do ultramar ácerca da concessão pedida pelo sr. marquez do Niza, o estão assignadas pelo sr. presidente do conselho; o não julgava s. ex.ª que o maior perigo do tal concessão fosse pedirem-se direitos magestaticos, mas sim serem os capitaes estrangeiros, por que, quem dá o dinheiro, dá o governo; nem julgava s. ex.ª que bastasse exigir-se que fossem portuguezes os directores, para resalvar a nacionalidade da colonia. Agora, porém, nem tal exigencia se fez. Tinha s. ex.ª rasão então; agora temol-a nós, nós

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que applicâmos o principio com que s. ex.ª argumentava outr'ora. (Apoiados.)

Introduzia companhias inglezas em Moçambique? Será Moçambique dos inglezes; dar-lh'o-ha um plebiscito.

E não se julgue que eu estou fazendo poesia, dizendo que havia do ser um plebiscito. Como é que a Inglaterra annexou o Transvaal?

Os boers predominavam no Transvaal; mudaram as cousas, diz um escriptor, desde que as minas de oiro attrahiram uma população heterogenea, em que predominava o elemento inglez. O presidente da republica do Transvaal vem á Europa; o Transvaal trava guerra com os bassoutos.

Armaram-se mercenários inglezes o allemães, e desde esse momento começou a haver viva agitação em favor da annexação á Inglaterra. Fizeram-se muitas petições para essa annexação, e por fim, o governador da colonia do Cabo, a 12 do abril de 1877, decretou a annexação do Transvaal á Inglaterra. E sabem como entrou no Transvaal?!

Não foi com um grande exercito; entrou com vinte e cinco soldados e uma philarmonica. (Riso.). Uma voz: — Já houve um ministerio que subiu assim ao poder.

Outra voz: —J á se saíu tambem com musica.

O Orador: — E como ha de saír este governo, mas a musica ha de ser maior. (Riso.)

Mas, continuando, porque rasão não houve necessidade de lucta para a annexação do Transvaal? Porque as condições da população se tinham modificado.

Aprenda Portugal n'este facto como se perdem colonias o como é verdadeira a maxima assignada do sr. presidente do conselho «quem dá o dinheiro, dá o governo», maxima que me parece a primeira do programma de s. ex.ª, a lei e os prophetas da sua politica.

Alem d'isto, supponha o governo que ámanhã se levanta um conflicto entro a empreza e os indigenas ou com qualquer povo selvagem; ha de o governo, portuguez mandar lá um exercito para defender essas emprezas, esses mineiros ou ha de consentir que lá vá um exercito inglez, arriscando-se assim á perda da colonia?

Não vê tambem a camara que, se todas as colonias quando chegam a um certo grau de prosperidade, ainda que a população seja originaria da metropole, se tornam independentes, com maior rasão isso acontece quando essa população originaria seja diminuta e haja uma invasão do trabalhadores estrangeiros?

Eu repito outra vez: «quem dá o dinheiro, dá o governo». E a maxima do sr. presidente do conselho.

Diz-se em defeza das concessões do decreto mas as outras nações icem feito concessões identicas. E admiravel. O governo tão escrupuloso em investigar differenças, quando se lho objectavam as idéas do sr. ministro da marinha, com relação a grandes companhias, as da junta consultiva do ultramar; agora para a defeza basta-lho uma analogia fictícia.

Em que nação é que encontram concessões analogas? Procurem e vejam se acham.

Ha alguma nação, que não tendo nas colonias população nacional, fizesse grandes concessões a estrangeiros, compromettendo assim a posso do colonia?

Citam muitíssimas companhias na Austrália; mas inglezas ou estrangeiras? muitíssimas ou uma só?

Quem inventou já um monstro como este do decreto?

Na Califórnia havia em 1867, 3:000 companhias, e isto só para a mineração do oiro, e concedendo-se a todos a pesquiza de minas não descobertas, e na Zambezia concede-se a um homem a exploração de todos os metaes que lá houver, e mais do todo o carvão de pedra, e, porque isto não basta, dão-lho ainda terrenos, dão-lhe ainda florestas!

Permittam-me que eu diga, isto é insensato.

E queriam que uma companhia que podesse explorar

tudo isto, fosse submissa como um amanuense de secretaria, e conservasse a colonia para Portugal!

Repito a maxima do sr. presidente do conselho: «Quem dá o dinheiro, dá o governo».

Mas o governo pergunta-nos: «O que quer a opposição que nós façamos? querem-nos dar os centenares, os milhares de contos que a Hollanda gasta com as suas colonias?»

O nobre ministro, apontando-nos as despezas da Hollanda com as colonias, esqueceu-se de nos indicar a receita que a Hollanda tira dellas; esqueceu-se do nos dizer que annos tem havido, em que a receita das colonias salvou a Hollanda da bancarota, e que todos os annos lho vem das colonias um dos seus principaes rendimentos; esqueceu-se tambem que ha Colónias militares, colonias commerciaes, colonias do plantações e colonias agricolas, o que se as colonias de plantações exigem vastos capitães, as colonias agricolas os não exigem tão grandes; e que renovando a pena de degredo, mal abolida pelo partido regenerador; organisando este; não fazendo penitenciarias na metropole, onde só são machinas do fazer loucos; mas fazendo-as nas colonias, para combinar a prisão com o trabalho; estabelecendo ali collegios de missões; fazendo que os da metropole sejam o que devem ser; delimitando pequenos lotes de terrenos, como nos Estados Unidos; dando-os ou vendendo-os a portuguezes e a indigenas, é mesmo a estrangeiros, comtanto que esses se não podessem tornar predominantes, se póde colonisar pouco a pouco, sem se despenderem capitães que excedam as forças da nação.

Quanto gastastes vós na penitenciaria de Campolide? dizei-me se um edificio d'essa ordem construido nas colonias, se esse dinheiro gasto nas colonias não seria mais proveitoso? (Apoiados.)

Mas se nem para isso temos dinheiro. Eu não acredito.

Eu julgava que o estado da fazenda publica ora necessidade absoluta de dar dinheiro, mesmo a quem o não podia, por falta do cofres em que elle se arrecadasse, o que assim como as arvores attrahindo as aguas espalhadas e em suspensão na atmosphera, a distribuiam em regatos e fontes, evitando as grandes inundações, assim o governo vendo as arcas publicas a rebentar de repletas, e receiando-algum diluvio do oiro que subvertesse cidade e homens, construiu canaes de irrigação, grandes e pequenos, para por meio d'elles distribuir os dinheiros publicos. (Riso.)

Todos os symptomas são do estado plethorico da riqueza publica.

Com effeito, dinheiro ao conselho do districto que o não pedia; á commissão da junta geral; um bibliothecario e um official de bibliotheca em lyceus cujos livros são: um La Place, um diccionario latino o pouco mais; professores das escolas superiores do paiz passeando e recebendo os ordenados; outros jubilados, depois desjubilados para se tornarem a jubilar com mais um terço do seu vencimento, e passeando sempre, como acontece com um cunhado do sr. ministro da fazenda; reformas continuas de empregados; augmento continuo de empregados, (Apoiados.) e a boa theoria que são 50:000$000 ou l00:000$000 réis; pois isto destroe o systema? (Apoiados.) Descansem a. ex.ª não destroe o systema, porque é n'isso exactamente que consiste o systema. (Apoiados.)

Este governo não tem dinheiro para aquillo que é util e necessario, tem-no para o que é inutil e superfluo. Acontece a esse governo nefasto, como aos chefes de familia pouco honestos, que têem dinheiro para todas as aventuras, e não o encontram nunca para sustentar e educar a familia. (Apoiados.)

Diz-se que é necessario colonisar a Africa e civilisal-a,

Sessão de 11 de março de 1879

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para que ella nos não seja arrebatada em nome da humanidade e da civilisação!

Foi necessario apparecer o sr. Paiva de Andrada, para se lembrarem do todos estes inconvenientes, que até aqui estavam completamente esquecidos. (Apoiados.)

Q illustre deputado o sr. visconde da Arriaga, disse' que tinhamos explorado a Africa, primeiro pela escravatura, depois por meio de tentativas do colonisação, e que estavamos agora a ensaiar o meio das concessões, que da escravatura não tinhamos tirado resultado algum; que as tentativas de colonisação tinham dado em resultado Mossamedes o Ambriz, tendo ficado sem effeito uma outra tentativa do sr. marquez de Sá; o que das concessões só temos tirado em resultado zeros; e, apesar d'isto, s. ex.ª vota pelas concessões, que produzem zero, o contra as tentativas de colonisação, que produzem alguma cousa. Anda s. ex.ª á procura de zeros para os castellos do sr. Serpa.

Concessões, disse s. ex.ª, do caminhos de ferro, concessões do dokas, concessões de minas, e o resultado sempre é zero. E já se lembrou o governo de averiguar qual a rasão d'este mal? A principal causa são os intermediarios. (Apoiados.) E isso comprehendo-se bem.

Faz-se uma concessão quasi sempre a um individuo que não tem capitães para explorar essa concessão, o, portanto, só a póde aproveitar para a vender. (Apoiados.) E é isso p que elle quer quasi sempre. (Apoiados.)

Quando apparecem as companhias, os intermediarios pedem dinheiro que as companhias não podem, ou não querem dar, o nada se faz; ao passo que se as companhias apparecessem directamente perante o estado, o estado podia fazer-lhos as concessões directa e gratuitamente, e as explorações ou as obras desejadas far-se-iam.

O sr. Paiva do Andrada escreveu n'uma carta que publicou, que as suas concessões valiam mais de 2.000:0000$000 réis. Supponhamos que ha exagero, que valem só réis 1.000:0000$000, ou só 500:0000$000 réis, ou só 200:0000$000 réis; com que direito é que o governo dá essa quantia ao sr. Paiva de Andrada?

Se as companhias dão alguma cousa pelas concessões, 6 necessario que seja o estado e não um particular que receba as quantias que ellas derem.

Q governo actual já quiz fazer uma lei regulando as diversas especies de concessões; faça-se essa lei, e faça-se o mais breve possivel, para que não continuem a eclipsar-se diante de individuos 09 interesses do estado. Faça-se a lei.

Pois não Vos tem dito o sr. procurador geral da corôa que estas concessões a individuos que só as querem para as revender são meros dons?

Mas estes meros dons decora-os o ministerio com b nome pomposo de providencias de ordem publica!

Providencias do ordem publica! Eu conheço d'este ministerio duas especies de providencias de ordem publica: providencias de ordem publica como a que mandou uma alçada a Portalegre, nomeou commissario de policia d'aquelle districto um individuo que tinha sido pronunciado pelo crime de roubo, de tiro de arma do fogo, de porte de armas prohibidas, o de motim em juizo.

Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — Como a que faz que a policia do mesmo districto prenda os cidadãos arbitrariamente, os espanque e os apedrejo no campo e nas ruas da cidade; o alem destas providencias conheço as de augmento illegal de empregados, as de gratificações illegaes, as que fazem com que o que devia custar cem custe mil.

Eis as providencias de ordem publica do ministerio, providencias que têem esta synthese: perseguição illegal contra 03 adversarios, favores illegaes para os proselytos, injustiça para todos..

Mas que admira se este ministerio anda amarrado a um vicio do origem, a um peccado original, que talvez venha a ter um triste baptismo.

Disso aqui o sr.'ministro da fazenda, que não receia um novo primeiro de janeiro, porque os factos não se repetem e que assim o demonstra a historia.

O que a historia demonstra, é que quando continuam a actuar sobre um povo os mesmos elementos que o levaram á primeira revolta, a revolta se faz revolução. Isto é o que a historia demonstra.

Abaixo as concessões do decreto. Abaixo, porque consideradas sob o ponto de vista legal, são uma illegalidade flagrante; abaixo, porque consideradas debaixo do ponto de vista economico são um monopolio esterilisador; abaixo, porque consideradas sob o ponto de vista moral, são um patronato escandaloso; abaixo, porque consideradas na sua extensão, são uma insensatez grandiosa; abaixo, porque sob o ponto de vista politico, são a perda do uma provincia, um erro o um crime de lesa nação.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

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