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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

pelo menos de enfado. (Apoiados.) Lembro-me de um facto narrado por Dixon no seu livro A Suissa contemporanea, e peço licença para o repetir á camara. Um suisso foi a París com a filha, menina ainda, e um dia lembrou-se de fazer uma digressão a Versailles. A creança apoiando-se da carruagem ficou surprehendida com a vista do palacio, e cheia de indizivel alegria voltou-se para o pae e perguntou-lhe: papá, aqui é a casa da escola?

Este facto é significativo, mas infelizmente não poderia realisar-se com uma menina educada em Portugal.

No estrangeiro as casas da escola têem a apparencia de palacios, entre nós têem a apparencia de uma prisão soturna o medonha. Em geral, vistas de fóra, causam asco; de dentro inspiram horror. Não attrahem a mocidade, repellem-n'a.

E note-se que este horror é ainda aggravado nas creanças pelo uso e abuso das palmatoadas e pelo emprego de modos brutaes o estupidos, para as obrigar a aprender o a b c por um methodo mais brutal e estupido que esses modos empregados. (Apoiados.)

O methodo que entre nós se emprega para ensinar as ercanças, em vez de lhes desenvolver a intelligencia, pareçe que tende a atrophiar-lh'a. (Apoiados.) É um methodo absurdo e nada racionavel. Depois de haver saído da escola o sermos já adultos, o nosso maior espanto é termos aprendido a ler por similhante systema, que é a negação de tudo o que é systema. (Apoiados.) Tambem, se conseguimos aprender é á custa de tempo tempo perdido na inacção da aula, e que devia ser aproveitado nos brinquedos infantis, os quaes, ao passo que alegram o espirito, fortificam e robustecem o corpo.

É possivel que o novo methodo de leitura de João de Deus não preste para nada. É possivel que da sua adopção não resulte utilidade alguma, nem até a economia do tempo. É possivel que até seja prejudicial.

Ainda assim, entendo que seria conveniente estudal-o. O dispendio seria pequeno, e as vantagens grandes. Dissipa-se uma illusão e talvez se evitasse o perigo. E quando o gasto fosse completamente inutil, nem por isso nós, que em assumptos de boa e parcimoniosa administração estamos muito longe de ser modelo, perderiamos grande cousa no conceito da Europa, por um novo capricho, por mais uma extravagancia, que ao menos tinha a desculpa do fim a que mirava — melhorar a educação popular.

O sr. ministro do reino disso que ía mandar estudar o methodo do João de Deus, e entregal-o á consideração de uma commissão e da junta consultiva de instrucção publica.

Respeito muito todas as commissões e todas as juntas, apesar de não estar costumado a ser surprehendido pela grandeza e proficuidade dos seus trabalhos. Entregue-se, pois, se quizerem, o methodo a uma ou a muitas commissões. Emquanto porém não apparecem os resultados de tão demorados estudos, permitta-se-me propor um alvitre. Estamos conversando em boa paz, e estou certo de que o sr. ministro do reino não se recusará a acceital-o.

O meu alvitre é simples. Eu, no caso do sr. ministro do reino, convidava o sr. João do Deus a ir por esse paiz fóra ensinar, explicar, e apostolar o novo methodo de leitura. (Apoiados.)

Se fosse mau, o descredito viria cedo. Se fosse bom, a pratica não se demoraria em apontar-lhe as vantagens. Talvez com isto ganhasse mais a causa da instrucção do que com muitos relatorios e pareceres de differentes commissões.

Acceitará o sr. João de Deus o convite do sr. ministro do reino? Não sei. A idéa é minha, não me foi inspirada. Nem eu sabia que hoje se tratava n'esta casa de similhante assumpto.

Mas se o illustre poeta quizer ir fazer uma peregrinação por o paiz, não se lembre o sr. ministro do reino de lhe traçar itinerario ou fixar programma. Deixe-o entregue só a si. Poetas não se sujeitam ás regras ordinarias, a que nós, simples mortaes, obedecemos no mundo. (Riso.)

Não lhe imponha jugos. Deixe-o liberrimamente, que a sua fé é garantia segura do seu zêlo. (Apoiados.)

O governo só deve ter um cuidado, — que não faltem a João de Deus os meios necessarios. Não se assuste o sr. Sampaio. João de Deus é modesto no seu viver. É principe no talento, mas não é principe no fausto.

Depois, o erario publico não está tão exhausto, que não possa aguentar com mais este capricho, esta extravagancia, e (porque não direi a palavra terrivel?) este esbanjamento enorme.

Eu, deputado da opposição, tomo inteira e completa a responsabilidade de o aconselhar no sr. ministro do reino. Declaro-o aqui bem alto, e peço que se registe esta minha declaração.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Acrescentarei muito poucas palavras.

Em parte satisfez-me a resposta do nobre ministro do reino. S. ex.ª creio que está animado dos melhores desejos de apurar a verdade. Para mim essa verdade já está demonstrada, porque conheço de perto alguns factos. Mas a minha convicção não se póde transmittir para o nobre ministro do reino; mesmo porque as nossas funcções e as nossas responsabilidades são completamente diversas. S. ex.ª representa o poder executivo, e eu sou um simples deputado.

Não pretendo delimitar ao nobre ministro qual o caminho que ha de seguir, qual a vereda que ha de trilhar. Acceito as promessas que s. ex.ª fez sobre este assumpto, e acceitaria ainda melhor as indicações mais restrictas feitas pelo meu amigo o sr. Pires de Lima.

Não estou aqui a defender o methodo; não preciso fazer isso; o que quero é que o sr. ministro do reino, e todos aquelles que podem interferir n'este assumpto, caminhem de boa fé, com o sincero desejo de apurar a verdade, e com vontade energica. Se porventura este methodo tem as excellencias com que o condecoram, póde e deve produzir maravilhosos resultados praticos que muito desejo.

Em todo o caso, já que tratámos d'este incidente, direi a v. ex.ª e á camara que estou plenamente de accordo com o sr. Pires de Lima, quando elle se referiu ás nossas casas escolares. Em Portugal alguma cousa se ha feito, mas está quasi tudo por fazer.

Já fiz uma digressão á Suissa, e percorri este bello paiz não só como simples touriste, mas como homem que queria aprender e estudar n'aquella escola pratica de liberdade, illustração, e democracia.

Vi que os primeiros, os mais bellos e os mais architectonicos edificios da Suissa eram exactamente aquelles onde a infancia ía abrigar-se para colher o pão do espirito.

Vi ainda mais, que eram esses os verdadeiros templos da igualdade.

A escola primaria da Suissa todos os cidadãos têem obrigação de levar os seus filhos, qualquer que seja a sua condição social.

Vi o filho dos ultimos descendentes dos velhos barões feudaes, sentado ao pé do filho do mais humilde operario, e o de mais opulento banqueiro ao lado do filho do proletario.

Emfim ali todas as condições sociaes estão irmanadas e confundidas perante aquella eucharistia da instrucção.

Era isso o que eu queria que tambem se fizesse em Portugal, porque para mim a instrucção primaria deve ser monopolio do estado.

Todavia as minhas aspirações sobre a instrucção primaria, se porventura quizesse expendel-as, levar-me-íam muito longe.

O que desejava simplesmente era restringir-me ao ponto para o qual tinha chamado a attenção do illustre ministro. Fico, pois, aguardando os actos do nobre ministro em

Sessão do 20 de março de 1878