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SESSÃO DE 20 DE MARÇO DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocba Peixoto

SUMMARIO

Depois da leitura do expediente, o sr. Osorio de Vasconcellos chamou a attenção do sr. ministro do reino a respeito do novo methodo para aprender a ler e escrever, do sr. João de Deus, incidente em que tomaram parte o sr. ministro do reino e o sr. Pires de Lima. — Na ordem ao dia continuou a discussão do projecto n.º 17, lei eleitoral, fallando diversos srs. deputados, e sendo approvado os artigos 1.°, 2.° e 3.° e remettidas á commissão as differentes propostas apresentadas.

Presentes á chamada 36 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Cardoso Avelino, A. J. d'Avila, Telles de Vasconcellos, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Vieira da Mota, Custodio José Vieira, Francisco de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Illidio do Valle, Ferreira Braga, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Figueiredo de Faria, Namorado, Moraes Rego, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Bivar, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Mello e Simas, Cunha Monteiro, Placido de Abreu, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Braamcamp, Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Carrilho, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Neves Carneiro, Conde de Bertiandos, Conde da Foz, Forjaz de Sampaio, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco Costa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Dias Ferreira, José Luciano, Ferreira Freire, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, José de Mello, Julio de Vilhena, Luiz de Campos, Freitas Branco, Alves Passos, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Moreira de Rey.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Pereira de Miranda, A. J. Boavida, Conde da Graciosa, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Palma, J. Perdigão, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Cardoso Klerck, José Guilherme, Nogueira, Mexia Salema, Rocha Peixoto (Manuel),Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Ricardo Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Carregoso, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Acta — approvada.

Abertura — ás duas horas eum quarto da tarde.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. Francisco de Albuquerque, o auto de syndicancia a que se procedeu por occasião da posse da camara municipal de Tondella, ultimamente eleita.

Foi enviado á secretaria.

2.º Da direcção da associação commercial do Porto, acompanhando a nota das alterações que a mesma associação entende dever propor á carta de lei de 22 de junho de 1867, sobre sociedades anonymas.

Foi enviado á commissão de fazendo.

3.° Do ministerio das obras publicas, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. Marçal Pacheco, copia dos documentos ácerca do serviço do pagamento de despezas relativas ao caminho de ferro do Algarve.

Foi enviado á secretaria.

Representações

1.ª Dos officiaes, aspirantes de primeira e segunda classe e archivista paleographo da repartição de fazenda do districto de Coimbra, pedindo augmento de vencimento.

Apresentada pelo sr. deputado Julio de Vilhena e enviada á commissão de fazenda.

2.ª Dos escripturarios dos escrivães de fazenda do concelho de Aviz, no mesmo sentido.

Apresentada pelo sr. Custodio José Vieira e enviada á commissão de fazenda.

3.ª Da camara municipal do concelho de Gavião, pedindo modificação da lei de 16 de abril de 1874, divisão comarcã.

Apresentada pelo sr. deputado Pinheiro Chagas e enviada á commissão de legislação civil.

4.ª Da camara municipal da cidade de Lagos, reclamando o embolso de 7:673$707 réis despendidos pelo cofre do municipio na construcção dos dois primeiros lanços da estrada que conduz de Lagos ao limite do concelho a ligar com o de Villa do Bispo, construcção n'esse tempo a cargo do municipio, mas hoje por decreto de 15 de março de 1877 considerada para os effeitos da carta de lei de 15 de julho de 1862.

Apresentada pelo sr. deputado Cunha Belem, e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de obras publicas.

5.ª Das companhias de carris de ferro do Braga, do Porto á Foz e Matosinhos, viação portuense, viação do Minho e Porto, pedindo que a taxa da contribuição industrial sobre os dividendos das companhias de viação seja reduzida a 5 por conto sem addicionaes.

Apresentada pelo sr. deputado Illidio do Valle e enviada á commissão de fazenda.

Declaração de voto

Declaro que se tivesse assistido á sessão de limitem teria votado contra o projecto n.º 74 do anno passado, sobre a remissão e venda dos fóros, das camaras municipaes, pelos motivos seguintes:

1.° Porque nenhuma rasão de interesse publico reclama a adopção das providencias comprehendidas n'aquelle projecto, visto que a remissão e venda dos fóros até 100$000 réis é já feita perante as camaras municipaes, sem dependencia da licença do governo, nos termos da lei de 21 de abril e regulamento de 21 de setembro de 1873;

2.° Porque contem uma violação flagrante do direito de propriedade, e das estipulações dos contratos particulares na parte em que permitte a remissão, e torna obrigatoria a venda dos laudemios por 10 vezes o fóro ou pensão;

3.° Porque contem um privilegio e uma accepção injustificavel em favor dos devedores dos fóros ás camaras municipaes;

4.º Porque não se adoptam as providencias necessarias para se tornar effectiva a desamortisação dos fóros pertencentes ás camaras municipaes, ficando tal desamortisação á mercê das camaras municipaes, e dos interesses dos foreiros. = José Luciano.

Requerimento

1.° Requeiro me seja enviada, pelo ministerio do reino, com urgencia copia da syndicancia. mandada fazer ao es-

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crivão da administração do concelho de Tabua, no districto de Coimbra, pelo governador civil d'este districto. = José Luciano.

2.° Requeiro que pelo ministerio do reino seja enviada a esta camara com urgencia, a copia ou o original dos processos academicos, com todas as informações e documentos, instaurados contra os estudantes da universidade que ha pouco foram riscados. = O deputado, Francisco de Albuquerque.

Communicações

1.ª Mando para a mesa a declaração de que não compareci nas ultimas sessões por motivo justificado. = O deputado, Conde de Bertiandos.

2.ª Por motivo justificado não compareci ás ultimas sessões. = Placido de Abreu.

O sr. Visconde Sieuve de Menezes: — Mando para a mesa um requerimento pedindo diversos esclarecimentos pelo ministerio das obras publicas.

Mando tambem a seguinte nota do interpellação:

(Leu.)

Desejava fazer algumas considerações a este respeito, mas como não está presente o sr. ministro das obras publicas, peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para quando s. ex.ª comparecer n'esta casa.

O sr. Camara Leme: — Na sessão de 1876 tive a honra de apresentar um requerimento da viuva de um valente militar, por nome Ignacio Joaquim, que era major reformado.

Este nome, comquanto modesto, significa grandes serviços feitos ao seu paiz, e para o provar basta dizer que este bravo official fez toda a guerra da Peninsula com grande distincção, foi ao Brazil fazer a guerra, emigrou para a Galliza e tomou parte em toda a guerra do Porto, morrendo em major reformado.

Declaro a v. ex.ª que, como militar, me ufanaria, de ter a quarta parte dos serviços d'este bravo militar.

Como disse, apresentei um requerimento da viuva d'este official, a qual achando-se em precarias circumstancias, pedia a esta camara que lhe fosse concedida uma pensão, justa recompensa dos serviços de seu marido.

Este requerimento foi á commissão de fazenda, como já disse em outra occasião, e o seu relator, que era o nosso illustre collega e meu amigo o sr. Seixas, achou tão relevantes os serviços prestados pelo marido d'esta senhora que, descriminando-a de outras pensões, recommendava-a com especialidade ao governo, assim como a pensão da viuva de um outro valente militar que foi dar a vida pelo seu paiz no ultramar, refiro-me ao major Barahona.

Mas, só porque a commissão fazia especial menção d'estas pretensões, v. ex.ª advertiu que, em virtude do regimento dá camara, estes pareceres não podiam ser fundamentados; e estes requerimentos foram enviados ao governo para os tomar na devida consideração.

Consta-me que depois d'isto o governo, attendendo aos serviços do major Barahona, concedeu á sua viuva uma pensão.

A respeito, porém, d'esta senhora a quem me refiiro, não houve resolução alguma; e ella era inutil, porque n'esse tempo a pobre senhora falleceu, deixando uma filha ainda em peiores circumstancias do que estava quando sua mãe existia.

Aqui tem v. ex.ª o que succede ás familias dos militares que perdem a vida pela independencia e pelas instituições liberaes da sua patria.

Eu bem sei que o serviço militar é ja de si um sacrificio quasi total da personalidade humana ante a patria e o dever; bem sei que o cidadão, vestindo a farda, abdica da vontade pela obediencia, da conservação pelo perigo, do interesse pela modicidade, quasi pobreza da sua paga. Aos demais cidadãos pede o estado o seu trabalho, a sua cooperação e alguns tributos, mas não o tributo de sangue, o sacrificio da propria vida;

Foi sempre a honra a mais valiosa moeda com que se galardoaram feitos de armas, o annos consumidos por acampamentos e bivaques, como aconteceu ao bravo major reformado Ignacio Joaquim. É-o ainda hoje e sel-o-ha sempre, porque a religião das bandeiras impõe como primeiro dever a abnegação heroica. Para o veterano o maior premio das suas fadigas é dizer-lhe a consciencia que bem serviu a patria, e pode-se possuir do nobre o justo orgulho de haver cooperado activamente para os feitos gloriosos commemorados nos annaes militares do seu paiz.

Os poderes publicos, porém, não devem especular com a obediencia, exagerar a abnegação, decretar a pobreza.

Quaesquer que sejam as limitações com que o legislador estreite as ligações sociaes do soldado, o amor de familia ha de ter sempre no coração d'este um logar junto ao amor da patria e do dever.

A lei deve ás familias dos que bem serviram o seu paiz um amparo, na falta do seu chefe. Ao estado cumpre adoptar, como seus, aquelles a quem o soldado lega como unico patrimonio, o seu nome honrado e a sua espada gloriosa. E o que aconteceu á viuva do valente militar Ignacio Joaquim, é o que acontece agora á sua unica filha. Não a deixem morrer como a mãe, não deferindo os poderes publicos á sua justa pretensão.

Estas dividas em todos os paizes são sagradas e pagam-se religiosamente. E sabe v. ex.ª porque? Para evitar que o militar no ardor do combate pense em deixar na miseria a sua familia, podendo assim comprometter a causa que defende.

Peço pois á illustre commissão de fazenda, ou para melhor dizer ao governo, a quem a lei concedeu a iniciativa n'este negocio, toda a sua attenção e solicitude para o requerimento que envio para a mesa.

O sr. Ferreira Braga: — Sr. presidente, mando para a mesa o requerimento de Frederico Borges de Sousa, que pede para ser considerado como engenheiro addido e classificado nos termos da lei de 1868 com graduação militar.

Este distincto engenheiro civil, que tem prestado tão bons serviços no caminho de ferro do Douro, tem incontestavel direito em ter a sua posição garantida. Rogo a v. ex.ª se digne de mandar este requerimento á commissão das obras publicas, para sobre elle dar ainda n'este anno o respectivo parecer.

O sr. Francisco Costa: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal do Mafra, pedindo para ser convertido em lei do paiz o projecto de iniciativa dos meus illustres collegas, os srs. Jeronymo Pimentel e Vasco Leão, permittindo ás camaras municipaes remirem os fóros de que forem directos senhorios, independentemente de licença do governo.

Eu bem sei, sr. presidente, que esse projecto já foi approvado pela camara dos senhores deputados, mas como ainda não está approvada a sua ultima redacção, por depender do parecer da illustre commissão de legislação civil, ácerca das emendas apresentadas por occasião da discussão do projecto, não duvidei enviar para a mesa a representação da camara municipal de Mafra, a fim de que o parlamento veja que as municipalidades seguem de perto e com interesse este assumpto, circumstancia que não póde ser indifferente ao espirito esclarecido d'esta assembléa.

Peço a v. ex.ª se digne dar a esta representação o devido destino.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento que julgo justissimo, e que acompanhei de um projecto de lei.

O requerimento é o seguinte:

(Leu.)

Em conformidade com este requerimento fiz um projecto de lei, que não leio para não tomar tempo á camara. Vae assignado pelos srs. Cardoso Avelino, Mouta e Vasconcellos, Pires de Lima e por mim.

Requeiro que este projecto seja com urgencia remettido

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á commissão do instrucção publica a fim de dar o seu parecer com a maior brevidade, visto que o negocio do que se trata é instante.

A engenheria portugueza sempre se honrou de contar no seu seio o nome de Mousinho de Albuquerque. Póde dizer-se que o primeiro fundador d'ella foi o fallecido general Mousinho de Albuquerque, que caía no campo da honra defendendo a liberdade em Torres Vedras, deixando um nome honradissimo e illustrado por trabalhos da mais alta monta. (Apoiados.)

O pae do requerente chamava-se Mousinho de Albuquerque, e foram taes o tão relevantes os serviços que prestou como engenheiro, que julgo desnecessario encarecel-os, recommendam-se bastante por si.

Por todos estes motivos entendo e espero que não só a commissão de instrucção publica não deve ter duvida alguma em dar um parecer favoravel sobre este projecto de lei, mas tambem que a camara se associará em praticar este acto de grandissima justiça. (Apoiados.)

Mando para a mesa o projecto de lei e peco a urgencia delle.

Já que estou com a palavra, aproveito a presença do nobre ministro do reino para lhe fazer uma singela pergunta á qual espere que s. ex.ª me responderá.

Não ignora v. ex.ª de certo, nem ignora a camara, que n'estes ultimos tempos um dos nomes mais sympathicos, um dos homens de talento mais esclarecido em Portugal, um homem que é conhecido não só pelas suas admiraveis producções poeticas, mas pelo amor entranhado que sempre tem mostrado a todas as grandes manifestações de progresso, a todas as generosas e humanitarias aspirações da democracia, João de Deus, inventou um methodo de leitura que e já hoje a admiração não só dos nacionaes mas dos estrangeiros, (Apoiados.) que ha de ser, creio, um dos mais fecundos e maravilhosos transformadores das sociedades pela universal communhão n'essa grande mesa eucharistica, que se denomina a instrucção popular. (Apoiados.)

Esse methodo de leitura, que e talvez um melhoramento mais espantoso que podia honrar o nosso paiz, está já hoje desentranhando-se em fructos opimos e saborosissimos, e vem a ponto para dissipar a treva da ignorancia, que envolvo o povo e colloca o nosso paiz tão longe de uma simples mediania.

O estado de atrazamonto em que infelizmente se encontra a instrucção primaria em Portugal vem não só da falta de professores habilitados, em numero e qualidade, mas tambem e principalmente da falta de methodos racionaveis legaes e deductivos, que appellem para a intelligencia das creanças e não n'a atrophiem. E a falta de methodo é talvez a maior difficuldade com que sempre se ha de lutar, ainda quando a energia do governo e a iniciativa particular, irmanadas n´este santo proposito, pretendam derramar a luz e a instrucção por todo o paiz. (Apoiados.)

Sr. presidente, creio que não só este governo, mas todos aquelles que têem existido em Portugal, assim como aquelles que hão de existir, têem o maximo empenho em derramar a instrucção publica.

A todos faço justiça. Mas este desejo é mais theorico do que pratico. Não sei de quem é a culpa. Não sei, nem quero investigal-o agora.

Ha boa vontade; muito se ha feito, mas falta muitissimo. São grandes as difficuldades, mas, como disse, uma das principaes e a ausencia do um methodo racional, de um methodo verdadeiramente scientifico e deductivo. Bons professores bem remunerados e methodo optimo, tal é o ideal.

Esse methodo existe, este methodo, por honra e gloria de Portugal, nasceu aqui, n´este torrão. (Apoiados.)

Esse methodo, sr. presidente, já hoje vae sendo adoptado na propria Allemanha, n'aquella Allemanha tão douta e tão louvada e encarecida pelo proposito firme que sempre ha mostrado em derramar a instrucção publica nas classes populares e desfavorecidas da fortuna; n'essa Allemanha, em que após Sadowa um grande pensador exclamou, que quem vencêra fóra o professor primario. (Apoiados.)

Sr. presidente, não cito factos, não cito exemplos, que são bastante frisantes. Creio que não ha ninguem n'esta camara que não saiba quaes os maravilhosos resultados que já se têem auferido do methodo de João de Deus. (Apoiados.)

(Sussurro.)

Sr. presidente, não me espanto que a camara mostre não prestar grande attenção ás palavras que vou proferindo. E não me admiro, porquanto, infelizmente, todos nós andamos alheados d'este alto problema da instrucção primaria!

Vozes: — Não é verdade.

O Orador: — Assim seja, e espero que assim será para o futuro.

Sr. presidente, se para muitos as concepções theoricas, que pairam ainda nas regiões serenas da investigação, nada significam, eu digo a esses espiritos indifferentes que esta nova invenção já passou para o dominio da pratica. Não é uma conjectura, é um facto; não é uma flor, é um fructo. (Vozes: — Muito bem.)

Ora, sr. presidente, se o methodo de João de Deus, como disse a v. ex.ª, é um dos maiores melhoramentos que eu conheço, o methodo de João de Deus, na minha opinião, póde e deve, quando devidamente patrocinado pelos poderes publicos e pela iniciativa particular, produzir uma verdadeira revolução em Portugal, revolução abençoada pelos seus fructos, revolução pacifica nos meios, mas com grandissimos resultados perante a evolução.

Os exemplos estão patentes. Creio que não ha ninguem n'esta camara que não tenha lido nos jornaes descripções verdadeiramente maravilhosas dos effeitos que já se têem alcançado.

Sinto não ver presente o meu illustre amigo e collega, o sr. visconde de Guedes Teixeira, comquanto por outro lado a sua ausencia mais me desafogue para lhe tecer os encomios o elogios que merece.

O sr. visconde de Guedes Teixeira, cheio de verdadeiro e patriotico enthusiasmo ao saber das maravilhas alcançadas pelo methodo de João de Deus, estudou-o em todas as suas partes, e em Lamego, que representa n'esta casa, e de cuja camara municipal creio que é presidente, creou duas escolas, uma para o sexo feminino, outra para o sexo masculino.

Essas escolas são regidas pelo methodo de João de Deus, e tão proficuos foram os resultados, que s. ex.ª desde logo tirou da creação d'ellas, que é o maior e o mais convicto propagandista das excellencias do methodo.

Existe no Porto uma senhora muito illustrada, uma senhora allemã casada com um cavalheiro portuguez muito erudito, o sr. Joaquim de Vasconcellos; essa senhora, chamada D. Michaellis de Vasconcellos, e perante cujo nome me curvo respeitoso, escreveu, não ha muito tempo, alguns periodos eloquentissimos, cheios de verdadeira uncção philantropica, nos quaes demonstrou á evidencia, que este methodo de João de Deus constituia, de per si, um progresso immenso; que na Allemanha já tinha sido experimentado, o que alguns pedagogos allemães o vão apregoando e preconisando.

E ainda mais. Disse se na Allemanha que havia ali uma invenção tão original, e ao mesmo tempo de tão facil percepção, que parecia de maravilha que nunca ninguem tivesse chegado a ella. (Apoiados.)

Já disso a v. ex.ª que não accumularei exemplos, cousa que me seria muito facil, direi porém ainda, que na cadeia civil de Lisboa um preso aprendeu o methodo de João de Deus, e tem-no lá ensinado de maneira que grande numero de reclusos vão sabendo ler e escrever.

Podia fazer muito mais revelações, podia dizer que ainda não ha muitos dias, em Aveiro, se reuniu um congresso

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de pedagogos, que são os verdadeiros sacerdotes da civilisação, e todos elles teceram os maiores encomio? ao sr. João de Deus, todos declaravam que era urgente e necessario applicar o seu methodo, para que a instrucção primaria fosse, de facto, uma verdade real, eloquente e tangivel pelos seus effeitos em Portugal.

Não venho pedir um favor nos puderes publicos para João de Deus, para este caracter tão elevado, tão nobre e tão desprendido, que tem a eterna juventude da poesia, do amor e da fraternidade. (Apoiados.)

Venho unicamente chamar a attenção dos poderes publicos para esta obra agigantada e monumental.

Venho pedir ao sr. ministro do reino que se sirva quanto antes de procurar saber o que ha de verdade em tudo o que se diz, e que imprima o criterio official nas descripções que por ahi correm em todos os jornaes. (Apoiados.)

Vejo tambem presente o meu nobre amigo o sr. Jayme Moniz, que é dignissimo director geral da instrucção publica em Portugal, e presido á obra em que estão empenhados os esforços dos esclarecidos e zolosos empregados da sua repartição.

S. ex.ª que tem nobres aspirações ha de ajudar-me n'esta cruzada santa em que todos nós, os soldados da libertação e do progresso, os inimigos das trevas e da ignorancia, estamos de ha muito empenhados.

Não peço ao sr. ministro do reino favores nem mercês: peço simplesmente a s. ex.ª que cumpra o seu dever, e quero esperar que s. ex.ª o saberá cumprir. (Apoiados.)

Quando por toda a parte se contam milagres tão admiraveis como aquelles, cuja descripção temos em todos os jornaes, quando por lodo o paiz se narram tantas maravilhas, não devo o poder central conservar-se indifferente e de braços cruzados; antes a sua obrigação é procurar por todos os meios conhecer se alguma cousa ha a fazer para que d'este invento se tirem não só as justas glorias para o seu autor e para o paiz, mas tambem a verdadeira utilidade para a instrucção do povo. (Apoiados.)

O governo, todos os governos, a entidade moral governo, entendo eu, e entendem todos os liberaes, tem por primeira missão derramar a instrucção primaria por todo o paiz. (Apoiados.)

Sem a instrucção primaria, inutil seria dizel-o, não ha progredimentos possiveis; e nós, que estamos discutindo uma lei eleitoral, alargando o suffragio, porque tantas vezes nos queixâmos da indifferença de uns certos eleitores, a quem aliás chamâmos rudes e inconscientes, o que protestâmos sempre contra essa indifferença, seriamos duplamente culpaveis o contradictorios se negassemos ao povo, aos eleitores, aquelles a quem vamos conferir o suffragio, a maneira de se illustrarem pelos meios mais directos, mais faceis e mais proficuos. (Apoiados.)

Quereis que o paiz esteja educado para a liberdade, que o paiz esteja habilitado para tornar real a sua soberania? Muito bem; a primeira condição é espalhar profusamente a instrucção primaria por toda a nação. (Apoiados.)

Eu não quero alongar estas considerações, e creia v. ex.ª que, por muito que eu respeite e admire os grandissimos talentos do sr. João de Deus, não levantaria a minha voz n'esta casa a respeito d'este assumpto, se não estivesse profundamente convencido das excellencias do methodo.

Portanto em seguida á resposta do nobre ministro do reino, resposta a qual eu quero esperar que me ha de satisfazer, peço a v. ex.ª que me conceda a palavra, não para continuar, mas para encerrar este debate, o qual, como já disse, não pretendo alongar. (Apoiados)

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Associo-me ás nobres aspirações do illustre deputado, apesar de não ser tão profunda a minha fé como a d'elle nos grandes resultados que espera do novo methodo.

E deixo-me s. ex.ª dizer-lhe a rasão da minha descrença.

Já ouvi dizer muito mais do outro methodo que se chamava repentino. Os poderes publicos não lhe faltaram com o seu auxilio, mas eu não sei hoje o que foi feito d'elle.

(Ápartes.)

Mas não foi abandonado por minha culpa, nem mesmo por culpa do illustre deputado.

E, se esse methodo de que fallou o illustre deputado fosse tão milagroso que se aprendesse em tão pouco tempo, eu quasi que teria do retirar uma reforma de instrucção primaria, porque com pouco trabalho e pouca despeza teriamos lodo o paiz habilitado para ser eleitor e mesmo elegivel.

Eu entendo que o governo deve fazer tudo aquillo que o illustre deputado aconselhou a este respeito, e ainda que a minha fé esteja algum tanto esmorecida entendo que devemos tentar tudo, porque n´essa tentativa não gastâmos grande cabedal o podemos tirar bastante proveito. (Apoiados.)

Consta-me que na repartição de instrucção publica já se apresentou um requerimento do sr. João de Deus, que o assumpto d´esse requerimento, que tem de ser sujeito á minha resolução, se está estudando, e estudado que esteja ha de fazer-se tudo quanto se poder fazer para tirar d'elle algum resultado. Por ora o illustre deputado não indicou senão este estudo.

Esse estudo prometto eu que se ha de fazer, e a repartição respectiva tem n'isso o maior empenho. Creio que tenho satisfeito o desejo do illustre deputado, que não foi mais do que se tentasse tudo para se saber o que ha de verdade e para se derramar a instrucção pelo methodo que for mais facil o breve.

Até hoje não tinha chegado nenhum pedido ao governo a este respeito. As diversas manifestações que se acham nos jornaes, se são para tomar em consideração, não são suficientes para illucidação do assumpto.

É o que tenho que dizer á camara.

O sr. Pires de Lima: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento do engenheiro Candido Xavier Cordeiro, o qual pretende uma disposição legislativa que lhe dê direito a ser classificado engenheiro addido ao corpo de engenheria militar, nos termos do artigo 12.º do decreto com força de lei de 30 de outubro de 1868.

Peço a v. ex.ª que se digne de remetter este requerimento á commissão respectiva, para o tomar na consideração que mereça.

E pois que estou com a palavra aproveito a occasião para dizer alguma cousa sobre o importante incidente levantado pelo meu illustre amigo, o sr. Osorio de Vasconcellos.

Conheço muito escassamente o sr. João de Deus. Tenho com este illustre poeta relações pouco estreitas, o que não me impede de ser ha largos annos admirador sincero do seu brilhante talento, talento de que ha dado sobejas provas nas suas muito vulgarisadas composições lilterarias. (Apoiados.) E faço esta declaração para que se não amesquinhe o intuito, com que vou fallar do novo methodo de leitura inventado por um homem de merito verdadeiro, ao qual comtudo não me prendem laços de amisade intima.

Em annos de mais socegado viver entreguei-me pacientemente aos estudos pedagogicos, mas por tal modo os reputo complexos e difficeis, (Apoiados.) que longe e muito longe estou de me julgar competente e de querer emittir opinião segura em assumpto, que lhe diga respeito. Mas tanto quanto me é licito apreciar o novo methodo de leitura de que se trata declaro que me pareceu descobrir n'elle bellezas e perfeições, que não vi ainda em algum dos methodos usados até hoje n'este paiz.

Esta questão de methodo de aprender a ler e escrever não é tão indifferente como á primeira vista parece.

Lá fóra, a casa da escola é procurada com prazer e com anciedade; entre nós (pelo menos a mim aconteceu-me isso e creio que aos meus collegas aconteceu o mesmo) olha-se para a aula primaria como para um logar de martyrio, ou

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pelo menos de enfado. (Apoiados.) Lembro-me de um facto narrado por Dixon no seu livro A Suissa contemporanea, e peço licença para o repetir á camara. Um suisso foi a París com a filha, menina ainda, e um dia lembrou-se de fazer uma digressão a Versailles. A creança apoiando-se da carruagem ficou surprehendida com a vista do palacio, e cheia de indizivel alegria voltou-se para o pae e perguntou-lhe: papá, aqui é a casa da escola?

Este facto é significativo, mas infelizmente não poderia realisar-se com uma menina educada em Portugal.

No estrangeiro as casas da escola têem a apparencia de palacios, entre nós têem a apparencia de uma prisão soturna o medonha. Em geral, vistas de fóra, causam asco; de dentro inspiram horror. Não attrahem a mocidade, repellem-n'a.

E note-se que este horror é ainda aggravado nas creanças pelo uso e abuso das palmatoadas e pelo emprego de modos brutaes o estupidos, para as obrigar a aprender o a b c por um methodo mais brutal e estupido que esses modos empregados. (Apoiados.)

O methodo que entre nós se emprega para ensinar as ercanças, em vez de lhes desenvolver a intelligencia, pareçe que tende a atrophiar-lh'a. (Apoiados.) É um methodo absurdo e nada racionavel. Depois de haver saído da escola o sermos já adultos, o nosso maior espanto é termos aprendido a ler por similhante systema, que é a negação de tudo o que é systema. (Apoiados.) Tambem, se conseguimos aprender é á custa de tempo tempo perdido na inacção da aula, e que devia ser aproveitado nos brinquedos infantis, os quaes, ao passo que alegram o espirito, fortificam e robustecem o corpo.

É possivel que o novo methodo de leitura de João de Deus não preste para nada. É possivel que da sua adopção não resulte utilidade alguma, nem até a economia do tempo. É possivel que até seja prejudicial.

Ainda assim, entendo que seria conveniente estudal-o. O dispendio seria pequeno, e as vantagens grandes. Dissipa-se uma illusão e talvez se evitasse o perigo. E quando o gasto fosse completamente inutil, nem por isso nós, que em assumptos de boa e parcimoniosa administração estamos muito longe de ser modelo, perderiamos grande cousa no conceito da Europa, por um novo capricho, por mais uma extravagancia, que ao menos tinha a desculpa do fim a que mirava — melhorar a educação popular.

O sr. ministro do reino disso que ía mandar estudar o methodo do João de Deus, e entregal-o á consideração de uma commissão e da junta consultiva de instrucção publica.

Respeito muito todas as commissões e todas as juntas, apesar de não estar costumado a ser surprehendido pela grandeza e proficuidade dos seus trabalhos. Entregue-se, pois, se quizerem, o methodo a uma ou a muitas commissões. Emquanto porém não apparecem os resultados de tão demorados estudos, permitta-se-me propor um alvitre. Estamos conversando em boa paz, e estou certo de que o sr. ministro do reino não se recusará a acceital-o.

O meu alvitre é simples. Eu, no caso do sr. ministro do reino, convidava o sr. João do Deus a ir por esse paiz fóra ensinar, explicar, e apostolar o novo methodo de leitura. (Apoiados.)

Se fosse mau, o descredito viria cedo. Se fosse bom, a pratica não se demoraria em apontar-lhe as vantagens. Talvez com isto ganhasse mais a causa da instrucção do que com muitos relatorios e pareceres de differentes commissões.

Acceitará o sr. João de Deus o convite do sr. ministro do reino? Não sei. A idéa é minha, não me foi inspirada. Nem eu sabia que hoje se tratava n'esta casa de similhante assumpto.

Mas se o illustre poeta quizer ir fazer uma peregrinação por o paiz, não se lembre o sr. ministro do reino de lhe traçar itinerario ou fixar programma. Deixe-o entregue só a si. Poetas não se sujeitam ás regras ordinarias, a que nós, simples mortaes, obedecemos no mundo. (Riso.)

Não lhe imponha jugos. Deixe-o liberrimamente, que a sua fé é garantia segura do seu zêlo. (Apoiados.)

O governo só deve ter um cuidado, — que não faltem a João de Deus os meios necessarios. Não se assuste o sr. Sampaio. João de Deus é modesto no seu viver. É principe no talento, mas não é principe no fausto.

Depois, o erario publico não está tão exhausto, que não possa aguentar com mais este capricho, esta extravagancia, e (porque não direi a palavra terrivel?) este esbanjamento enorme.

Eu, deputado da opposição, tomo inteira e completa a responsabilidade de o aconselhar no sr. ministro do reino. Declaro-o aqui bem alto, e peço que se registe esta minha declaração.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Acrescentarei muito poucas palavras.

Em parte satisfez-me a resposta do nobre ministro do reino. S. ex.ª creio que está animado dos melhores desejos de apurar a verdade. Para mim essa verdade já está demonstrada, porque conheço de perto alguns factos. Mas a minha convicção não se póde transmittir para o nobre ministro do reino; mesmo porque as nossas funcções e as nossas responsabilidades são completamente diversas. S. ex.ª representa o poder executivo, e eu sou um simples deputado.

Não pretendo delimitar ao nobre ministro qual o caminho que ha de seguir, qual a vereda que ha de trilhar. Acceito as promessas que s. ex.ª fez sobre este assumpto, e acceitaria ainda melhor as indicações mais restrictas feitas pelo meu amigo o sr. Pires de Lima.

Não estou aqui a defender o methodo; não preciso fazer isso; o que quero é que o sr. ministro do reino, e todos aquelles que podem interferir n'este assumpto, caminhem de boa fé, com o sincero desejo de apurar a verdade, e com vontade energica. Se porventura este methodo tem as excellencias com que o condecoram, póde e deve produzir maravilhosos resultados praticos que muito desejo.

Em todo o caso, já que tratámos d'este incidente, direi a v. ex.ª e á camara que estou plenamente de accordo com o sr. Pires de Lima, quando elle se referiu ás nossas casas escolares. Em Portugal alguma cousa se ha feito, mas está quasi tudo por fazer.

Já fiz uma digressão á Suissa, e percorri este bello paiz não só como simples touriste, mas como homem que queria aprender e estudar n'aquella escola pratica de liberdade, illustração, e democracia.

Vi que os primeiros, os mais bellos e os mais architectonicos edificios da Suissa eram exactamente aquelles onde a infancia ía abrigar-se para colher o pão do espirito.

Vi ainda mais, que eram esses os verdadeiros templos da igualdade.

A escola primaria da Suissa todos os cidadãos têem obrigação de levar os seus filhos, qualquer que seja a sua condição social.

Vi o filho dos ultimos descendentes dos velhos barões feudaes, sentado ao pé do filho do mais humilde operario, e o de mais opulento banqueiro ao lado do filho do proletario.

Emfim ali todas as condições sociaes estão irmanadas e confundidas perante aquella eucharistia da instrucção.

Era isso o que eu queria que tambem se fizesse em Portugal, porque para mim a instrucção primaria deve ser monopolio do estado.

Todavia as minhas aspirações sobre a instrucção primaria, se porventura quizesse expendel-as, levar-me-íam muito longe.

O que desejava simplesmente era restringir-me ao ponto para o qual tinha chamado a attenção do illustre ministro. Fico, pois, aguardando os actos do nobre ministro em

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conformidade com o meu requerimento que está no animo de toda a camara.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: — Deu a hora de se entrar na or- dia, não obstante eu dou a palavra aos srs. deputados que estão inscriptos, esperando da sua benevolencia que encurtem as suas reflexões.

O sr. Jayme Moniz: — Pedi a palavra unicamente para agradecer ao meu illustre amigo Osorio de Vasconcellos as expressões attenciosas que me dirigiu, e que não mereço.

Posso affirmar á camara e a s. ex.ª que o meu amor á instrucção não é menor que o do illustre deputado.

Tambem devo assegurar ao meu illustre amigo o sr. Pires de Lima, que o estado das escolas tem melhorado muitissimo.

Todos os governos se têem empenhado em promover este melhoramento e pelo ministerio do reino frequentemente se concede subsidios para edificação de casas escolares que reunam as devidas condições.

O sr. Pires de Lima: — Eu não quiz irrogar censura nem a este nem a outro ministerio, mas permitta-se-me dizer que é mui grande o nosso atrazo, pois estamos abaixo de Hespanha e ao lado da Turquia, o que é realmente uma vergonha e vergonha grande para o paiz.

O Orador: — Effectivamente nós n'este ponto não estamos tão adiantados como seria para desejar, mas é certo que nos ultimos annos havemos realisado alguns progressos.

E direi tambem ao illustre deputado, que o ensino nas escolas não tem hoje o caracter cruel que s. ex.ª lhe attribuiu e aqui desenhou.

O governo não cessa de empregar todos os meios ao seu alcance, para que o professorado proceda em harmonia com os preceitos que desde muito prohibiram os castigos a que o illustre deputado se referiu. E posso afiançar que nunca se mostra benevolo com os que infringem estas disposições legaes.

O sr. Eduardo Tavares: — Mando para a mesa os seguintes requerimentos:

(Leu.)

Peço a v. ex.ª que de a estes requerimentos o destino conveniente, porque eu proponho habilitar-me para entrar na discussão da proposta de lei que foi hontem apresentada pelo sr. ministro da fazenda.

O sr. Visconde da Azarujinha: — Por parte da commissão administrativa, mando para a mesa o parecer da mesma sobre as contas da junta administrativa, relativas á sua ultima gerencia.

O sr. Jeronymo Pimentel: — Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica.

O sr. Pinheiro Chagas: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento da sr.ª D. Anna do Alarcão, pedindo uma pensão, attendendo-se aos serviços de seu pae, que foi um dos heroes da guerra peninsular.

E tambem um projecto de lei assignado por mim e por varios illustres deputados, para que seja concedido ao governo poder prover o logar do director do conservatorio, não só em algum professor do estabelecimento, mas em qualquer pessoa habilitada para exercer esse cargo.

Dispenso-me de ler o projecto, que posso assegurar á camara que não importa nem o mais leve augmento de despeza.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto n.º 17 (lei eleitoral) no artigo 1.°

O sr. Sousa Lobo: — Sr. presidente, continuando a fazer uso da palavra, serei o mais breve que poder. A discussão vae adiantada, e desde certa altura em diante é sempre conveniente que as discussões se resumam.

O projecto que está em discussão apresenta varios pontos que eu na generalidade approvo: ha dois pontos essenciaes e é a esses que tenciono principalmente referir-me. Um é aquelle que marca maior numero de circulos e que estabelece por conseguinte menor circumscripção para cada um d'ellcs, o outro é o que substituo as provas de rendimento legal por certas presumpções que passam em muitos casos a occupar o logar d'ellas.

É a estes pontos que vou referir-me.

Começando pelo primeiro, declaro a v. ex.ª que a minha opinião é que ha toda a vantagem n'este augmento de numero de circulos, já debaixo do ponto de vista da vida parlamentar, já debaixo do ponto de vista do acto eleitoral. É conveniente debaixo do ponto de vista da vida parlamentar, porque, quanto mais deputados houver, maior numero de intelligencias vem á camara, e tanto mais fecundas são as discussões; é conveniente debaixo do ponto de vista do acto eleitoral, porque, quanto maior facilidade houver para que os eleitores se reunam e combinem, tanta mais probabilidade ha de que os deputados que vem a esta casa sejam a expressão genuina do suffragio.

Mas para se conseguir um resultado vantajoso, d'esta lei, é necessario, é mister, que as circumscripções sejam bem feitas.

Apresentaram-se hontem diversos alvitres, e eu entendo que o melhor systema é o apresentado pelo meu collega o sr. Pinheiro Chagas, o qual é de parecer que deve ser a população a base fundamental da circumscripção eleitoral. Não digo que seja a unica que se admitia, haja outras que é conveniente que completem áquella, mas a população deve ser a base principal.

Admittam-se, porém, as bases que se admittirem, ha uma que deve ser completamente banida, é a base politica no mau sentido da palavra; não entendo que em tal materia se deva fazer o que se chama politica.

Admittam-se quantas bases quizerem, mas não se trate de fazer circulos para esta ou aquella facção.

Esta base porém é a que eu vejo preponderar na lei.

Parece que houve um proposito de dificultar a vinda dos deputados da opposição e de auxiliar quanto possivel as candidaturas ministeriaes.

Eu podia tratar largamente este assumpto. Ha factos que dão até á evidencia a demonstração d'esta verdade.

O sr. Pinheiro Chagas, com a eloquencia e pompa de estylo que lhe é natural; com a frase scintillante, que nós todos aqui tanto admirâmos; demonstrou da maneira a mais cabal, a mais completa, a mais evidente, a meu vêr, que esta circumscripção eleitoral não tem por fim tornar cada vez mais real o suffragio, mas envolve o intuito de trazer aqui um grande numero de regeneradores e afastar d'esta casa os candidatos opposicionistas.

O discurso do meu nobre collega e amigo o sr. Pinheiro Chagas foi de tal ordem, que agradou á camara inteira e póde-se dizer relativamente ao ponto de que trato que se não conquistou os votos grangeou a opinião de todos.

Uma pessoa só parece que não gostou: foi o sr. ministro da justiça, que sinto não ver presente.

O sr. ministro da justiça disse que era facil fazer espirito como o sr. Pinheiro Chagas. S. ex.ª está completamente enganado. Fazer espirito n'aquella elevação é difficil, é difficillimo. É tão difficil fazel o, como é difficil fazer aquellas rendilhadas argumentações cheias de habilidade, de logica e de dialectica, que tanto nos maravilham a todos nós, e que todos nós tanto applaudimos no sr. ministro. (Apoiados.)

A idéa tem variadas fórmas.

Um exprime-a com a verve fulgurante, ora sarcastica, ora graciosa; e outro exprime-a com primores de dialectica, ora vigorosa e possante, ora subtil e delicada; este exprime-a em vôos elevados, que ascendem ás mais sublimes regiões; aquelle tem raptos lyricos, expansões de sensibilidade, que acordam e fazem vibrar o coração do auditorio. (Apoiados.)

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E por que é isto? Por uma rasão muito simples. Porque a idéa, sendo uma só, tem comtudo muitas e diversas faces.

A ninguem é dado ver a idéa debaixo de todas essas faces: contemplal-a, porém, perfeitamente sob algumas d'ellas, é o condão dos entes privilegiados, que as apontam depois, illuminadas pelos lampejos do seu genio, á admiração das multidões; e fazem d'ellas as columnas de fogo que vão na vanguarda das massas e as guiam no caminho da civilisaçâo. ( Vozes: — Muito bem.)

Mas, sr. presidente, ha uma cousa peior ainda do que não apreciar o espirito fulminante e brilhantissimo do sr. Pinheiro Chagas.

E essa cousa é: não lhe poder dar resposta. (Apoiados.)

Ora, se o sr. Barjona de Freitas não respondeu ás demonstrações que apresentou o sr. Pinheiro Chagas devemos tirar d'aqui uma só conclusão, e é que a resposta é impossivel: porque, se ha homem que tenha talento para replicar, e o sr. Barjona de Freitas. (Apoiados.)

O sr. ministro da justiça não respondeu, porque absolutamente não havia resposta a dar.

Passarei agora a um outro ponto, áquelle que se refere ás presumpções de rendimento legal; mas antes de analysar o que a lei estabelece especialmente a este respeito, eu começarei por apresentar francamente á camara quaes são as minhas idéas sobre a materia.

A minha opinião é que não deve haver, nem maior nem menor censo; as minhas idéas são que o suffragio deve ser universal.

A carta constitucional, debaixo d'este ponto de vista, labora n'uma grande contradicção, porque começa por dizer que a lei é igual para todos, e em seguida faz duas classes de cidadãos separadas por um abysmo, uma classe dos que têem direitos e deveres, outra classe dos que têem exclusivamente deveres e não têem direitos.

Examinemos a condição d'esse homem que é um cidadão portuguez, mas que não tem comtudo o direito de se fazer representar no parlamento.

Em primeiro logar é um homem sui juris, e que é julgado capaz de administrar sua pessoa e bens.

E o que é ser sui juris e capaz de administrar sua pessoa e bens? E ser capaz de entrar na luta da vida social.

E que é vida social? D'antes, quando a sciencia era mais atrazada, suppunha-se que a vida social podia ser uma especie de melodia bucolica tangida n'uma só corda. Hoje, porém, a sciencia mostra que ella é uma harmonia possante, formada pelos mais fortes contrastes.

A vida social, segundo a phrase de Darwin, é a luta pela existencia; luta de todos os dias e de todas as horas; luta no presente como no passado; d'antes mais pela força que pela arte, hoje mais pela arte que pela força.

Cada um tem as faculdades e os instinctos de se aperfeiçoar e desenvolver indefinidamente, os recursos porém é que não o acompanham na mesma medida. Ao passo que a população caminha em progressão arithmetica, caminham as subsistencias em progressão geometrica. Este celebre principio de Malthus foi, é e será sempre verdadeiro, e elle estabelece a necessidade da lucta incesante as que me refiro.

Pois bem; o homem que tem as faculdades precisa para se guiar n'esta difficil luta, esse homem é pela lei reconhecido incapaz de uma operação intellectual tão simples como a de escolher outro homem tão honrado como elle, mas mais instruido, que o venha representar no parlamento.

N'esta demonstração eu vou seguindo um systema um pouco escolastico, mas que me parece não ser ás vezes mau para apurar a verdade. Divido esta minha argumentação em capitulos. Depois de fazer o capitulo primeiro, eu vou passar ao segundo; e n'esse capitulo direi o seguinte:

O homem que não tem censo eleitoral é comtudo o principal agente da riqueza publica. Se não fossem os braços d'esse homem que vae trabalhar para os campos, não teriamos agricultura; se não fossem os braços d'esse homem na labutação da officina, não teriamos industria; se não fosse a intelligencia d'esse homem que realisa o pequeno commercio, não teriamos o commercio em grande.

Por conseguinte é elle um grande e indispensavel agente da riqueza publica. Se não fosse elle não haveria essa riqueza; e elle não tem comtudo as garantias de cidadão, não tem a faculdade de se fazer representar n'este logar em que, se fazem leis para a nação, para o commercio, para a industria e para a agricultura.

Este homem é tambem (passemos ao capitulo 3.°) aquelle que mais contribuiu para os impostos do estado.

Parece á primeira vista que assim não é; não chega ao censo, paga muito pouco; mas realmente é assim; e é assim desde que o considerámos, não como individuo, mas como classe.

Ha um argumento que tem sido muito repetido á escola communista, e permitta-me a camara que o traga para aqui, porque é verdadeiro e tem applicação.

Quando a escola communista prega a doutrina da liquidação social, responde-se-lhe, e responde-se-lhe triumphantemente, dizendo-se que, se esses haveres que tanto brilham nas mãos dos ricos, fossem repartidos pela grande massa da sociedade, dariam para cada um um resultado tão insignificante, que seria inapreciavel.

Logo, a grande massa da riqueza publica não é essa porção que se acha concentrada nas mãos de poucos ricos, mas essa outra porção que se acha espalhada e repartida pelos muitos que e não são.

Ora, sendo o imposto proporcional, é claro que são os impostos pagos por aquelles a que não chega o censo, que mais contribuem para a somma geral das contribuições de todo o paiz.

Pois bem, esse homem, que com os seus dinheiros faz principalmente os caminhos de ferro, faz as estradas, faz as escolas, faz a segurança publica, faz a justiça, faz tudo, esse homem não tem direito de fiscalisar legalmente o modo como os seus dinheiros são applicados

Passemos ao quarto e ultimo capitulo sobre este assumpto, fallando no imposto de sangue.

Esto imposto deviam pagal-o todos, mas quem o paga é exclusivamente o pobre; o rico exime-se a isso pelas substituições.

Entretanto esses homens que o pagam, que não padem deixar de pagar, esses homens não têem representação n'este logar e aonde se decidem as questões de paz ou de guerra, aonde se jogam os seus destinos e a sua vida!

Por todas estas considerações parece-me que não teremos verdadeira representação nacional emquanto o suffragio não for ampliado a todos.

Temos ainda em parte o escravo da antiguidade! A carta de alforria civil, foi a unica que lhe concedemos; a outra, a carta de alforria politica, temos ainda medo de lh'a dar! Tem-lh'a comtudo dado outras nações, que se governam perfeitamente, e não se têem dado mal com isso. Citaremos na Europa, alem da França, e da Suissa, a Dinamarca e a Allemanha.

Sr. presidente, o suffragio universal não é só um progresso da civilisaçâo, é um direito da humanidade.

Apresentaram-se aqui differentes argumentos, e eu referir-me-hei apenas a dois do sr. Barjona.

O primeiro é que a soberania não reside nem aqui nem acolá, reside na razão.

A este argumento responderei simplesmente que é esta uma maneira muito singular de classificar a soberania da rasão: até dez tostões (censo legal) não ha rasão, não ha intelligencia, não ha luz; de dez tostões para cima, ha luz, ha intelligencia, ha rasão!

Eu entendo que todos os homens têem as faculdades racionaes precisas para se dirigir em todos os actos da vida; o que é preciso é dar-lhes a liberdade sem a qual não as podem educar. Deixae-lhes, como ás creanças, a facilidade

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dos movimentos e, como as creanças, elles por si aprenderão a andar.

O outro argumento que o sr. Barjona apresentou é que, se nem todos têem meio de se fazer representar no parlamento, lhes assiste comtudo o direito de poder representar as suas idéas e opiniões por outras formas igualmente valiosas; pela discussão em reuniões, pela imprensa, etc. etc.. Este argumento, alem de outros defeitos, tem o de provar de mais; supprimia pela base o systema representativo.

São estas as considerações que me occorrem sobre o assumpto; e em vista d'ellas eu não posso deixar de declarar a v. ex.ª e á camara que são da minha mais profunda sympathia os principios fundamenlaes d'este projecto de lei com relação ao suffragio universal, porque amplia muito alem de que está as condições legaes do voto eleitoral no sentido d'este suffragio.

Qual é o individuo que não póde com a maior facilidade aprender a fazer um requerimento ou um protesto, e habilitar-se assim a ser eleitor?

Quantas são as pessoas n'este mundo que não protegem alguem, mãe, esposa, filha, o que não entram na categoria dos chefes de familia pelo presente projecto de lei?

Por conseguinte, repito, acompanho com a minha mais completa e profunda sympathia estes meios indirectos de aproximar a solução do suffragio universal.

Mas, procedendo por esta fórma dentro da esphera interior da minha sensibilidade, procedo comtudo de uma maneira inteiramente diversa na esphera exterior do meu voto n'esta casa, dadas as condições em que n'ella me acho relativamente a este projecto de lei.

E isto por uma rasão muito simples. É porque, vendo a approximação para o suffragio universal n'este projecto, vejo por isso mesmo infringidos por elle artigos fundamentaes da carta constitucional e do acto adiccional, artigos que estabelecem que só têem voto os que possuem um rendimento não inferior a 100$000 réis, ou titulos de capacidade litteraria.

Ora, eu quero a reforma da Carta, mas não quererei nunca, nem devo querer, que as actuacs leis constitucionaes, em quanto são leis, sejam illudidas. Jurei mesmo, ao entrar aqui, mantel-as intactas.

Portanto, chamo a attenção de v. ex.ª, do governo e da camara sobre este assumpto, e levanto a questão constitucional.

Eu vou ler a v. ex.ª aquillo que o acto adiccional á carta constitucional da monarchia diz sobre tal assumpto, e v. ex.ª verá se á face dos seus artigos claros e terminantes nós podemos deixar passar este projecto de lei como está.

Diz o acto adiccional o seguinte:

(Leu.)

A lei constitucional exige portanto n'este artigo, clara e terminantemente, que se prove o rendimento annual de 100$000 réis.

Ora, provar é uma cousa, presumir é outra; e as presumpções estabelecidas pelo projecto de lei em discussão não são de tal ordem que, reunidas, possam tomar o logar de prova.

Póde-se ser chefe de familia, isto é, sustentar-se a si e outra pessoa, por menos de 100$000 réis annuaes. Um soldado vive, e nas grandes cidades aonde as subsistencias são mais caras, com um tostão por dia.

Diz mais o acto addicional.

(Leu.)

Titulo lilterario, diz o acto addicional. Por acaso um simples requerimento ou um protesto em favor de quem os escreveu, constitue um titulo lilterario? Eu creio que não.

Portanto, quer na indicação do rendimento legal, quer na indicação das habilitações literarias, eu vejo que esta lei, levada aliás pelas melhores e mais liberaes intenções, intenções que eu applaudo no seu auctor, o sr. duque d´Avila, se collocou comtudo em contradicção, por um lapso bem facil de comprehender e muito natural, com as leis constitucionaes. Eu chamo sobre este ponto a attenção da camara, porque, se ha cousa que nós devamos respeitar acima de tudo, são estas leis. E estas palavras parece-me que são insuspeitas, quando partem de um homem que n'este ponto está guerreando a causa que lhe é sympathica. Eu quero a reforma da carta: quero o suffragio universal, mas emquanto não chegâmos lá, por culpa d'este governo inerte e conservador, não quero a carta sophismada.

Eu estou sendo muito extenso, mais do que tencionava ser; a materia vae-me arrastando, mas agora procurarei ser mais conciso. (Vozes: — Falle, falle.)

Falta-me apenas tocar um ponto.

Quando este projecto de lei, e a circumscripção que o acompanha, fossem um primor inatacavel; tinha comtudo uma lacuna grave: não protegia ajusta e proporcional representação das minorias.

Hontem tratou-se aqui d'esta questão. Não sei mesmo se é a primeira vez em que este assumpto é discutido no parlamento portuguez. Creio que sim.

Honro-me por me ligar aos que levantam esta doutrina, que, se não póde ser já ámanhã doutrina do paiz, por ventura o ha de ser ainda um dia.

Disse-nos aqui o sr. ministro da justiça que a representação das minorias se dava muito mais completamente pelos circulos de um deputado que estabelece a lei actual, do que por qualquer outra fórma: e acrescentou. Supponhamos um circulo de tres deputados, ou suppunhamos que esse mesmo circulo se divido em tres dando um só deputado; suppunhamos que ha n'elle 600 votos na maioria e 300 na opposição; se o circulo é de tres deputados, os 300 são supplantados pelos 600, e se em vez do circulo ser de tros deputados for devidido em circulos de um, os 300 votos do opposição póde succeder que se reunam n'um só circulo, e que tragam portanto um representante ao parlamento.

Portanto, concluiu s. ex.ª, o methodo dos circulos de um só deputado é o que mais facilmente dá a representação das minorias.

Ora, para que este argumento colhesse seria necessario que os 300 votos de opposição estivessem sempre juntos n'um circulo, mas como não estão, são vencidos igualmente.

E agora vou mostrar a v. ex.ª como a apparento legitimidade dos circulos de um só deputado dá na realidade as mais flagrantes injustiças e não dá por fórma alguma a expressão da opinião nacional. Para o fazer darei simplesmente um exemplo, e basear-me-hei no methodo decimal, o mais facil para ser comprehendido pela camara.

Supponhamos no nosso paiz uma provincia eleitoral de 1.000:000 habitantes, e suppunhamos 1O0 circulos de 10:000 habitantes cada um.

Supponhamos mais que d'este 1.000:000 eleitores 600:000 são governamentaes e 400:000 da opposição.

Supponhamos ainda que na opposição ha um unico partido.

Fazem-se as eleições; o governo predomina em quasi toda a parte o apenas em 10 circulos póde predominar a opposição.

Desde, que temos 600:000 eleitores governamentaes e 400:000 eleitores opposicionistas, é claro que para a representação nacional ser genuina, verdadeira e proporcional, era mister que o governo trouxesse não 90 deputados contra 10, mas que trouxesse 60 deputados contra 40. Comtudo é o contrario que acontece. A opposição traz á camara 10 deputados contra 90, e não 40 deputados contra 60 a que tinha direito a sua representação proporcional.

Isto é claro.

Mas supponhamos agora outra cousa. Supponhamos que na opposição ha 12 grupos, tendo modos de ver um pouco differentes, e que sem todos estes cambiantes da opinião publica ella não póde ser fielmente representada. Dois d'esses grupos têem de ficar comtudo, com o systema actual, fóra da representação nacional.

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Que fazer n'este caso? Evidentemente substituir o principio actual pelo principio que dá a verdadeira representação das minorias.

A minha hypothese não está calculada para a pratica, nem agora é isso necessario; tenho principalmente o intuito de demonstrar theoricamente o alcance e vantagem do principio que estou tratando.

Supponhamos que cada cidadão póde ser eleito deputado, não por um circulo, mas pelo paiz inteiro, que tem 1.000:000 eleitores. A nação elege os seus deputados, bastando apenas 10:000 votos para se poder ser eleito deputado. Que resulta d'aqui? Resulta, que eu, que sou deputado pelo Fundão, posso ter votos uteis, não só no Fundão, mas em Castello Branco, na Covilhã, em Lisboa, no Porto, etc.; e desde que tenha a somma de votos necessarios para perfazer os 10:000 votos indispensaveis, sou inevitavelmente deputado Por esta fórma, logo que haja um grupo de 10:000 pessoas que pensem do mesmo modo, elegem um deputado seu, embora essas pessoas, ligadas intelectualmente pela conimunhão das mesmas idéas politicas, estejam espalhadas materialmente pela superficie de todo o paiz. (Apoiados.)

Supponhamos que ha cem opiniões; tendo cada uma apenas a seu favor 10:000 votos, são infalivelmente todas representadas parlamentarmente. (Apoiados.)

Portanto, já vê v. es.ª, sr. presidente, e a camara, que este systema é o mais mathematico possivel, e o que póde dar maior realidade á representação nacional. (Apoiados.)

A primeira, vista tem este systema o inconveniente de se perder um grande numero de votos. Supponha-se que o candidato, tendo uma grande popularidade, alcançaria em seu favor 20:000, 30:000 ou 40:000 votos. Parece que, tudo quanto exceder aos 10:000 votos será perdido. Pois não é assim; o systema que exponho admitte uma modificação, que vou indicar.

Inscrevem-se os nomes de mais candidatos do que os que podem rasoavelmente ser eleitos pelo partido do volante n'uma grande lista, e contam-se ao que está na cabeça da lista os 10:000 primeiros votos; contam-se depois os votos ao segundo candidato, e assim successivamente aos restantes. É simplicissimo.

Outra objecção que tambem se póde apresentar contra este systema, é com relação ás eleições supplementares. Mas os deputados supplementares ficam eleitos desde logo; são os immediatos em votos aos que se apuraram na eleição.

Não é esta theoria que acabo de expor, chamada de coeficiente, a unica que existe a tal respeito. Ha ainda outras, que não exponho agora, mesmo porque não pretendo fazer uma larga prelecção sobre este assumpto; contentando-me apenas em me associar aquelles que lançam hoje a semente á terra, o que, se não esperam que ella germine, já ámanhã, nem por isso deixam de estar profundamente convencidos de que mais cedo, ou mais tarde, ella ha de fructificar. (Apoiados.)

Pedindo desculpa, a v. ex.ª, sr. presidente, e á camara de ter occupado tanto tempo com esta minha exposição que julguei seria curta, e em que me alonguei mais do que tencionava, dou por terminado o meu discurso.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Lopo Vaz: — A muita consideração, que tenho pelo illustre deputado e meu amigo o sr. Sousa Lobo, leva-me a tomar a palavra, apesar do meu estado de saude.

As considerações feitas por s. ex.ª versaram sobre o suffragio universal e sobre a representação das minorias, assumptos já largamente debatidos na discussão da generalidade do projecto.

São questões de principios, aliás importantissimos, mas mais ou menos estranhos á discussão da especialidade que nos occupa.

S. ex.ª disse tambem que lhe parecia menos constitucional a doutrina do artigo 1.° do projecto.

A commissão estabelece presumpções e este facto não é novo na nossa legislação; nas leis eleitoraes de 1852 e 1859 fez-se exactamente o mesmo, e sem embargo o illustre deputado não veiu nunca propor a revogação d'essas leis por menos constitucionaes.

Pois creia s. ex.ª que ha lá presumpções, cuja verdade e justiça são muito mais duvidosas do que, em relação ás consignadas no projecto.

Não é certo que apure o rendimento de 100$000 réis quem paga 1$000 réis de contribuição predial, e todavia isto está estabelecido na legislação eleitoral vigente.

Parece, pois, inquestionavel, e o illustre deputado não demonstrará o contrario, que nós fomos muito mais rigorosos nas presumpções estabelecidas no projecto.

O chefe de familia, que sustenta duas ou mais pessoas, tem com certeza o rendimento de 100$000 réis, porque se tomarmos em consideração o preço dos alimentos, do vestuario, da renda de casa e de outros artigos absolutamente indispensaveis á vida, chegaremos fatalmente á conclusão de que 100$000 réis não bastam para prover annualmente ao absolutamente necessario a duas ou mais pessoas.

Terminarei as minhas observações, felicitando o illustre deputado pelo seu discurso brilhante.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa, por parte da commissão de fazenda, um parecer ácerca das emendas apresentadas por occasião da discussão da lei do sêllo.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o artigo 1.° para se votar.

(Leu-se.)

Foi approvado.

O sr. Presidente: Vae ler-se o artigo 2.° paru entrar em discussão.

(Leu-se.)

O sr. Dias Ferreira: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Ao artigo 2.º acrescentem-se as palavras — nos termos prescriptos no artigo 2:430.º § unico do codigo civil.

Ao § 12.° do artigo 2.° acrescentem-se as palavras — julgando-se fundada a reclamação, se o cidadão inscripto, depois de avisado, não comparecer, ou se recusar a escrever e a assignar o protesto.

O § 2.º devo ser substituido assim — contra, as decisões, a que se refere o § antecedente, qualquer cidadão póde reclamar nos termos prescriptos nos artigos 21.° e 22.° da lei de 23 de novembro de 1859.

Deve acrescentar-se ao § 3.º o seguinte — os avisos, a que se refere o § 1.°, serão feitos pelos officiaes da administração do concelho, ou pelos regedores de parochia, ou por empregados da camara municipal, que esta ponha á disposição da commissão do recenseamento.

Os artigos 9.° a 12.° e 16.° e 17.° devem ser substituidos pelos artigos 21.° e 22.° da lei de 23 de novembro de 1859, armonisada a redacção, ou consignar-se expressamente o preceito, de que da resolução do conselho de districto, ou da falta d'essa resolução até ao dia 14 de janeiro (falta, que importa o indeferimento da reclamação), qualquer cidadão eleitor póde recorrer para o supremo tribunal administrativo, sendo o recurso apresentado ao governador civil, que dentro de vinte e quatro horas, depois de ter recebido a petição de recurso, a enviará officialmente com o respectivo processo ao tribunal superior, onde será decidido na primeira sessão depois que tiver dado entrada no tribunal, o communicada logo á camara municipal, independentemente de decreto do governo, que para estes recursos não é necessario.

Proponho mais os seguintes artigos para serem devidamente collocados:

Artigo... Nos processos do reclamação contra a eleição

Sessão de 20 de março de 1878

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

das commissões de recenseamento é tambem dispensado o imposto de sêllo.

Artigo... Os processos de reclamação contra adecisão das assembléas eleitoraes, contra as eleições das commissões de recenseamento, e contra a inscripção ou exclusão de qualquer cidadão, nunca serão entregues ás partes, e serão enviadas officialmente ao juiz ou tribunal dos recursos.

Artigo... Das decisões das reclamações sobre a inscripção ou exclusão de qualquer cidadão todo o eleitor póde reclamar perante o juizo ou tribunal superior, ainda que não tivesse sido parte na reclamação, não podendo contestar-se-lhe a legitimidade para o recurso, desde que documente a respectiva petição com certidão de se achar inscripto no recenseamento dos eleitores.

Artigo... Contra as decisões das commissões de recenseamento qualquer cidadão eleitor do circulo póde reclamar, ainda que não seja recenseado no concelho, onde ellas funccionam, podendo apresentar a sua reclamação ou perante, a commissão, ou perante o administrador do concelho, que logo enviará officialmente á commissão a respectiva reclamação.

Artigo... As decisões officiaes, que recaiam sobre reclamações apresentadas ás commissões de recenseamento, transitam em julgado independentemente de intimação, salvo se os interessados constituirem procurador judicial na sede do tribunal. — Dias Ferreira.

Foram admittidas as emendas do sr. Dias Ferreira, e ficaram em discussão juntamente com o artigo.

O sr. Lopo Vaz (relator da commissão): — Tomei a palavra para pedir que sejam enviadas á commissão as emendas apresentadas pelo illustre deputado o sr. Dias Ferreira, e creia s. ex.ª que a commissão tomará as emendas na consideração que merecem, pela doutrina que encerram, e pelo nome que as firma.

Desde que as emendas têem de ir á commissão, tenho eu de opportunamente ser relator das resoluções que a commissão houver de tomar, e por isso não estranhará s. ex.ª que eu n'esta occasião não manifeste a minha opinião sobre a sua acceitação ou rejeição.

O sr. Osorio de Vasconcellos: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n´este logar.)

O sr. Telles de Vasconcellos: — Mando para a mesa, dois pareceres da commissão de administração publica com relação a duas propostas do governo.

Peço a v. ex.ª tenha a bondade de lhes mandar dar o destino conveniente.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n´este logar.)

O sr. Presidente: — Vae ler se o artigo 2.° para se votar.

(Leu-se.)

Foi approvado o artigo 2.°, salvas as propostas que foram remettidas á commissão.

O sr. Presidente: — Está em discussão o artigo 3.° e seus paragraphos.

O sr. Guerreiro: — Apesar de não estar ainda em discussão o artigo 7.º desejo ser informado pelo illustre relator da commissão ácerca da disposição d'este artigo que diz.

(Leu.)

Desejo saber se s. ex.ª entende que, feita esta reforma da nova divisão dos circulos em assembléas eleitoraes, fica subsistindo para sempre, ou se as commissões do recenseamento ficam auctorisadas a fazer alterações todas as vezes que haja eleição.

O sr. Lopo Vaz (relator): — Satisfaço á indicação do illustre deputado o sr. Guerreiro, dizendo que o projecto não altera a legislação em vigor; antes pelo contrario a manda executar.

Segundo essa legislação, em seguida a esta nova divisão eleitoral, as commissões recenseadoras organisam as assembléas eleitoraes, e depois dos devidos recursos para o tribunal competente, decididas e feitas as competentes rectificações, a divisão dos circulos em assembléas eleitoraes assim constituidas fica permanente, e só póde ser alterada por virtude de lei. É como se entendem os artigos 6.° e 7.° do projecto.

O sr. Guerreiro: — Para que se não levantem duvidas, eu mando para a mesa uma emenda concebida nos seguintes termos.

(Leu)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que no artigo 3.° se acrescente o seguinte: = § unico. Feita assim a divisão das assembléas, só poderá ser alterada por uma medida legislativa. = Antunes Guerreiro.

O sr. Luciano de Castro: — Este artigo 3.° diz o seguinte:

(Leu.)

Da redacção d'este artigo parece-me que podem resultar algumas duvidas, que convem deixar acauteladas.

Eu vivo, por exemplo, ha mais de um anno com uma pessoa, e satisfaço os encargos da familia. Se minha mulher morrer, e eu não tiver outra pessoa de familia em minha companhia, perco por isso o direito eleitoral?

Se um individuo que estiver no recenseamento, por viver com um irmão ou irmã, o prover aos encargos da familia, se estes casarem o saírem de sua casa, perde elle o direito eleitoral?

Póde tambem acontecer que um individuo viva com sua mãe, que esta possua meios proprios, e que o filho seja apenas administrador d'esses bens.

Como a lei exige para elle ser recenseado que satisfaça aos encargos da familia, e como elle não provê a estes encargos, porque é a mãe que sustenta a familia, parece que não póde ser recenseado.

Julgo conveniente que a illustre commissão dê algumas explicações, para ficar bem entendido o sentido d'este artigo.

Eu não faço, porém, outras observações.

Espero que a commissão responda ás minhas duvidas.

O sr. Lopo Vaz: — O pensamento da commissão foi o que acaba de apresentar o sr. deputado Luciano de Castro. Nós entendemos que a base d´esta presumpção era o facto de prover aos encargos da familia: se o individuo considerado tal deixou de prover a esse encargo desapparece o fundamento da presumpção; em qualquer das hypotheses, expendidas pelo illustre deputado, o individuo deixou de ser chefe de familia e por tanto não póde ser recenseado. Em relação aos que tiverem perdido o direito de ser recenseados, observar-se-ha o que se, observa actualmente em relação aos que deixam de ser collectados com o quantitativo de contribuição necessario para constituir presumpção da renda de l00$000 réis.

Se o roennceamento está definitivamente concluido, fica o cidadão com direito de votar emquanto vigora esse recenseamento, a não ser que contra elle queira intentar-se acção ordinaria para provar que perdeu o direito de votar por facto posterior á conclusão definitiva do recenseamento e effectivamente se obtenha sentença n'esse sentido. Se o recenseamento não está difinitivamente concluido, está claro que o individuo, que nos termos d'esta lei deixar de ser chefe de familia, deixa de ser recenseado.

Creio ter respondido ás perguntas do illustre deputado.

O sr. Luciano de Castro: — Acceito e agradeço a explicação do illustre relator da commissão, mas peço licença a s. ex.ª para lhe ponderar que a interpretação, que dá ao artigo, leva-nos á seguinte conclusão.

Parece que o criterio da capacidade eleitoral para o eleitor, que tem de ser recenseado como chefe de familia, é a

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existencia de uma pessoa com quem viva em communidade; mas se no anno seguinte tem a desgraça de perder essa pessoa, se desappareceu essa pessoa, com quem vivia em communidade, desappareceu por isso a capacidade eleitoral do eleitor recenseado como chefe de familia!

Parece-me que esta conclusão não está em harmonia com o pensamento do legislador, que creio não é dar ou tirai a capacidade eleitoral ao eleitor, só porque elle vive ou deixa de viver em communidade com uma pessoa que constitue a sua familia.

Póde ainda dar-se a circumstancia de um cidadão prover aos encargos de uma pessoa da sua familia, mas não a ter em sua companhia. Os illustres deputados poderão facilmente figurar esta hypothese. O filho que sustenta seu pae, ou que sustenta qualquer parente, mas que está em outra localidade, que não vive em sua companhia, tem os meios necessarios para poder occorrer á subsistencia de sua familia, tem o criterio de capacidade eleitoral que a lei julgou bastante para lhe dar o direito de votar; todavia não vota, segundo o artigo, porque apesar de provar que tem meios para sustentar, e effectivamente sustenta, seu pae ou um parente, não realisa o criterio de capacidade eleitoral, porque, segundo a interpretação que o illustre deputado dá á lei, o direito de votar parece estar ligado unicamente á circumstancia meramente accidental de se achar em companhia do eleitor uma pessoa quem elle sustente.

Eu peço que se considerem bem as consequencias a que póde levar a adopção do artigo tal como está, e parece-me que são muito differentes as circumstancias que se tiveram em mente.

Faço justiça á commissão e até penso que a sua intenção é conceder a capacidade eleitoral ao individuo que tem uma familia, porque o facto de a ter dá direito a presumir-se que tem um certo rendimento. (Apoiados.) Esta é a idéa da commissão. Penso que não póde ser outra.

Parecia-me que so devia votar o artigo, salva a redacção, para vermos se se podia achar uma redacção mais consentanea ao pensamento, á mente da lei.

Quanto ao pensamento do artigo, eu approvo-o, e approvo-o em harmonia com as idéas que propuz no projecto da reforma da carta; porque entendo que todo o cidadão, que está na posse dos seus direitos civis, tem direito de votar nas questões politicas.

D'accordo com estas opiniões, não podia eu nunca restringir o direito eleitoral.

Por isso, n'este ponto, eu apenas poço ao governo que cuide seriamente da instrucção popular; que faça entre nós o mesmo que se, fez em 1867 na Inglaterra, aonde se alargou o suffragio eleitoral, e se votou tambem um bill em 1870, em que se tornava quasi obrigatorio o ensino, auctorisando-se as commissões escolares o decretal-o, quando a julgassem conveniente.

Sei muito bem que não estão ainda feitas todas as reformas que se ligam com a lei eleitoral, e que tendem a emancipar a consciencia dos eleitores da pressão das auctoridades; mas não é isso rasão para que esta se não faça. Vou trabalhando, vou lidando, por todos os meios, para que as outras reformas essenciaes complementares, que com esta têem intima, relação, se effectuem no mais breve espaço de tempo; e porque não se realisaram ainda, não posso tirar d'ahi argumento para votar contra esta.

Agora permitta-me o sr. visconde de Moreira de Rey que lhe diga, com referencia ao cidadão a que alludiu, o que pela nova reforma eleitoral s. ex.ª diz que vae ser incluido no recenseamento, que, se esse cidadão é, vadio, e subsiste á custa do alheio e do que subtrahe aos seus viiznhos, se tem todos os crimes e todos os vicios que s. ex.ª disse, seguramente devo estar debaixo da acção da lei e entregue aos tribunaes; e n'essas circumstancias, não póde estar no goso dos seus direitos civis nem dos seus direitos politicos: não póde votar.

Mas, se esse cidadão deu á sociedade a devida reparação, se pagou a sua divida á justiça, se esta já nada tem que pedir-lhe, parece-me que não era de rasão que nós fessemos prival-o do direito que concedemos a todos os outros cidadãos.

Não está preso, não está cumprindo alguma pena, acha-se por conseguinte no goso dos seus direitos civis e politicos, e fôra grave injustiça estabelecer uma excepção contra elle.

Não deroguemos o principio geral da lei, porque na sua execução se póde dar um ou outro senão.

Sempre na pratica ha um ou outro inconveniente, mas por isso não deixemos de prestar com o nosso voto adhesão sincera a uma refórma, que em consciencia reputâmos liberal, e propicia aos nossos progressos politicos. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

O sr. Lopo Vaz: — Concordo com a indicação que apresentou o sr. Luciano de Castro, para que o artigo 3.° d'este projecto seja votado salva a redacção, e levo mais longe o alvitre de s. ex.ª porque peço que não só este artigo, mas todos os restantes, sejam votados salva a redacção.

Por esta occasião devo repetir o que já outro dia disse com relação aos erros que se notam no projecto em discussão.

A commissão, no intuito de realisar o seu desejo, de que este projecto se discutisse e fosse esnvertido em lei ainda n'esta sessão, elaborou-o com a maior rapidez possivel, a fim de o apresentar á camara, e foi esta precipitação que deu logar a apparecem as irregularidades que alguns srs. deputados têem notado.

Em relação ao que s. ex.ª disse quanto á presumpção de que o individuo que sustenta a sua familia, embora com ella não viva, tem 100$000 réis de renda, não ha duvida de que esta presumpção é plausivelmente verdadeira, mas não julgámos prudente inseril-a na lei porque se prestaria a muitas fraudes e abusos.

Nós estabelecemos a favor dos cidadãos que ha mais de um anno viverem com a sua familia a presumpção legal de que tem 100$000 réis de renda. Para os que não vivem em commum com a familia não estabelecemos áquella presumpção, mas nem por isso os privâmos absolutamente do direito de votar, porque lhes fica salvo o direito para provarem pelos meios competentes que têem 100$000 réis de renda. É se com effeito fizerem esta prova, terão o direito de votar, porque este direito é garantido pelo acto addicional a todos os cidadãos de maior idade que provarem que têem 100$000 réis de renda.

Este projecto estabelece a capacidade eleitoral para os chefes de familia, nos termos que são definidos no artigo em discussão, e portanto não ha tambem contradicção em prival-os d'essa capacidade logo que deixem de ser chefes de familia.

E não ficam privados absolutamente d'essa capacidade, porque se provarem que continuam tendo 100$000 réis de renda sendo eleitores, não como chefes de familia, porque já o não são, mas como simples cidadãos com o censo estabelecido no acto addicional. Mas é mister que provem terssa renda.

É exactamente o que acontece na actualidade. Quem pagar 1$000 réis de contribuição predial é eleitor, tem capacidade eleitoral, mas perde esta capacidade e deixa de ser eleitor se deixar de ser collectado nas contribuições directas, salvo o direito de provar pelos meios competentes que effectivamente tem a renda de 100$000 réis.

O artigo 3.° foi approvado, salva a redacção.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões, e para sexta feira a continuação da de hoje e mais bs projectos n.ºs 21, 22, 23 e 24. Está levantada a sessão. Eram cinco e meia horas da tarde.

Sessão de 20 do março da 1878

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