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SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barros Coelho de Campos (vice-presidente)

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado

SUMMARIO

Dois officios, um do ministerio do reino e outro do ministerio dos negocios estrangeiros. - Tiveram segundas leituras dois projectos de lei, um do sr. Moraes Sarmento, outro do sr. Brito Fernandes. - Apresentam representações os srs. presidente, Consiglieri Pedroso, Bernardo Machado, Lucena e Faro e Julio Graça. - O sr. Avellar Machado interroga o sr. ministro das obras publicas com referencia a um posto phylloxerico no Cartaxo e ao decreto de 31 de dezembro de 1864. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Serpa Pinto refere-se a noticias de Africa e á necessidade de um consul no Natal. Responde-lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros. - O sr. Feliciano Teixeira faz differentes considerações, estranhando que navios que vinham do Brazil, e que tiveram livre pratica nas Canarias, a não tivessem na ilha da Madeira, porque, trazendo carta limpa das auctoridades brazileiras e hespanholas, traziam cartas sujas dos consules portuguezes.
Responde lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros. - O sr. Alfredo Pereira apresenta o diploma do sr. Francisco de Almeida e Brito, deputado eleito pelo circulo de Anadia. - O sr. Jacinto Cândido apresenta dois requerimentos, pedindo vários documentos ao governo! - Justificaram as suas faltas às sessões os srs. Ruivo Godinho, Cardoso Valente, Figueiredo Mascarenhas, Jacinto Candido, Oliveira Martins, Mazziotti e Antonio Maria de Carvalho.
Na primeira parte da ordem do dia foram approvados sem discussão, tanto na generalidade como na especialidade, dois projectos de lei: 1.°, approvando, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção para a reciproca extradição de criminosos entre Portugal e o império da Russia, assignada em Lisboa a 10 de abril de 1887; 2.°, approvando, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção consular assignada em Berne aos 27 de agosto de 1886.
Na segunda parte da ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.° 107, orçamento rectificado, usando da palavra os srs. Carrilho, Consiglieri Pedroso e ministro da fazenda, ficando ainda pendente a discussão. - E approvada uma proporia do sr. ministro das obras publicas, para que o sr. deputado António Luiz Gomes Branco de Moraes Sarmento, chefe de secção dos estudos da linha férrea do valle do Corgo, fosse dispensado de assistir por emquanto às sessões da camara, para poder continuar nos trabalhos de que está encarregado.

Abertura da sessão - As duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada 58 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Serpa Pinto, António Castello Branco, Campos Valdez, Oliveira Pacheco, Antonio Ennes, Moraes Sarmento, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Eduardo de Abreu, Feliciano Teixeira, Firmino Lopes, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Cândido da Silva, Baima de Bastos, João Pina, Franca de Castello Branco, Izidro dos Reis, João Arroyo, Menezes Parreira, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, Pereira e Matos, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Reis, Júlio Graça, Júlio de Vilhena, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marianno de Carvalho, Miguel da Silveira, Pedro Victor, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz, Visconde de Silves, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alfredo Pereira, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Ribeiro Ferreira, Cromes Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, António Maria de Carvalho, Mazziotti, Jalles, Hintze Ribeiro, Lobo d'Avila, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Castro Monteiro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Alves Matheus, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Alves de Moura, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Júlio Pires, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Marianno Prezado, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Tito de Carvalho e Vicente Monteiro.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alfredo Brandão, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Antonio da Fonseca, Guimarães Pedrosa, Fontes Ganhado, Urbano de Castro, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Francisco Beirão, Francisco Matoso, Francisco Ravasco, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Pires Villar, Cardoso Valente, Scarnichia, Dias Gallas, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Silva Cordeiro, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Alpoim, Rodrigues de Carvalho, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Santos Moreira, Abreu e Sousa, Mancellos Ferraz, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Matheus de Azevedo, Pedro Diniz, Dantas Baracho e Visconde da Torre.

Acta - Approvada.

EXPEEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo o processo relativo á eleição supplementar de um deputado, que ultimamente se realisou no circulo n.° 29 (Marco de Canavezes.)
Á commissão de verificação de poderes.

2.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 150 exemplares do Livro branco, contendo documentos relativos á delimitação das possessões portuguezas e francezas na Africa occidental.
Á secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - O decreto de 30 de outubro de 1884, que reorganisou o exercito, aos attribuiu aos ajudantes de campo dos generaes commandantes das divisões militares o direito a cavallo praça, ao mesmo tempo que pelo disposto no § único do seu artigo 186.° deu esse direito aos ajudantes de campo dos generaes commandantes geraes das armas de engenheria e artilheria e do corpo d'estado maior e dos generaes inspectores geraes das armas de cavallaria e infanteria.
Esta injustificada desigualdade carece de prompto remédio. Desde que as conveniencias de serviço determinaram que na lei se inserisse uma disposição, pela qual os ajudantes de campo dos commandantes e inspectores ge-

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raes das referidas armas e corpos, vencem cavallo nos termos da remonta dos officiaes de artilheria montada e de cavallaria, mal se comprehende que aos ajudantes de campo dos generaes commandantes das divisões militares não seja conferido igual direito, quando é certo que estes por maioria de rasão o devem ter.
Tenho pois a honra de submetter ao vosso illustrado exame o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os ajudantes de campo dos generaes commandantes das divisões militares têem direito a cavallo praça, segundo os princípios estabelecidos para a remonta dos officiaes de cavallaria e de artilheria montada.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 6 de junho de 1887. = Manuel Maria de Brito Fernandes, deputado pelo circulo n.° 100.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - As forças, de que se compõe um exercito, dividem-se naturalmente em tropas combatentes e não combatentes, competindo áquellas o serviço das diversas armas e a estas os serviços auxiliares.
Considerando que, de todos os unicos auxiliares de um exercito, são sem duvida os prestados pela administração militar os mais importantes;
Considerando que não é racional nem equitativo que os individuos, encarregados destes serviços, não sejam igualmente considerados e não tenham as mesmas vantagens que os officiaes, a cujo cargo estão os outros serviços auxiliares:
Tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.°.0s empregados da administração militar com graduação de official são para todos os efleitos considerados como officiaes não combatentes.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 6 de junho de 1887. = Antonio Sarmento, deputado por Chaves.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de guerra.

REPRESENTAÇÕES

De alguns habitantes do concelho de Poiares, contra a proposta n.° 4, apresentada pelo sr. ministro da fazenda, na parte que eleva o direito de importação na cera da Africa.
Apresentada pelo sr. deputado Bernardino Machado, enviada á commissào de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Dos operarios e interessados na industria das rolhas de cortiça em Lisboa, pedindo a approvação do projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Consiglieri Pedroso, na sessão de 6 de maio do corrente anno, em que eleva o direito de exportação da cortiça a 180 réis por cada 15 kilogrammas.
Apresentada pelo sr. deputado Consiglieri. Pedroso enviada á commissão de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Villa do Conde, pedindo auctorisação para levantar do cofre dos rendimentos da ponte sobre o Ave, as sommas que existirem, deduzidas todas as despezas de conservação da referida ponte, e o saldo proveniente de rendimentos do anno anterior, para serem applicadas a melhoramentos do municipio.
Apresentada pelo sr. deputado Júlio Graça e enviada á commissão de administração publica, ouvida a de obras publicas.
Da camara municipal de Tabuaço, pedindo para se alterar o artigo 1:688.° do codigo civil, de modo que se melhore a sorte do foreiro, abatendo-se no fôro a parte correspondente á depreciação produzida pela phylloxera ou ou qualquer outra força maior.
Apresentada pelo sr. deputado Lucena e Faro, enviada, á commissão de legislação civil e mandada publicar no Diario do governo.

Da associação dos marceneiros lisbonenses, pedindo que sejam augmentados os direitos sobre as mobílias importadas.
Apresentada pelo sr. vice-presidente da camara, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Não apparecendo no processo de aposentação do primeiro official da repartição de fazenda do districto de Castello Branco, a nomeação de um jury differente do que deu parecer no referido processo, e que anteriormente foi convocado por duas vezes para proceder a exame no aposentando, requeiro que seja enviado a esta camara copia dos avisos dirigidos aos medicos Hermano José das Neves Castro e Silva, dr. Mamede e dr. Tavares, para comparecerem no governo civil, a fim de procederem a exame no referido aposentando anteriormente ao que por fim se fez, e copia de todos os officios, que do governo civil de Castello Branco foram dirigidos á repartição de fazenda do mesmo districto, participando o dia em que devia ter logar o exame referido. = Ruivo Godinho.

Requeiro que, pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, sejam enviados a esta camara todos os documentos que formam o processo de concurso para o logar de vigário da freguezia da Ribeirinha, do concelho de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira. = O deputado pelo circulo n.° 99, Jacinto C. da Silva.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camara os documentos que instruem e compõem o processo de concurso para o logar de segundo official da secretaria do governo civil de Angra do Heroísmo. = O deputado pelo circulo n.° 99, Jacinto C. da Silva.
Mandou-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro que por motivo justificado faltei às sessões de 3, 4 e 6 do corrente mez. = O deputado, Antonio Maria de Carvalho.

Participo a v. exa. e á camara que faltei às duas ultimas sessões por motivo justificado. = O deputado por Cintra, Mazziotti.

Declaro que por motivos justificados faltei á sessão de 4 de junho 1887. = O deputado, Oliveira Martins.

Declaro que faltei às sessões de sexta feira e sabbado ultimos, por motivo justificado. = O deputado pelo circulo n.° 99, Jacinto C. da Silva.

Declaro que faltei á sessão nocturna de sexta feira, 6 do corrente, por motivo justificado. = Ruivo Godinho.

Participo que o sr. deputado João Cardoso Valente tem faltado às sessões da camara e continuará a faltar a mais algumas por motivo justificado. - Ruivo Godinho.

Communico a v. exa. e á camara que o sr. deputado Figueiredo Mascarenhas tem faltado às ultimas sessões, e fal-

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tará ainda a mais algumas, por motivo justificado. = Avellar Machado.
Para a secretaria.

PARTICIPAÇÃO

Participo a v. exa. e á camara que se acha constituída a commissão de instrucção superior e especial, que elegeu para seu presidente o sr. conselheiro Dias Ferreira, a mim para secretario, havendo relatores especiaes. = José Federico Laranjo.
Para a acta.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

Do capitão ajudante da praça de Valença, Fernando Augusto Cardoso, pedindo que seja eliminada da proposta do governo n.° 104-F, a clausula que prohibe o requerente de ser promovido ao posto de major, antes de ter oito annos no posto de capitão.
Apresentado pelo sr. deputado Avellar Machado e enviado á commissão de guerra.

O sr. Presidente: - Tenho que participar á camara que fui procurado esta manha por uma commissão de marceneiros lisbonenses, que me entregou uma representação, pedindo para serem augmentados os direitos sobre os moveis estrangeiros, a fim de proteger os artistas da nossa terra. Vae ser remettida á commissão competente para sobre ella dar o seu parecer.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Pedi a palavra para mandar para, a mesa uma representação, assignada por mil e tantas assignaturas, dos fabricantes de rolhas, em que pedem á camara dos senhores deputados que, tendo em vista as considerações que se fazem nesta representação, haja por bem approvar o augmento de direitos de exportação de cortiça em bruto.
Com relação á doutrina d'esta representação, eu reservo-me para occasião opportuna, quando se discutirem os artigos relativos a esta industria, o que vem na pauta geral das alfandegas.
Peço a v. exa. que seja publicada no Diario do governo.
Foi autorisada a publicação.
O sr. Bernardo Homem: - Mando para a mesa uma representação dos habitantes do concelho de Poiares, pedindo que no projecto da pauta se elimine o artigo que modifica o direito do importação de cera da Africa.
Tambem peço que se consulto a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
O sr. Lucena e Faro: - Mando para a mesa uma representação do concelho do Tnbuaço, que pede para que seja alterado o artigo 1:688.° do codigo civil, em ordem a melhorar a sorte dos foreiros, abatendo se nos fóros a parte correspondente á depreciação causada pela o por outras causas de força maior.
Não faço agora considerações sobre esta representação, e peço que seja publicada no Diario do governo.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para me associar as considerações feitas pelo illustre deputado o sr.~Eduardo Coelho ap apresentar uma representação dos aspirantes dos cprreios e telegraphos, cuja pretenção julgo de justiça e desejava vêl-a attendida por esta camara.
O sr. Julio Graça: - Pedi a palavra para mandar para a mesa, a fim de ter o conveniente destino, uma representação que a camara municipal de Villa do Conde, a que tenho a honra de presidir, dirige aos srs. deputados da nação portugueza, pedindo auctorisação para applicar nas despesas geraes do município as sobras dos rendimentos da ponte sobre o rio Ave, e bem assim o saldo existente proveniente dos annos anteriores.
O pedido que se faz nesta representação, sr. presidente, é de todo o ponto justo e sobremodo necessário, e por isso merece ser attendido por esta assembléa com a maior urgencia e no sentido que se requer.
Primeiramente, a provisão regia de 9 de junho de 1821, que instituiu o imposto da portagem, determina clara e expressamente, que este imposto, depois de paga a importância da ponte de madeira, será applicado na extracção da pedra da antiga ponte que havia caído, obstruindo completamente o rio, no reparo e conservação da ponte de madeira que a substituiu e ainda existe, e na coustrucção do caes e encanamento do rio.
Ora, de todas estas applicações, aquellas que absorviam a maior parte do rendimento da ponte, eram inquestionavelmente a extracção da pedra do leito do rio e a construcção do caes, pois seguramente mais de metade d'esses rendimentos era gasta com esses serviços. Succede, porém, que hoje, assim como já há alguns annos a esta parte, o rio se acha quasi completamente desobstruido e o caes inteiramente acabado, e se ainda existem uns pequenos restos de um pégão da antiga ponte, esses restos não impedem a navegação nem influem, na corrente do rio; o nestas circumstancias, tendo cessado a necessidade da applicação de uma parte importante do imposto, póde essa parte ser destinada para outro fim, sem que por isso deixem de ser respeitadas as disposições terminantes da provisão.
A camara municipal o que pretende suo as sobras do rendimento da ponte, depois de deduzidas todas as despezas com o reparo e conservação da ponte e cães adjacente e se pretende tambem o saldo existente, é porque, sendo mais que sufficientes os rendimentos da ponte para satisfazer os encargos que lhes restam, esse saldo não tem applicação legal, e podo da mesma forma ser destinado para outro fim sem offender o pensamento e a letra da mesma provisão.
Em segundo logar, v. exa., sr. presidente, e os meus illustres collegas, sabem muito bem que as camaras municipaes estão actualmente sobrecarregadas com encargos que mal podem supportar, e a camara de Villa do Conde não constitue, infelizmente, uma excepção a tal respeito.
Esta camara, sr. presidente, para satisfazer digna e honradamente os seus encargos geraes e os encargos da instrucção e da viação, terá absoluta necessidade de recorrer a novos impostos, se não conseguir a auctorisação que pede, e os povos certamente não consentirão sem protesto, que póde ser mais ou menos violento, o lançamento d'esses novos impostos, sobretudo vendo que não são aproveitados convenientemente os que existem e pagam pontualmente, como esse da portagem de que se trata.
É verdade, que a camara actual podia pôr em pratica o systema seguido pelas suas antecessoras que dispozeram dos rendimentos da ponte como quizeram, e legalisaram esses desvios como entenderam; mas ella não quer seguir esse caminho, e sem pretender censurar alguem, prefere a estrada direita e legal, vindo ao parlamento pedir a auctorisação que só elle lhe póde dar.
Por tudo isto, sr. presidente, vê-se claramente que a petição da camara de villa do Conde é inteiramente justa e necessaria, e que longe de contrariar as disposições da provisão regia de 9 de junho de 1821, as acata e respeita;
da, a tomará na devida consideração, formulando um projecto de lei em que seja incluída a auctorisação que se pretende.
Se a commissão o entender conveniente, eu mesmo não tenho duvida em fazer esse projecto de lei, assim como não tenho duvida era lhe fornecer todos os esclarecimentos que a possam habilitar a julgar melhor do assumpto.
Por ultimo, sr. presidente, cumpre-me pedir a v. exa. e á camara desculpa de lhes haver tomado com as considerações que acabo de fazer, e peço a v. exa. se

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digne consultar a camara, sobre se consente que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação.
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa uma declaração, por parte do meu collega e amigo o sr. Figueiredo Mascarenhas, de que tem faltado às ultimas sessões, e faltará ainda a mais algumas, por motivo justificado.
Mando tambem para a mesa um requerimento do sr. Fernando Augusto Cardoso, capitão ajudante da praça de Valença, pedindo a esta camara approve uma modificação, que indica, á proposta de lei do governo n.° 104-F.
Aproveito a occasião de estar presente o sr. ministro das obras publicas para fazer a s. exa. duas perguntas: a primeira, se está resolvido a acudir com remédio prompto e efficaz á terrível crise por que estuo passando os concelhos vitícolas do districto de Santarém, e especialmente o do Cartaxo.
É indispensavel o estabelecimento de novos postos anti-phylloxericos n'aquelle districto, e especialmente, e desde já, no concelho do Cartaxo.
E a rasão por que faço este pedido é ter a phylloxera invadido nos ultimos mezes os vinhedos do districto de Santarem com tal violencia, que, a progredir o mal com igual rapidez, póde calcular-se que num periodo muito curto elles desparecerão completamente n'aquella região.
V. exa. sabe que o Cartaxo é o concelho mais importante do districto de Santarém, debaixo d'este ponto de vista.
Em todos elles se têem empregado os maiores esforços para combater tão terrível mal, mas infelizmente o destruidor parasita zomba dos heróicos trabalhos dos lavradores, que mesmo desacompanhados da protecção do governo, hão luctado energicamente contra d phylloxera.
E no momento actual creio que nenhum posto de observação o do ataque poderia estabelecer com mais rasão do que no concelho do Cartaxo.
Eu antecipei-me ao illustre representante d'aquelle circulo, de que peço desculpa á camara; mas como representante tambem do districto de Santarem, e na ausência de s. exa., de quem sou amigo, animei me a fazer estas considerações, aproveitando a presença do sr. ministro das obras publicas, prazer de que me é dado raras vezes go-sar. esperando que o I Ilustre deputado o sr. Ferreira, mais conhecedor dos males com que ultimamente tem luctado aquelle concelho, explicará ao sr. ministro as rasões imperiosas uuo se dão para exigirmos do governo providencias promptas no sentido que acabo de expor.
Perguntarei ainda ao sr. ministro das obras publicas se considera ou não em pleno vigor o decreto de 21 de dezembro de 1864. que se refere á construcção e exploração dos cadinhos do ferro. Não peco desde já uma resposta categorica s. exa; pense no caso, e amanhã ou em outro qualquer dia s. exa. me dará a resposta que tiver por conveniente, por quanto desejo conversar com s. exa. a respeito da falta de cumprimento de alguns dos artigos deste decreto, que ignoro se achem suspensos na sua execução, e desconheço os diplomas legaes porque foram mandado* suspender.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Em relação ao ultimo ponto que s. exa. tocou; isto é, se considero em pleno vigor, ou em parte, o decreto de 21 de dezembro de 1864, direi que, se s. exa. quer conversar commigo a esse respeito, o mais conveniente é annunciar uma interpellação.
Parece-me que é este acto parlamentar mais regular.
O sr. Avellar Machado: - V. exa. é injusto para commigo; eu não podi uma resposta agora, mas amanha ou quando v. exa. viesse prevenido.
O Orador: - Annuncie o illustre deputado uma interpellação que eu responderei. O decreto tem muitos artigos.
O sr. Avellar Machado: - Refiro-me ao artigo 37.°
O Orador: - Agora já é um artigo.
Com relação ao posto phylloxerico no Cartaxo, não tenho duvida em o mandar estabelecer ali. Infelizmente o Cartaxo é uma das regiões que mais tem soffrido, mas devo dizer ao illustre deputado que á acção do governo sobre esse assumpto nem sempre tem correspondido as diligencias dos agricultores.
O governo convidou as camaras municipaes de certo districto a mandar individuos da localidade, que fossem aos postos phylloxericos estudar como se empregava o sulphureto de carbone no tratamento das vinhas, e isto gratuito, per conta do governo; pois nem uma só camara municipal se aproveitou d'este beneficio.
Em um districto dos mais importantes do reino, que tem uma área extensa e maior numero de concelhos, nenhuma camara municipal precisou que se lhe ensinasse a fazer o tratamento.
Isto é lamentavel, vê-se que predomina no nosso paiz o principio da rotina, que é o mal principal da nossa agricultura. (Apoiados.)
O illustre deputado sabe que ha vinhas phylloxeradas no Douro, onde hoje se colhe mais vinho do que antes se colhia.
O tratamento do sulphureto de carbone é um tratamento proveitoso, e é uma dor de alma ver que se estão perdendo hectares e hectares de vinha pelo abandono e incúria dos proprietários, que entendem que não vale a pena applical-o, porque não produz effeito e custa caro!
Não tenho duvida em estabelecer um posto phylloxerico no Cartaxo, mas o que pedia a s. exa. era que pela sua influencia política fizesse com que os proprietários se aproveitassem desse posto.
O que se tem dado a este respeito consta de documentos officiaes.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Serpa Pinto: - Pelas ultimas noticias vindas da África do sul acabo de saber que um exercito de trabalhadores, que estava reunido nas minas de oiro do Transvaal, não encontrando trabalho n'aquellas minas, segundo o boato que corre, resolveram partir para Manica e trabalhar ahi por sua conta.
Isto póde trazer grandes inconvenientes ao governo.
Recebi particularmente esta communicação, que não póde existir officialmente. por isso que não temos ali cônsul. Quem está desempenhando as funcções de nosso consul no Natal, não é o proprio consul, mas um sobrinho, que desempenha mal as funcções desse cargo.
Já na questão dos emigrados que foram para o Congo esse cavalheiro andou mal, e o nosso cônsul do Cabo deve estar bem informado disso.
Sei que está nomeado um cônsul portuguez para partir para o Natal, e ignoro o motivo por que ainda não partiu, quando é urgente e necessario que o governo tenha informações dali, sobretudo agora que está em construcção o caminho de ferro de Lourenço Marques e com as relações que nos estão prendendo ao Natal.
Desejava chamar a attenção de s. exa. sobre isto. Se aquelle consul não póde partir, é necessario nomear outro, para haver ali um funccionario que olhe pelos interesses do nosso paiz. (Apoiados.}
O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): - Em relação ao facto que motivou a pergunta do illustre deputado e meu amigo o sr. Serpa Pinto, nada posso acrescentar às informações que s. exa. acaba de dar á camara, porque ainda não me consta officialmente cousa alguma a este respeito. Entretanto procurarei saber se no ministerio da marinha ha já quaesquer espécies de informações, e fica em todo o caso chamada a minha attenção para o facto referido por s. exa.
Com relação á necessidade de termos no Natal um agente consular, estou perfeitamente de accordo com o illustre deputado.
Entendo, que os postos consulares da Africa são hoje

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para nós dos mais importantes postos políticos, pude assim dizer-se, porque é sabido que as funcções dos consules teem ali uma parte politica essencial.
Entretanto reconhecendo eu essa necessidade com respeito ao Natal, tenho conservado esse posto sem ser occupado por um consul effectivo, e a rasão d'isso está nos pequenos ou quasi nenhuns interesses que esse funccionario hoje ali póde auferir o na obrigação em que se constituirá o governo, de lhe fornecer os meios indispensaveis, para viver numa terra, que, como s. exa. sabe, é cara, sem que para isso tenha recursos votados.
Isto indica que n'esse ponto, como em outros, a legislação consular precisa de ser profundamente melhorada.
Não poderei talvez este anno apresentar á camara uma proposta n'esse sentido, como desejava; entretanto darei o primeiro passo, isto é, apresentarei á camara uma proposta, avocando para o ministerio dos estrangeiros todos esses serviços dos consulados da Africa. (Apoiados.)
Como v. exa. sabe, os consules em Africa eram nomeados pelo ministerio da estrangeiros, mas pagos e fiscalisados ministerio dos estrangeiros, mas pagos e fiscalisados pelo ministerio da marinha. Esta quebra na unidade de serviços consulares era altamente inconveniente, por mais de um, motivo; é preciso pôr-se-lhe um termo, e tenciono, repito, apresentar uma proposta, chamando-os para o ministerio dos estrangeiros e por assim dizer, regulando este serviço dos consulados da Africa. Comtudo, devo dizer que essa proposta não me satisfaz, mas é o primeiro passo, porque não tenho ainda os elementos necessarios para calcular a melhor maneira de organisar esse serviço e de remunerar os funccionarios que para lá são mandados.
Effectivamente, creia s. exa. que reconheço que este assumpto tem um importante alcance politico e que procuro attendel-o convenientemente; mas n'esse momento o que vou fazer como primeiro passo n'esse caminho, é chamal-os para o ministerio dos estrangeiros, pol-os em mais immesiato contacto com o ministro dos estrangeiros e regular esse serviço de melhor modo possivel, até que devidamente instruido possa apresentar uma medida mais larga e mais completa sobre o assumpto.
É isto o que por emquanto posso dizer ao illustre deputado.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ruivo Godinho: - Pedi a palavra para declarar á camara que faltei á sessão nocturna de sexta feira, 3, por motivo justificado, e que o sr. deputado João Cardoso Valente tem faltado a algumas sessões e faltará ainda a outras, por motivo justificado, como se diz nas notas que mando para a mesa.
Pedi tambem a palavra para mandar para a mesa um requerimento, pedindo mais esclarecimentos sobre o processo de aposentação do primeiro official da repartição de fazenda do districto de Castello Branco.
Este processo accusa muitas irregularidades, como espero ter occasião de mostrar á camara; e notando-se, que se fosse chamar á Covilhã um medico para assistir ao exame de sanidade feito ao empregado de que se trata, havendo em Castello Branco tres medicos municipaes e passando-se pelos concelhos limitrophes, onde tambem os ha, e habeis, não ha ali vestigio algum de nm jury, que anteriormente tinha sido nomeado para o mesmo exame, e que tinha chegado a sor avisado para fazer tal exame. O requerimento que mando para a mesa tem por fim supprir esta lacuna do processo; por isso rogo a v. exa. fineza de o mandar expedir com a brevidade que lhe for possível, porque preciso dos documentos, que peço, para mostrar as irregularidades em que elaborou o processo da aposentação forçada, a que me refiro, e que mostra como são poupados os dinheiros públicos e fiscalisados os interesses do thesouro, reformando os empregadas validos contra sua vontade, que ainda podiam continuar a prestar bons serviços, para os substituir por outros com o dobro da despeza.
O sr. Avellar Machado: - Agradeço ao sr. ministro das obras publicas a promessa que me acaba de fazer de estabelecer um posto anti-phylloxerico no concelho do Cartaxo, e posso assegurar a v. exa. que os lavradores d'aquelle concelho e de toda a região vitícola do districto são intelligentes, zelosos, trabalhadores e instruidos, como em geral todos os grandes lavradores do districto de Santarem.
Sabe-o muito bem o sr. Antonio Maria de Carvalho, deputado da maioria, e proprietario em Torres Novas, e não o ignora tambem o actual sr. monistro da fazenda, que por muitos annos representou o districto.
Os lavradores d'aquella região são intelligentes, activos e emprehendedores, e de há muito que usam dos meios de cultura mais aprefeiçoados, e portanto creia s. exa. que o estabelecimento de um posto anti-phylloxerico, e de quasquer outros melhoramentos que s. exa. faça introduzir no mais importante districto agricola do paiz, será recebido e approveitado com o maior enthusiasmo e com a melhor boa vontade.
Com respeito ao decreto de 31 de dezembro de 1864, eu fiz apenas lealmente, como é meu costume, uma pergunta ao sr. ministro.
Não podia querer fazer a s. exa. uma cillada, como das suas injustas palavras se podia inferir, porque eu tenho por s. exa. a maxima consideração, e não está nos meus habitos fazer surprezas a ninguem.
A minha pergunta, era simplesmente para saber se o artigo 37.º do decreto de 31 de dezembro de 1864 foi suspenso, e se o foi, por quem, e a data do diploma que o suspendeu.
É possível, que, segundo os costumes da terra, exista alguma portaria inedita n'este sentido; mas se existe, eu não tenho conhecimento d'ella.
Repito, não conheço documento algum emanado do poder executivo ou do legislativo que suspenda esse decreto, ou alguns dos seus artigos.
S. exa. depois do examinar a questão, dir-me-há na proxima sessão se existe alguma portaria ou algum decreto, mandando suspender a executo da lei.
O sr. Feliciano Teixeira: - Muito folgo de ver hoje n'esta casa do parlamento antes da ordem do dia, o nobre ministro dos negocios estrangeiros, porque desejo chamar a attenção de s. exa. para um facto, que afecta poderosamente os interesses dos povos, que tenho a honra de representar n'esta illustre assembléa.
Sr. presidente. Primeiro que tudo devo declarar a v. exa. e á camara que, tendo de referir-me a pessoas que não têem assento n'esta casa e se acham a grande distancia d'ella, não cabe nem póde entrar nas minhas intenções vir para aqui de proposito e caso pensado, irrogar-lhes a mais leve censura e menos ainda aos cavalheiros que nem tenho a honra de conhecer e que, pela sua posição social e talvez por não poucos titulos, serão credores da estima e da consideração de todos. Não póde ser nunca o meu objectivo collocar mal pessoa alguma, em similhantes condições, especialmente quando, como na occasião presente, as cousas se podem explicar por um lapso, um esquecimento, uma falta de attenção, que, todavia, não posso deixar passar desapercebidamente ao governo, porque assim m'o impõe o exige a voz do dever.
Sr. presidente. Um dos empenhos mais decedidos e efficazes de todos os governos deve ser facilitar por todos os modos ao seu alcance os portos do paiz a todos os navios que os procurem, sejam quaes forem as rasões que a isso os determinem: é esta uma verdade quasi intuitiva, procurar demonstral-a seria roubar um tempo precioso a esta camara, seria uma verdadeira ociosidade. Animados d'estas idéas, inspirados nestes sentimentos, os governos de todos os paizes têem procurado, por todos as formas possíveis, modificando aqui a legislação aduaneira, melhorando acolá as condições dos portos, e por toda a parte acabando com disposições e usos incompativeis com as urgencias da civili-

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cão, preparar o mais franco accesso e a pratica mais livre e desembaraçada de peias á navegação, especialmente a longo curso, em todos os portos e em toda a parte.
Ha, porém, algumas restricções que não podem deixar de ser severamente mantidas, porque affectam os interesses mais elevados dos povos, pois dizem respeito á saúde publica: - refiro-me às medidas constantes dos regulamentos de sanidade maritima.
Mas, sr. presidente, é absolutamente necessario que os funccionarios publicos a quem compete a observancia das disposições regulamentares que se referenda este assumpto, as conheçam perfeitamente, e as cumpram com a mais escrupulosa exactidão, a fim de que pelo seu proceder menos circumspecto e cauteloso, não passe a ser um mal em suas mãos aquillo que só é inspirado pelos mais altos interesses das nações.
Sr. presidente. Ainda não ha muitos dias que me veio parar às mãos um periódico da cidade do Funchal, O Diario de noticias, no qual deparei com um artigo, cuja leitura peço licença a v. exa. e á camara para fazer. (Leu.)
Conclue-se, visivelmente, d'esta leitura um facto, que não podia deixar de suprehender-me, o de ver no mesmo paiz dois cônsules de duas nações diversas, um a passar carta de saúde limpa, outro carta de saúde suja, ao mesmo navio. Como se póde explicar este facto?
Quando lidava no empenho de resolver a difficuldade em que me havia collocado a noticia do jornal referido, porque só desejava pedir immediatas providencias ao governo, como o exigiam os interesses dos meus constituintes, quando tivesse uma idéa clara dos factos e pleno conhecimento das providencias a adoptar, recebo uma carta de mu meu amigo particular, que, pelas condições especiaes em que se acha, me referiu as cousas com toda a exactidão e me forneceu a noticia que me faltava da legislação applicavel ao caso de que se trata.
Este meu amigo chamou-me a attenção para o facto de se não poder dar livre pratica na Macieira, o que muito prejudica, a navios que a têem em outros pontos, como nas Canarias, etc., isto, acrescenta elle, pelo facto dos nossos cônsules de Buenos Ayres, Rio da Prata não marcarem, segundo creio, na casa competente da carta de saúde a data dos últimos casos de febre amarella ou de cholera-morbus, como o prescreve o regulamento de sanidade marítima, decreto de 12 de novembro de 1874.
«Agora mesmo acaba de chegar a este porto o vapor Tuscany, que, tendo tido livre pratica em Cabo Verde, aqui foi posto, de quarentena, embora, tivesse carta de saúde, limpa, mas pelo facto de dizer que os ultimos casos de cholera tinham tido logar em 1887, sem precisar a data.»
Com effeito, o regulamento geral de sanidade marítima, decreto de 12 de novembro de 1874, estabelece o seguinte:
«Artigo 99.°
Ǥ unico
«3.° A embarcação que, alem de não ter, tido caso algum de doença durante a viagem, o que será attestado pelo facultativo de. bordo, traga carta de saúde limpa em que se declare haver a doença, que infectara o porto, cessado trinta, vinte ou quinze dias antes da partida do navio, conforme essa doença tiver sido a peste, a febre amarella ou a cholera-morbus, pois que nessa hypothese, seja qual for a natureza da carga, se observará o determinado no artigo 94.° para as procedencias limpas.
«Artigo 94.° A embarcação procedente de porto limpo com carta de saude limpa e regular, será admittida a livre pratica, bem como os seus passageiros, tripullação, bagagens e carga, salva as seguintes excepções:
«1.ª Quando tenha havido moléstia suspeita a bordo, tanto pelo decurso da viagem como durante a estada. 1103 portos da procedencia, escalas ou arribadas, pois que n'este caso lhe terá imposta e aos seus passageiros, tripulação e bagagens e carga susceptível, quarentena de rigor.
«2.ª Quando ao guarda mor conste officialmente ou por qualquer modo authentico que nos portos da partida, escalas ou arribadas se haja manifestado a cholera-morbus ou a febre amarella nalgum dos cinco dias immediatos á saída da mesma embarcação, ou a peste em algum dos oito dias tambem immediatos ao da saída... etc.»
Sr. presidente, sinto mais prazer e particular satisfação quando e ao nobre ministro dos negócios estrangeiros que me cabo a honra de pedir qualquer providencia, relativamente aos povos, que tenho a honra de representar nesta casa do parlamento. S. exa. já esteve na Madeira, e portanto está no caso de apreciar, melhor de qualquer outro dos seus collegas, quanto importa, para aquella formosa ilha, o rigoroso cumprimento dos principies regulamentares, a que me refiro. A Madeira atravessa actualmente, uma crise gravíssima, é necessario que os poderes públicos, quando não corram em favor d'ella com medidas de extraordinario alcance, como reclamam as circumstancias pelo menos exijam dos seus agentes respectivos o cumprimento d'aquellas que as leis geraes de todos os povos têem estipulado por collocar a todos os portos em identidade de circunstancias.
A Madeira é uma paragem procurada, de preferencia a qualquer outra, pela navegação em geral, e, particularmente, pela navegação a longo curso. Deve o aos dons e productos especiaes do que a natureza a dotou.
É necessario que o governo portuguez facilite, por todos os modos, e não difficulte, esta aspiração natural de todos os navegantes.
O sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Barros Gomes): - Ouvi com a maxima attenção as reflexões que o illustre deputado acaba de fazer, e ouvi-o, não só pela notável deferência que s, exa. me merece, mas ainda porque suo verdadeiramente importantes os assumptos a que s. exa. se referiu, como sào sempre todos aquelles que dizem respeito á livre facilidade do commercio e á livre expansão da vida economica das povoações.
Se alguma rasão podesse n'este momento acrescentar a obrigação em que estou de dar todas as providencias que o illustre deputado pediu, pelo meu ministerio, seria a sympathia natural que tenho pela formosa ilha da Madeira.
Tenha o illustre deputado a certeza de que, por parte dos funccionarios consulares, serão cumpridas as prescricções regulamentares, e de que pelo meu ministerio serão dadas as providencias necessárias para obviar aos inconvenientes a que o illustre deputado alludiu.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae passar-se á primeira parte da ordem do dia.
Leu-se na mesa o projecto n.° 105, que foi logo approvado sem discussão.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 105

Senhores. - A vossa commissão dos negócios externos examinou a proposta de lei n.° 102-A, approvando a convenção para a reciproca extradição de criminosos, entre Portugal e o império da Russia, assignada em Lisboa a 10 de abril de 1887.

Esta convenção, negociada segundo os princípios assentes entre nós nos documentos análogos que a precederam, vem juntar o império da Rússia ao corpo das nações com que temos estabelecida a extradição dos criminosos.
Por isso a vossa commissào de negócios externos julga que é digno de approvação parlamentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção para a reciproca extradição de criminosos, entre Portugal e o império da Russia, assignada em Lisboa a 10 do abril de 1887.

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SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1887 1077

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da commissão, aos 29 de maio de 1887. = Vicente Rodrigues Monteiro = J. Alves Matheus = Carlos Lobo d'Avila = Antonio Ennes = José de Saldanha Oliveira e Sousa = J. P. Oliveira martins, relator.

N.º 102-A

Senhores. - Com o fim de ir completando o nosso systema penal convencional e assim assegurar melhor a punição dos crimes, celebrou o governo de Sua Magestade Fidelissima com o de Sua Magestade o Imperador da Rússia a convenção que em conformidade com os preceitos constitucionaes vos é agora apresentada.
Na sua redacção observaram-se escrupulosamente os princípios sempre seguidos pelo governo portuguez em analogos factos internacionaes, com o fim de evitar toda a severidade inútil e todo o gravame que não seja justificado pela necessidade de tornar effectiva a repressão dos crimes.
Não esqueceu estipular que será commutada a pena de morte aos criminosos extraditados por Portugal e só se acrescentaram disposições conducentes a tornar mais efficaz e segura a punição dos culpados.
N'estes termos espero que concedereis a vossa approvação á seguinte proposta de lei.
Artigo 1.º É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção para a reciproca extradição de criminosos, entre Portugal e o imperio da Russia, assignada em Lisboa a 10 de abril de 1887.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, 12 de maio de 1887. = Henrique de Barros Gomes.

Convenção de extradição entre Portugal e a Russia

Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves: e Sua Magestade o Imperador de Todas as Russias, tendo resolvido de commum accordo concluir uma convenção para a extradição reciproca dos individuos accusados ou condemnados pelos crimes abaixo enumerados, nomearam para esse effeito como plenipotenciarios, a saber:
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves:
O sr. Henrique de Barros Gomes, do seu conselho, par do reino, ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, gran-cruz da ordem de Nosso Senhor Jesus Christo e de varias ordens estrangeiras, etc., etc.
E Sua Magestade o Imperador de Todas as Russias:
O sr. Nicolau de Fonton, seu conselheiro d'estado actual, camarista da sua côrte, gran-cruz de varias ordens russas e estrangeiras, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto da côrte do Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, etc., etc.
Os quaes, depois de terem trocado os seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida fórma, accordaram e convieram nos artigos seguintes:
Artigo I. O governo de Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e o governo de Sua Magestade o Imperador de Todas as Russias, obrigam-se á entrega reciproca, com excepção dos proprios subditos por nascimento ou por naturalisação adquirida antes da perpetração do crime que dá logar á extradição, de todos os individuos refugiados de Portugal, das ilhas adjacentes e das possessões ultramarinas na Russia, e vice-versa da Russia em Portugal, nas ilhas adjacentes e nas possessões ultramarinas, indiciados, accusados ou condemnados por motivo de um dos crimes ou delictos abaixo enumerados, commettidos fóra do territorio da parte á qual a extradição é pedida.
A extradição terá logar pelos factos seguintes:
1.° Attentado contra a vida do soberano ou dos membros da sua família, assim como qualquer outro crime ou delicto abaixo enumerado, commettido contra o soberano ou os membros da sua família.
2.º Homicidio voluntario, parricidio, infanticidio, envenenamento.
3.º Ameaças de attentado contra as pessoas ou as propriedades, puniveis com penas criminaes.
4.º Aborto.
5.° Lesões corporaes, pancadas e ferimentos voluntários commettidos com premeditação e reconhecidos graves, eu que tenham occasionado uma doença ou incapacidade de trabalho pessoal durante mais de vinte dias.
6.° Rapto, violação ou qualquer outro attentado ao pudor commettido com violencia.
7.° Attentado contra os bons costumes, excitando, favorecendo ou facilitando habitualmente a devassidão ou a corrupção da mocidade de um ou de outro sexo, de idade inferior a vinte e um annos.
8.º Bigamia.
9.° Rapto, occultação, suppressão, substituição ou parto supposto, exposição e abandono de uma creança.
10.° Attentado contra a liberdade individual, rapto de menores.
11.º Imitação fraudulenta, falsificação, alteração ou de moeda imitada fraudulentamente, falsificada, alterada ou cerceada.
12.º Imitação fraudulenta ou falsificação dos sellos do estado, das notas de. banco, dos títulos públicos e dos cunhos, carimbos e marcas de papel moeda e de estampilhas do correio: uso de sólios, notas, títulos, marcas, cunhos ou carimbos falsificados: uso prejudicial de sellos, marcas, carimbos ou cunhos verdadeiros.
13.° Falsificação e uso de falsificação em escriptura publica ou authentica de commercio ou de banco, ou em escriptura particular, á excepção das falsificações commettidas nos passaportes, guias de marcha e certificados. Destruição e roubo de documentos.
14.º Juramento falso, testemunho falso, declarações falsas de peritos ou de interpretes, suborno de testemunhas, de peritos ou de interpretes.
15.° Corrupção de funccionarios publicos, concussão, subtracção, ou desvios de fundos commettidos por preceptores ou depositarios publicos.
16.° Fogo posto.
17.° Destruição ou demolição voluntaria por qualquer meio que seja, no todo ou em parte, de edifícios, de pontes, diques ou calçadas, ou outras construcções pertencentes a outrem. Damno causado voluntariamente aos apparelhos telegraphicos.
18.° Associação de malfeitores, pilhagem, damnificação de generos ou mercadorias, bens, propriedades moveis, commettida em reunião ou bando ou á viva força.
19.° Crimes e delictos maritimos previstos pelas legislações respectivas das partes contratantes.
20.° O facto voluntario de ter posto em perigo um comboio em caminho de ferro.
21.° Roubo.
22.° Burla, extorsão commettida por meio de violencia ou de ameaças.
23.° Abuso dc assignatura em branco.
24.° Desvio ou dissipação em prejuízo do proprietario, possuidor ou detentor, de bens ou valores que não foram entregues senão a titulo de deposito ou para um trabalho assalariado (abuso de confiança).
25.º Bancarota fraudulenta.
26.° Receptacão dos objectos obtidos por meio de um dos crimes ou delictos acima enunciados.
São comprehendidos nas qualificações precedentes a tentativa e cumplicidade, quando são puníveis pela legislação do pai z a quem é pedida a extradição.
As altas partes contratantes obrigam-se a perseguir na conformidade das suas leis os crimes e delictos commettidos pelos seus subditos contra as leis da parte adversa, desde que isto lhes seja pedido e nos casos em que estes

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crimes e delictos possam dar logar a extradição nos termos da presente convenção. O pedido acompanhado de todos os esclarecimentos necessarios, com a demonstração evidente da culpabilidade do criminoso, deverá ser feito pela via diplomatica.
Art. II. As disposições do presente accordo não são applicaveis às pessoas culpadas de algum crime ou delicto politico.
A pessoa que foi extraditada em rasão de um dos crimes ou delictos communs mencionados no artigo I não póde por conseguinte em caso algum ser perseguida e punida no estado, ao qual a extradição foi concedida, em rasão de um crime ou dclicto político commettido por ella antes da extradição nem em virtude de um facto connexo com similhante crime ou delicto político, nem por qualquer outro crime ou delicto anterior que não seja o mesmo que tiver motivado a extradição.
Art. III. Os indivíduos accusados ou condemnados por crimes aos quaes, segundo a legislação do paiz reclamante, é applicavel a pena de morte, não serão entregues senão com a condição de que não lhes será infligida a dita pena.
Art. IV. A extradição não terá logar:
1.° No caso de um crime ou do um delicto commettido num terceiro paiz quando o pedido de extradição for feito pelo governo desse paiz;
2.° Quando o pedido de extradição for motivado pelo mesmo crime ou delicto pelo qual o indivíduo reclamado tiver sido julgado no paiz ao qual foi feito o pedido e pelo crime por que foi condemnado, absolvido ou despronunciado;
3.° Se a prescripção da acção ou da pena se tiver verificado pelas leis do paiz a que tiver sido pedida a extradição antes da prisão do indivíduo reclamado, ou se a prisão não tiver sido effectuada antes de elle ter sido citado perante o tribunal para ser ouvido;
4.º Quando a puna pronunciada contra o condemnado ou o maximum da pena applicavel ao facto incriminado segundo a legislação das altas partes contratantes não excederem um anno do prisão.
Art. V. Se o indivíduo estiver processado ou condemnado no paiz em que se tiver refugiado por um crime ou delicto commettido n'este mesmo paiz, a sua extradição poderá ser adiada até que o processo haja sido abandonado, que elle seja despronunciado ou absolvido, ou que tenha cumprido a pena.
Art. VI. Quando o accusado ou condemnado cuja extradição for pedida por uma das partes contratantes, em conformidade com a presente convenção, for igualmente reclamado por outro ou por outros governos com as quaes tiverem sido concluídas convenções d'esta natureza por causa de crimes commettidos nos territórios respectivos, será entregue ao governo em cujo território houver commettido o crime mais grave, e no caso em que os crimes tiverem igual gravidado será entregue ao governo que primeiro tiver feito o pedido de extradição.
Art. VII. Os compromissos dos culpados para com particulares não poderão suspender a extradição, salvo á parte lesada o fazer valer os seus direitos perante a auctoridade competente.
Art. VIII. A extradição será pedida pela via diplomática e não será concedida senão em vista da apresentação do original ou de uma expedição authentica, quer de uma sentença de condemnação, quer de um despacho de pronuncia, de um mandado de captura ou de qualquer outro documento equivalente expedido pela auctoridade competente, nas formas prescriptas pela legislação do paiz que faz o pedido, e indicando o crime ou o delicto de que só trata, assim como a disposição penal que lhe é applicavel.
Art. IX. Se no decurso de tres mezes, a contar do dia em que o culpado, o accusado ou o condemnado tiver sido posto á sua disposição, o agente diplomatico que o reclamou o não tiver feito partir para o paiz reclamante, será posto em liberdade e não poderá ser preso novamente pelo mesmo motivo.
Art. X. Os objectos roubados, achados em poder do criminoso, os instrumentos e os utensílios de que elle se tiver servido para commetter o crime, assim como quaesquer outros instrumentos de prova, serão entregues em todo o caso, quer a extradição se venha a realisar, quer se não possa effectuar em consequência da morte ou da fuga do culpado. Os direitos de terceiro a estes mesmos objectos serão reservados, e terminado o processo serão os objectos restituídos sem despezas.
Art. XI. Nos casos de urgencia, o estrangeiro poderá ser preso provisoriamente em qualquer dos dois paizes mediante um simples aviso transmitido pelo correio ou pelo telegrapho da existencia de um mandado de captura com a condição de que este aviso será regularmente dado pela via diplomatica ao ministerio dos negocios estrangeiros do paiz em que o indiciado se tiver refugiado. O estrangeiro preso provisoriamente ou mantido em estado de prisão, nos termos do presente artigo, será posto em liberdade se durante cinco semanas, desde a sua captura, não receber notificação da documentos que nos termos da presente convenção poderão dar logar ao pedido do extradição.
Art. XII. Se no seguimento de uma causa criminal não política forem julgados necessários os depoimentos de testemunhas domiciliadas no território do outro estado, será enviada para este excito, pela via diplomática, uma carta rogatória a que se dará seguimento, na conformidade das leis do paiz em que as testemunhas deverem ser interrogadas.
Toda a carta rogatoria que tiver por fim pedir uma audição de testemunhas deverá ser acompanhada de uma, traducção franceza.
Os dois governos renunciam a toda a reclamação relativa ao reembolso das despezas occasionadas pela execução das ditas requisições a menos que se trate de exames de peritos criminaes, commerciaes, medicos e outros.
Art. XIII. Se numa causa penal não politica for necessaria a comparencia pessoal de uma testemunha no outro paiz o seu governo propor-lhe-ha que acceda ao convite que lhe for feito e no caso de consentimento deverá ser reembolsado, pelo estado interessado na comparência da testemunha, das despezas de viagens e de permanência segundo os regulamentos e as tarifas do paiz em que tiver de fazer os seus depoimentos. Nenhuma testemunha, qualquer que soja a sua nacionalidade, que, citada num dos dois paizes, comparecer voluntariamente perante os juizes do outro paiz, poderá ser ali perseguida ou detida por factos e condemnações criminaes anteriores nem sob pretexto de cumplicidade nos factos que fazem objecto do processo em que ella figurar como testemunha.
Art. XIV. O transito atravez do territorio de uma das partes contratantes de um individuo entregue por uma terceira potência á outra parte e não pertencente ao paiz do transito será concedido mediante a simples apresentação em original ou em expedição authentica de um dos actos do processo mencionados no artigo VII, comtanto que o facto que servir de base á extradição esteja comprehendido na presente convenção e não entre nas previsões dos artigos II e III e que o transporto tenha logar quanto á escolta com o concurso de funccionarios do paiz que auctorisou o transito no seu territorio.
Art. XV. Os governos respectivos renunciam de uma e de outra parte a toda a reclamação para as despezas de sustento, transporte e outras que poderiam resultar, nos limites dos seus territorios respectivos, da extradição dos réus accusados ou condemnados, assim como das que resultam da remessa e da restituição dos instrumentos de prova ou dos documentos.
No caso em que o transporte pôr mar fosse julgado

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preferivel, o individuo cuja extradição tiver logar será conduzido ao porto do paiz reclamado que for designado pelo agente diplomático ou consular do governo reclamante, á custa do qual será embarcado.
Art. XVI. Os dois governos communicar-se-hão pela via diplomática as sentenças dos seus tribunaes que condemnarem os súbditos do estado estrangeiro por crime ou delicio.
Art. XVII. A presente convenção só será posta em vigor a datar do vigésimo dia depois da sua promulgação, nas formas prescriptas pelas leis dos dois paizes.
Nas possessões asiaticas do império da Rússia a convenção não entrará em vigor senão seis mezes depois da promulgação.
Continuará a vigorar até seis mezes depois de declaração contraria da parte de um dos dois governos.
Será ratificada e as ratificações serão trocadas em Lisboa logo que for possível.
Em fé de que os plenipotenciários assignaram a presente convenção e lhe pozeram o sêllo das suas armas.
Feita em Lisboa, em duplicado, em 10 de abril do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1887. = (L. S.) Barros Gomes. = (L. S.) N.º de Fonton.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negócios estrangeiros, em 12 de maio de 1887. = A. de Ornellas.

Leu se na mesa o projecto de lei n.° 106.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 106

Senhores. - A vossa commissão dos negócios externos, tendo examinado a convenção consular celebrada em Berne entre o governo da republica helvética e o governo portuguez, julga a conforme com os princípios de direito internacional e em harmonia com os interesses commerciaes do nosso paiz, e por isso no caso de merecer a vossa approvação.
Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção consular assignada era Berne aos 27 de agosto de 1883.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 1 de junho de 1887. = Vicente R. Monteiro = J. Alves Matheus = J. P. Oliveira Martins = Carlos Lobo d'Avia = José de Saldanha Oliveira e Sousa = Antonio Ennes, relator.

N.° 105-C

Senhores. - Em 27 de agosto de 1883 foi assignada em Berne uma convenção consular entre Portugal e a Suissa pelo enviado extraordinario e ministro plenipotenciario de Sua Magestade Fidelissima n'aquella cidade. Do modo por que correu a negociação tereis cabal conhecimento pelos documentos que foram apresentados às cortes em 1884 pelo ministerio actualmente a meu cargo. Estabelece a convenção preceitos em harmonia com os princípios do direito internacional que regem a materia. Se não podemos alcançar que n'ella se introduzissem regras identicas às que se encontram em outras convenções que nos ligam com diversos paizes, não nos colloca essa omissão em condições desfavoráveis com respeito às demais nações e são reciprocamente vantajosas e conformes ao systema convencional que temos seguido as clausulas que se estipularam.
Ao vosso exame a submetto, pois, esperando approveis a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção consular assignada em Berne aos 27 de agosto de 1883.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negócios estrangeiros, em 20 de abril de 1881. - Henrique de Barros Gomes.
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, e o conselho federal da confederação suissa, animados do desejo de determinar com precisão os direitos, privilégios e immunidades reciprocas dos agentes consulares, bem como as suas funcções e as obrigações às quaes estarão sujeitos nos dois paizes, resolveram concluir uma convenção consular e nomearam por seus plenipotenciarios, a saber:
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves: o sr. conde de S. Miguel, official mor da sua real casa, cavalleiro da antiga e muito nobre ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, commendador de diversas ordens estrangeiras, seu enviado extraordinário e ministro plenipotenciário junto do alto conselho federal suisso, e O conselho federal da confederação suissa o sr. Luiz Ruchonnet, presidente da confederação e chefe do departamento político, os quaes, tendo trocado os seus respectivos plenos poderes, que acharam em boa e devida forma, convieram nos artigos seguintes:
Artigo 1.° Cada uma das altas partes contratantes terá a faculdade de estabelecer um cônsul geral, cônsules e vice-consules nas cidades, portos e localidades do território da outra parte.
Os ditos agentes serão reciprocamente admittidos e reconhecidos, apresentando as suas nomeações segundo as regras e formalidades estabelecidas nos paizes respectivos.
O exequatur necessario para o livre exercício de suas funcções lhes será concedido sem despezas, e em vista do dito exequatur a auctoridade superior do logar da sua residência tomará immediatamente as medidas necessárias para que elles possam desempenhar os deveres do seu cargo, e que sejam admittidos ao goso das isenções, prerogativas, immunidades, honras e privilegios que lhes são inhereutes.
As duas altas partes contratantes reservam-se todavia o direito de determinar as residências, onde não lhes convier admittir funccionarios consulares, mas fica bem entendido que a este respeito, os dois governos não se opporão respectivamente restricção alguma que não seja commum, no seu paiz, a todas as outras nações.
O governo que concedeu o exequatur terá a faculdade de o retirar, indicando os motivos pelos quaes julga conveniente fazel-o.
Art. 2.° No caso de um funccionario consular exercer um commercio ou uma industria qualquer, ficará sujeito, no que diz respeito ao seu commercio ou á sua industria, às mesmas leis e usos a que estiverem sujeitos, no mesmo logar, no que disser respeito ao seu commercio ou á sua industria os súbditos e os consules negociantes, se os houver, da nação mais favorecida.
Alem d'isso fica entendido que, quando uma das altas partes contratantes escolher para seu cônsul geral, cônsul ou vice-consul numa cidade, porto ou localidade da outra parte um súbdito desta, o dito funccionario consular continuará a ser considerado como súbdito do estado ao qual elle pertence, e estará, por conseguinte, sujeito às leis e regulamentos, que regem os nacionaes no logar da sua residência, sem que comtudo esta obrigação possa estorvar em cousa alguma o exercício das suas funcções, nem offender a inviolabilidade dos archivos consulares.
Art. 3.° O consul geral e os cônsules e vice-consules do reino de Portugal na Suissa, e reciprocamente o cônsul geral, os cônsules e vice-consules da confederação suissa em Portugal poderão collocar por cima da porta exterior do consulado geral, consulado ou vice-consulado o escudo das armas da sua nação com a inscripção: consulado geral, consulado ou vice-consulado de ...
Poderão igualmente arvorar a bandeira do seu paiz, sobre a casa consular nos dias de solemnidades publicas, assim como em outras circumstancias de uso.
Fica bem entendido que estes signaes exteriores nunca poderão ser interpretados como constituindo um direito de

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asylo, mas que servirão antes de tudo a designar aos nacionaes a habitação consular.
Art. 4.° Os funccionarios consulares, que não são subditos do paiz no qual residem, não poderão ser intimados a comparecer como testemunhas perante os tribunaes.
Quando a justiça local tiver necessidade de colher junto d'elles alguma declaração juridica, deverá transportar-se ao seu domicilio para a receber de viva voz, ou delegar para esse fim um funccionario competente, ou pedir-lhes a declaração por escripto.
Art. 5.° Os archivos consulares serão invioláveis, e as auctoridades locaes não poderão, sob pretexto algum, e em caso algum revistar nem apprehender os papeis que fizerem parte desses archivos.
Estes papeis deverão sempre estar completamente separados dos livros e papeis relativos ao commercio ou á industria, que possam exercer o consul geral, os cônsules ou vice-consules respectivos.
Art. 6.° Quando um funccionario consular fallecer sem deixar na sua localidade substituto designado, a auctoridade local procederá immediatamente á apposiçâo dos sel-los nos archivos, em presença de um agente consular de uma nação amiga e de dois súbditos do paiz do consul defunto, ou na falta destes ultimos, de dois notáveis da localidade.
O processo verbal desta operação será lavrado em duplicado, e um dos dois exemplares será transmittido ao cônsul geral da nação do defunto, ou na falta do cônsul geral ao funccionario consular mais proximo.
O acto de levantar os sellos effectuar-se-ha para a entrega dos archivos ao novo funccionario consular em presença da auctoridade local e das pessoas, que, tendo assistido á apposição dos ditos sellos, habitarem ainda a localidade.
Art. 7.° Os funccionarios consulares dos dois paizes terão o direito de receber nas suas chancellarias, e no domicilio das partes interessadas, todas as declarações e outros actos de jurisdicção voluntária que precisarem fazer os negociantes e outros súbditos do seu estado.
Serão igualmente auctorisados a receberem na qualidade de tabelliães, as disposições testamentarias dos seus nacionaes.
Terão alem disso o direito de lavrar, na mesma qualidade, nas suas chancellarias todos os actos convencionaes entre os seus nacionaes e outras pessoas do paiz no qual residem, e, do mesmo modo, todos os actos convencionaes concernentes unicamente a súbditos deste ultimo paiz, comtanto, bem entendido, que estes actos tenham relação com bens situados ou com negocios a tratar no territorio da nação que represente o funccionario consular perante o qual elles forem lavrados.
As copias ou extractos destes actos devidamente legalisados pelos ditos funccionarios e sellados com o sêllo consular farão fé tanto em justiça, como fora, seja em Portugal seja na Suissa, pelo mesmo titulo que os originaes, e terão a mesma força e valor que se tivessem sido lavrados perante um tabellião ou um outro ofiicial publico de um ou de outro paiz, comtanto que estes actos tenham sido redigidos nas formas exigidas pelas leis do estado, ao qual pertencem os funccionarios consulares, e que tenham sido depois sujeitos ao sêllo e ao registo, assim como a todas as outras formalidades que regem a matéria no paiz em que o acto deverá receber a sua execução.
Os funccionarios consulares respectivos poderão traduzir e legalisar toda a espécie de documentos emanados das auctoridades ou funccionarios do seu paiz, e estas traducções terão no paiz da sua residência a mesma força e valor que se tivessem sido feitas por interpretes ajuramentados.
Art. 8.° Quando um portuguez fallecer na Suissa não deixando herdeiros conhecidos nem executores testamentarios as auctoridades suissas darão aviso ao funccionario consular portuguez no districto do qual occorrer o fallecimento, a fim que elle transmitia aos interessados as informações necessarias.
O mesmo aviso será dado pelas auctoridades competentes portuguezas aos funccionarios consulares suissos, quando um suisso fallecer em Portugal sem deixar herdeiros conhecidos nem executores testamentarios.
As auctoridades competentes do logar do fallecimento são obrigadas a tomar, com respeito aos bens moveis ou immoveis do defunto, todas as medidas conservatórias que a legislação do paiz prescreve para a successão dos nacionaes.
Art. 9.° Os funccionarios consulares portuguezes na Suissa e os funccionarios consulares suissos em Portugal gosarão, a cargo de reciprocidade, de todos os poderes, attribuições, prerogativas, isenções e immunidades de que gosam ou gosarem no futuro, os funccionarios consulares do mesmo grau da nação mais favorecida.
Art. 10.° Em caso de impedimento, de ausência ou de fallecimento do consul geral, dos cônsules ou vice-consules, os chancelleres ou secretarios que tiverem sido apresentados anteriormente na dita qualidade às respectivas auctoridades serão admittidos, de pleno direito, a exercer interinamente as funcções consulares e elles gosarão, durante este tempo, das isenções e privilégios que lhes são conferidos pelo presente tratado.
Art. 11.° O consul geral, os cônsules e os vice-consules dos dois paizes poderão, no exercício dos poderes que lhes forem attribuidos, dirigir-se às auctoridades de suas circumscripções para reclamarem contra toda a infracção aos tratados ou convenções existentes entre os dois paizes e contra todo o abuso de que os seus nacionaes tiverem a queixar-se.
Na falta de um agente diplomático do seu paiz, poderão mesmo recorrer ao governo do estado no qual elles residem.
Art. 12.° A presente convenção será ratificada o mais breve que seja possível.
Será executoria a datar do vigésimo dia depois da troca das ratificações.
Ficará em vigor até á expiração de um anno a contar do dia em que uma ou outra das duas altas partes contratantes a houver denunciado.
Em fé do que, os respectivos plenipotenciarios a assignaram e lhe pozeram o sêllo das suas armas.
Feita em Berne, em duplicado, a 27 de agosto de 1883. = (L. S.) Conde de S. Miguel = (L. S.) L. Ruchonnet.
Está conforme. - Direcção dos consulados e dos negócios commerciaes, em 20 de abril de 1887.== Eduardo Montufar Barreiros.
Foi approvado sem discussão.
O sr. Presidente: - Passa-se á segunda parte da ordem do dia.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM no DIA

Continua a discussão do projecto n.° 107, orçamento rectificado

O sr. Carrilho: - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Secretario (Francisco Medeiros): - A commissão de redacção não fez alteração alguma nos projectos n.ºs 105 e 106.
Foram enviados para a outra camara.
O sr. Laranjo: - Participo a v. exa. e á camara que está constituída a commissão de instrucção superior especial, tendo escolhido para presidente o sr. Dias Ferreira e a mim para secretario, havendo relatores especiaes.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, se porventura eu podesse ter suspeitado a phrase final do discurso do meu collega o sr. Carrilho, com certeza não haveria pedido a palavra simplesmente sobre a materia;

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tel-a-ía pedido sobre a ordem, porque a moção estava naturalmente indicada. Como, porém, não me inscrevi nesse sentido, desistirei da idéa, aliás perfeitamente justificada de formular qualquer moção. Mas o que vou dizer, antes de entrar nas considerações que hão de constituir o thema do meu discurso sobre o "orçamento rectificado, deverá ser considerado como a resposta á asserção verdadeiramente extraordinaria e inaudita, que nesta camara acaba de fazer o sr. relator da commissão.
Nada ha melhor, sr. presidente, para quem quizer saber a verdade, mas a verdade authentica, ácerca dos mysterios da orçamentalogia portugueza do que ouvir o sr. relator do orçamento nos seus momentos de franqueza e de desabafo. (Riso.)
Por mais habilmente, com effeito, que eu podesse architectar os meus argumentos, por mais que eu me esforçasse em convencer a camara d'aquilio que muitos de nós sabemos, outros suspeitámos e outros até ousamos dizer baixinho, em conversa antes da sessão aberta, não teria de certo logrado o effeito que logrou a palavra auctorisada e neste ponto perfeitamente indiscutível do sr. relator. (Riso.)
Assim, quando se discutiu nesta casa a resposta ao discurso da coroa, analysando eu a falta que se notava nas respectivas contas do thesouro, e depois no actual orçamento rectificado de uma verba que explicasse as festas espectaculosas que a cidade de Lisboa contemplou por occasião do consorcio de Sua Alteza o Príncipe D. Carlos, procurei convencer a camara de que essa verba, pequena ou grande, devia ter figurado em qualquer d'estes documentos. Não era crivei que o que então se gastou representasse o presente de núpcias dado pela nação ao filho primogenito do chefe do estado.
Ninguém, porém, se rendeu á verdade da minha argumentação e até o discurso, que então pronunciei, nem sequer mereceu as honras de uma resposta.
Passam-se, comtudo, pouco mais de quinze dias, sobre a affirmação a que acabo de referir-me, e hoje o sr. relator da commissão, pessoa ha muitos ânuos encarregada de fazer os orçamentos geraes do estado para todos os ministros da fazenda, declara, respondendo ao sr. Franco Castello Branco, que a verba d'onde saíram as despezas a mais do que estava votado no orçamento para a solemnisação do consorcio de Sua Alteza Real o Príncipe D. Carlos, foi exactamente a mesma donde saíram despezas idênticas por occasião da vinda do Rei de Hespanha a Lisboa, em que houve tambem aparatosas festas, que igualmente não deixaram um vestigio muito claro nos nossos documentos de contabilidade!
Isto é inaudito!
O sr. Carrilho: - As despezas a mais que se fizeram saíram exactamente do mesmo artigo, do mesmo capitulo e da mesma verba donde saíram as feitas por occasião da viagem a Lisboa de Sua Magestade o Rei de Hespanha. Eram despezas que não estavam previstas no orçamento respectivo, porque ninguém suppunha que tinham de fazer-se. Assim aconteceu com as despezas a mais para que não havia verba especial.
Creio que isto é correctissimo. (Apoiados.)
O Orador: - Era completamente inutil o sr. relator ter-me interrompido, por isso que em nada alterou o sentido das minhas considerações a explicação que acaba de dar á camara.
O sr. relator insiste em declarar que a verba d'onde saíram as despezas do casamento, era a mesma d'onde tinha saído as despezas feitas por occasião da visita de Sua Magestade o Rei de Hespanha, D. Affonso XII.
O sr. Carrilho: - Foram as mesmas e ambas legaes.
O Orador: - Ambas legaes tem graça, depois da primeira declaração de s. exa.! (Riso.)
A insistencia, porém, com que o sr. relator me interrompe, prova bem que ha pouco, foi talvez contra sua vontade franco de mais. (Apoiados.)
Tenha s. exa. paciencia! (Riso.)
O sr. Carrilho: - E para tomar a responsabilidade d'aquillo que digo e não d'aquillo que s. exas. queiram que eu tivesse dito. (Apoiados.)
O Orador: - Eu sei o que é essa posição, a que ella obriga, e o quanto s. exa. ha de procurar justificar a situação em que se collocou com a declaração que fez.
O sr. Carrilho: - É para que v. exa. fique convencido d'aquillo que eu disse, e só do que eu disse. (Apoiados.)
O Orador: - Fico convencido, fico. (Riso) Se s. exa. tivesse reflectido nos melindres da sua posição, faço-lhe a justiça de acreditar que não faria a affirmação que fez! (Riso.)
A minha questão não é de apreciar intenções; acredito mesmo que s. exa. se não lembrou que estava aqui um deputado republicano.
O sr. Carrilho: - Eu disse exactamente aquillo que queria dizer. Nem mais nem menos.
O Orador: - Ora, sr. Carrilho, tenha paciencia! É tarde para retirar o que disse. Les premiers mouvements sont toujours les meilleurs! (Riso.)
O primeiro movimento é sempre o mais verdadeiro, e é esse que por consequencia devemos tomar como a expressão da verdade.
E agora, permitta-me s. exa. e a camara que, deixando o tom em que comecei esta questão, lhe faca notar o quanto é triste e doloroso, que dentro d'esta casa sejam exactamente os indivíduos que mais combatem certas asserções minhas, qualificando-as de menos parlamentares, e até de menos verdadeiras, os que, esquecidos das suas responsabilidades vem depois confirmar consciente ou inconscientemente o que fingiam desmentir.
Isso mesmo que o sr. relator da commissão do orçamento acaba do declarar já eu o havia aqui dito; mas a minha asserção foi recebida com sorrisos de supposta incredulidade, porque se calculou, e bem, que eu não tinha meios de ir às repartições competentes compulsar documentos confidenciaes, a fim de trazer para a camara as provas do que affirmava.
Estava convencido, e estou, de que ha fundos falsos no orçamento do estado, por isso que d'esse orçamento muitas vezes se desviam verbas da sua applicação legal.
Logo direi qual é a mascara por detrás da qual taes desvios podem ser encobertos.
Concordo em que a replica do sr. Carrilho á opposição regeneradora seria boa e mesmo fulminante, se nesta casa houvesse só os dois partidos monarchicos; mas como quer queiram, quer não, existe um terceiro que tem forçosamente de ser n'estas questões a nota discordante: similhante desabafo partidario é inconveniente e perigoso.
A arma é com effeito traiçoeira. Póde salvar um ministro, mas com certeza não acredita as instituições! (Apoiados. )
O que se fez por occasião das festas do casamento do Principe Real, repetiu-se quando o Rei de Hespanha esteve em Lisboa. Alumiou-o o sr. relator, e eu creio piamente ser isto a verdade; mas é imprudente, chega quasi a ser offensivo dizel-o á face do paiz, que assim fica sabendo por confissão insuspeita que no orçamento portuguez ha verbas tão elásticas que comportam despezas illegaes de centenares de contos sem que apparentemente d'isso se resintam!
Não tinha tenção de fallar n'este tom á camara, pois havia promettido a mim proprio occupar-me unicamente do orçamento rectificado sob o ponto de vista financeiro, não fazendo deste documento uma arma de aggressão nem contra o governo, nem contra a maioria.
Mas há o podia deixar de levantar a ultima phrase proferida pelo sr. relator da commissão, para mais uma vez mostrar ao paiz, que ainda póde ter a ingenuidade de acreditar na consciencia com que aqui só discutem os orçamentos, o que estes documentos são e o que valem!

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Ponho aqui ponto nestas considerações, pedindo apenas, ou ao sr. relator ou ao sr. ministro da fazenda, me digam, qual é a verba do orçamento rectificado ou do orçamento de previsão para o futuro anno económico, que se presta a que alguma nova festa tão pomposa, como a do casamento do Príncipe Real, se possa fazer sem augmento de despeza! (Riso. - Apoiados.)
Ao menos s. exas. poupam-me o trabalho de me embrenhar pelos mysteriosos dedalos da nossa orçamentologia! (Riso.)
Dito isto, como o prologo do meu discurso; obrigado pela força das circumstancias, vou entrar na apreciação serena e desapaixonada do orçamento rectificado.
Temos estado assistindo, sr. presidente, na sessão de hontem e de hoje, a uma liquidação de contas entre os dois partidos monarchicos desta casa; e embora o sr. relator tenha declarado que a intenção com que havia sido escripta a palavra «liquidação» no relatorio do sr. ministro da fazenda, não era a de significar uma liquidação política, o que é facto é que a discussão tomou exactamente esse caracter.
O sr. Franco Castello Branco, fallando como deputado regenerador, inaugurou o debate, procurando defender o seu partido das accusacõcs que implícita e explicitamente, em diversas occasiões, lho tinham tido feitas pelo sr. ministro da fazenda.
O sr. Carrilho, respondendo, em nome da commissão, usou das retaliações do costume, e por isso, apesar de s. exa. nos dizer que se mantém na sua antiga posição, tratou apenas o assumpto como deputado progressista. (Apoiados.)
Chegando agora a minha vez, e não tendo eu erros passados que justificar, nem erros presentes para defender, fallarei simplesmente como deputado da nação!
Portanto, em nome do paiz, que vale mais que qualquer das facções políticas que nesta casa se digladiam, direi á camara francamente qual a impressão, que no meu espirito deixou a leitura deste documento.
Até hoje, sr. presidente, a questão de fazenda tem-se discutido constantemente, sob o estricto ponto de vista financeiro, quer dizer, tem-se discutido sob o ponto de vista das necessidades do thesouro; e não é uso nem costume apreciar o orçamento pelo seu aspecto económico, isto é, tendo em attenção as condições especiaes da riqueza nacional.
Ora, permitta-me v. exa. que eu diga que uma discussão meramente financeira, em que só se attenda á symetria das verbas de receita e de despeza, e uma discussão incompleta, porque o orçamento póde ser, na melhor das hypotheses, um orçamento financeiramente perfeito ou equilibrado, deixando até importantes saldos positivos para o thesouro, e constituir una perigo real pelas consequencias nefastas que tenha para a economia do paiz! Eu explico melhor o meu pensamento.
Se o illustre ministro da fazenda se lembrasse de apresentar á camara uma serie de propostas, para, a todo o custo, cobrir o déficit; se propozesse, por exemplo, o lançamento de uma forte capitação sobre a população portugueza, capitação tilo alta quanto fosse necessario para estabelecer o equilíbrio orçamental, é claro que esse equilíbrio, momentaneamente pelo menos, se estabeleceria; mas as medidas empregadas seriam fatães ao paiz, porque iriam ferir de morte fontes de receita publica, que mais tarde poderiam dar um proveito duradouro ao estado, se houvessem sido prudentemente poupadas.
Portanto, não basta que o orçamento seja financeiramente bom, não basta que esteja equilibrado; é necessario, é indispensável, que económicamente não seja mau, isto é, que esteja de accordo, no que diz respeito às receitas, com a capacidade tributaria do paiz. (Apoiados.)
Ora o nosso orçamento, se financeiramente é mau, não é económicamente melhor. Muitas verbas de receita precisam do ser profundamente modificadas para poderem conservar-se com proveito para o thesouro.
Ainda não ha muito o sr. ministro da fazenda aboliu o imposto sobre o sal, por reconhecer que este imposto era anti-economico, não obstante o rendimento que dava para o estado.
Pois não é esta a única das verbas do orçamento que precisa de ser, se não abolida totalmente, pelo menos muito alliviada. Ao lado do imposto do sal, está por exemplo, o imposto do pescado.
O illustre ministro da fazenda sustenta por acaso que este imposto é bom? De certo que não. Tal imposto está condemnado pelas condições especiaes em que a industria da pesca se exerce no paiz, industria que, se fosse largamente desenvolvida o protegida devidamente, podia ser, alem de um grande elemento de riqueza publica, o viveiro onde os nossos marinheiros se recrutassem com manifesto proveito para as nossas relações coloniaes e marítimas. Desconhece por ventura o sr. ministro da fazenda a triste situação dos nossos pescadores? E impossível! Então por que motivo não apresenta s. exa. uma proposta de lei para a abolição do imposto do pescado? Não a apresenta, porque naturalmente s. exa. não encontra o meio de poder compensar desde já no orçamento a falta que lhe deixaria a suppressão desta verba.
Com respeito aos impostos indirectos, a exageração de muitos d'elles não é menos manifesta. Assim, quem defenderá, no seu estado actual, a verba dos consumos em Lisboa?
Todos aquelles que conhecem de perto o viver das classes menos abastadas da capital, todos aquelles que estão ao facto da somma de tributos que oneram a maior parte dos generos de primeira necessidade, hão de espantar-se de que até hoje o parlamento não tenha podido alliviar similhantes tributos, que são a principal causa do rachitismo e da debilidade das classes trabalhadoras desta cidade.
O coefficiente do imposto de consumo em Lisboa orça por 7$000 réis por cabeça; mas como este imposto é distribuído muito desigualmente, ainda a media do que o pobre paga se deve considerar muito superior!
Todos sabem, com effeito, que o rico vê parte das commodidades da sua vida isentas do pagamento de contribuição, por exemplo o goso, das caças mais finas, emquanto que o bacalhau, um dos productos hoje mais indispensaveis para a alimentação das classes pobres, paga perto de 00 por cento do seu valor!
Este gravame dos impostos de consumo explica em grande parte o motivo por que a população mais pobre da nossa capital não póde alimentar se nas condições precisas para ter a sufficiente robustez para o trabalho e uma vida media mais dilatada.
Porventura o parlamento portuguez não devia melhorar estas condições, diminuindo um imposto que de mais a mais não vae servir, como seria de justiça, para fortificar a economia do município, pois que na máxima parte se perde na voragem do orçamento geral do estado?
Não devia o parlamento portuguez alliviar as verbas deste imposto, tornando assim mais fácil, ou antes, menos difficil, a vida das classes pouco favorecidas da fortuna? Porque o não faz? Porque as condições melindrosas do orçamento não permittem que se emprehendam reformas de tão grande alcance!
Escolhamos agora ao acaso um dos impostos directos.
Seja o imposto do registo, por exemplo.
Este imposto, principalmente na parte que diz respeito á transmissão da propriedade por titulo oneroso, é muitíssimo pesado; tão pesado que excede em muito a percentagem que dão theoricamente para similhante contribuição a quasi totalidade dos economistas.
Ora, o imposto de registo tem uma relação directa e importantíssima com a questão agrícola, a que se allude constantemente neste parlamento, questão para resolver a qual todos teimam em apresentar um único alvitre, mas cuja solução é em verdade muito complexa.

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Assim, ninguem duvidará do que uma parte da solução desta questão esteja na justa diminuição do imposto a que nos estamos referindo.
Não desejo intercallar, sr. presidente, na discussão do orçamento rectificado, uma discussão que mais tarde ha de ter melhor opportunidade no parlamento; mas o sr. ministro das obras publicas, que está presente, sabe muito bem que não é indifferente para o bom arroteamento do solo a facilidade da mudança de proprietário, pois de ordinario os primeiros tempos da acquisição de uma terra são o melhor estimulo para o cultivo das glebas que se compraram ou que se receberam por herança.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Apoiado!
O Orador: - Ora, uma das maiores difficuldades para a transmissibilidade do solo, e portanto, para a sua boa cultura, é evidentemente o actual imposto de registo.
Este imposto, tal qual está estabelecido entre nós, não póde permittir muitas transmissões da propriedade, porque num certo numero de annos essas mudanças absorveriam quasi que o valor primitivo da mesma propriedade, em vista da elevada taxa da contribuição! (Apoiados.)
Aqui tem v. exa., sr. presidente, como a attenuação do imposto de registo seria, não digo uma panacea, ou a solução completa para a crise agrícola, mas com certeza um dos factores mais importantes, que concorreriam para o allivio do estado anormal, em que infelizmente se debate a agricultura do nosso paiz!
Este alvitre foi apresentado por distinctissimos economistas em França na Allemanha, e em geral em todos os paizes onde a mesma questão está na ordem do dia, e onde ella representa um problema mais ou menos agudo, nas condições da actualidade.
Fiz estas referencias a alguns dos actuaes impostos, unicamente para provar ao sr. ministro da fazenda e á camara, que o nosso orçamento é um orçamento economicamente mau, porque muitas das suas verbas de receita vão ferir de uma maneira prejudicial a economia do paiz.
O nosso orçamento, porém, conforme eu disse, não é sómente um orçamento economicamente mau; é tambem mau financeiramente.
Não venho aqui apurar, sr. presidente, porque esse encargo não me pertence a mim, as responsabilidades da gerencia progressista, comparadas com as das gerências regeneradoras anteriores, que têem administrado a nossa fazenda publica. O que é certo, em todo o caso, é que a elevação do deficit, ou pelo menos a sua persistência, dentro de limites constantes, nos apparece como o facto mais culminante de todos os orçamentos, quer de previsão, quer rectificados.
Para mim, sr. presidente, debaixo do meu ponto de vista particular e especial, neste momento, basta-me uma simples affirmação, e essa, não me será contestada, nem por este lado da camara, nem por nenhum dos membros da maioria. A affirmação é que um deficit permanente existe nas finanças portuguezas, seja a culpa de que partido for.
É claro que eu julgo que nenhum dos partidos monarchicos portuguezes deixa de ter iguaes responsabilidades neste desequilibrio.
Mas o que é certo é que a persistência do deficit continua inalteravel, sobrevivendo a todas as situações politicas, sobrenadando a todas as propostas dos ministros, que se têem, em differentes epochas, sentado n'aquellas cadeiras.
O deficit renasce, como a phenix da fabula, das suas proprias cinzas. Apparece constantemente, se não em proporções cada vez mais crescentes, pelo menos em proporções sensivelmente estacionarias. E para mim, e creio que para todos, este facto é o sufficiente, para demonstrar que todos os orçamentos portuguezes são, financeiramente, maus.
Logo direi, sr. presidente, qual me parece ser a causa da ruindade chronica dos nossos orçamentos, financeiramente considerados. Mas por agora basta-me esta simples asserção, na qual estamos todos de accordo. De maneira que nos achamos mais uma vez, em presença de um mau orçamento rectificado, que, alem de tudo, ainda no capitulo das despezas differe do respectivo orçamento de previsão em uns poucos de milhares de contos.
As queixas do paiz, em presença de similhante estado de cousas, são mais que justificadas. O paiz póde importar-se pouco de que sejam progressistas ou regeneradores aquelles que mais tenham contribuído para o aggravamento das nossas finanças publicas. Mas deve importar-se e muito de que constantemeníe se estejam aggravando as condições, já tão melindrosas, do thesouro, e de que, por consequência, os governos estejam todos os dias lançando mão de expedientes duros e ruinosos, que são como que uma ameaça permanente, suspensa sobre todos nós, os que constituímos o corpo da nação!
Porque, emquanto tivermos um déficit nos nossos orçamentos, este déficit não póde consentir que olhemos para o futuro com perfeita tranquillidade e completa segurança. (Apoiados.)
Eu bem sei que o sr. ministro da fazenda, ou melhor, os partidários do sr. ministro da fazenda, respondem que a situação actual das finanças portuguezas é tão prospera que os fundos públicos, tendo estado ha pouco mais de um anno cotados a 43 na praça de Londres, hoje ali se acham a 57 1/2.
E acrescentam os mesmos partidários que só isto de per si é gloria bastante, para que o nome de s. exa. fique vinculado às melhores paginas da administração financeira do nosso paiz.
Todos sabem, sr. presidente, que, particularmente sou amigo do sr. ministro da fazenda. Fomos até em tempos que já lá vão, se não correligionarios, pelo menos companheiros em differentes actos da nossa politica contemporanea.
E eu posso dizer que d'essa epocha só tenho as mais agradaveis recordações!
Portanto, no que vou dizer, não posso ser suspeito ao sr. ministro da fazenda ou á maioria.
Não posso tambem ser suspeito de querer fazer elogios ou tecer encómios ao sr. Marianno de Carvalho, porque s. exa. sabe que desde o primeiro dia em que nesta camara entrou como ministro, eu não tenho deixado de o hostilisar politicamente, e de lhe combater quasi todas as suas medidas.
Por isso posso dizer desafogadamente que o sr. ministro da fazenda representa pelos seus talentos, pela sua habilidade, pelo seu saber especial nos assumptos da pasta que gere, uma das mais incontestadas, se não a mais incontestada competencia que se tem sentado n'aquellas cadeiras. (Apoiados.)
Mas já o disse aqui o sr. Fuschini, ha duas qualidades de amigos e admiradores, assim como a justiça e a lisonja, acrescento eu. Ha uns amigos que mais prejudicam muitas vozes do que servem aquelles a quem exaltam, pela sem critica com que endereçam os seus louvores: ha outros, e esses são os melhores, que louvam o que é para louvar, mas que criticam ou censuram aquillo que critica ou censura merece.

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nome, de abrir concurso para os supprimentos ao thesouro por divida fluctuante.
Esta medida ha muito que era reclamada pela opinião publica, e ha muito que sobre a sua urgencia e inadiabilidade todos estavam de accordo.
Mas nem por isso e menos digno de elogio o ministro que a decretou.
Feita assim justiça a quem a merece, sr. presidente, passemos agora á questão ou antes á lenda da alta dos fundos.
Está o sr. ministro da fazenda persuadido, e estão persuadidos todos aquelles que têem feito d'esta questão o cavallo de batalha para encobrir faltas que deste modo não podiam desculpar-se, que a interferência de um ministro da fazenda qualquer é omnipotente para determinar, se outras circumstancias a não favorecem, a alta cotação dos fundos públicos de uma nação?
Está o sr. ministro da fazenda igualmente persuadido que essa alta é, por si só, o barómetro único e sufficiente para se poder afferir a prosperidade económica de um paiz?
Se está disto persuadido cáe n'um duplo erro!
Eu comprehendo, por exemplo, como indicio de prosperidade financeira, e economica de um estado, a alta, desde 1866, do 5 por cento italiano, osculando actualmente em volta do par.
Comprehendo que a subida deste titulo, lenta, porque é uma evolução que se tem operado em vinte e um anãos, seja o producto de um melhoramento real e positivo das condições economicas da Italia.
Todos nós sabemos, com effeito, as phases por que tem passado a península italiana desde a ultima guerra com a Austria até hoje.
A Italia conseguiu reconstruir, a um tempo, a sua unidade política e financeira, acabando com a anarchia tributaria dos antigos estados particulares.
Desde 1866 aboliu muitos dos impostos que pesavam de uma maneira mais odiosa sobre a economia da nação, como por exemplo, o afamado imposto do macinato, isto é, o imposto sobre as moagens.
Comprehendo, por isso, sr. presidente, que nestas circumstancias, quando de mais a mais, e graças aos esforços successivos de todos os ministros da fazenda, desde o sr. Cambray-Digny até ao actual sr. Magliani, se poderam assegurar para o orçamento permanentes saldos positivos.
Comprehendo, repito, que a uma situação economica desta ordem corresponda uma alta segura e duradoura dos titulas de credito da nação.
Mas os phenomenos economicos, como todos os phenomenos sociaes, são lentos na sua manifestação, muitíssimo lentos na sua transformação evolutiva.
Uma transformação politica póde dar-se num paiz com a rapidez de uma mutação de scena num theatro; o mesmo não acontece, porém, com as condições económicas, que são intimas, e que precisam por consequência de largos annos e às vezes até seculos para poderem modificar se.
Pois então é crivei, que em Portugal, no espaço apenas de alguns mezes. as condições económicas hajam variado de tal forma, que normalmente e sem intervenção de nenhuma causa estranha os fundos tenham passado de 43 a 58?! Isso seria a nossa economia nacional fazer uma excepção inexplicável às mais triviaes leis da economia política, que invariavelmente se exemplificam em todos os paizes.
Convença-se o sr. ministro da fazenda, que para a rápida subida aos nossos fundos houve causas, que não são normaes, que não são physiologicas, para me expressar assim, que são meramente accidentaes e que, como accidentaes, representam, não um melhoramento effectivo das condições económicas do paiz, mas uma mudança transitória de condições políticas, financeiras ou simplesmente bolsistas, que eu não trato de apreciar neste momento, mas cuja influencia e bem evidente.
E a prova de que não é a prosperidade do paiz que determina esta alta de fundos, está no facto que vou apontar ao sr. ministro da fazenda, - pedindo a s. exa. que o explique por outra forma, se porventura não concorda com a minha explicação.
O orçamento rectificado, que estamos discutindo, é ou não financeiramente um mau orçamento? Creio que todos estarão de accordo em que é mau.
Com effeito, um orçamento com déficit é sempre, sob o ponto de vista financeiro, um mau orçamento.
(Interrupção do sr. ministro da fazenda.)
Se o sr. ministro me demonstra que este documento é financeiramente um bom orçamento, então eu não continuo com o meu argumento; mas parece-me, que nem toda a dialectica de s. exa. será capaz de o provar!
Mas não só tem um deficit de porto de 9.000:000$000 réis; apresenta, alem disso, encargos provenientes da divida consolidada, que estão na proporção para a receita ordinária de mais de 50 por cento, proporção que é muito superior, como s. exa. sabe, á que concedem todos os economistas, mesmo os mais latitudinarios e optimistas neste ponto.
Assim, sr. presidente, este orçamento, tão mau financeiramente, não é de certo o indicativo de que o estado económico do paiz tenha melhorado, conforme se suppõe. Em taes condições como se explica que, depois da apresentação d'este documento às camarás, os nossos fundos, em vez de se haverem resentido, como era natural se a sua alta sómente obedecesse a causas normaes e permanentes, tenham pelo contrario continuado a subir? De duas uma: ou a alta dos fundos publicos nada tem que ver em certas occasiões com a prosperidade do paiz, e neste caso explica-se perfeitamente que um orçamento desta ordem não tenha influencia no movimento ascensional do nosso consolidado, mas tambem neste caso fica reduzida às suas devidas proporções a lenda da súbita prosperidade publica, promovida pela subida ao poder do partido progressista ; ou ha sempre uma correlação intima entre o estado económico da nação e a alta dos títulos de credito, mas então não se comprehende a cegueira dos banqueiros estrangeiros, que estão dando tanto mais valor a um papel quanto menos salvaguardado elle está por uma boa hypotheca, que neste caso devia ser um orçamento solidamente equilibrado. Não ha que fugir deste dilemma!
Peita assim justiça, mas só justiça, a quem a merece, passarei, sr. presidente, ao exame de uma questão, que naturalmente se apresenta a quem se occupa das nossas finanças.
A que deve attribuir-se a persistência continuada e teimosa de desequilíbrio orçamental, todos os annos ameaçado do um próximo fim, e todos os annos renascendo implacavelmente aggravado?
Para mim, a persistência d'este desequilíbrio é o resultado do nosso defeituoso mechanismo administrativo e político. Eu creio firmemente que nenhum dos ministros da fazenda que se sentem n'aquellas cadeiras conseguirá, por mais que faça extinguir o déficit, e não conseguirá extinguil-o porque a força das circumstancias é superior á vontade ainda dos mais eminentes estadistas. Faço a justiça de acreditar que todos os ministros da fazenda têem procurado, o melhor que podem, e com a melhor boa vontade, equilibrar o orçamento que apresentam às camarás. Digo mais, neste paiz e no momento actual, não ha ninguém que tenha desejo mais vehemente de acabar com o déficit do que o sr. Marianno de Carvalho. E a rasão é muito simples. O ministro da fazenda e por conseguinte o governo que conseguir equilibrar o orçamento, sem sophismas nem illusões, não direi que se eternise no poder, mas com certeza logrará sobre os seus adversários uma vantagem decidida...
(Interrupção do sr. ministro da fazenda.)
Eu digo a v. exa. Esse verso foi feito em epocha em que os promettimentos a que se refere, eram desmentidos

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a pouco trecho. Hoje e com a extincção do nosso deficit o caso mudava de figura. (Riso,)
Mantenho por isso o que disse. Não ha ninguém n'este paiz e neste momento que esteja mais interessado em acabar com o déficit do que o actual sr. ministro da fazenda, se não por mero patriotismo ao menos pelas conveniencias da sua posição; mas não póde acabar com elle, porque todos os seus esforços serão inúteis e estrio condemnados de antemão a uma triste esterilidade. Todos os ministros da fazenda do período constitucional desde Mousinho da Silveira e Mousinho de Albuquerque ate ao sr. Marianno de Carvalho têem inalteravelmente rematado os seus relatórios, promettendo o equilíbrio do orçamento.
Publicou-se ha annos um livro muito curioso, intitulado
As confissões dos ministros era Portugal, livro constituido pelo excerpto de differentes relatorios dos ministros da fazenda desde 1883 até á actualidade. N'esse livro compendiou o seu auctor, que é um distincto financeiro, todas as promessas que os differentes governos têem feito ha meio seculo, de extinguir o deficit em Portugal.
Com uma regularidade, que chega a degenerar em monotonia, todos os ministros da fazenda ao começarem a sua gerencia promettem solemnemente acabar com o deficit; e ao terminarem essa gerencia todos deixam ao seu successor o mesmo deficit, se não mais avultado e mais engrandecido! Que significa isto? Será porventura este resultado devido á inhabilidade dos homens, que ha meio seculo se têem sentado n'aquellas cadeiras? Não, é porque por aquellas cadeiras tem passado tudo quanto houve e ha de melhor nas três gerações do nosso constitucionalismo. Será por falta de vontade? Não! Porque um ou outro póde ter esmorecido na sua tarefa; mas houve muitos que pozeram ao serviço da causa publica toda a boa vontade do mais decidido patriotismo.
Se a causa do nosso permanente desequilíbrio financeiro não póde, pois, ser attribuida aos homens, que têem sido ministros da fazenda, torna-se indispensável procural-a no regimen politico e administrativo, isto é, nas condições especiaes em que esses homens têem chegado ao poder e têem sido obrigados a governar.
Quanto às causas propriamente políticas que impedem a resolução do nosso problema financeiro, não tratarei d'ellas neste momento; todos sabem de resto o que eu penso ácerca da influencia do nosso actual regimen político sobre as finanças do paiz.
Desejo, no entretanto, chamar a attenção da camara para a maneira como os orçamentos são entre nós organisados, perguntando qual a eficacia que póde ter a fiscalisação do parlamento com o systema actualmente adoptado.
E este ponto é, emquanto a mim, da mais alta importancia.
Assim, por exemplo, abrindo o orçamento, eu vejo verbas que não posso discutir por falta dos indispensáveis esclarecimentos e competente desenvolvimento.
No ministerio das obras publicas leio:

Capitulo I - Estradas:

Estudos, construcção e grandes reparações, etc.:

[Ver tabela na imagem].

Ora pergunto eu: é possível nestas condições exercer-se, e n'este ponto appello para a boa fé d'aquelles que me escutam, uma séria fiscalisação parlamentar?
Pergunto. É possivel uma séria fiscalisação parlamentar, quando votamos aqui sem mais esclarecimentos, verdadeiramente aos olhos fechados, verbas tão quantiosas como estas, a que acabei de referir-me?
É possivel que os deputados da nação que hão de auctorisar com o seu voto este orçamento tenham consciência do que votam?
Não é!
E por mais que o sr. Carrilho nos affirme que estas verbas não podem ser transferidas de capitulo para capitulo, porque a isso se oppõe o regulamento da contabilidade publica, fiscalisado na sua applicação pelo tribunal de contas, é certo que involuntariamente nos lembrâmos da sua declaração de ha pouco! (Riso.)
Bem sei que se me responde que as contas hão de ser mais explícitos, sendo então occasião de vir descriminado o que só póde agora apparecer em globo no orçamento.
Infelizmense esta resposta apenas é verdadeira em theoria, pelo menos entre nós.
O sr. ministro da fazenda sabe que as contas de um exercício sómente se apresentam ao parlamento quasi dois annos depois do respectivo orçamento, de previsão. Assim, por exemplo, nos primeiros quinze dias de abril depois de constituída a camara, foi-nos distribuído o orçamento de previsão de 1867-1886, e apresentaram-se as contas de 1885-1660.
Qual é o resultado d'este atraso inevitavel das contas com relação ao orçamento?
É que quasi sempre, quando as contas são publicadas já não está no poder o ministerio a cuja gerencia ellas dizem respeito.
Aconteceu isso exactamente com as contas de 1885-1886, das quaes a maior parte da responsabilidade pertence ao partido regenerador.
N'estas circumstancias nunca as contas se discutem, porque a sua discussão não tem nppostuuidade política. De modo que no orçamento de previsão o parlamento não podo discutir certas verbas: e nas contas, quando póde, não as quer discutir. Resultado inevitavel: certas verbas não só discutem nunca!
Mas não é sómente sob este ponto de vista, que a fiscalisação parlamentar sobre a applicação das receitas do estado é illusoria.
Os nossos orçamentos estão ainda organizados de forma a encobrir a verdade a respeito da fazenda publica. É certo que o sr. ministro da fazenda no orçamento de 1887 a 1888, já operou um certo numero de reformas, com algumas das quaes eu me declaro completamente de accordo.
Ainda estamos, porém, longe de um orçamento, tal como elle deve ser formulado, e tal como s. exa. o desejava, quando por muitos annos n'estes bancos combatia pelas idéas que eu agora estou expondo á camara.
Assim, por exemplo, a confusão entre «despeza ordinaria» e «despeza extraordinaria» é inconvenientissima, e, parecendo á primeira vista innocente e sem importancia, por isso que o desequilibrio orçamental a final é o mesmo, quer esse desequilibrio provenha totalmente da despeza extraordinaria, quer da ordinaria, quer simultaneamente das duas categorias do despeza, tem um alcance financeiro, que não é licito desconhecer.
O desequilibrio constante no orçamento ordinario é mais grave, porque representa um mal organico, digamos assim, um estado chronico nas finanças publicas. Ora, similhante estado, só póde ser combatido com medidas de caracter permanente.
Por consequencia, mudar para o orçamento extraordinario verbas que por todos os títulos pertencem ao orçamento ordinario, é um artificio que, por isso mesmo que illude, se toma prejudicial, e até perigoso.

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É como se um doente, para não desanimar, persistisse em tratar-se de uma supposta ligeira enfermidade, deixando correr á revelia a doença grave que lhe minava o organismo ! O resultado não podia deixar de ser fatal.
Neste orçamento as grandes reparações de estradas, que custam muitos centenares de contos, e os melhoramentos de portos e rios incluindo o Mondego e o Tejo, que importam em 280:000$000 réis, representam verbas de despeza extraordinaria!
Ora eu pergunto em boa fé, se taes verbas, que constantemente têem figurado em todos os orçamentos extraordinarios, não são uma despeza perfeitamente ordinaria?!
(Interrupção do sr. ministro da fazenda.)
Sei perfeitamente, que parte do que estou referindo já se acha modificado no orçamento de 1887-1888; mas eu discuto o orçamento rectificado de 1886-1887.
Resumindo as minhas considerações, sr. presidente, formularei as conclusões seguintes:
Primeira. Entendo que a alta dos fundos, que tem sido aqui trazida como seguro critério para apreciar o estado da nossa fazenda e o estado da nossa economia, se póde representar o resultado de uma medida hábil, porque eu não contesto a habilidade do sr. ministro da fazenda, não significa por forma alguma um melhoramento real e effectivo das nossas condições económicas e financeiras.
Segunda. Não basta que discutamos o orçamento sob o ponto de vista financeiro; é necessario tratar de o por em equação, isto é, que o comparemos com as forças tributarias do paiz.
Só é bom, em absoluto, o orçamento que, estando equilibrado e provendo largamente às despezas do estado, não vá ferir de morte as principaes fontes da riqueza publica.
Terceira. Entendo que a persistência do desequilíbrio orçamental, accusado por todas as situações políticas ha meio século, se deve attribuir principalmente às condições políticas em que os nossos ministros têem governado.
Quarta. Julgo que a ausencia de fiscalisação effectiva do parlamento, sobre as despezas do catado, é uma das causas do augmento anormal dessas despezas.
Tudo isto nos diz, que não tem rasão de ser o optimismo do governo, sendo pelo contrario bem tristemente incerto o futuro financeiro d'este paiz.
E note v. exa., sr. presidente, ainda a circumstancia de que muitos dos nossos gastos têem de ser fatalmente augmentados em breve praso pelas necessidades imperiosas da civilisação; porque eu sou d'aquelles que, embora pedindo economias severas, não posso negar as despezas justificadas, que suo o dever a que tem de submetter-se um povo culto!
Ha serviços que é indispensável dotar com mais largueza; porque ter serviços desorganisados ou insuficientes é peior do que não os ter.
Ha despezas que todos os partidos políticos, qualquer que seja o seu credo, devem inscrever nas bandeiras, porque é de honra para nós todos habilitar a nação a poder apresentar-se sem desdouro na amphyctionia da Europa, cada vez mais intima e mais exigente.
Rasão de mais, e vou concluir, para que nos não embalemos nas illusões de uma falsa confiança. O futuro é bem incerto, para não dizer bem obscuro. Os que teimam em cerrar os olhos á evidencia leiam este orçamento para se certificar da verdade da prophecia!
Tenho dito.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Mando para a mesa uma proposta, e peço a v. exa. que a submetia á approvação da camara.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

O governo pede á camara dos senhores deputados a auctorisação necessária para que o sr. deputado Antonio Luiz Gomes Branco de Moraes Sarmento, chefe de secção nas estradas da linha ferrea do valle do Corgo, seja dispensado de assistir por emquanto às sessões da camara, a fim de continuar nos importantes trabalhos que está encarregado. = Emygdio Julio Navarro.
Foi concedida a auctorisação pedida.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Aproveitando os poucos minutos que faltam para dar a hora, e porque não ha assumpto especial que me obrigue a entrar no debate, vou usar da palavra para agradecer ao illustre deputado o sr. Franco Castello Branco as expressões benévolas que no seu brilhante discurso de hontem me dirigiu.
Sabe o illustre deputado que desde ha muito tenho a honra de ser seu amigo, e, se não respondi a s. exa. foi por necessidades políticas de momento, e não por menos consideração para com s. exa., porque tenho em todo o apreço o seu elevado caracter e brilhante talento. (Apoiados. )
Alem d'isto, eu queria dizer ao sr. Consiglieri Pedroso breves palavras sobre a these geral que s. exa. annunciou, e que não se prende com o orçamento rectificado.
Parece-me que o sr. Consiglieri Pedroso elabora em um equivoco com respeito às palavras proferidas pelo sr. relalator da commissão, quando este disse que as despezas que se fizeram por occasião do casamento de Sua Alteza o Príncipe Real saíram da mesma verba d'onde saíram as despezas feitas por occasião da vinda de D. Affonso XII a Portugal.
S. exa. imaginou que estas palavras eram a confissão de que se gastou alguma cousa illegalmente; não é.
Alguma cousa se gastou, mas não foi por parte do governo, e os illustres deputados podem examinar os documentos respectivos a essas despezas.
Disse o sr. Consiglieri Pedroso que não tem meio de examinar os documentos comprovativos dessas despezas.
O sr. Consiglieri Pedroso: - V. exa. diz que alguma cousa se gaitou, mas por tecles os ministérios me foi respondido que não se havia gasto cousa alguma.
O Orador: - Pela maneira por que se faz a pergunta, assim se dá a resposta.
Pois já alguém viu no orçamento alguma verba para a parada de 24 de julho? Não.
Recorra o illustre deputado ao orçamento da republica franceza, e de certo não encontrará nesse documento verba alguma para paradas, e no entanto em França fazem-se paradas frequentes vezes.
Por occasião das festas do casamento do Sua Alteza o Príncipe Real fez-se uma parada, mas a despeza com essa parada saiu das verbas do ministerio da guerra, assim como saíram as despezas com as paradas de 24 de julho, e sairá a despeza com qualquer parada que se mande fazer amanhã.
Disse o sr. Consiglieri Pedroso que os navios de guerra deram salvas. Pois o illustre deputado não sabe que no orçamento não ha verba especial para esta despeza, e comtudo os navios dão salvas?
O que muitos deputados têem esquecido é que houve subsídios importantes de particulares para as despezas com es festejos do casamento de Sua Alteza o Príncipe Real. Por exemplo, a associação commercial concorreu com uma avultada somma, e o mesmo fez a companhia real dos caminhos de ferro, e até eu recebi de uma pessoa, que não sei quem é, 1:000$000 réis para essas despezas, e de que mandei passar recibo, que está junto aos documentos comprovativos d'estas despezas.
Não sei quem me mandou esta quantia, repito.
Foi-me mandada anonymamente, o eu entreguei a effectivamente á commissão de festejos, tendo o cuidado de cobrar o competente recibo.

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E muitas pessoas fizeram despezas com aquelles festejos.
Não se pôde, portanto, dizer que o estado gastou com elles milhares de contos. Foi isto o que observou o sr. relator, e não podia observar outra cousa.
Se o illustre deputado não vê documentos, é porque não os quer ver.
Todos os documentos de despezas publicas estão á sua disposição em todos os ministérios.
Podia ir vel-os; e; se não foi vel-os, foi porque não quiz. E, se o illustre deputado não quiz ir vel-os, não pude vir dizer á camara que não tem documentos para provar o que avança.
E ainda ha outra questão.
Nós temos o tribunal de contas. O tribunal de contas examina, não só as ordens de pagamento, mas tambem todos os documentos de todas as despezas, e não me consta que o tribunal de contas dissesse que o governo fizera despezas illegaes por occasião do casamento do Príncipe Real.
Se o governo tivesse feito despezas iliegaes, o tribunal de contas não concedia de certo o seu visto de conformidade.
Por consequencia temos a garantia do illustre deputado, que podia ver os documentos, se quizesse, e temos a rapidamente de quatro garantia do tribunal de contas.
No seu discurso tratou s. exa. rapidamente de quatro pontos.
O primeiro foi a subida da cotação dos fundos publicos.
Neste momento, se a hora não estivesse tão adiantada, eu responderia largamente ao sr. Franco Castello Branco.
Como a hora está muito adiantada e como deve haver, me parece, sessão nocturna, não discutirei as causas da alta e baixa dos fundos.
Digo-as só a s. exa.
Causa da baixa, o mau exito do emprestimo de 1884. (Apoiados.)
Causa da baixa, certas autocracias financeiras que se tinham estabelecido no paiz, (Apoiados.) autocracias que s. exa. conhece tão bem como eu, autocracias que eram perniciosíssimas mas que felizmente acabaram. (Apoiados.)
Causa da alta, por um lado o acreditar-se que a gerencia financeira seria acertada, e por outro lado o acreditar-se que os recursos do paiz permittem-lhe supportar os ónus do presente, se tivermos cuidado para o futuro com as despezas. (Apoiados.)
Mas disse o sr. Consiglieri Pedroso, citando o exemplo da Italia, que a alta cá fora rapida e que na Italia fôra lenta.
E um erro chronologico.
Parta s. exa. do anno de 1832 ou do de 1883, como queira, veja a cotação dos fundos italianos n'essa epocha, e veja qual foi a alta que elles tiveram.
Divida depois a differença pelo numero de mezes decorridos, e achará assim a fracção que corresponde a cada mez.
Assim, em Portugal parta de 1382 ou de 1883, veja qual era então a cotação dos fundos portuguezes, percorra o espaço de tempo até agora, veja qual é a cotação actualmente, cotação que está um pouco acima de 07, cousa nunca vista, (Apoiados.) divida a differença pelo numero de mezes decorridos para achar a fracção que corresponde a cada mez, e verá que cá a subida nau foi mais rápida do que na Italia.
O erro de s. exa. está em ter ido procurar entre nós uma epocha intermediária de baixa irregular, o que aliás tambem se deu com os fundos italianos.
Quando causas anormaes fizeram naturalmente baixar os fundo lianos.
(Áparte do sr. Consiglieri Pedroso.)
Se entre a epocha de 1881-1883 e a de 1887 houve causas anormaes que promoveram a baixa, e uma dellas foi, como já disse, o mau exito do emprestimo de 1884, não se ha de ir procurar, para fazer a comparação, uma epocha de baixa irregular, ha de ir procurar seum periodo normal.
O segundo ponto de que o illustre deputado tratou, foi: que um orçamento póde ser financeiramente bom, e economicamente bom. E uma profunda verdade.
Mas note s. exa. que em um paiz, nas circumstancias do nosso, circumstancias muito parecidas com as que atravessaram a Itália, a Hespanha, e outros paizes, para passar de um orçamento económicamente mau, para um orçamento financeiramente bom, é primeiramente preciso que a acção do thesouro esteja desembaraçada das máximas difficuldades, para então se poderem fazer reformas económicas no orçamento. (Apoiados.)
É o que fez a Italia. Passou pelos maiores sacrifícios para regularisar as suas finanças, e depois entrou no período de modificar os impostos, para attender á boa economia social.
E esse o caminho que vamos seguir. Nós não podíamos abolir impostos, como são, por exemplo, o do consumo em Lisboa e o da contribuição de registo, assim como tambem não podemos modificar o modo de lançamento de alguns, como, por exemplo, o do pescado. Não podíamos fazel-o, porque então tínhamos um orçamento financeiramente mau. Trabalhemos para ter um orçamento financeiramente bom, e então entraremos no período das reformas, para o ter tambem económicamente bom. E, porém, impossível ter um orçamento económicamente bom, quando pedidos de dinheiro occorrem de todos os lados, e é necessario fazer face a grandes despezas. Só ha uma única excepção, a Inglaterra, e essa mesma é devida às condições muito especiaes d'aquelle paiz.
Outro ponto de que o illustre deputado tratou, foi, que talvez o motivo por que não se reformassem os orçamentos, fosse devido á falta de fiscalisação parlamentar, e ao nosso regimen político. Quanto á fiscalisação parlamentar, direi a s. exa. que ha todos os meios para uma efficaz fiscalisação parlamentar. O caso é que o parlamento queira exercel-a. (Apoiados.)
E até mesmo aquillo que não está consignado nas leis, o acto do governo vae estabelecendo, facultando aos srs. deputados a entrada nas secretarias, para examinarem todos e quaesquer documentos. (Apoiados.)
O nosso orçamento tem sido accusado de confuso. Eu mesmo o tenho accusado de confuso, e entretanto é um dos melhores. Mas ainda assim, quando quero descobrir alguma cousa que lá está, sempre descubro. A questão, t porém, é que não se póde fiscalisar, quando não se sabe. É preciso estudar o orçamento e todas as contas, para se poder fazer boa fiscalisação, e alem d'isso é preciso tambem ter tempo. Mas não se póde accusar a nossa constituição de tornar impossível a fiscalisação parlamentar. Ella é perfeitamente possível; o caso é que se queira estudar e trabalhar.
Quanto ao outro ponto a que se referiu o illustre deputado, sobre o regimen politico, s. exa., depois do tom moderado em que fallou, não me obriga a dar uma resposta sobre tal questão.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Nem eu entrei n'ella.
O Orador : - Se v. exa., na ordem das suas considerações, me apresentou duas republicas que, financeiramente, têem prosperado, eu posso apresentar-lhe meia dúzia dellas cuja deplorável historia financeira s. exa. conhece tão bem como eu.
Mas a questão não é de regimen politico; a questão é de boa marcha administrativa, (Apoiados.) e tanto póde haver orçamentos desequilibrados nos republicas como nas monarchias, como igualmente tanto póde haver orçamentos
economica e financeiramente bons em republicas como em monarchias. (Apoiados.) A gerencia da fazenda publica

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1088 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

não está por fórma nenhuma essencialmente ligada ao regimen politico.
E com isto parece-me ter respondido ao illustre deputado.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A ordem dos trabalhos para a sessão da noite é a continuação da que está dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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