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802 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ou julho, procuram por todos os modos guardar trigos ou farinhas estrangeiras de um para outro anno cerealifero.

Quando os rigores oppostos a novas matriculas de moinhos e azenhas cessam, forjam-se moinhos e azenhas que não moem, mas vendem ás fabricos, pelo menos a algumas, a importação que lhes é concedida. A fiscalisação prevista na lei é absolutamente nulla nas fabricas, como pouco mais que nulla é na fronteira, apparecendo então como grandes productores de trigo concelhos e herdades, que nunca tal cousa haviam possuido.

Nem hão de ser reprehendidas as moagens pelo artificio a que recorrem, posto que os proprios governos lhes impõem. Assim como as moagens desejam obter temporã a importação de trigos estrangeiros, assim os governos se esforçam por dar-lh'a serodia cedendo á pressão de pretensos defensores da lavoura nacional, alguns dos quaes principalmente lavram contrabando hespanhol condimentado com chapelhalas eleitoraes. Da demora em consentir a importação estrangeira resulta que a moagem se vê forçada a importar, quando o cereal já tem encarecido nos grandes mercados americanos e russos, ou quando o curso dos cambios apresenta peior cariz.

Um o outro factos se tem dado desde 1891 com a mais completa regularidade.

De tudo resultam enormes prejuizos para a economia nacional, ou seja moendo-se trigos nacionaes não sazonados o dando, portanto, parcas e más farinhas, ou comprando-se mais caro o trigo exotico, ou pagando-se aos especuladores maior agio do oiro.

E tambem soffre por varios modos a alimentação publica. Estando fixados maximos para os preços das farinhas em Lisboa, as moagens não podando supportal-os, conservaram os nomes e numeros do alguns typos do farinhas, supprimiram outros o encareceram aquelles, sendo as suas qualidades inferiores e diminuidas as commissões concedidas aos panificadores. Ao extremo se chegou do que a farinha denominada de trigo já se encontra com mistura de centeio, aveia, favas, milho branco e até carolo de milho, e quasi sempre não repousada depois do trabalho da moagem.

Os panificadores, emquanto dispunham de boa farinha de trigo, obtinham até 130 kilogrammas ou mais de pão de cada 100 kilogrammns de farinha, e assim podiam manter o preço de pão inferior ou igual ao das farinhas e dal-o com o peso real. Desde, porém, que começaram a receber farinhas inferiores de remoagem esquentada ainda e com varias misturas, já os 100 kilogrammas de farinha não lhes chegam a dar 116 kilogrammas de pão, e como o excesso de 15 por cento, que em Franca é de 30 por cento, não lhes dá para viverem, lançam mão dos artificios que podem, visto o estado não lhes consentir o augmento do preço de pão. D'ahi veiu substituir-se em Lisboa a postura que forçava os padeiros a venderem pão com peso por outra que determina a venda de pão a peso; d'ahi recomendações mais que uma vez feitas á policia de fechar os olhos a abusos; d'ahi a inferior qualidade de pão e o seu preço relativamente elevado. Poucos numeros o demonstram.

Na segunda quinzena de junho preterito o preço medio de farinha por 100 kilogrammas era de 32,079 francos, sendo composta de 1/10 de farinhas do primeira qualidade, 2/10 de Corbeil, 2/10 de boas marcas, 3/10 de farinhas ordinarias, 2/10 de doze marcas. Calculando-se em 12,223 francos para despezas de panificação saiam os 100 kilogrammas de farinha por 44,302 francos. Com estes 100 kilogrammas de farinha produziam 130 kilogrammas de pão, resultava para este de primeira qualidade o preço de 0,34 francos por 1 kilogramma de pão. Assim o preço do pão estava para o da farinha como 34 para 32. Em Lisboa se a farinha desse 130 kilogrammas de pão por 100 de farinha ainda a proporção seria desigual porque o preço do bom pão de farinha seria superior ao da farinha, mas, como esta só dá ll5 kilogrammas em vez de 130, a situação é insustentavel sem fraude na qualidade e no peso. Por outro lado o operario parisiense, que ganhe 4 francos por dia e consuma 2 kilogrammas de pão, dispondo com este 15,75 por cento do seu salario; em Lisboa o operario que tenha 720 réis de salario e consuma os mesmos 2 kilogrammas de pão, dispondo cerca de 23,61 por cento, d'este modo o consumidor paga caro e o padeiro não póde lisamente manter a sua industria.

Finalmente, tambem o thesouro perde com este singular regimen.

Não consentindo o governo a importação de trigos es estrangeiros, senão quando então mais caros e os cambios mais contrarios, ve-se forçado a reduzir os direitos, e ao mesmo tempo ata incorro na estravagancia de consentir, como se fez no anno corrente e no passado, a importação de pão hespanhol pelos districtos raianos sem pagamento de nenhuns direitos, com o que tambem facilita a entrada de lenços de seda, de rendas, de bijouterias, de tabacos e até de relogios tudo envolto em pão mais ou menos aproveitavel.

Urge saír d'esta situação, que, não só lhe acudindo de prompto, conduzirá brevemente a uma crise grave na alimentação publica. A este fim tendo o projecto de lei, que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame.

O seu pensamento fundamental é segurar o consumo de trigo nacional rateiando-o pelos farinadores, que, uma vez cumprida esta obrigação essencial, poderão importar livremente os trigos exoticos mediante o direito fixado opportunamente pelo governo, o qual servirá como compensador para manter ou ainda reduzir o preço do pão. Como a experiencia desde 1891 tem demonstrado que as moagens compram o trigo nacional por preços superiores aos das tabellas officiaes em vigor, augmenta-se o preço medio d'este trigo, d'aquelle que era 1889 foi reputado remunerador de 600 réis para o de 650 réis, o que tambem dá ao lavrador a possivel compensação pelo que se tem depreciado a moeda circulante. As outras disposições do projecto obviamente tem por fim obstar aos abusos, com que se tem, pela força da necessidade, tentado combater o effeito das leis e dos arbitrios governamentaes.

Artigo 1.° A compra do trigos nacionaes, a importação dos exoticos e fabricação e importação de farinhas serão reguladas de futuro conforme as bases annexas a esta lei, e que fazem parte d'ella, fazendo o governo os regulamentos necessarios para a sua execução.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 18 de agosto de 1897. = Marianno de Carvalho.

Bases

1.º A importação de trigo de qualquer procedencia só é permittida:

a) Aos fabricantes de farinhas devidamente matriculados;

b) A lavradores para sementes.

§ 1 .º A matricula dos fabricantes será feita permite a direcção dos serviços agricolas do ministerio das obras publicas até o dia 30 de maio de cada anno, vindo acompanhado o requerimento dos interessados da indicação da força productiva de cada fabrica e da sumularia descripção d'esta. A força productiva de cada fabrica será verificada por inspecção directa de uma commissão nomeada pelo ministro das obras publicas, e composta de um empregado superior da direcção dos serviços agricolas, de um engenheiro e de um agronomo.

§ 2.° A matricula só será concedida aos fabricantes que pelo menos se mostrem habilitados com força productiva e se obriguem a farinar até 2 por cento da totalidade da producção nacional, exceptuando-se, porém, os actuaes fabricantes matriculados, embora disponham de menos força productiva.