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N.° 47

SESSÃO DE 26 DE AGOSTO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Eduardo José Coelho.

Secretarios- os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramires

SUMMARIO

Approvada a acta, o sr. presidente dá conta á camara de ter recebido uma representação de refinadores da cidade do Porto. - Lêem-se dois officios e têem segundas leitoras oito projectos de lei. - Sob proposta do sr. Laranjo resolve-se a nomeação de uma commissão para continuar o inquerito votado na sessão de 19 de maio de 1898. - O sr. Avellar Machado chama a attenção do governo para a conveniencia de restabelecer os concelhos da Chamusca e Constancia, e declara que lançou na caixa respectiva varios requerimentos. - O sr. Franco Castello Branco pede a attenção do governo para actos praticados pela mesa da misericordia de Extremoz, respondendo-lhe o sr. ministro da guerra. - O sr. Queiroz Ribeiro apresenta um projecto de lei isentando de direitos as obras de arte, de pintura e escalptura, executadas por artistas portugueses, residindo temporariamente no estrangeiro, e o sr. Marianno de Carvalho requer que se possa reunir durante a sessão a commissão de fazenda, para dar parecer sobre esse projecto - O sr. Teixeira de Sousa faz varias considerações a respeito de umas freguesias que foram transferidas do concelho de Valle Passos para Murça, respondendo-lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Cruz Caldeira requer varios documentos e o sr. Alexandre do Cabral propõe um voto do sentimento pela morte do sr. Jeronymo Barbosa de Abreu e Lima, que é approvado, depois de a elle se terem associado os srs. ministros das obras publicas e Franco Castello Branco. - O sr. visconde da Ribeira Brava apresenta uma representação, um projecto de lei e um aviso previo. - O sr. Ferreira de Almeida faz varias considerações relativas a classe dos machinistas. - O sr. Barbosa de Magalhães apresenta um projecto de lei e responde ás considerações apresentados pelo sr. Teixeira de Sousa. -Foram mandados para a mesa os seguintes documentos: pelo sr. Frederico Ramires, um projecto de lei; pelo sr. Kendall, uma declaração de voto; pelo sr. Dias Costa, uma participação; pelo sr. Simões Baião, um aviso previo e um requerimento; pelo sr. Pinto dos Santos, uma representação e pelo sr. Moreira Junior um requerimento e uma representação.

Na primeira parte da ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.º 34, referente á brigada de artilharia de montanha, que e approvado depois de trocadas ligeiras considerações entre o sr. Baracho e o sr. ministro da guerra. - Em seguida entra em discussão o projecto de lei n.º 46, relativo ao banco de Portugal, que é approvado, com um additamento proposto pelo sr. Marianno de Carvalho, depois de terem feito varias considerações os srs. Avellar Machado, Laranjo, Marianno de Carvalho, conde de Burnay o Mello e Sousa. - Em seguida é approvado sem discussão o parecer sobre o projecto de lei apresentado n'esta sessão pelo sr. Queiroz Ribeiro. - Pelo sr. Correia de Barras é apresentado o parecer sobre o projecto de lei n.º 30-C, que tem por fim interpretar a carta de lei de 21 de maio de 1896.

Na segunda parte da ordem do dia discute-se o parecer sobre as emendas apresentadas na discussão do projecto de lei n.º 27, que é approvado com um additamento proposto pelo sr. Teixeira de Vasconcellos e acceite pelo sr. Barbosa de Magalhães em nome da commissão.

Abertura da sessão - Ás duas horas e cincoenta minutos da tarde.

Presentes d chamada, 43 srs. deputados. São os seguintes: - Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alvaro de Castellões, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto José da Cunha, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, Eduardo José Coelho, Francisco Barbosa de Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel de Almeida, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Frederico Ressano Garcia, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, José Antonio de Sepulveda, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João de Mello Pereira Sampaio, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Paes de Abranchos, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José da Cruz Caldeira, José Frederico Laranjo, José Joaquim da Silva Amado, José Maria Pereira de Lima, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Sertorio do Monte Pereira e Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Arthur Alberto de Campos Henriques, Bernardo Homem Machado, Conde de Burnay, Conde de Paço Vieira, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Silveira Vianna, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, João Joaquim Izidro dos Reis, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Augusto Correia de Barros, José Bento Ferreira de Almeida, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Luiz Ferreira Freire, José Malheiro Reymão, José Maria Barbosa de Magalhães, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Manuel Antonio Moreira Junior e Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alfredo Carlos Le-Cocq, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde de Alto Mearim, Conde de Idonha a Nova, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Jacinto Candido da Silva, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Abel da Silva Fonseca, João Catanho de Menezes, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José de Abreu de Couto Amorim Novaes, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Matos, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Pinto de Almeida, Visconde de Melicio e Visconde de Silves.

Acta - Approvada.

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800 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Presidente: - Participo á camara que recebi uma representação dos operarios refinadores das fabricas de refinação de assucar da cidade do Porto, reclamando contra a proposta de lei, relativa ao exclusivo do fabrico e refinação de assucar de beterraba.

Em harmonia com o desejo dos signatarios, e como me parece que a representação esta redigida em termos correctos, consulto a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo.

Participo tambem á camara que a commissão da redacção não fez alteração alguma ao projecto de lei n.º 52.

Vae ser enviado á camara dos dignos pares.

A representação foi mandada publicar no Diario do governo.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Avellar Machado, nota das quantias applicadas a obras era edificios militares o carreiras de tiro.

Para a secretaria.

Da real associação central de agricultura portugueza, offerecendo tres exemplares do relatorio geral do congresso viticola nacional, em dois volumes.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto do lei

Senhores. - Devido á iniciativa do fallecido dr. Bernardino Antonio Gomes foi ensaiada na ilha de S. Thomé, em 1869, a cultura da chinehona, e tal foi a maneira por que ella se propagou o desenvolveu que em poucos annos havia proprietarios que contavam mais de 200:000 pés vingados.

Animados os agricultores com o preço por que era cotada nos mercados da Europa a casca da chinehona continuaram as suas plantações, o adquiriram por altos preços terrenos adequados.

Succede, porém, que, alem da baixa que a casca teve pelos enormes depositos que se accumularam em Londres, se constituiram em syndicato as fabricas de productos chimicos que a empregavam, não só para lhe diminuirem o valor, mas tambem para manter o preço das subsistencias que d'ella extrahiam. O resultado foi que, sendo a media do preço de 3 schillings por cada arratel inglez, baixou a 2 1/2 , preço que ainda conserva.

Para evitarem a completa parda dos capitães compromettidos, visto que o producto realisavel da casca não cobria as despezas de exploração, resolveram os proprietarios formar uma sociedade para o fabrico do sulphato de quinino e seus derivados, a que deram o nome de "sociedade luso-africana".

Com este emprehendimento fez-se um serviço ao paiz e suas colonias, porque, alem do o libertarem da compra d'este producto no estrangeiro, offereceram-lhe um artigo puro e magnificamente trabalhado.

Os saes do quina eram até então importados em frascos de vidro, cujo peso era, em media, de 240 grammas e continham 28 grammas de producto, e como a contagem do direito incidia no peão bruto e era de 200 réis por kilogramma, pagaria cada frasco 589 réis.

Actualmente a importação faz-se em saccos de papel, com o peso de 7 grammas, de maneira que o direito, que era de 589 réis, passou a ser de 77 réis, o que importa um logro para o fisco e a perda completa do importantissimos capitães empregados nos plantações e montagem da fabrica.

A digna commissão encarregada pelo governo de Vossa Magestade de rever as pautas e propor as alterações que julgasse necessarias, tomou em consideração este estado de cousas, propondo que o direito para os saes de quinino fosse de 8$000 réis por kilogramma, contado sobre o producto livro de tara, e o governo de Vossa Magestade, tomando em consideração a proposta da digna commissão, apresentou na camara dos senhores deputados, na sessão de 18196, um projecto de lei regulando o assumpto, o qual infelizmente não foi discutido.

N'esta ordem de idéas tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º O direito de importação para os saes de quinino é fixado em 8$000 réis por kilogramma de producto.

Art. 2.° É revogada a legislação em contrario.

Lisboa, sala das sessões da camara dos senhores deputados, 25 de agosto de 1897. = O deputado pelo circulo 22 (Cabo Verde), Joaquim Ornellas e Mattos = O deputado pelo circulo 67, Jacinto Simões Ferreira da Cunha.

Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - A falta do consumo para os trigos nacionaes, que nem por preços reduzidos ora possivel vender, inspirou aos poderes publicos a lei de 19 de julho de 1888 que, depois de lixar o direito do trigo estrangeiro em 20 réis por kilogramma, auctorisou o governo a baixar os das farinhas estrangeiras, ou para evitar elevação no preço do pão, ou (artigo 1.°, § 3.°) para conseguir que o preço do trigo ribeiro-nacional não baixasse de 580 réis por 10 kilogrammas em Lisboa e o do trigo durazio regular de 550 réis por igual peso.

Por estas providencias combinadas com reducções de tarifas ferro-viarias, com o estabelecimento de uma grande moagem do estado e de padarias municipaes, alem de outras determinações a favor dos agricultores, se cuidou de conciliar os interesses dos lavradores, das moagens, das padarias e dos consumidores.

O anno de 1888 não foi, porém, de boa producção nem dentro, nem fóra do reino, pelo que, em 19 de outubro, foi mister reduzir os direitos da farinha a 24 réis e logo a seguir, em 2 de novembro, a 10 réis e do trigo.

Estas providencias foram modificadas em 15 de dezembro com a elevação do direito do trigo a 16 réis e com a fixação do da farinha em 23 réis, depois respectivamente alterados para 19 e 27 réis em 15 de março de 1889.

A despeito d'estas modificações, auctorisadas pela lei, não podia, porém, negar-se o seu beneficio á lavoura, porquanto até 12 do outubro tinham subido, comparativamente com o anno anterior, de 348 a 429 1/2 réis o preço medio do trigo ribeiro, de 300 1/2 a 351 1/2 réis o do trigo e de 351 1/2 a 371 1/2 réis o do durazio, sendo este preço por deculitro.

Não se quiz, porém, dar tempo para mais segura experiencia ácerca dos effeitos da mesma lei, quando em execução, porque outra no promulgou em 15 do julho de 1889, attendendo principalmente as exigencias ruidosas dos cultivadores do cercãos. Estabeleceu esta lei regimen completamente novo e que ao tempo foi apresentado como infallivel panacea.

Prohibiu-se então o despacho do trigo estrangeiro, excepto provando-se ter sido comprado ou farinado o dobro do trigo nacional ou quando o preço do trigo nacional excedesse em media 60 réis por kilogramma, ou finalmente quando este não apparecesse á venda o fosse reclamado pelo consumo.

Dadas as hypotheses da elevação dos preços dos trigos nacionaes a mais de 60 réis ou da falta d'elles, o governo poderia consentir a importação de trigo estrangeiro com direito do 20 réis, mas limitaria a duração o quantidade da importação de modo que não excedesse o consumo. Pelo que respeitava ás farinhas, foi o governo auctori-

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sado a permittir a sua importação só nos casos de força maior, e fixando-lhes os direitos entre 15 e 30 réis. Foram immediatamente publicadas instruções provisorias para a execução da lei, o pouco mais tarde e seu regulamento.

Sendo obvia a necessidade de fiscalisar as fabricas, armazens e depositos de trigos, assim o determinaram as instrucções e regulamento, mas determinando-se que a fiscalisação pertencesse ás alfandegas, onde estas tivessem sédes ou delegações, e aos escrivães de fazenda, onde umas ou outras não existissem; seria essa fiscalisação em qualquer hypothese meramente exterior, limitando-se a impedir a saída dos trigos, fóra dos casos previstos na lei, e a verificar as entradas.

Logo que estas eram determinadas pela fiscalisação, a auctoridade aduaneira passava certificado que permittia a importação do trigo exotico na proporção de 1 para 2 do nacional.

E estes certificados passaram no regulamento a ser transmissiveis por endosso, permittindo-se tambem que fossem fraccionados.

Este regimen tornou facil o trafico de certificados, sendo ao mesmo tempo frouxa ou nulla a fiscalisação por intermedio dos escrivães de fazenda. Como tambem não se preceituou nada no regulamento, aliás minucioso, ácerca da fiscalisação da producção de trigos nas herdades raianas, o trigo hespanhol comprado barato passou a figurar como nacional com grande proveito de alguns agricultores raianos que mais se tinham opposto a qualquer fiscalisação. Ao mesmo tempo as moagens trataram antes do fabricar certificados e de negociar n'elles para se adquirir trigos nacionaes.

Alem d'estas e do outras habilidades a que bem se prestava a lei de 16 de julho do 1889 era inexequivel então só executou.

Com effeito logo em 27 de fevereiro de 1890 foi reduzido de 20 para 16 réis, em 13 de março se permittiu a livre importação de trigos estrangeiros e o governo vendo-se obrigado a importar farinhas, lhes reduziu os direitos a 21 réis pelo decreto de 27 de março do mesmo anno.

Peior foi no anno seguinte. A 14 de abril foi preciso reduzir o direito do trigo a 10 réis e permittir a sua importação independentemente da exhibição dos certificados de trigos nacionaes. Mas nem isto bastou, porque a 15 de julho a quéda dos cambios fez reduzir os direitos a 7 réis.

D'esta resumida exposição deduz-se que nem chegou a ser executada a lei de 1888 e que a de 1889 nunca se executou completamente, antes foi abandonada. Aquella permittiu importar livremente trigo estrangeiro com o direito de 20 réis sempre que o preço normal do trigo nacional, se mantivesse, corrigindo quaesquer abusos das moagens a este respeito com a baixa dos direitos nas farinhas.

A segunda só permittiu com o mesmo direito a importação normal do trigo estrangeiro na proporção de 1 para 2 do nacional e consentia-o extraordinariamente, quando faltassem trigos nacionaes ou excedessem os maximos preços legaes. Não se prestando durante longas series de annos a producção nacional a proporção de 2 para 1 de trigo exotico, o abastecimento do mercado ficou dependente, e sempre dependeu, do contrabando hespanhol ou de providencias extraordinarias quando foi insuficiente a producção no vizinho reino.

O decreto de 27 de agosto de 1891 deu o ultimo golpe na impossivel lei de 15 de julho de 1889, eliminando clausula da importação normal do trigo estrangeiro na proporção de 1 para 2 o determinando no seu artigo 2.° que, mal o trigo excedesse no prego os limites legaes, o governo fixasse arbitrariamente a quantidade a importar e os direitos do trigo estrangeiro. Algumas providencias foram tomadas para segurar o consumo do trigo nacional; mas, alem do que fica dito, tornou-se dependente do capricho governamental a epocha de começarem as importações de trigo estrangeiro.

Em 3 de março do 1892 começou officialmente o regimen d'aquelle decreto, nunca confirmado pelo poder legislativo, decretando-se a importação de 60.000:000 de kilogrammas de trigo e approvando-se instrucções para a sua distribuição n'aquelle anno. D'essas instrucções é notavel:

1.° Ser só permittida a importação de trigo exotico ás fabricas, moinhos e azenhas matriculados;

2.° Ser só permittida a matricula ás fabricas já existentes excepto uma nova no Porto;

3.° Ficar sujeito a rateio a quantidade total de trigo estrangeiro importado, sendo esse rateio feito por accordo entre os fabricantes, ou na falta d'elle pela commissão permanente de cereaes em vista das forças productivas das fabricas.

A commissão permanente não se dobrou na primeira experiencia ás influencias eleitoraes e outras, e então a 30 de setembro ainda este regimen se modificou. O governo avocou a si para o ministerio das obras publicas a faculdade de rateiar os trigos estrangeiros sem sujeição a nenhuma regra certa, o que logo estabeleceu o systema do mais completo favoritismo. Alem d'isso prohibiu-se o despacho de trigo estrangeiro antes de 1 de outubro de cada anno, forçando assim as moagens a estragarem trigo nacional ainda não completamente sazonado, moendo-o em más condições.

O favoritismo governativo logo se manifestou no primeiro rateio em 80 de setembro de 1892 e aggravou-se nos annos seguintes. Accordo de moagens, calculos de forças productivas das fabricas tudo desappareceu substituido pela força de empenhos politicos o particulares, ao passo que tambem arbitrariamente se estabeleceu o monopolio das fabricas, moinhos e azenhas, que em 1892 ficaram reduzidas a 35 com direito de importarem trigo estrangeiro. Este monopolio foi apenas soffrendo interrupções, quando o peso politico ou particular de novos pretendentes a fabricantes excedeu o dos existentes.

Chegadas as cousas a estes termos de completa arbitrariedade e livre favoritismo o decreto de 26 de setembro de 1893 apenas lhe acrescentou: a faculdade para o governo de fixar os preços maximos das farinhas, o que só em Lisboa só executou antes mal que bem; a limitação do numero das padarias excessivo em Lisboa.

Ignora-se como o governo augmentou então para 48 o numero de fabricas, moinhos e azenhas, que ficara em 35 no anno de 1892, ou como depois resistiu a augmental-o, ou consentiu em fazel-o.

De toda esta exposição se deduz que nem ha lei regulando assumpto que tanto importa á alimentação publica, que não são cumpridos os decretos dictatoriaes suppostos em vigor, que sobre tudo paira o mais completo arbitrio ministerial, girando como catavento ao sabor das conveniencias politicas ou particulares.

A situação chegou, porem, ao ponto de tornar-se intoleravel e de ter como fatal consequencia o encarecimento do pão, já hoje mais caro em Portugal que nos principaes paizes da Europa.

Com effeito por causa do arbitrio confuso existente, as moagens forçadas a perderem ou a ganharem pouco com os trigos nacionaes, compram á pressa o trigo nacional existente, moem o menos que podem para menos estragarem, e assim dão peiores farinhas em escassas quantidades. Como no Porto o preço das farinhas é livro e em Lisboa sujeito a maximo, outra especie de concorrencia espuria se estabelece, e todas luctam com as influencias de que dispõem para mais cedo obterem importação de trigo exotico, o para alcançarem melhor quinhão no rateio, depois como a importação estrangeira cessa em junho

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ou julho, procuram por todos os modos guardar trigos ou farinhas estrangeiras de um para outro anno cerealifero.

Quando os rigores oppostos a novas matriculas de moinhos e azenhas cessam, forjam-se moinhos e azenhas que não moem, mas vendem ás fabricos, pelo menos a algumas, a importação que lhes é concedida. A fiscalisação prevista na lei é absolutamente nulla nas fabricas, como pouco mais que nulla é na fronteira, apparecendo então como grandes productores de trigo concelhos e herdades, que nunca tal cousa haviam possuido.

Nem hão de ser reprehendidas as moagens pelo artificio a que recorrem, posto que os proprios governos lhes impõem. Assim como as moagens desejam obter temporã a importação de trigos estrangeiros, assim os governos se esforçam por dar-lh'a serodia cedendo á pressão de pretensos defensores da lavoura nacional, alguns dos quaes principalmente lavram contrabando hespanhol condimentado com chapelhalas eleitoraes. Da demora em consentir a importação estrangeira resulta que a moagem se vê forçada a importar, quando o cereal já tem encarecido nos grandes mercados americanos e russos, ou quando o curso dos cambios apresenta peior cariz.

Um o outro factos se tem dado desde 1891 com a mais completa regularidade.

De tudo resultam enormes prejuizos para a economia nacional, ou seja moendo-se trigos nacionaes não sazonados o dando, portanto, parcas e más farinhas, ou comprando-se mais caro o trigo exotico, ou pagando-se aos especuladores maior agio do oiro.

E tambem soffre por varios modos a alimentação publica. Estando fixados maximos para os preços das farinhas em Lisboa, as moagens não podando supportal-os, conservaram os nomes e numeros do alguns typos do farinhas, supprimiram outros o encareceram aquelles, sendo as suas qualidades inferiores e diminuidas as commissões concedidas aos panificadores. Ao extremo se chegou do que a farinha denominada de trigo já se encontra com mistura de centeio, aveia, favas, milho branco e até carolo de milho, e quasi sempre não repousada depois do trabalho da moagem.

Os panificadores, emquanto dispunham de boa farinha de trigo, obtinham até 130 kilogrammas ou mais de pão de cada 100 kilogrammns de farinha, e assim podiam manter o preço de pão inferior ou igual ao das farinhas e dal-o com o peso real. Desde, porém, que começaram a receber farinhas inferiores de remoagem esquentada ainda e com varias misturas, já os 100 kilogrammas de farinha não lhes chegam a dar 116 kilogrammas de pão, e como o excesso de 15 por cento, que em Franca é de 30 por cento, não lhes dá para viverem, lançam mão dos artificios que podem, visto o estado não lhes consentir o augmento do preço de pão. D'ahi veiu substituir-se em Lisboa a postura que forçava os padeiros a venderem pão com peso por outra que determina a venda de pão a peso; d'ahi recomendações mais que uma vez feitas á policia de fechar os olhos a abusos; d'ahi a inferior qualidade de pão e o seu preço relativamente elevado. Poucos numeros o demonstram.

Na segunda quinzena de junho preterito o preço medio de farinha por 100 kilogrammas era de 32,079 francos, sendo composta de 1/10 de farinhas do primeira qualidade, 2/10 de Corbeil, 2/10 de boas marcas, 3/10 de farinhas ordinarias, 2/10 de doze marcas. Calculando-se em 12,223 francos para despezas de panificação saiam os 100 kilogrammas de farinha por 44,302 francos. Com estes 100 kilogrammas de farinha produziam 130 kilogrammas de pão, resultava para este de primeira qualidade o preço de 0,34 francos por 1 kilogramma de pão. Assim o preço do pão estava para o da farinha como 34 para 32. Em Lisboa se a farinha desse 130 kilogrammas de pão por 100 de farinha ainda a proporção seria desigual porque o preço do bom pão de farinha seria superior ao da farinha, mas, como esta só dá ll5 kilogrammas em vez de 130, a situação é insustentavel sem fraude na qualidade e no peso. Por outro lado o operario parisiense, que ganhe 4 francos por dia e consuma 2 kilogrammas de pão, dispondo com este 15,75 por cento do seu salario; em Lisboa o operario que tenha 720 réis de salario e consuma os mesmos 2 kilogrammas de pão, dispondo cerca de 23,61 por cento, d'este modo o consumidor paga caro e o padeiro não póde lisamente manter a sua industria.

Finalmente, tambem o thesouro perde com este singular regimen.

Não consentindo o governo a importação de trigos es estrangeiros, senão quando então mais caros e os cambios mais contrarios, ve-se forçado a reduzir os direitos, e ao mesmo tempo ata incorro na estravagancia de consentir, como se fez no anno corrente e no passado, a importação de pão hespanhol pelos districtos raianos sem pagamento de nenhuns direitos, com o que tambem facilita a entrada de lenços de seda, de rendas, de bijouterias, de tabacos e até de relogios tudo envolto em pão mais ou menos aproveitavel.

Urge saír d'esta situação, que, não só lhe acudindo de prompto, conduzirá brevemente a uma crise grave na alimentação publica. A este fim tendo o projecto de lei, que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame.

O seu pensamento fundamental é segurar o consumo de trigo nacional rateiando-o pelos farinadores, que, uma vez cumprida esta obrigação essencial, poderão importar livremente os trigos exoticos mediante o direito fixado opportunamente pelo governo, o qual servirá como compensador para manter ou ainda reduzir o preço do pão. Como a experiencia desde 1891 tem demonstrado que as moagens compram o trigo nacional por preços superiores aos das tabellas officiaes em vigor, augmenta-se o preço medio d'este trigo, d'aquelle que era 1889 foi reputado remunerador de 600 réis para o de 650 réis, o que tambem dá ao lavrador a possivel compensação pelo que se tem depreciado a moeda circulante. As outras disposições do projecto obviamente tem por fim obstar aos abusos, com que se tem, pela força da necessidade, tentado combater o effeito das leis e dos arbitrios governamentaes.

Artigo 1.° A compra do trigos nacionaes, a importação dos exoticos e fabricação e importação de farinhas serão reguladas de futuro conforme as bases annexas a esta lei, e que fazem parte d'ella, fazendo o governo os regulamentos necessarios para a sua execução.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 18 de agosto de 1897. = Marianno de Carvalho.

Bases

1.º A importação de trigo de qualquer procedencia só é permittida:

a) Aos fabricantes de farinhas devidamente matriculados;

b) A lavradores para sementes.

§ 1 .º A matricula dos fabricantes será feita permite a direcção dos serviços agricolas do ministerio das obras publicas até o dia 30 de maio de cada anno, vindo acompanhado o requerimento dos interessados da indicação da força productiva de cada fabrica e da sumularia descripção d'esta. A força productiva de cada fabrica será verificada por inspecção directa de uma commissão nomeada pelo ministro das obras publicas, e composta de um empregado superior da direcção dos serviços agricolas, de um engenheiro e de um agronomo.

§ 2.° A matricula só será concedida aos fabricantes que pelo menos se mostrem habilitados com força productiva e se obriguem a farinar até 2 por cento da totalidade da producção nacional, exceptuando-se, porém, os actuaes fabricantes matriculados, embora disponham de menos força productiva.

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§ 3. Das decisões da comissão, fixando a força productiva de cada fabrica, haverá sempre recurso para o ministro das obras publicas, ouvido o conselho superior de agricultura.

§ 4.° As matriculas o as decisões dos recursos ácerca da força productiva das fabricas, estarão concluidas até o dia l5 de julho.

§ 5.° A matricula uma vez feita conservar-se-ha sem alteração, quando não conste augmento ou diminuição da força productiva.

§ 6.° A matricula será communicada ao mercado central dos productos agricolas, que á vista d'ella expedirá as licenças para as fabricas poderem laborar.

§ 7.° Serão completamente gratuitas as licenças de que trata o paragrapho antecedente e permanentes emquanto aos interessados convier, devendo, porém, ser visadas todos os annos até o dia 15 de julho.

2.ª Até o dia 31 de agosto do cada anno os produtores ou detentores de trigo nacional, que pretendam no todo ou em parte aproveitar o beneficio da presente lei, enviarão aos escrivães do fazenda dos seus concelhos, ou directamente ao mercado central dos productos agricolas, declaração das quantidades de cada qualidade de trigo que pretendam vender, indicando as qualidades conforme os trigos sejam ribeiros finos de peso superior a 78 kilogrammas por hectolitro, ribeiros ordinarios ou temporões, durazio molar e durazio rijo ou rijo, acompanhando as declarações de amostras de 1 kilogramma approximadamente de cada qualidade. As declarações, e amostras serão immediatamente enviadas pelos escrivães de fazenda ao mercado central de productos agricolas, ou ás succursaes d'este, sendo as despezas do transporte pagas pelo mesmo mercado com os fundos de que tratam as bases 7.ª e 8.ª

§ 1.º O mercado central, reunidas todas as declarações e amostras, formulará a estatistica geral de toda a producção por qualidades e a publicará no Diario do governo até o dia 30 de setembro de cada anno.

§ 2.º O productor de trigos, que fizer declaração em 10 por cento, superiores ou inferiores á verdade, e não entregar aos fabricantes as quantidades declaradas com a referida tolerancia, perde o direito aos beneficios da presente lei. Igual penalidade é applicavel aos que entregarem ou venderem artigos que não sejam de procedencia a producção nacionaes, alem das penalidades em que possam incorrer, conforme a legislação aduaneira.

§ 3.° Quando as aclarações forem feitas por detentores de trigos nacionaes, que não os tenham produzido, deverão conter a indicação dos nomes e residencia dos productores.

3.ª Juntamente com a estatistica total dos trigos nacionaes declarados, o mercado central dos productos agricolas publicará o rateio da compra de trigos nacionaes pelas fabricas matriculadas e licenceadas, devendo esse rateio ser feito separadamente de cada uma das qualidades fixadas na base 2.ª

§ 1.° No primeiro anno da execução da presente lei, o rateio para compra de trigos nacionaes será feito na proporção das tabellas annexas ao decreto de 31 de maio para as fabricas n'ellas mencionadas e na proporção da força productiva para as que de novo se estabeleçam.

§ 2.° Nos annos seguintes o rateio será feito em proporção das quantidades de trigos exoticos importados por cada fabrica no anno anterior.

§ 3.° Quando alguma das fabricas matriculadas queira cessar a sua laboração, assim o declarará com um mez de antecedencia; n'esse caso os trigos nacionaes ou exoticos e as farinhas em ser que possuam serão vendidas em hasta publica pelo mercado central dos productos agricolas. N'esta hypothese as fabricas, durante o mez da prevenção, não poderão vender quantidades de farinha superiores á media dos tres ultimos mezes anteriores.

4.ª As vendas de trigos dos productores ou detentores aos fabricantes poderão ser feitas directamente ou por intermedio do mercado central dos productos agricolas.

§ 1.° As compras para estabelecimentos do estado serão sempre feitas por intermedio do mercado central dos productos agricolas e em praça. Quando na praça não appareçam trigos na quantidade pedida, o mercado central poderá comprar directamente nas melhoras condições que encontrar, mas precedendo publicação de annuscios no Diario do governo, e em tres outros jornaes de grande circulação.

§ 2.° As contestações que se levantarem entre os productores ou detentores de trigos e os fabricantes ácerca da conformidade entre as amostras e os trigos entregues ou ácerca da limpeza d'estes, serão resolvidas ex aquo et bono pelo conselho do mercado central dos productos agricolas com recurso unico para um tribunal arbitral composto de um arbitro nomeado pelo vendedor, outro pelo comprador e o terceiro pela direcção dos serviços agricolas.

§ 3.° O governo facilitará por todos os meios ao seu alcance o desconto de letras que representem compras effectivas de trigos nacionaes pelos fabricantes, sempre que vendedoras e compradores dêem garantias iguaes ou superiores ás exigidas para o pagamento do direitos de importação por meio de letras.

5.º As fabricas de moagem serão obrigadas a farinar em cada mez, a contar do de novembro, um duodecimo pelo menos, dos trigos nacionaes que lhe tenham sido rateados, podendo, porém, permutar entre si, quantidades iguaes das diversas qualidades de trigos, mas sempre de modo que em cada anno cada uma converta em farinha a quantidade total de trigo nacional respectivamente rateado.

§ 1.° Todas as fabricas, com excepção das que unicamente fornecera trigo para o fabrico de massas, são obrigadas a produzir quatro qualidades de farinhas designadas respectivamente por superfina, n.° l, n.° 2 e n.° 3, não podendo os preços d'estas quatro marcas ser respectivamente superiores a 92 réis, 90 réis, 86 réis e 84 réis por kilogramma.

A marca superfina o os n.os 1 e 2 serão exclusivamente de farinhas de trigo e a n.° 3 poderá admittir até 5 por cento de farinhas de outros cereaes ou leguminosas não prejudiciaes á saude publica.

§ 2.° Das marcos de farinhas mencionadas no paragrapho antecedente haverá amostras typos, renovadas quando preciso no mercado central dos productos agricolas para comparação, estudo e decisão de contestações ou resoluções officiaes.

6.ª A licença para laboração de fabricas de farinhas será cassada, e essa laboração cessará immediatamente por simples intimação administrativa, logo que o seu proprietario ou explorador deixo de cumprir as prescripções da presente lei:

a) Não comprando os trigos nacionaes que lhe tenham sido rateados;

b) Não os moendo nos turnos da base 5.ª;

c) Vendendo ou por qualquer fórma cedendo os trigos exoticos que tiver importado sem licença do mercado central dos productos agricolas;

d) Não produzindo o vendendo farinhas das marcas mencionadas na base 5 ª;

e) Vendendo farinhas por qualquer fórma adulteradas ou avariadas.

§ 1.° A intimação administrativa para ser cassado a licença e cessar a laboração só póde verificar-se por participação do mercado central dos productos agricolas ao administrador do concelho em que a fabrica exista.

Quando a intimação não seja feita no praso de cinco dias, contados da data da expedição da participação acima preceituada, poderá o mercado central fazel-a directamente pelos agentes fiscais de que trata a base 10.ª

§ 2.° Nos casos das alineas a), b) e c) do paragrapho anterior, o conselho do mercado central mandará cassar

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as licenças em virtude da participação da fiscalisação de que trata a base 10.ª, mas ouvindo o fabricante interessado, que responderá no praso maximo do cinco dias, depois de intimado. Nos casos das alineas d) e e), a participação do mercado central será feita pela mesma fiscalisação privativa ou por queixa de particulares e proceder-se-ha sempre á analyse physica e chimica, ficando os participantes ou queixosos particulares responsaveis, quando as mas queixas não sejam fundadas, pelas despezas que derem causa, as quaes serão cobradas executivamente como as multas policiaes.

7.ª Logo que qualquer fabricante provar que comprou trigos nacionaes na quantidade rateada, poderá livremente importar trigos exoticos pagando os direitos, fixados em decreto pelo governo até o dia 15 do outubro de cada anno e que em regra vigorara por um anno.

§ 1.º O direito será fixado por fórma que, conhecida a produção nacional, declarada e calculada a quantidade de trigo exotico normalmente precisa para o consumo annual total de 216.000:000 kilogrammas de trigo, o preço medio da somma das duas quantidades, attendendo ás qualidades e lotação dos trigos, permitta fabricação e venda das marcas das farinhas designadas na base 5.ª pelos preços n'ella fixados, tomando-se provisoriamente para base o preço maximo para os trigos exoticos de 53 réis por kilogramma.

§ 2.º Pura a fixação do preço de que trata cada base se attenderá aos preços correntes dos trigos em Odessa e New-York, e se reputarão os trigos lotados na proporção de dois terços do americano e um terço do das outras procedencias.

§ 3.° Os elementos para a fixação do preço dos trigos exoticos serão pela direcção geral dos serviços agricolas publicados no Diario do governo e sobre elle poderão os fabricantes reclamar para o governo, que decidirá as reclamações ouvidos os conselhos geraes de agricultura, de commercio e industria, reunidos em sessão, na qual os reclamantes poderão summariamente justificar as suas reclamações.

§ 4.º Immediatamente á promulgado da presente lei, o governo na moagem do estado e em qualquer moagem particular que a isso ao preste, mandará do modo mais exacto proceder ás experiencias precisas a fim de se verificar qual a quantidade e qualidade de cada marca de farinha correspondente a cada qualidade de trigo nacional ou exotico. O resultado duas experiencias será elemento principal, logo que estejam concluidas, para a fixação do preço de que trata esta base.

§ 5.º Se no decurso de algum anno só demonstrar pelas averiguações e estudos officiaes ser baixo o preço fixado para os trigos estrangeiros, o governo deverá extraordinariamente baixar a taxa dos direitos, ouvindo o conselho superior do agricultura e o de commercio, sendo n'esse caso restituidos os direitos pagos em excesso.

§ 6.° Sobre o direito geral fixado, que constituirá receita do thesouro, acrescerá o addicional de 1/2 real por kilogramma, a fim de constituir um fundo para fazer face a todas as despezas exigidas pela execução da presente lei.

Então fundo será depositado na caixa geral de depositos a ordem do mercado central dos productos agricolas e o seu emprego e as contas correlativas sujeitas á superior fiscalisação da direcção geral dos productos agricolas.

8.ª Sempre que das informações officiaes resultar haver perigo da falta do farinhas para o regular abastecimento do mercado, poderá o governo permitiu a importação de farinhas estrangeiras ou importal-as directamente fixando-lhes direitos na rasão de 3 para 2 do que sido fixado para os trigos com o addicional de 3/4 de real para o fundo de que trata a base antecedente .

§ unico. Em casos excepcionaes o governo, ouvidos os conselhos superiores de agricultura, de commercio e industria, poderá por decreto, em conselho de ministros produzir a proporção de direito da farinha de 3 a 2 1/2 para 2 do direito determinado para os trigos.

9.ª O preço medio do trigo nacional, emquanto o agio do oiro exceder a 10 por cento, será de 65 réis por kilogramma, sendo os trigos divididos em ribeiros finos, ribeiros ordinarios o temporões, durazios molares á durazios rijos ou rijos, conforme as qualidades e pesos, formulando-se tabella similhante á que faz parte do regulamento de 20 de agosto de 1889.

10.ª A fiscalisação junto das fabricas e armazens seus dependentes não poderá exercer outra acção que não seja a das entradas e saídas de trigos nacionaes ou exoticos; a das quantidades panificadas; a da existencia e qualidade das farinhas de que trata a base 5.ª, sem que possa ingerir-se nos processos de fabrico ou nas operações industriaes o commerciaes dos fabricantes.

§ 1.° Para o serviço da fiscalisação, previsto na presente lei, porá o governo a disposição do mercado central dos productos agricolas: um engenheiro, dois agronomos e um destacamento da guarda fiscal com os respectivos officiaes, sendo todos os vencimentos certos e incertos d'este pessoal pagos pelo fundo de que tratam as bases 7.ª e 8.ª

§ 2.º As fabricos de moagens, moinhos e azenhas matriculadas ficam sujeitas á fiscalisação permanente, tanto nas proprias fabricas, como nos depositos e armazens que lhes pertençam, catando sempre os depositos de trigos estrangeirou sujeitos a especial vigilancia.

§ 3.° Não poderão importar trigos estrangeiros os fabricantes, cujas fabricas, armazena e depositos não se prestem a effectiva fiscalisação.

11 .º A importação de trigos estrangeiros para sementes só poderá ser concedida sob fiscalisação do governo a agricultores que a solicitarem pelo ministerio das obras publicas.

§ unico. Esses trigos pagarão direitos de importação como sementes para a agricultura.

12.ª O governo, a requerimento dos interessados, ouvidos o governador civil do districto e a camara municipal do respectivo concelho, poderá decretar a limitação do numero de padarias em povoações superiores a 10:000 almas, conforme só acha estabelecido para a cidade de Lisboa.

Lisboa, 18 de agosto de 1897. = Marianno de Carvalho.

Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commmissões de agricultura, de artes e industrias e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - É a caça um dos exercicios que mais aproveita á hygiene de corpo e do espirito, desenvolvendo extraordinariamente as forças physicas, habituando o corpo ás intemperies e ás fadigas, exige reflexão e agudeza de espirito, conhecimento perfeito do uso das armas, sobriedade e dextreza, e a acquisição de muitas outras qualidades uteis, e indispensaveis até, para o homem de guerra. O exercicio da caça é, pois, de incontestavel utilidade para a educação physica e intellectual dos que votam a sua vida ao serviço do exercito e da armada, convindo a todos os respeitos estimular o gosto o a pratica d'esse exercicio.

N'esta ordem de idéas, tenho a honra do submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Aos officiaes e officiaes inferiores, ou equiparados, do exercito e da armada serão concedidas gratuitamente licenças para caçar, quando as solicitem á auctoridade competente, ficando obrigados á observancia dos respectivos preceitos administrativos.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 24

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SESSÃO N.º 47 DE 26 DE AGOSTO DE 1897 805

de agosto de 1897. = F. F. Dias Costa, deputado pelo circulo n.° 34 (Arouca).

Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões de administração publica e de fazenda.

Projecto de lei:

Senhores. - Um dos mais nobres deveres do parlamento é de certo o acatar os principios de justiça e fazer respeitar, por disposições especiaes, os direitos offendidos.

Convencido d'esta verdade, atrevo-me a expor á consideração do poder legislativo a situação em que se encontra Ignacio Caetano Xavier, ex-facultativo do quadro de saude da provincia de Angola, tendo servido dez annos, decorridos desde 29 de janeiro da 1876 até 30 de novembro de 18815, nos quadros de saude d'aquella provincia e da de S. Thomé e Principe.

Este funccionario foi depois nomeado, por concurso publico, director interino dos correios da provincia de Angola, mediante auctorisação para accumular essas funcções com as de facultativo do quadro de saude. Foi depois confirmado no logar definitivo de director dos correios, continuando a mesma accumulação, até que o governo provincial o obrigou a optar pelo primeiro d'estes cargos.

Desde logo, Ignacio Caetano Xavier solicitou do governo a conservação das suas honras e fôro militar.

Allegava elle os seus serviços como facultativo do quadro de saude durante dez annos, sem a minima nota na sua conducta, antes merecendo louvores dos superiores, sob cujas ordens serviu.

Informou a procuradoria geral da corôa favoravelmente esse requerimento, embora o achasse tardio, visto elle ser sujeito ao poder central dois, annos depois de concedida a exoneração de facultativo do serviço de saude. As côrtes podem, porém, reparar em todo o tempo a injustiça feita aquelle valioso e dedicado funccionario do estado.

Por isso, ouso apresentar á vossa deliberação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São concedidas as honras e o fôro militares inherentes ao logar de facultativo do servido de saude de 2.ª classe das colonias a Ignacio Caetano Xavier, que desempenhou aquelle cargo durante dez annos consecutivos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 24 de agosto do 1897. = O deputado, Lourenço Caldeirada Gama Lobo Cayola.

Lido na mesa, foi admittido e enviado ás emmissões do ultramar e e guerra.

Projecto de lei

Senhores. - Por decreto de 13 de dezembro de 1888, que approvou o regulamento provisorio da serra do Geroz, datada, de 12 do mesmo mez e anno, procurou o estado conciliar os serviços da arborisação com os legitimos interesses dos povos das freguesias da Villar da Veiga, Rio Caldo, Covide, S. João do Campo, Villarinho, Carvalheira, Santa Izabel, Cabril, Louredo e S. João da Cova, todas limitrophes da mesma serra.

Os resultados praticos, porém, não corresponderam á expectativa, porque a breve trecho surgiram conflictos entro os direitos privados e os do estudo. D'ahi um fermento de luctas, que não póde nem deve subsistir por mais tempo.

Ao tentar, porém, dirimir esse conflicto, convirá, primeiro que tudo, saber-se que a serra constituia um grande baldio, entregue desde tempos immemoraveis ao goso commum dos vizinhos, e que a ordenança do livro IV, titulo XLIII, reconhecêra este direito, dizendo que os matos maninhos, ou matos e bravios, que não foram aproveitadas, ou não ha memoria que o fossem, e que não foram contados, nem reservados pelos réis, passaram geralmente pelos foraes, com as outras terras, aos povoadores d'ellas (§ 1.º)para os haverem por seus em proveito dos pastos, creações e lagramentos que lhes pertencem (§ 12.°); e, depois, que a legislação moderna, contida em todos os codigos administrativos, no civil, artigos 34.°, 43.°, 381.° e 473.°, e na lei de 27 de julho de 1867, artigo 3.°, attendeu e acatou esses direitos.

Eram, comtudo, permittidos os aforamentos, e varios foram os concedidos, mediante as formalidades legaes, no velho e novo regimen do reino, passando por esses contratos, entre o municipio e os fereiros, ao dominio d'estes as porções aforadas; tudo antes de o governo entrar na administração da mata.

Mas o estado, qualquer que fosse a sua rasão determinativa, mandando, sem previo inquerito, levantar planta da serra, a si proprio se deu posse administrativa de toda a area graphada, levando de envolta os terrenos que só achavam no dominio privado. E promettendo no artigo 3.° do citado regulamento a permanencia das regalias que os povos tinham, entro as quaes, alem do outras, especificar a da apascentamento de gados e a da conservação dos curraes, como logradouro d'estes, tambem por esse lado não tem feito cumprir a promessa.

D'esta sorte, e por taes causas, os vizinhos estão privados das referidas regalias, uma das quaes era a das pastagens e curral denominado do Mousinho, e os fereiros dos seus dominios.

Ora, ninguem, com animo sereno o espirito de justiça, dirá que isto é de molde a conservar o prestigio da lei o da auctoridade, e a ensinar ao povo o respeito que devo ter por esses grandes fundamentos sociaes; e assim, sob a impressão do que deixo relatado, e com intuitos do bem publico, no uso da iniciativa que me cabe, assumo a honra de apresentar-vos, visando a remediar tantos males, o seguinte projecto de lei:

Artigo l.° É creada no districto de Braga uma commissão composta do governador civil, e por elle presidida, do auditor e do director das obras publicas, a qual abrirá reclamações por trinta dias ácerca dos logradouros a que os povos limitrophes da serra do Gerez têem direito reconhecido pelo regulamento de 12 do dezembro de 1888, o dos dominios privativos contidos na área de que o governo tomou posso ao assumir a administração da mata real.

Art. 2.° Essa commissão, recebidas as reclamações o interposto o seu parecer, enviará tudo ao governo, pelo ministerio das obras publicas.

Art. 3.° O governo, em presença da planta, á face da
qual tomou posse da mata, o examinado o inquerito, mandará fazer na mesma planta e na posse as rectificações, que forem devidas, e em novo regulamento definirá os logradouros o os dominios privados.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 25 do agosto do 1897. = O deputado pelo circulo n.° 6, João Antonio de Sepulveda.

Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões de administração politica e de obras publicas.

Projecto de lei

Senhores. - A necessidade impreterivel de abrir uma via de comunicação que ligasse as povoações do Alto Minho com o caminho de ferro do Minho e Douro, dando assim facil salda nos productos d'aquella uberrima região animaram uns cidadãos emprehendores a realisarem aquella empreza, constituindo para esse fim uma companhia, que obteve do estado a concessão de estabelecer uma linha ferrea de via reduzida entre Monção e Valencia.

As vantagens, quer para o publico, quer para o estado, da realisação d'esse melhoramento são intuitivas para os que conhecem as riquezas agricolas e as transacções commerciaes d'aquella região, que exporta annualmente alguns milhares de pipas de vinho e faz importantes transações

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commerciaes com as carnes de porco fumadas e com o saboroso pescado do rio Minho. As difficuldades de comunicções entre as importantissimas povoações do Alto Minho e Valença eram um estorvo para o desenvolvimento agricola e commercial d'aquelles povos, e por isso foi acolhida com geral asseso, a iniciativa particular que se propoz realizar o benefico melhoramento de pôr em contacto facil aquellas povoações com a estação de caminho de ferro do Minho a Douro. A empreza concessionaria não pediu ao estado subvenção alguma, fez um apello ao capital particular e constituição em companhia para levar a cabo o seu proposito.

Acontece, porem, que as difficuldades cambiaes retêem no Brazil sommas importantes destinados á empreza, e essa circumstancia está sendo um obice á realisação d'aquelle melhoramento. Para atenuar as difficuldades com que luctam os concessionarios, lucidamente expostas na representação junta a este projecto de lei, ha um unico expediente: auxiliar o estado aquella empreza, isentando de direitos o material fixo e circulante que ella tiver do importar para aquelle fim. O estado é o principal interesado n'aquelle melhoramento, pois todos os productos do Alto Minho, virão embarcar na estação de Valença para serem distribuidos no paiz ou procurarem saída para o estrangeiro no porto de Leixões ou do Lisboa.

Por esses motivos, pois, temos a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder a isenção de direitos ao material fixo e circulante, necessario para a construcção e exploração do caminho de ferro de via reduzida entre Valença o Monsão, na conformidade do orçamento superiormente approvado, e sob rigorosa fiscalisação dos delegados do governo.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 19 de julho do 1897. = Os deputados, Gaspar de Queiroz Ribeiro = Manuel Affonso Espregueira.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - Na crise dolorosa que o paiz atravessa, todas as esperanças se encontram no desenvolvimento da agricultura - primeira parte da riqueza nacional, todas as opiniões não accordes em que só animando e pretegendo os que consagram todos os seus trabalhos e esforços ao fomento agricola, poderemos esperar melhores dias no futuro d'este desditoso paiz.

Uma das primeiras difficuldades a vencer, é combater vantajosamente a rotina e levar ao espirito da grande massa dos nossos agricultores a convicção do que no nosso tempo já não são productivos os antigos processos da agricultura e que a sciencia moderna, ao mesmo tempo que descobriu ou processos chimicos de fertilisar a terra, achou machinas de todos os generos para baratear o trabalho.

Os poderes publicos devem animar por todos os meios tão util propaganda.

E o que se me afigura mais facil o efficaz, será precisamente aquella que tornar quanto possivel economica a acquisição d'essas machinas, sem as quaes não póde haver actualmente uma lavoura remuneradoura dos capitães que emprega e do esforço que exige.

Por isso ouso propor á vossa intelligente consideração a isenção de direitos de alfandega n'algumas das principaes machinas agricolas e peças accessorias, porque liberto esse pesado onus que em muitos casos lhe paralysa a iniciativa, o agricultor; mesmo o que arroteia pequena quantidade de terra, quebrará todos os liames da rotina e adquirirá vantanjosamente indispensaveis para elle poder fabricar o que possuir ou administrar segundo os processos modernos.

Dir-se-ha que é pesado o sacrificio que similhante medida importará á fazenda publica.

Não é assim, porque o retrahimento dos lavradores portuguezes para a acquisição de machinas, de certo pelas pesadas circumstancias em que se podem obter, tem sido tão grande, com grande prejuizo para o desenvolvimento da riqueza publica, que a verba de direitos de alfandega por importação de mechanismos agricolas, tem sido até agora relativamente insignificante.

Por estas considerações, proponho o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É abolido o direito de importação nas alfandegas do continente e ilhas adjacentes ás ceifeiras, ganhadeiras, compressoras de palha e feno, debulhadoras, apparelhos de lavoura a vapor, e peças separadas de todas estas machinas e apparelhos, incluindo relhas do charrua, artigos que constituem n.° 373 da actual pauta das alfandegas.

Art. 2.° É revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 24 de agosto do 1897. = O deputado, Lourenço Caldeira de Gama Lobo Cayola.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - A classe dos engenheiros hydrographos encontra-se perante a legislação vigente, em circumstancias que considera lesivas para os regalias a que só reputa com direito. Quando em 1869 se organisou a engenheria hydrographica, os officiaes que se habilitaram com o respectivo curso, um dos mais difficeis e demorados das nossas escolas superiores, ficaram addidos ao quadro dos observatorios da armada, desempenhando funcções especial e technicas, especialmente as dos observatorios astronomicos e metereologicos.

Em virtude d'essa organisação, a promoção dos referidos officiaes seguia até ás mais altas hierarchias, como só elles fizessem parte integral do quadro geral. Essa disposição acarretou o inconveniente de accumullar nos postos superiores muitos officiaes que não podiam desempenhar funcções do commando, visto serem destinados para commissões especiaes, e em virtude d'elle fez-se a organisação de 18 de julho de 1889, pela qual a promoção dos engenheiros hydrographicos terminava no posto de capitão de mar e guerra, continuando os engenheiros hydrographos nas mesmas condições da organisação anterior, destinados exclusivamente a commissões especiaes, como de lentes da escola naval e outras.

Mais tarde, em 14 de agosto de 1892, o sr. conselheiro Ferreira do Amaral, então ministro da marinha, creou o corpo de engenheiros hydrographos com promoção propria, dando aos antigos officiaes da classe o direito de optarem pela passagem a esse quadro, que deveria ser de mais demorado accesso, mas de mais lucrativas gratificações, ou pela permanencia no quadro da arma, continuando na sua antiga situação de officiaes addidos ao quadro geral, em commissão especial.

Foi contra este estado de cousas que surgiu o decreto dictatorial de 1 de fevereiro de 1895, o qual dissolveu o corpo de engenheiros hydrographos, passando ou officiaes que tinham aquella denominação, conquistada pelos seus titulos scientificos, a chamarem-se simplesmente hydrogaphos, encorporando-se entre os de toda a arma, sujeitando-os ás mesmas condições de serviço do que estes, tirando-lhes assim todas as regalias que disputavam, mercê do seu curso especial.

Similhante doutrina afigura-se-me menos justa, e por isso tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E permittido aos actuaes officiaes da armada, habilitados com o curso de engenheria hydrographica, passarem á situação de commissão especial, creada pela lei de 14 de agosto de 1892, quando assim o requeiram.

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SESSÃO N.º 47 DE 26 DE AGOSTO DE 1897 807

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario. Sala das sessões da camara dos deputados, 18 de agosto de 1897. = O deputado, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de marinha.

Projecto de lei

Senhores. - De ha muito que na Figueira da Foz se faz sentir a necessidade de um tabellionato privativo de notas.

Já em 20 de junho de 1891 a associaçã0o commercial, pela sua direcção, deliberou que n'esse sentido se representasse aos poderes superiores do estado. Poderosos foram os motivos que determinaram aquella associação.

O movimento commercial da praça da Figueira da Foz é já bastante importante, e um dos ramos em que elle mais avulta é o que diz respeito a transacções por meio de letras. Ora para o regular expediente d'este ramo, torna-se necessario um tabellião que esteja sempre prompto para fazer reconhecimentos, lavrar protestos e outros actos de tabelliado a tal ramo respectivos.

Mas não é só n'esta esphera restricta que tem crescido a importancia dos negocios que, directa e urgentemente, demandam o trabalho de um tabellião; todos os negocios que, directa ou indirectamente, cumpre á associação commercial defender, estão reclamando a creação do logar de tabellião privativo de notas.

Com effeito, o tribunal judicial da Figueira da Foz tem um largo movimento, que, principalmente em dias do audiencia, torna muitas vezes demorado o expediente dos negocios, por estarem occupados em trabalhos judiciaes os escrivães, que exercem todos conjunctamente o tabellionato.

D'este modo urge regular as cousas, de modo que não haja de futuro essas demoras prejudiciaes: e o unico meio que para isso ha consiste na creação do logar de que se trata.

Taes são, e quasi expostas pelas proprias palavras, as rasões em que se funda a referida associação commercial.

Tenho, por isso, a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É creado no concelho da Figueira da Foz um officio publico de tabellião de notas, com séde na capital do concelho, e abrangendo a área de todo o mesmo concelho.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 18 de agosto de 1897. = José Frederico Laranja.

Lido na mesa, foi admittido e enviado a commissão de legislação civil.

O sr. Laranjo: - Lembra que na sessão legislativa de 1893, a camara elegeu uma commissão da onze membros para proceder a um inquerito, com o fim de averiguar se, na distribuição da somma que do emprestimo dos tabacos tinha sido reservada para pagamento das chamadas obrigações de D. Miguel, haviam sido praticadas algumas irregularidades, e que a commissão deu por findo o seu mandato com a dissolução da camara que a tinha eleito.

Ora, tendo-se dito ultimamente na camara dos dignos pares que a continuação d'este inquerito se torna necessaria, devendo ser a camara dos senhores deputados quem o continue, visto ter sido ella que o começou, manda por isso para a mesa a seguinte.

Proposta

Proponho que a camara dos senhores deputados auctorise a presidencia da mesma camara a nomear uma commissão composta de onze membros, para continuar o inquerito votado na sessão de 19 de maio de 1893, para examinar se por occasião do pagamento aos portadores do emprestimo de D. Miguel de 1832, da quantia que só diz ter sido reservada para esse fim do emprestimo sobre os tabacos, foram praticados quaesquer factos irregulares ou illegaes, devendo essa commissão dar conta a esta camara do resultado dos seus trabalhos. = José Frederico

Foi approvado.

(O discurso terá publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Avellar Machado: - Não lhe tendo chegado a palavra, quando se discutiu a auctorisação ao governo para rever a ultima reforma administrativa e comarcã, na parte que respeita ás respectivas circumscripções, vem agora lembrar que, no districto de Santarem, foram supprimidos os concelhos da Chamusca e Constancia, e que essa suppressão foi mal recebida por aquelles que, apesar de pequenos, tinham recursos para viver independentemente.
Tanto isto é assim que sempre pagaram pontualmente aos seus empregados.

Chama, portanto, a attenção do governo para este assumpto, e pede á commissão encarregada de apreciar as reclamações das differentes localidades que não ande de leve, e faça justiça aos povos.

Aproveita a occasião para declarar que vae enviar para a caixa respectiva um requerimento de D. Luiza Rosa Pereira de Magalhães, viuva do capitão do exercito de Africa oriental, Antonio Pereira de Magalhães, pedindo uma pensão, que julga ser-lhe devida, em virtude dos serviços prestados por seu marido.

(O discurso terá publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Franco Castello Branco: - Sr. presidente, não está assistindo á sessão o sr. presidente do conselho; mas como são tão poucas as sessões diurnas n'esta camara, e nas de noite não é possivel usar dá palavra senão para os assumptos dados para ordem da noite, peço a qualquer dos srs. ministros presentes a fineza de só encarregar de transmittir ao sr. ministro do reino as considerações que vou fazer e o mais rapidamente que me for possivel.

Por telegramma recebido hontem á noite, e confirmado hoje por informações que obtive, soube que a mesa da misericordia do concelho de Extremoz, demittiu, sem sequer ser ouvido, o medico d'aquelle estabelecimento.

Este medico tinha obtido o seu logar por concurso, servia já ali ha vinte annos, e não podia ser demittido senão nas precisas disposições do codigo administrativo applicadas a estas instituições tuteladas pelo estado; entretanto, sem que se dessem nenhuns dos casos determinados pelo mesmo codigo, foi demittido.

Bem sei que não é ao governo que compete a resolução d'este incidente, que é perante o tribunal respectivo que o empregado, espoliado do logar que lhe pertence, deve requerer para lhe ser feita justiça, mas trata-se de um medico distinctissimo, que tem servido aquelle estabelecimento com grande competencia e cuidado, e que apenas tem o defeito de ser o chefe da politica regeneradora n'aquelle concelho. Foi manifestamente por esta circumstancia, que a mesa da misericordia o demittiu tumultuariamente.

O que se deu com este funccionario, esta-se dando com outros empregados d'aquelle estabelecimento, a que estão sendo feitas ameaças pelas suas opiniões politicas, e, parece-me, sr. presidente, que o governo, e o sr. ministro do reino em especial, porque é pela sua pasta que corro este negocio, deve fazer ver á mesa de misericordia a que me refiro, que não é para tratar de assumptos politicos que ella foi eleita, mas para bem administrar, com escrupulo e economia os rendimentos d'aquelle estabelecimento.

V. exa. comprehende que factos d'esta natureza, repetindo se, como se estão repetindo todos os dias, taes como, sindicancias ás camaras municipaes, ás mesas das miseri-

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cordias, etc., não fazem senão perturbar o socego e a paz das localidades em que elles se dão, e é sobre este ponto de vista que quero chamar a attenção do sr. ministro do reino para este assumpto, bem como para outros de identica natureza, pois esta é uma má politica que o governo faz, ou consente que se faça, porque os resultados não podem ser bons, em relação ao presente, e no futuro, hão de provocar retaliações da mesma ordem e natureza, que muito conviria evitar.

Eu, que durante quatro annos estive no ministerio, não empreguei similhantes processos contra os meus adversarios politicos, mau quando porventura o partido regenerador seja poder, dados estes factos, os ministros que estiverem nau pastas politicas, hão de necessariamente ter de dar justa satisfação ás perseguições intoleraveis e injustas que este governo faça.

V. exa. comprehende perfeitamente que, quem semeia ventos, colhe tempestades, e por isso essas perseguições ções hão de vir trazer para a politica portugueza uma epocha de intolerancia pessoal e politica, que de ha muito estava afastada.

Foi para isto que pedi a palavra, rogando a qualquer dos membros do governo presentes, que transmitia, em meu nome, ao sr. presidente do conselho, estas observações, para que s. exa. faça d'ellas e não que entender, Confiando eu, entretanto, da sua prudencia, que fará bom uso.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Guerra (Francisco Maria da Cunha): - Pedi a palavra para dizer ao illustre deputado, o sr. Franco Castello Branco, que ouvi com toda a attenção as considerações produzidas por s. exa., das quaes farei sciente o sr. presidente do conselho.

Do certo que o illustre deputado fará a justiça de acreditar que essas perseguições não estão no animo do sr. presidente do conselho, dado o seu espirito liberal, e que s. exa. procederá como for de justiça.

(O orador não reviu ou notas tachygraphicas.)

o sr. Queiroz Ribeiro: - Sr. presidente, pedi a palavra para apresentar um projecto de lei, de que requeiro a urgencia. Esperando que v. exa. e a camara se dignarão dispensar-me da leitura do relatorio, vou ler unicamente os artigos. São os seguintes:

(Leu.)

Comprehendo, sr. presidente, que, n'esta altura da sessão, ser breve é, mais que nunca, um dever. No emtanto, não posso furtar-me á obrigação de dizer duas palavras sobre o projecto.

Todos sabemos que um numero consideravel de portuguezes vae procurar ou completar no estrangeiro, especialmente em França, a sua educação artistica. Quantos sacrificios ignorado e, quantas difficuldades vencidas não representa muitas vezes esse passo! (Apoiados.)

E, todavia, as obras dos nossos compatriotas, ao pretenderem entrar em Portugal, encontram diante de si os mesmos obstaculos, as mesmas exigencias fiscaes, que se levantam para as obras estrangeiras!

Vejo n'isso uma injustiça enorme. (Apoiados.)

Não é lá fóra que se perde a nacionalidade. Pelo contrario. Assim como é o doente quem melhor sabe avaliar a saude, que não tem, assim é tambem o exilado quem mais estima a patria, que só póde attingir com o olhar do espirito. (Apoiados.)

Por isso eu não sei admittir que sejam tratados como estranhos os que trabalham, longe, para honrarem o nome do seu paiz e ganharem a vida dignamente.

É esta inqualificavel anomalia, que o meu projecto procura evitar.

Nem o thesouro perde muito com a sua adopção.

Em virtude dos iniquos direitos de entrada a que estão sujeitas as obras dos nossos artistas, executadas no estrangeiro, raras, rarissimas vezes vêem ellas para Portugal. E assim nos privâmos de adquirir e conservar entro nós trabalhos que constituem, a manifestação do talento de alguns dos nossos compatriotas mais distinctos.

Como v. exa. e a camara hão de ter notado, procurei acautelar a possibilidade de qualquer fraude, impondo, no projecto, aos artistas nacionaes, a obrigação de assignarem as obras que executem o de apresentarem certificados do consul respectivo, para provarem a authenticidade da assignatura e da execução. Fica, d'este modo, completamente removido o perigo hypothetico de um nome portuguez cobrir mercadoria estrangeira.

Pareceu-me que a situação especial das pessoas visadas no projecto lhes augmentava muito particularmente a obrigação de serem leaes. Estabeleci por isso uma pena especial para o caso de ser dolosamente illudida essa obrigação.

Uma pessoa de familia, um irmão querido, que é toda a esperança do meu nome, pertenço ao numero d'aquelles a quem o projecto póde abranger.

Mas seria bem injusto ver ahi a explicação da minha iniciativa. (Muitos apoiados.)

Tomei-a, convicto de ser util á arte portuguesa, e, portanto, ao paiz. (Apoiados.)

E aquella circumstancia não podia, nem devia inhibir-me de o fazer, tendo eu esta convicção. (Apoiados geraes.)

Era o que tinha a dizer.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

Consultada a camara, foi considerado urgente.

Leu-se na mesa.

É o seguinte

Projecto de lei

Senhores. - Não são poucos os nossos compatriotas que vão ao estrangeiro, especialmente á França, fazer ou completar a sua educação artistica, como pintores e esculptores. Nomes consagrados aprenderam assim lá fóra a honrar o nome portuguez e cada dia surgem outros, que procuram imital-os. Infelizmente os suas obras são afastadas do paiz por um pesado imposto de importação, que não as distingue das estrangeiras. Abrir-lhes as fronteiras francamente seria, pois, ao mesmo tempo, praticar um acto de justiça e favorecer a arte nacional sem prejuizo do thesouro.

Eis o meu intuito, submettendo ao vosso esclarecido criterio o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É concedida a entrada livre de direitos ás obras de arte de pintura e esculptura, executadas e assignadas por artistas portuguezes, que residam temporariamente no estrangeiro.

Art. 2.° As obras de arte a que se refere o artigo antecedente, deverão ser acompanhadas por um certificado do respectivo consul, declarando que se, encontram nas condições do mesmo artigo.

Art. 3.° No caso de fraude, alem das disposições especiaes applicaveis, haverá sempre logar á pena de prisões correccional de tres mezes a um anno.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario. = O deputado, Queiroz Ribeiro.

O sr. Marianno de Carvalho: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que a commissão de fazenda se reuna durante a sessão, a fim de estudar o projecto apresentado pelo sr. Deputado Queiroz Ribeiro. = Marianno de Carvalho.

Consultada a camara, foi approvado.

O sr. Teixeira de Sousa: - Quando se discutiu o projecto relativo á auctorisação pedida pelo governo para rever as circumscripções concelhias e comarcãs, não usei

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da palavra, porque tenho conhecimento que discutir qualquer auctorisação pedida pelo governo, é o mesmo que escrever na areia. Pedi, todavia, a palavra Sobre o artigo 2.° do projecto, porque queria fazer uma pergunta ao sr. presidente do conselho, ácerca da resolução em que s. exa., estava em relação, a algumas freguesias, mas não pude usar d'ella por se abafar a discussão antes.

Mandei para a mesa um aviso previo em que declarava que desejava interrogar o sr. presidente do conselho sobre o assumpto a que me estou referindo e que diz respeito a algumas freguesias que, em 1895, fora annexadas ao concelho, e comarca de Murça.

O sr. presidente de conselho, não compadeceu, nem podia ter comparecido senão hoje, porque desde que mandei para a mesa o aviso previo, é esta a primeira sessão diurna; e como penso que poucas sessões diurnas haverá até ao fim da sessão legislativa, vou fazer as considerações que tinha a fazer na presença do sr. ministro do remo, pedindo a qualquer dos srs. ministros presentes o favor de as transmitirem, se quiserem levar até ahi esse acto de deferencia para commigo.

Por decreto de 20 de setembro de 1896 foram annexadas ao concelho de Murça, as freguesias de Jou, Courros e Valles, e não o foram por um acto arbitrario praticado pelo illustre ministro do reino de então, o sr. João Franco; foram annexadas pelos pedidos instantes, quer da camara municipal d'aquelle concelho, quer das juntas de parochia d'aquellas freguesias, e de grande maioria dos seus habitantes, que pediram instantemente esta annexação ao concelho de Murça, ficando assim as freguesias de jou, Curros e Valles desannexadas do concelho de Valle Passos e annexadas ao de Murça.

Foram publicados os decretos, de 14 e de 25 de fevereiro ultimo, decretos em que se convidavam os povos, que não estivessem satisfeitos com a circumscripção concelhia e comarcã, a representarem ao governo; e estas tres freguesias, a que me refiro, com quanto reconhecessem que não podiam ser attingidos pela resolução em que o governo se collocára, novamente representaram pedindo a sua conservação no concelho de Murça, representações que foram entregues, dentro do periodo marcado, no governo civil de Villa Real, e d'ahi enviadas ao ministerio do reino.

Eu tenho em meu poder os duplicados authenticos d'essas representações, que nenhuma duvida deixam ácerca do que acabo de referir, e são uma representação da junta de parochia e de perto de duzentos eleitores e contribuintes da freguesia de Jou, outra da junta de parochia dos Valles e da maioria doe seus eleitores e contribuintes, e outra da junta de parochia e dos eleitores e contribuintes dos Curros, pedindo a sua conservação no concelho de Murça.

Eu desejava perguntar ao sr. presidente do conselho, dadas estas circumstancias, qual a resolução em que s. exa. está a este respeito.

O meu illustre amigo, o sr. João Franco Castello Branco, quando se discutia o projecto auctorisando o governo a alterar a circumscripção concelhia, perguntou ao sr. ministro do reino o que pensava ácerca da situação das freguesias que tinham representado no sentido de ficarem collocadas onde estão, e o sr. ministro respondeu que era seu proposito respeitar as reclamações dos povos, e que havia commettido a apreciação d'essas reclamações a uma commissão especial, mas que todavia reservava para si a faculdade de proceder conforme os interesses que manifestassem nas representações que ao ministerio do reino houvessem subido.

Eu sei que a commissão incumbida de apreciar as reclamações ainda não resolveu definitivamente cousa alguma ácerca da circumscripção administrativa e comarcã do districto de Villa Real, mas consta-me particularmente que alguma voz se levantou n'essa commissão, tendo em vista restituir novamente estas tres freguezias ao concelho de Valle Passos.

Eu não tenho motivo nenhum para suppor que a commissão incumbida do apreciar as representações seja capaz de aconselhar o governo a um acto menos justo ou de menos honestidade politica, porque não póde ser maior a consideração que tenho por todos os membros que constituem essa commissão, especialmente pelo meu amigo, o sr. Barbosa de Magalhães, que vejo defronte de mim, e que n'essa commissão tem um papel muito preponderante e decisivo; comtudo tem-se dito taes cousas de Lisboa para os concelhos de Murça e de Valle Passos, e tem-se feito em volta da sorte d'estas freguesias uma tal intriga, que eu não me dispenso de pedir ao governo uma resposta clara e franca a este respeito.

Nenhuma duvida tenho quanto á maneira como o sr. presidente do concelho resolverá. Conquanto discorde inteira e absolutamente dos seus ideaes politicos, considero todavia o sr. Luciano de Castro como um dos homens mais honestos e honrados entre os nossos homens
publicos. (Apoiados) e tanto basta para eu ter a certeza que se s. exa. estivesse presente me daria uma resposta franca e clara no sentido de que as tres freguezias continuarão a pertencer ao concelho de Murça, conseguindo restituir áquelles povos, que eu tenho a honra de representar n'esta casa, a sua tranquilidade, desfazendo ao mesmo tempo, por uma vez essa intriga politica que se vae fazendo em volta da situação da freguesias a que me referi.

Como não está presente o sr. presidente do conselho, pedia a qualquer dos dignos ministros a finesa de lhe transmittir as minhas considerações.

Ser-me-ia tambem muitissimo agradavel ouvir o sr. Barbosa de Magalhães, que foi relator da proposta de auctorisação para a revisto da ultima circumscripção concelhia e comarcã, para que s. exa. me dissesse, franca e honradamente, como é seu costume, o que pensava a tal respeito.

Eu tenho aqui copias das representações que foram entregues ao governador civil do districto de Villa Real, dirigidas a Sua Magestade e não á camara. Mais de uma voz tem acontecido a camara auctorisar a publicação de identicas representações no Diario do governo, e de harmonia com essa praxe até certo ponto estabelecida, mando para a mesa as copias d'essas representações e peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que ellas sejam publicadas no Diario do governo.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Augusto José da Cunha): - Ouvi com toda a attenção as reflexões feitas pelo illustre deputado, e transmittil-as-hei ao sr. presidente do conselho, podendo desde já assegurar ao sr. Teixeira de Sousa que s. exa. as tomará na devida consideração.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Cruz Caldeira: - Mando para a mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que me sejam remettidos, pelo ministerio do reino, os seguintes documentos:

1.° Uma lista nominal dos professores effectivos e interinos do lyceu nacional e central de Lisboa;

2.° Nota da despesa feita com o professorado do mesmo lyceu;

3.° Nota da despesa feita com as commissões incumbidas de examinar os livros de instrucção secundaria e primaria nos annos de 1895-1896, e 1896-1897. = O deputado pelo circulo 83, José da Cruz Caldeira.

Mandou-se expedir.

O sr. Alexandre Cabral: - N'uma das ultimas sessões esta camara prestou a homenagem devida a um dos filhos mais distictos da nossa terra. Refiro-me a Sousa Martins, que a morte nos roubou na força da vida e na pujança do seu talento, quando ainda podia, augmentar

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tanto o grande numero de serviços que prestou á sciencia e ao paiz.

Hoje, e já um pouco tarde, porque a falta de sessões diario não me deixou fazer mais cedo, trago a esta camara uma nova commemoração de identica natureza, com relação a um homem que fui um distincto parlamentar e um notavel magistrado administrativo: o conselheiro Jeronymo Barbosa de Abreu e Lima. Este morreu velho; mas, se, em idade avançada e prostrado pela doença, já não podia prestar relevantes serviços ao seu paiz, os que elle lhe prestou no exercicio de espinhosas commissões, com elevado criterio e com muita energia e talento, tomam a sua memoria credora do nosso respeito e da nossa gratidão.

Alem d'isso era pae de dois membros d'esta camara, distinctos collegas nossos, que tiveram de abandonar os trabalhos parlamentares e partir apressadamente para lhe receber o ultimo suspiro, o que, infelizmente para elles, já não poderam conseguir.

Esta circumstancia mais nos obriga á homenagem que proponho, a qual consiste em consignar-se na acta da sessão um voto de sentimento pela perda d'este prestante cidadão, e em que desse voto se dê conhecimento a seus filhos.

O sr. Ministro da Obras Publicas (Augusto José da Cunha): - O governo associa-se á homenagem que o illustre deputado acaba de tributar á memoria de um cidadão prestante e que fez bastantes serviços ao paiz.

Associo-me não só pelos serviços que o illustre finado prestou, mas tambem por ser pae de dois nossos collegas muito dignos de consideração e que nós muito prezâmos.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Franco Castello Branco: - Este lado da camara associa-se com sentimento á proposta apresentada pelo sr. Alexandre Cabral.

O sr. Presidente: - Creio interpretar os sentimentos da camara, dando por approvada a proposta do sr. Alexandre Cabral.(Apoiados geraes.)

O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Mando para a mesa o seguinte projecto do lei, cujo relatorio me abstenho de ler, para não cansar a attenção da camara.

(Leu.)

Este projecto de lei é fundamentado n'uma representação de varios membros da antiga camara municipal do concelho de Ponta do Sol que, por ignorancia da lei, exorbitaram um pouco das suas attribuições applicando verbas illegalmente, ainda que em beneficio dos interesses do municipio.

Aproveito a occasião de estar com a palavra, para declarar a v. exa. que lancei na caixa respectiva um requerimento do contra-almirante Antonio Marques da Silva, em que pede melhoria do reforma na graduação de vice-almirante.

Mando tambem para a mesa o seguinte:

Aviso previo

Desejo interrogar s. exa. o sr. ministro das obras publicas sobre a fórma por que é feito o serviço de transporte de mercadorias pelo caminho de ferro do sul e sueste e outros serviços dependentes da administração d'aquelle caminho de ferro. - O deputado, Visconde da Ribeira Brava.

Mandou-se expedir.

O projecto de lei ficou para segunda leitura.

O sr. Teixeira de Almeida: - N'uma das ultimas sessões nocturnas mandei para a mesa umas representações de vinte o quatro machinistas conductores reclamando contra uma proposta de lei apresentada pelo governo; mas como não vejo no extracto da respectiva sessão, nem nas seguintes, mencionado o seu recebimento, tenho a apprehensão de que por esquecimento não tenham sido enviadas a commissão de marinha, e v. exa. comprehende quanto esse facto será grave, porquanto elles reclamam contra uma proposta, que os prejudica e que parece já tem parecer.

Ora, tendo o governo obtido da maioria d'esta camara, auctorisação para reformar os serviços, nada mais facil do que, encerrando-se a camara sem ser discutido esse projecto, o governo se escude com o facto de já ter sido apresentado parecer sobre elle e não se lhe ter feito referencia alguma, para o transformar em lei.

Para evitar que tal facto succede, vou rapidamente fazer sentir á camara quão gravoso é esse projecto para determinado pessoal machinista da armada e para o estado. E bastará dizer o seguinte.

Pelo orçamento que acompanha o projecto, vê-se que o antigo quadro gastava 36 contos de réis, e pelo novo quadro, em que se reduz ainda o pessoal, eleva-se a despesa a 40 contos de réis! Note v. exa., que sendo de necessidade augmentar o pessoal, no projecto reduz-se, e augmenta-se a despeza!

Ha um artigo, que é o 3.°, que diz:

(Leu.)

Rasão tinha o sr. Dias Costa ha dias, quando dizia, que de tudo quanto eu fiz, só ficaria a abolição das varadas! Aqui temos o restabelecimento do posto do accesso para a reforma!

Repare bem a camara: "os que tiverem trinta e cinco annos de serviço, sendo quinze nas estações navaes", são reformados como se fossem promovidos ao posto immediato, o que representa para o estado o augmento de despeza de perto de 8 contos de réis!

Isto traduzido em linguagem vulgar o que todos percebem, passa-se da fórma seguinte:

Um primeiro tenente machinista, que tenha vinte annos de praça, dos quaes quinze sejam no ultramar, como os quinze se contam pelo duplo, tem de facto trinta annos de serviço, com os cinco que vão dos quinze para os vinte, faz trinta e cinco e aqui temos, como um individuo só póde reformar, com trinta e cinco annos de serviço, tendo apenas vinte de praça e como um primeiro tenente se reformara em capitão de fragata.

Nas condições do artigo que estou apreciando, estão dois machinistas sub-chefes e sete primeiros tenentes; quer dizer, que reformados os dois machinistas sub-chefes, se reformarão como se fossem chefes, segundo a lei; depois, os primeiros tenentes, se reformarão ainda, como se fossem chefes, por isso que são promovidos ao posto immediato por essas vacaturas e successivamente reformados, dando o artigo em questão logar á reforma de novo officiaes machinistas em capitães de fragata.

N'estas condições, é isto perfeitamente o restabelecimento ao posto de accesso, com a differença de ser unicamente para os effeitos da reforma; como claramente diz o artigo, o que não me cançarei de fazer sentir á camara, para que ella se convença bem do alcance extraordinario que tem uma lei d'esta ordem:

Artigo 3.° Os machinistas navaes que contarem para a reforma trinta e cinco annos de serviço, sendo quinze nas estações navaes do ultramar, têem, no acto da reforma, as vantagens de vencimentos que teriam se hovessem sido promovidos ao posto immediato."

Note bem a camara ainda, que nem a falta de pessoal, nem o capital, em tempo e dinheiro, que despende esta classe para se alistar, justificam tão alto favor ou compensação.

Isto é grave, e tanto mais, quando o contribuinte, já debaixo da onerosissimos encargos tributarios, tem ainda a uso menos violenta contribuição que deriva do agio do oiro.

E para. que?! Para armar á popularidade da classe e nada mais!...

Eu fallo com tanto mais desassombro, quanto o pessoal d'esta classe já me quiz honrar com uma distincção na

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sua associação, ao que eu me oppoz, porque não acceito essas manifestações na classe militar.

Se porventura o actual sr. ministro da marinha quiser tambem retabulo honorifico, na posição correspondente da sua famigerada beatitude, não podia apresentar melhor memorial do que o seu projecto.

Eu tambem podia ter retabulo, mas não o quiz e não o quero.

E para que esta referencia não pareça pretenciosa, vou referir-me ao relatorio publicado em 1896 pela associação da machinistas navaes portuguezes, onde se diz, que tendo eu sido solicitado para dar á associação uma photographia, no intuito de ser ampliada e figurar na sala das sessões da mesma associação, como fôra deliberado havia muito, me recusei, e, com referencia a este caso, conclue o relatorio:

"Apesar da nossa convicção e reconhecimento do muito que lhe devemos, entendemos do nosso dever não insistir, submettendo-nos aos seus desejos."

Vê, pois, v. exa. que não me anima nenhuma hostilidade de classe, e que vou acarretar sobre mim a indisposição dos que são favorecidos no projecto, pondo, porém, acima de toda essa falsa e inconvenientissima popularidades a questão dos interesses publicos geraes.

Depois ha ainda n'isto de curioso a circumstancia deveras extraordinaria de que aos machinistas praticos, que tinham vinte togares de guarda marinha, se tiram dezoito, emquanto uma lei que eu tinha feito lhe dava dois logares de primeiros tenentes e tres de segundos.

Tiram-lhes um logar de segundo tenente, e porque? É porventura porque não tenham merito?

Pois a camara vae ouvir ler um pequeno trecho do relatorio do commandante da corveta Rainha de Portugal, com o n.º 103 de 29 de julho de 1893, hoje secretario do almirantado, a quem se attribue a inspiração d'esta lei, onde diz que, se não tivesse no navio do seu commando os machinistas praticos, que fizeram excellente trabalho, não teria conseguido pôr o navio era estado de navegar.

"É digno de todo o louvor o machinista Alfredo Pedro Matheus (da classe dos conductores de machinas), que em tão curto espaço de tempo conseguiu fazer uma obra perfeita e segura, para a qual uma commissão de vistoria, em dezembro de 1890, julgou necessario vinte e quatro dias uteis de trabalho.

"Cada vez estou mais convencido que os conhecimentos theoricos dos machinistas são muita uteis, mas não dispensam a habilitação menos pretenciosa de saber pegar e trabalhar com a ferramenta.

"Se em vez do machinista Matheus, que é um habil artista, e dos conductores David, Silva das Neves e Francisco Thomé, que sabem trabalhar, eu tivesse a bordo um machinista e dois aspirantes da modernamente diplomados, creio bem que este trabalho não poderia ser feito com o pessoal de bordo."

Pois este trabalho que uma commissão de technicos encartados disse que se faria em vinte e quatro dias, foi feito pelos praticos apenas em tres dias.

Creio ter demonstrado clara e precisamente que ha um augmento de despeza no projecto que foi apresentado, e que porventura póde vir a ser posto em pratica no uso das chamadas auctorisações parlamentares; que ha ainda augmento de despeza com o quadro dos reformados, pelo tal artigo 3.º que dá um posto de accesso para a reforma; que ha uma violação flagrante em relação a uma classe que tem merito e a respeito da qual existe um documento como aquelle que eu li, violação que consiste em cercear dezoito logares no quadro de machinistas de 3.ª classe aos machinistas conductores.

O sr. Presidente: - Faltam cinco minutos para se entrar na ordem do dia e temos sessão nocturna.

O Orador: - Já agora, visto que são raras as sessões diurnas e para o que tenho de dizer, é indifferente que esteja ou não presente o sr. ministro da marinha, aproveitarei os cinco minutos que me restam para fazer outras observações.

Não sabia o tempo que faltava para se entrar na ordem do dia quando comecei a usar da palavra, e por isso tratei esta questão para mim capital, de interesse publico e de interesse de classe, injustamente aggravada, aggravamento contra o qual reclamam os lesados nos seus requerimentos em numero de vinte e quatro, que apresentei n'uma das ultimas sessões, não vindo mais porque a maioria dos membros d'esta classe estão em serviço no ultramar.

Permitte-me agora v. exa. e a camara, que eu me refira a um caso aqui succedido outro dia, que atacou a minha sentimentalidade e a que não pude ser superior; porque provém de ter tão pouco embotadas as fibras do coração, pelo reconhecimento que se tribute a acto meu, que á minima coisa se abalam e para que não pareça graciosa esta afirmação, apontarei tres factos.

Quando o sr. presidente do conselho foi indicado para chefe do partido e já tinha acceitado, de accordo com o sr. Marianno de Carvalho, que o chefe fosse o sr. conselheiro Abreu e Sousa, fui eu o primeiro a abrir a campanha que pretendia levar a chefe s. exa., e efectivamente assim aconteceu.

Mas quando infelizmente se deu o caso de 7 de maio de 1887, que v. exa. muito bem conheceu, o agradecimento que s. ex. teve pelos serviços que lhe prestei, foi o que todos sabem; o mesmo acontece com outro individuo, a quem principalmente auxiliei para ter um jornal que o collocou em evidencia e independencia, e que n'esse mesmo jornal me atacou depois violentamente quando foi do caso de 1887. E, cousa notavel, o sr. Marianno de Carvalho, que me não deve favor algum e a quem contrariei n'alguns objectivos politicos, manteve-se a n'uma abstenção absoluta por essa occasião.

Por isso tambem, quando mais tarde se levantaram accusações contra o sr. Marianno de Carvalho, eu fui o unico que se lembrou de se levantar na camara para justificar s. exa., e ainda hoje, em minha consciencia entendo, que foi justificado o seu procedimento.

Já v. exa. vê pois que acostumado a ter agradecimentos d'aquella especie é natural que me sensibilise quando elles sejam penhorantes.

Só agora tem chegado á camara a serie de documentos que eu tinha pedido, alguns dos quaes eram necessarios para as questões que se têem travado e que me deixaram um pouco a descoberto na discussão que tem havido.

Quando ha dias apontei o facto de ser dado commando a um individuo que tinha sido castigado por se envolver n'uma questão de contrabando, não tinha os documentos. O sr. ministro, com os documentos que tinha, deu um largo desenvolvimento a este assumpto; e desde que fiz referencia ao facto, pela inconveniencia de uma nomeação de tal ordem, preciso explicar á camara como os factos se passaram para que julgue se eu, quando fui ministro, pratiquei alguma violencia ou apenas um acto legitimo, legal e de moralidade.

Quando o Africa chegou da China, eu estava nas aguas das Felgueiras; o Africa atracou á ponte do arsenal para descarregar; ali esteve tres dias; e depois largou para o seu fundeadouro ordinario; então varios caixotes, com a designação de bagagens, foram para a alfandega, e aqui apprehendidos sob a accusação de se pretender furtar aos direitos varios artigos em seda e porcelanas, ou similhantes, que nos ditos caixotes se continham.

Foi o caso conhecido do publico, e por mim, pelos jornaes, pelo que pedi informações ao almirantado; e todas as repartições, que tinham de intervir no caso, me disseram una você "que eu nada tinha que ver com o caso de apprehensão de contrabando effectuada em volumes que,

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com o titulo de bagagens, tinham vindo a bordo de um navio da marinha de guerra!

Entendi que isto era um absurdo, e de minha lavra directa fiz uma nota á procuradoria da corôa, perguntando me definissem bem uma questão em que eu, com a lei na mão, pensava de uma fórma e a repartição do almirantado de fórma contraria, e se podia permittir-se que o pessoal da armada real, a quem por vezes incumbo a fiscalisação e policia da costa, fizesse contrabando.

A procuradoria da corôa respondeu-me «que eu tinha rasão; que eu commandante, pela sua posição especial, o immediato, como primeiro fiscal a bordo, deviam ter determinado castigo; e o commissario, por serem d'elle os artigos apprehendidos, deveria soffrer, seis mezes de disponibilidade sem vencimento».

Pareceu-me tudo muito pouco, mas cingi-me às indicações da procuradoria da corôa.

Ora, quer v. exa. saber qual era a lei?

Manda ella que todo o empregado publico, convicto de contrabando, seja demittido.

E eu sujeitei-me á indicação da procuradoria da corôa, quando poderia proceder de outra fórma; e incorri, a despeito d'isto, nas iras dos compadres, que entendem que essa mesma corporação, que destaca parte do seu pessoal para fazer a policia fiscal contra o contrabando, lhe é licito ter no seu seio a imperar quem faça por sua conta, e desafogadamente, o contrabando que quizer e como quizer.

Quando eu saí do ministerio tratou logo a cotterie dominante de procurar apagar todas estas notas; e, como era natural, foram ouvidas as repartições do almirantado, que sendo contrarias ao castigo, como já informei, mantiveram essa opinião e propozeram se trancasse o castigo do commandante e do immediato.

V. exa. comprehende que não é necessario estar a ler os artigos do regulamento do serviço de bordo para mostrar que é intuitivo que o commandante do navio é o primeiro responsavel por tudo que n'elle se passa, e a seguir o immediato; e diz o regulamento que nada póde entrar nem sair do navio sem conhecimento d'este official.

Pois só o commissario, pelos documentos que me foram apresentados, trouxe cento e dois volumes. E note-se, que o commissario não regressava da estação: tinha ido e vindo no navio; e tanto estes como outros volumes andavam a granel na camara e na coberta, como eu vi, sendo-me dito que era bagagem; diante, porém, da apprehensão da alfandega não podia fechar os olhos.

De um inquerito a que procedi sobre o assumpto vim no conhecimento de quaes os escaninhos por onde passava o contrabando e cousas do arsenal.

O principal era pelo segundo deposito para uma passagem corredores por cima do almirantado, vindo ter á escada da contabilidade, e d'ali ao corredor do primeiro pavimento e escada do instituto de soccorros a naufragos, ou a um corredor para o ministerio da fazenda, ou ainda seguindo, ao passadiço para a escada do ministerio da guerra, e ainda por cima vindo buscar o mesmo passadiço pela escada junto do gabinete do ministro.

A porta que dá para o ministerio da fazenda mandei eu fechar, e ainda hoje está fechada; e mandei pôr um guarda ao cimo da escada do instituto de soccorros a naufragos o outro no passadiço do ministerio da guerra.

Estes guardas foram tirados immediatamente quando eu saí do ministerio!

as quer a camara saber mais, para ver como tudo ali joga com a opinião de que os implicados em contrabando não são culpados? É que o chefe do segundo deposito, passagem principal e segura de toda esta torrente, recebeu, como premio da sua vigilancia, o commando do transporte Pero de Alemquer; e o commissario, que foi castigado com seis mezes de disponibilidade sem vencimento foi para a commissão de compras!

Não sei se vêem bem?!

Tenho dito.

O sr. Presidente: - Faltam só dois minutos para se passar á ordem do dia. O sr. Barbosa de Magalhães quer usar da palavra?

O sr. Barbosa de Magalhães: - Mando para a mesa um projecto de lei, auctorisando o governo a conceder isenção de direitos de importação ao material exclusivamente destinado á construção e exploração do caminho de ferro de via reduzida de Cantanhede á barra do Aveiro.

Peço que seja dispensada a segunda leitura.

Aproveito o ensejo de estar com a palavra, para responder ao meu collega e amigo, o sr. Teixeira de Sousa. Ainda que não me julgo com direitos de usar n'esta camara da palavra n'uma qualidade diversa da que aqui tenho, que é a de deputado, pela consideração especial que s. exa. me merece, e esperando que a benevolencia da camara m'o permitta, direi a s. exa. em duas palavras, que, posso garantir-lhe, por parte de toda a commissão, de que sou membro, ha todo o desejo de acertar no desempenho da missão que lhe foi incumbida pelo governo; especialmente na parte referente ao assumpto tratado por s. exa dir-lhe hei que a commissão já começou a estudar maduramente o assumpto.

Eu tomei conhecimento directo e pessoal das representações que s. exa. ha pouco mandou para a mesa, mas não posso nem devo n'esta occasião dizer, porque mesmo não sei, qual a resolução que a commissão vae tomar. O meu voto não tenho duvida em o declarar desde já; eu não votarei pela desannexação de freguezia alguma que possa determinar a extincção do concelho ao qual até agora ella estava annexada.

Este é que eu entendo que devia ser o plano da circumscripção administrativa decretada pelo sr. Franco Castello Branco. S. exa. não devia ter determinado a extinção dos concelhos, como fez; ao contrario, devia accrescentar a alguns as condições de vida que lhes faltava. (Apoiados.)

O sr. Teixeira de Sousa: - Foi este o caso.

O Orador: - O que eu estranhei é que não se tivesse feito o mesmo a muitos outros concelhos que, se não tinham condições de vida, podiam-se-lhes dar.

Creio que o illustre deputado ficará satisfeito com esta explicação, que eu entendi dever dar lhe pela consideração pessoal que me merece tão distincto collega.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

Consultada a camara, foi o projecto considerado urgente.

Leu-se na mesa.

É o seguinte:

Projecto de lei

Senhores. - Tomando em consideração o exposto pelo concessionario do caminho de ferro de via reduzida de Cantanhede á barra de Aveiro na representação dirigida á camara dos senhores deputados da nação portugueza e attendendo aos grandes beneficios que para aquella região resulta da conclusão d'esse importante melhoramento, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder isenção de direitos de importação ao material exclusivamente destinado á construcção e exploração do caminho de ferro de via reduzida de Cantanhede á barra de Aveiro.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 26 de agosto de 1897. = Barbosa de Magalhães, deputado pelo circulo de Oliveira de Azemeis.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Frederico Ramires: - Mando para a mesa um projecto auctorisando a camara municipal do concelho do Alcoutim a levantar todas as verbas que tem no cofre de

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SESSÃO N.º 47 DE 26 DE AGOSTO DE 1897 813

viação e a applical-as ás suas despezas geraes, ficando de futuro isenta de contribuir para o mesmo cofre, sendo eliminadas no mappa as estradas municipaes de 2.ª classe n.º 27, 28, 29 e 30.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Henrique Kendall: - Mando para a mesa a seguinte.

Declaração de voto.

Declaro que, se estivesse presente na sessão em que se votou o projecto de lei, de iniciativa do sr. deputado conde de Paçô Vieira, para serem, pagas as annuidades em divida ao palacio de crystal portuense, o teria approvado. = O deputado pelo circulo n.° 24, Henrique de Carvalho Kendall.

Para a acta.

O sr. Dias Costa: - Mando para a mesa a seguinte:

Participação

Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara, que n'esta data lancei na caixa das petições um requerimento, documentado, em que Manuel Ferreira Jorge Neto, amanuense aposentado da conservatoria da comarca de S. Thomé, pede melhoria de reforma. = F. F. Dias Costa, deputado pelo circulo n.° 34
(Arouca).

Á secretaria.

O sr. Simões Baião: - Mando para a mesa um:

Aviso previo

Peço para que, nos termos de § unico do artigo 58.° do regimento, seja prevenido o exmo ministro do reino de que desejo interrogal-o sobre se, no caso da provavel auctorisação para a reorganisação dos quadros e serviços das secretarias d'estado e repartições dependentes, pensa em reorganisar os quadros das secretarias dos governos civis e regular equitativamente os vencimentos dos respectivos empregados = Simões Baião, deputado pelo circulo de Figueiró dos Vinhos.

É o seguinte

Requerimento

Requeiro que pelo ministerio do reino, me sejam enviados os seguintes documentos:

Copia das representações dirigidas ao governo em 1895, pelas juntas de parochia e habitantes das freguezias de Passos e S. Pedro do Pego da Murta, pertencentes então ao concelho de Alvaiazere e comarca de Ancião, pedindo a sua annexação ao concelho de Ferreira do Zezere, e comarca de Thomar.

Copia das representações dirigidas ao governo no corrente anno pelas juntas de parochia e habitantes d'aquellas duas freguezias, pedindo para continuarem annexadas ao concelho de Ferreira do Zezere e comarca de Thomar.

Copia, do officio do administrador do concelho de Ferreira do Zezere, remettendo estas ultimas representações ao governador civil de Santarem, e copia do officio d'este magistrado, remettendo ao governo as mesmas representações.

Copia dos questionarios e respectivas respostas remettidos em 1895 as camaras municipaes do concelho de Alvaiazere e Ferreira do Zezere relativos á administração municipal.

Copia da representação dirigida ao governo em 1895 pela junta de parochia e habitantes da freguezia do Pombalinho, então pertencente ao concelho de Soure, pedindo a sua annexação ao concelho de Ancião.

Copia da representação dirigida ao governo no corrente anno pela junta de parochia e habitantes da mesma freguezia, pedindo para continuar annexada ao concelho de Ancião.

Copia da representação dirigida ao governo, no corrente anno, pelos habitantes da freguezia de Maçãs de D. Maria, do concelho de Ancião, reclamando a sua annexação ao concelho de Figueiró dos Vinhos.

Copia da representação dirigida ao governo em 1895, pela junta de parochia e habitantes da freguezia de Castanheiro de Pera, pedindo a sua annexação ao concelho de Figueiró dos Vinhos.

Copia da representação dirigida ao governo no corrente anno pela junta de parochia e habitantes da mesma freguezia, pedindo para continuar annexada ao concelho de Figueiró dos Vinhos.

Copia do officio do governador civil de Leiria, remettendo ao governo, no corrente anno, as representações das tres ultimas freguezias (Castanheiro de Pera, Maças de D. Maria e Pombalinho), pedindo respectivamente para continuarem annexadas aos concelhos de Ancião e Figueiró dos Vinhos.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 26 de agosto de 1897. = Simões Baião, deputado pelo circulo de Figueiró dos Vinhos.

Declaro que prescindo das assignaturas das representações a que me refiro n'este requerimento, bastando a indicação do seu numero. = Simões Baião.

Mandaram-se expedir.

O sr. João Pinto dos Santos: - Mando para a mesa uma representação dos escrivães e tabelliães da comarca da Certã, contra o projecto de lei, apresentado pelo sr. Cayola, creando um logar de tabellião privativo no julgado de Sernache de Bomjardim.

Vae por extracto no fim da sessão.

O sr. Moreira Junior: - Mando para a mesa uma representação dos empregados de escriptorio dos estabelecimentos de refinação de assucar da cidade de Lisboa, pedindo que, no caso de ser convertido em lei o projecto que cria o monopolio do assucar, lhes sejam salvaguardados os seus legitimos interesses.

Vae por extracto no fim da sessão.

Foi lido na mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a v. exa. se digne consultar a camara sobre se consente, que as representações das juntas de parochia das freguezias do Juncal e Santa Catharina, do concelho de Alcobaça, para que seja mantida a ultima divisão da circumscripção administrativa, e por mim apresentadas na sessão de 3 de julho findo, sejam publicadas no Diario do governo, e enviadas com quaesquer outras sobre o mesmo assumpto, apresentadas por alguns srs. deputados, á grande commissão, nomeada por decreto de 14 de março ultimo, e especialmente encarregada de examinar e apreciar as representações d'aquella natureza. = O deputado pelo circulo n.° 67, Jacinto Simões Ferreira da Cunha.

Foi approvado.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.º 46 (banco de Portugal)

O sr. Presidente: - Em harmonia com a ordem do dia marcada para a sessão de hoje, tinha de ser posto primeiramente em discussão o projecto de lei n.° 46, que se refere ao accordo com o banco de Portugal. Estando, porém, presente o sr. ministro da guerra, que manifestou o desejo de ser agora discutido o projecto de lei n.° 34, dou preferencia a este projecto, se a camara se não oppõe a isso.

Foi lido na mesa. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 34

Senhores. - A vossa commissão de guerra apreciou detidamente a proposta de lei n.° 8-M, apresentada á ca-

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814 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mara pelo governo, pela qual se augmentam á actual brigada de artilheria de montanha duas baterias, passando assim aquella a constituir um regimento de seis baterias. O relatorio que precede a referida proposta, expõe desenvolvidamente as rasões que impõem a necessidade urgente de se desenvolver a artilheria de montanha entre nós. As qualidades de mobilidade e leveza d'essa especie de artilharia tornam-se eminentemente apta para o serviço das campanhas coloniaes e a historia dos successos occorridos nas nossas possessões da Africa e da India, nos ultimos annos, attestam eloquentemente quanto se deve e póde confiar nos effeitos d'aquella artilheria para o exito das guerras com o gentio e os povos rebeldes.

A proposta de lei ministerial é de acanhadas dimensões. As circumstancias dolorosas do thesouro e a necessidade impreterivel de não se aggravarem os encargos do estado, impõem toda a moderação no que possa traduzir augmento de dispendio.

A vossa commissão comprehendeu e approvou as rasões que haviam determinado o governo a ser tão parco no desenvolvimento de uma fracção do exercito, que a força dos factos, reforçando as affirmações da theoria, têem mostrado ser de todo insufficiente para a qualidade de serviço que sobre ella impende.

A vossa commissão de guerra approva, pois, a proposta que vos foi sujeita, modificando-a, de accordo com o governo, apenas no sentido de se dotar o novo regimento com um cirurgião mór, o que se justifica plenamente não só porque a organisação geral dos regimentos estabelece a existencia de dois cirurgiões em cada um d'elles, mas ainda pela propria natureza do serviço que especialmente deve caber ao regimento de montanha, obrigado a destacamentos successivos.

Baseada n'estas considerações a vossa commissão de guerra tem a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A brigada de artilheria de montanha será transformada n'um regimento de seis baterias activas, que será designado regimento de artilheria n.° 6 - ; creando-se para isso duas novas baterias que terão os n.ºs 5 e 6.

§ unico. A composição de cada uma das baterias continuará a ser determinada na organisação do exercito, de 30 de outubro de 1884.

Art. 2.° O estado maior e menor fixado no quadro n.° 10 da organisação do exercito de 1884, será augmentado com um coronel e um tenente coronel, um cirurgião mór, um mestre do corneteiros e um mestre de ferradores.

Art. 3.° Para os effeitos da execução d'esta lei, será o quadro dos officiaes de artilharia augmentado com um major e dois capitães e o dos cirurgiões militares com um cirurgião mór.

Art. 4.° Fica d'este modo alterado o decreto de 30 de outubro de 1884 e a carta de lei de 13 de maio de 1886, e revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, 30 de julho de 1897. = J. E. de Moraes = Avellar Machado = Joaquim Tello = Francisco Ravasco = Joaquim H. Veiga = F. F. Dias Costa = Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla relator.

N.º 8-M

Senhores. - Nas ultimas campanhas que nos vimos forçados a sustentar nos nossos dominios ultramarinos, para conservar e robustecer o prestigio e a soberania de Portugal, evidenciaram-se triumphantemente os serviços que a artilheria de montanha póde prestar n'aquellas longiquas paragens.

Em todas as expedições, organisadas desde 1891, essa artilheria tem figurado como elemento imprescindivel, e os factos confirmaram sempre o acerto e a sensatez de similhante escolha. Apropriada ás marchas em terrenos cortados e difficeis, e podendo acompanhar a infanteria por toda a parte nos sertões, ás baterias de montanha, que luctaram ultimamente nas colonias, se deve, sem duvida, uma boa parte do exito que alcançámos, impondo-se ellas ao inimigo não só pelo terrivel destroço dos seus tiros, mas tambem pelo terror e desanimo moral que lhes causava.

Assim o comprehendeu o governo em 1895, e, convencido de que a organisação das duas baterias de montanha que existiam até essa epocha, era insufficiente n'um paiz tão montanhoso como o nosso, e que precisa defender um rico e vasto imperio de alem mar, reforçou essa artilheria com duas novas baterias, confessando desde logo que esse augmento não correspondia ainda ás necessidades que urge attender.

Os factos confirmaram plenamente esse juizo. Depois de creadas as duas novas baterias, já, ao mesmo tempo, estiveram destacadas na India e na Africa Oriental, tres baterias de montanha, restando no continente apenas uma e tornando-se por isso impossivel a rendição d'aquellas forças, sujeitas a um serviço, que não póde ser prestado por largo periodo, sem grave prejuizo para aquelles que o desempenham.

Eram poderosas as rasões que levaram o governo d'então a não decretar de uma vez o augmento da artilheria de montanha, exigido pelas circumstancias. A situação do thesouro obrigava n'essa epocha e obriga ainda hoje a maior moderação em tudo o que importe novos encargos para o estado. Mas ha despezas tão imperiosas e uteis, que o decretal as representa um verdadeiro serviço para o paiz.

N'esse numero se deve considerar a que se haja de fazer com a creação de novas baterias de montanha, reclamadas não só por considerações theoricas e technicas, mas ainda pela força indiscutivel dos factos.

Conciliar o que exige a situação financeira do paiz, com o que é dictado pela urgente necessidade de assegurarmos meios de defeza efficazes, tanto no continente como nos nossos dominios coloniaes, é o dever dos altos poderes do estado, empenhados em cumprirem a sua missão. Para esse fim restringimos o mais possivel o que urge fazer para dotarmos a artilheria de montanha com os meios necessarios para ella poder corresponder ao serviço que lhe deve competir. Com esse fim propomos apenas a creação de duas novas baterias de montanha, ficando esta especie de artilheria constituindo, em tempo de paz, um regimento de seis baterias.

O empenho do governo é occorrer a uma necessidade geralmente reconhecida, sem que d'ahi resulte um pesado onus para o thesouro, motivo porque esta proposta está reduzida a tão estreitos moldes.

A organização de duas novos baterias não importará despendio com bôcas de fogo e mais material, por isso que muitos dos artigos de que se carece existem nos depositos de material de guerra e os restantes são todos de fabrico dos estabelecimentos do estado.

Com os quadros tambem o despendio será relativamente pequeno. O coronel do novo regimento será tirado do estado maior da arma. Augmenta-se, pois, apenas mais um major e dois capitães, por isso que os subalternos sairão do grande numero de officiaes de igual categoria, que actualmente existem como supranumerarios.

Por outro lado deve-se ainda considerar que o encargo proveniente do augmento de um major e de dois capitães, que resultará da approvação d'esta proposta, é de sobra compensado pelas disposições da proposta de lei para a classificação das praças de guerra, apresentada n'outra proposta, sujeita ao vosso esclarecido exame.

A organisação, pois, de um regimento de montanha não importa, d'este modo, maior despendio para o thesouro, colhendo-se sem sacrificio todas as vantagens que devem resultar d'essa organisação.

Por estas rasões, confiado em que esta medida repro-

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SESSÃO N.º 47 DE 26 DE AGOSTO DE 1897 815

tentará um verdadeiro serviço ao paiz, tenho a honra de vos apresentar a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° A brigada de artilheria de montanha será transformada n'um regimento de seis baterias activas, que será designado - regimento de artilheria n.° 6 - ; creando-se para isso duas novas baterias, que terão os n.ºs 5 e 6.

§ unico. A composição de cada uma das baterias continuará a ser a determinada na organisação do exercito, de 30 de outubro de 1884.

rt. 2.° O estado maior e menor fixado no quadro n.° 10 da organisação do exercito de 1884, será augmentado com um coronel e um tenente coronel, um mestre de corneteiros e um mestre de ferradores.

Art. 3.° Para os effeitos da execução d'esta lei, será o quadro dos officiaes de artilharia augmentado com um major, dois capitães e os subalternos necessarios para as baterias creadas depois da organisação do exercito de 1884.

Art. 4.° Fica d'este modo alterado o decreto de 30 de outubro de 1884 e a carta de lei de 13 de maio de 1886, e revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 6 de julho de 1897. = Francisco Maria da Cunha.

O sr. Dantas Baracho: - Sr. presidente; pedindo a palavra sobre o projecto n.° 34, não foi para o discutir, nem para o combater. Registo apenas que, embora d'elle resulte augmento de despeza, esse augmento é coberto, como muito bem diz no seu relatorio o nobre ministro da guerra, e de sobra compensando pelas disposições da proposta de lei que classificou as praças de guerra, e que já foi approvada.

O meu fim, pedindo a palavra, foi, chamar a attenção do illustre ministro da guerra para um assumpto, que me parece importante, embora eu por fórma alguma pretenda, que a minha opinião prevaleça; mas, realmente, o assumpto a que me vou referir é de grande ponderação, inadiavel e de urgente necessidade, havendo já sobra elle um projecto de lei, que tem tido por varias vezes approvação na commissão de guerra, projecto assignado por militares das differentes armas. Refiro-me aos majores de cavallaria.

Eu não quero abusar da attenção da camara, dada a largueza que tem tido já a actual sessão legislativa, expondo largamente as minhas considerações sobre o quanto é util dotar-se os regimentos de cavallaria com dois majores, como succede em toda as outras armas; direi apenas que, não ha nenhuma arma do exercito onde haja regimentos que não tenha dois majores. Só não os tem a arma de cavallaria, que pelo seu serviço importante, essencial e decisivo na arte da guerra, é, seguramente, muito mais pesado e é penoso (Apoiados) de que o de qualquer outra arma, como, por exemplo, a de artilheria de posição, cujo serviço não tem absolutamente nenhuma comparação com o serviço pesado, penoso e completo da arma de cavallaria.

Esta necessidade calla tanto no animo de todas as pessoas que tratam de assumptos militares, que o proprio sr. ministro da guerra já reconheceu, em sessão da camara dos dignos pares, a necessidade da existencia de dois majores para os regimentos de cavallaria. Parece-me, portanto, de absoluta conveniencia desfazer a anomalia que existe e a que me estou referindo.

Sr. presidente, quando se ponderam circumstancias d'esta natureza, em defeza da proposta que está em discussão, não se póde deixar de tomar em consideração tambem a argumentação que estou produzindo, e dando por terminadas as ponderações que tinha a fazer sobre este assumpto, vou recordar ao sr. ministro da guerra, que tão zeloso e cuidadoso tem sido na administração de tudo quanto diz respeito ao exercito, orientando a sua maneira de proceder nas mais stricta justiça e rectidão, outro assumpto. Refiro-me ao generalato.

S. exa. sabe que, desde que foi reduzido o generalato a seis generaes de divisão, não teve ingresso n'esta alta funcção de commando um unico general da arma de infanteria.

A arma de infanteria, uma das mais importantes e de mais tactica na arte da guerra, no generalato de brigada, é representado por 7 generaes, mas no alto generalato, as cousas estão dispostas por tal fórma, que, não havendo alteração na maneira de regular as promoções, ella não conseguirá ter a devida representação n'esse alto commando.

Percorrendo a escala, vê-se que ha 4 generaes mais antigos, 2 de artilheria e 2 de cavallaria.

Actualmente os 6 generaes são, 2 de artilheria, 2 de cavallaria, 1 de estado maior e 1 de engenheria.

Reformado algum d'elles, entra na primeira vaga, 1 de de cavallaria, e continúa assim o mesmo exclusivismo para a arma de infanteria, que não se póde manter.

Ponho termo nas minhas ligeiras considerações, chamando a attenção do sr. ministro da guerra para estes dois factos que apontei, e sobre os quaes s. exa. fará justiça como entender.

S. exa. póde considerar-me sobrio nas minhas considerações, porque de certo podia chamar a sua attenção para outros assumptos, mas estes dois são de alta importancia, e não podia deixar de os tratar, ainda que merecessem ser tratados isoladamente como foram tratadas as questões de artilheria de montanha.

Tenho dito.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da guerra (Francisco Maria da Cunha): - Sr. presidente, começo por agradecer ao illustre deputado, o sr. Dantas Baracho, o conceito que fórma do meu caracter. Seriam para mim motivo de orgulho as palavras do meu nobre amigo, se as não attribuisse á generosidade do seu coração e á affeição que me dedica.

O sr. Dantas Baracho: - Não senhor, é justiça.

Orador: - Estou perfeitamente de accordo com v. exa., com respeito ás considerações a respeito dos majores de cavallaria, mas v. exa. comprehende que, estando eu compremettido a apresentar uma reforma do exercito, seria um pouco extemporaneo que, sem fixar de uma maneira determinada todas as unidades dos quadros das differentes armas, fixasse o quadro da arma de cavallaria.

Para provar a v. exa. quanto este assumpto merece a minha attenção, vou ler á camara o que dizia em 1884, criticando a organisação do exercito d'aquella epocha.

(Leu)

Estou perfeitamente de accordo com o que manifestei ha treze annos, e por isso prometto a v. exa. tomar na devida consideração as suas observações, procurando corresponder aos seus desejos.

Pelo que respeita aos generaes, direi que, com effeito, a arma de infanteria está em grande atrazo na promoção, e na reforma que tenciono propor, hei de procurar achar uma compensação para esse atrazo.

Creio ter satisfeito com estas explicações o illustre deputado.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

sr. Dantas Baracho: - Sr. presidente, é simplesmente para agradecer ao illustre ministro da guerra a amabilidade com que correspondeu ao meu convite.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto n.° 46.

Leu-se na mesa, e é o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 46

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposta de lei n.º 2, do sr. ministro da fazenda, auctorisando o governo, de accordo com o banco de Portugal, a reformar, com reducção de encargos para o thesouro, os contratos de 10 de dezembro de 1887, 3 de agosto de 1889,

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816 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

4 de dezembro de 1891, 14 de janeiro de 1893 e 9 de fevereiro de 1895 comtanto que não seja augmentada a duração do privilegio de emissão concedido ao banco, que o limite da circulação fiduciaria não exceda cinco vezes o seu capital effectivo, que se consolidem as garantias e as seguranças d'essa circulação, e se facilitem as concessões de credito e de serviços ao commercio, á industria, á agricultura e ao thesouro publico, ficando o governo obrigado a dar conta ás côrtes de uso que fizer d'esta auctorisação.

Para se tornarem evidentes as rasões que determinam a proposta e a sua conveniencia e urgencia, é preciso, mas basta, ler os contratos a que a proposta se refere, e ver nos balancetes do banco o estado do desconto de letras do commercio, e do debito do thesouro ao banco e o da circulação fiduciaria; para facilitar o estudo, permittireis portanto, que aqui se faça a exposição resumida d'aquelles contratos e do estado das diversas operações do banco; isso justificará a proposta e a modificação n'ella introduzida pela vossa commissão.

É sabido que a lei de 29 de julho de 1887 auctorisou o governo a celebrar com o banco de Portugal um contrato, pelo qual a duração do banco seria de quarenta annos, contando-se o primeiro anno social desde 1 de janeiro de 1888, praso que poderia ser prorogado por lei especial; o capital de 13:500 contos de réis, podendo o banco ser obrigado a augmental-o logo que a circulação de notas tivesse attingido 25:000 contos; havendo dois fundos de reserva, um permanente, até o limite de 20 por cento do capital effectivo, formado com uma contribuição annual não inferior a 5 por cento dos lucros liquidos, e com os lucros na emissão das acções, outros variavel, até o limite de 10 por cento do capital effectivo formado com uma contribuição annual não inferior a 7 por cento dos lucros destinados a amortisar quaesquer prejuizos da massa geral dos valores do banco, e a completar, sendo necessario, um dividendo annual de 6 por cento ao accionistas.

O banco teria durante quarenta annos, no continente do reino e ilhas adjacentes, a faculdade exclusiva de emittir notas com curso legal, pagaveis á vista e ao portador e representativas de moeda de oiro, praso que ficaria reduzido a trinta, se o governo rescindisse o contrato pelo qual o banco era obrigado a pagar os vencimentos das classes inactivas existentes no dia 1 de julho de 1887, comprehendendo-se n'estes vencimentos, tanto os que eram satisfeitos por titulos de renda vitalicia, como por meio de folhas ou recibos individuaes, quer de reformados, quer de aposentados, quer de jubilados ou de veteranos, referindo-se estes vencimentos de inactividade, tanto á classe civil, como á militar, de terra ou de mar, contribuindo o estado para o pagamento d'estes vencimentos com a quantia annual certa de 800 contos de réis, alem dos juros e amortisação da operação; as pensões de aposentação posteriores a 30 de junho de 1887 não entravam no contrato e seriam pagas por conta do thesouro. Esta divida venceria um juro annual regulado pelo preço da divida externa em Londres e a amortisação de 1 por cento ao anno de que fosse devido.

O banco seria o banqueiro do estado e a caixa geral do thesouro na metropole; e teria uma conta corrente com o governo, podendo o debito d'este elevar-se até á quantia de 2:000 contos de réis; as condições d'esta conta ficavam dependentes de accordo entre o governo e o banco. Quando o banco fosse credor, o estado abonar-lhe-ía o juro de 4 por cento ao anno; quando o banco fosse devedor, pagaria ao estado o juro de 3 por cento.

O curso legal das notas só se tornaria effectivo nas localidades onde o banco tivesse agencias e n'um raio de 5 kilometros. A importancia total das notas em circulação devia estar sempre representada por valores de realisação facil n'um praso não superior a tres mezes e pela reserva metallica; esta, em moedas ou barras de oiro, seria igual a um terço da importancia total das notas em circulação e de outras quaesquer responsabilidades exigiveis á vista; só excepcionalmente poderia descer do limite designado, quando, em vista de exposição motivada do conselho geral do banco, o governo, por decisão tomada em conselho de ministros, assim o auctorisasse. A faculdade de emissão de notas seria limitada ao duplo do capital effectivo do banco; a circulação de notas excedente a este limite seria representada por uma reserva igual em moedas ou barras de oiro nas caixas do banco. Competia ao conselho geral do banco fixar a taxa de juro das operações, mas os lucros das operações de desconto, de emprestimo pela differença de juro entre 5 por cento e a taxa estabelecida pelo conselho geral do banco seriam divididos por igual entre o banco e o estado, quando essa taxa não excedesse 6 por cento, e pertenceriam integralmente ao estado pelo excesso alem de 6 por cento, sendo a importancia d'estes lucros lançada mensalmente na conta corrente; exceptuando-se, porém, os lucros provenientes das taxas que acima do juro vigente em Lisboa e Porto fosse necessario estabelecer nas outras filiaes e agencias do banco, não podendo, porem, esta sobre taxa exceder 2 por cento. Deduzidos dos lucros liquidos totaes annuaes do banco as contribuições dos fundos de reserva e um dividendo annual de 7 por cento aos accionistas, metade do saldo restante de lucro pertenceria ao estado.

Estas disposições foram acceitas pelo banco por contrato de 10 de dezembro do mesmo anno.

Ha, como se sabe, a respeito da emissão e da reserva dos bancos dois systemas muito distinctos em economia politica, um que os inglezes designam pelo nome currency principle e outro que denominam banking principle, systemas que em portuguez podemos distinguir, chamando ao primeiro - systema de restricção legal, e ao segundo - systema commercial bancario. No primeiro systema calcula-se a moeda que é necessaria para a circulação de um paiz, e permitte-se a emissão até esta mesma somma sem reserva alguma. D'esta somma por diante permitte-se a emissão, mas representando-a nas caixas do banco por igual valor em dinheiro. No segundo systema deixa-se elevar a emissão segundo as necessidades do commercio, proporcionando-lhe uma determinada reserva, e esta reserva mantem-se quando tende a diminuir, por meio de elevação do juro e da restrição do desconto. Na organisação do banco de Portugal em 1887, fundiram-se os dois systemas, e com rasão se dissera na camara que, só se fossem investigar as organisações bancarias do mundo não se encontraria nenhuma tão rigorosa; houvera apenas uma analoga, a antiga legislação bancaria da Hollanda, que acabara em 1864; mas não ha organisação cautelosa que prevaleça contra o perigo das crises, quando a situação economica e financeira do paiz a que o banco pertence se toma má e as circumstancias externas se invertem, tornando-se desfavoraveis.

No proprio contrato da sua organisação em banco emissor o banco abre ao governo uma conta corrente até 2:000 contos e obriga-se ao pagamento dos vencimentos das classes inactivas existentes no dia 1 de julho de 1887, contribuindo o thesouro annualmente com a quantia de 800 contos de réis, alem dos juros e amortisação da operação, juro regulado pelo preço da divida externa em Londres e a amortisação de 1 por cento ao anno.

Não tardou muito que outro contrato, de 3 de agosto de 1889, não viesse modificar este estado de cousas. O banco obrigou-se, por esse contrato, a pagar a melhoria do vencimento desde 1 de julho de 1889 dos officiaes reformados de terra e mar, nos termos da carta de lei de 25 de junho de 1889, seguindo-se n'estes pagamentos as mes-

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mas regras e preceitos estabelecidos nas condições 20.ª e 23.ª do contrato de organisação do banco. A divida ao banco proveniente d'este contrato seria englobada na proveniente das classes inactivas.

Mas para o banco, para o governo, para o paiz ia começar uma vida completamente diversa da que tinham levado até ahi. Desde que em 1873, pela lei Bamberger, a Allemanha, aproveitando a opportunidade da indemnisação de guerra paga pela França, substituiu a sua moeda de prata pelo monometalismo de oiro, segurado-a n'este caminho parte da Russia, a Finlandia, em 1872, os Estados Unidos em 1873, os estados scandinavos em 1875 e em parte a Hollanda n'este mesmo anno, o que obrigou, os paizes da união monetaria latina a suspenderem a amoedação da prata e a propria união a não se renovar no seu termo, o 1.° de janeiro de 1891, a prata foi constantemente descendo de valor e estabeleceu-se entre as nações uma verdadeira lucta pelo oiro; ora, é uma lei economica que são os paizes mais poderosos em industria os que mais o attrahem, produza-se elle onde se produzir, o que bem demonstra o que succedia com a Hespanha relativamente ao producto das minas da America, que rapidamente se escoava para a França, o que fez dizer que a Hespanha era como a bôca por onde todos os alimentos passavam e nenhum retinha, e o que tambem succedia com Portugal relativamente aos lucros do commercio da Asia. As nações de pouca actividade productora deveram, pois, ficar sem oiro ou alcançal-o com grandes difficuldades; diversas circumstancias fizeram que entre nós, de 1890 por diante, essa causa geral, de elevação do valor do oiro se aggravasse.

A revolução brazileira de 15 de novembro de 1889, que por diversas causas originou intensas depressões cambiaes monetaria d'aquelle paiz com a Europa, trouxe a Portugal uma importantissima diminuição de letras de cambio de que as praças de Lisboa e Porto se serviam para pagamentos em Londres e n'outros paizes. Logo a seguir a denominada questão ingleza occasionou-nos largos dispendios, e, peor do que isso, produziu na mentalidade nacional, pouco affeita a relacionar cada facto social com todas as causas e circumstancias a que se prende, um abalo profundo, de que ainda se não convalesceu. Um relatorio de fazenda demasiadamente franco e sombrio tornou impossiveis ou muito difficeis emprestimos e supprimentos ao thesouro, e a revolta do Porto, de 31 de janeiro de 1891, augmentou o retrahimento de capitães e de credito, proveniente de todas estas causas conjunctas. Infelizmente augmentava quasi pelo mesmo tempo a necessidade de importação de cereaes, e diminuia a nossa exportação de vinhos.

Emquanto do Brazil vieram cambiaes e da França e da Allemanha emprestimos, e que a exportação de vinho era elevada, chegando em 1886 a cerca de 17:000 contos de réis, a corrente de oiro, que ia para os Estados Unidos para pagamento de trigo e para diversas nações da Europa para pagamento de juros de emprestimos e de obrigações de diversas companhias, pôde ser contrabalançada e mais ou menos compensada por aquellas correntes em sentido contrario, e o paiz e o banco manterem-se n'uma situação normal de relativo desafogo; quando, porem as cambiaes do Brazil e os emprestimos da Europa cessaram, e ao mesmo tempo a nossa exportação decresceu, seguiu-se fatalmente uma larga drenagem de oiro para fóra do paiz, drenagem que não póde deixar de affectar fundamentalmente o estado do thesouro e do banco.

Com effeito, de 1851 até 1890, inclusive; a importação do oiro é annualmente quasi sempre muito superior á exportação, como se póde ver do quadro LIV do relatorio do sr. ministro da fazenda; desde 1891 a relação inverte-se completamente, de modo que n'este anno importámos 3:719 contos de réis e exportámos 29:706: em 1892, importámos 1:473, exportámos 9:002; em 1893 importámos 935, exportámos 5:775; em 1895 importámos 906, exportámos 2:098; em 1896 importámos 15, exportámos 3:207 contos de réis. Ao mesmo tempo o desequilibrio entre a importação para consumo e a exportação nacional elevava-se em 1888 a 14:639 contos de réis, em 1889 a 18:416 contos de réis, em 1890 a 22:887 contos de réis; a taxa do cambio do Brazil sobre Londres, começando em janeiro de 1891 em 20 3/4, estava em maio em 17 1/8 e 16 e em dezembro em 12 1/1 e 12 5/8; a reserva de oiro do banco de Portugal, que no 1.° de janeiro de 1891 era de 2:608 contos de réis, em 6 de maio tinha descido a 1:364 contos de réis, e os balancetes hebedomadarios do banco mostravam claramente que o oiro, apenas chegado a Portugal, ou seguia para Londres ou se enthesourava. N'estas circumstancias impossivel foi ao banco continuar a fazer importações de oiro para conservar a reserva legal, como fizera em alguns annos antecedentes, e, impossibilitados o governo e o banco de recorrerem a emprestimos, a sua vida d'aqui por diante foi ampararem-se mutuamente.

Por decreto de 7 de maio de 1891 foi auctorisada a cunhagem e emissão de 2:000 contos de réis de moeda de prata; o banco de Portugal poderia durante o praso de tres mezes trocar as suas notas representativas de moeda de oiro por moeda de prata, e por metade prata e metade oiro, logo que pelo governo e pelo banco fosse reconhecida a opportunidade de assim proceder; o banco elevaria a 4:000 contos de réis o credito concedido ao thesouro em conta corrente; as notas em circulação não excederiam o triplo das existencias metallicas do banco; o governo poria á disposição d'este, em oiro, dentro de tres mezes a importancia do que n'essa data lhe fosse devedor em conta corrente por obrigações vencidas, e o banco regularia as suas operações de modo que, findo o mesmo praso, voltassem a estar em vigor as disposições das cartas de lei de 29 de julho de 1854 e 29 de julho de 1857.

O decreto de 10 de maio do mesmo anno concedia uma moratoria de sessenta dias para o vencimento e pagamento de letras, notas promissorias, depositos, titulos commerciaes e fiduciarios entre particulares, bancos, companhias ou sociedades. A circulação fiduciaria do banco, que no dia 6, vespera da publicação do primeiro decreto, não excedia 8:140 contos de réis, a 22 do mesmo mez era de 12:908 contos de réis. Em resposta á representação do banco, de 10 de junho, em que este declarava que, se o governo não podesse fazer os reembolsos promettidos no decreto de 7 de maio, elle, banco, cuja circulação fiduciaria se tinha elevado a 15:244 contos de réis, ver-se-ia inteiramente impossibilitado de satisfazer aos portadores de notas, quer em oiro, quer em prata, a portaria de 21 de junho mandava-lhe declarar que o governo tinha em mente manter a inconvertibilidade das notas, até que se podesse concordar na reorganisação do banco. Por contrato de 8 de julho de 1891 com os bancos do norte, o banco de Portugal abre-lhes um credito de 2:000 contos de réis, e, em compensação d'este credito, que não vence juro, os bancos obrigam-se a não fazer mais emissão alguma de notas. Por decreto de 9 de julho a circulação inconvertivel das notas do banco de Portugal continua até que se pozesse em vigor o novo systema monetario, não podendo em caso algum a respectiva emissão exceder o duplo do capital effectivo do banco e ficando ainda dependente da auctorisação do governo qualquer augmento alem do quantitativo em circulação na data do mesmo decreto; para facilitar os trocos era o banco auctorisado a emittir notas do valor de 1$000 reis e 500 réis até á quantia de 2:000 contos de réis; o banco poderia, á medida que se fossem completando as suas reservas metallicas, annunciar a convertibilidade das notas pela fórma que, de accordo com o governo, se achasse mais conveniente.

A possibilidade de conversão das notas estava porém longe, e depois de, por diversas portarias, se pretender

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limitar a emissão das notas abaixo da limitação marcada na lei organica, o decreto de 17 de outubro de 1891, considerado que era absoluta e inadiavel necessidade prover o banco de Portugal com os meios necessarios para facilitar descontos ao commercio e á industria, sem prejuizo das suas funcções como caixa geral do thesouro, auctorisa o banco a elevar a sua circulação fiduciaria até á importancia de 31:500 contos de réis, emquanto se não decretasse a reorganisação do mesmo banco nos termos da carta de lei de 30 de junho de 1891; o governo garantiria o excesso do seu debito ao banco de Portugal em conta corrente com uma delegação representativa da quantia de 9:000 contos de réis, que estava auctorisado a levantar nos termos do artigo 3.° do contrato de 26 de fevereiro de 1891 e lei do 23 de março do mesmo anno; quando a companhia dos tabacos de Portugal quizesse usando do seu direito, tomar, de accordo com o governo, as obrigações destinadas a realisar os 9:000 contos de réis, o respectivo producto seria entregue ao banco de Portugal para credito do thesouro.

A carta de lei de 30 de junho de 1891, que auctorisára o governo a proceder á cobrança dos impostos, continha no seu & 35.° uma larga serie de auctorisações, tres das quaes, as dos n.º 2.°, 3.º e 4.°, se referiam a contratos com o banco de Portugal, á circulação metallica, a operações de bancos, e eram as seguintes:

2.° A reformar de accordo com o banco de Portugal e sem embargo da sua lei organica, os contratos de 10 de dezembro de 1887 e de 3 de agosto de 1889, por fórma que se desenvolva e facilite a circulação fiduciaria e se amplie a concessão de creditos ao commercio e á industria:

3.° A modificar a circulação metallica, adoptando quando convenha, alem do oiro a prata como padrão legal, por fórma que sejam de mais facil defeza as reservas metallicas do paiz, e se regularise o curso dos cambios;

4.° A estabelecer as disposições sufficientes para robustecer o credito dos bancos e de quaisquer estabelecimentos, que façam operações bancarias no caso do receberem depositos á vista; e bem assim a decretar as providencias neccesarias para facilitar a negociação e cobrança dos creditos resultantes da venda de productos da industria nacional.

O governo usou da auctorisação, decretando a 3 de dezembro do mesmo anno as bases para a reforma da lei organica do banco de accordo com a sua administração, com a clausula, porém, de que esse contrato conservaria a natureza de provisorio até que fosse approvado pela assembléa geral do banco. Nas bases determinava-se que quando a circulação das notas attingisse 38:000 contos de réis, o banco poderia ser obrigado, por decreto do governo, a augmentar o seu capital social com mais 1:000 contos de réis, e assim successivamente na rasão de 1:000 contos de réis por cada 4:000 que augmentasse a circulação. O premio das acções seria levado a fundo de reserva e esta seria igual a um terço da importancia total das notas em circulação e dos depositos exigiveis á vista: excepcionalmente, e com auctorisação do governo, poderia a reserva metallica descer até um quinto, não podendo todavia em caso algum ser inferior a 3:000 contos de réis, ainda que a importancia da circulação e dos depositos exigiveis á vista fosse inferior a 15:000 contos de réis. O governo fixaria o praso dentro do qual o banco deveria ter reconstituido as suas reservas metallicas na occasião de o governo decretar o novo systema monetario para que estava auctorisado; as notas ficavam tendo curso legal em todo o paiz; em caso extraordinario de crise ou de panico, que determinassem corridas para troca de notas, a administração do banco poderia submetter a restricções a convertabilidade das notas, toda a vez que assim fosse indespensavel para manter os limites minimos da reserva metallica, carecendo sempre esta providencia extraordinaria de previa auctorisação do governo.

A operação sobre pagamento às classes inactivas, contrato de 10 de dezembro de 1887 e contrato de 3 de agosto de 1889, terminaria em 30 de junho de 1892, amortisando-se o que o thesouro devesse por esse contrato no praso de trinta e cinco annos, ou antes, se o governo quizesse; o limite maximo de debito do governo, pela conta corrente a que se refere a clausula 25.º do contrato de 10 de dezembro de 1887, seria fixado para cada anno economico por accordo, bem como os taxas de juro, e na falta de accordo, esse limite seria o de dois nonos da circulação fiduciario, existente á data do decreto, regulada a taxa do juro pelo juro medio da divida fluctuante por essa occasião.

O serviço do banco, como banqueiro do estado e caixa geral do thesouro, seria remodelado. Desde 1 de janeiro de 1893 cessava a participação do estado nos lucros resultantes do augmento da taxa do desconto, que não poderia ser elevada sem auctorisação do governo. O limite minimo da contribuição annual, destinada a formação do fundo de reserva variavel, é fixado em 5 por cento dos lucros liquidos, sendo o rendimento do fundo de reserva permanente levado á conta de ganhos e perdas; elevado a 15 por cento o limite das operações caucionadas a que se referia a clausula 27.º n.° 4.°, do mencionado contrato de 10 de dezembro de 1887, e substituida por 9 por cento do valor cotado nas bolsas nacionaes, a percentagem estabelecida no n.º 2.º da letra f) da citada clausula 27.º, addicionando ao n.° 2.° da clausula 26.º o seguinte: titulos da divida publica estrangeira de reconhecido credito.

O cargo de governador tornava-se amovivel, não podendo ser exercido por mais de tres annos, sem reconducção expressa, e as assembléas geraes compor-se-iam de todos os accionistas possuidores de 150 ou mais acções, integralmente pagas.

O limite maximo do debito do governo, n'aquelle anno economico, era fixado em 6:000 contos de réis, sendo o juro de 5 ou 4 por cento, conforme o banco fosse credor ou devedor, sendo a caução respectivamente constituida em titulo de divida publica pelo seu valor no mercado, e substituidas tambem por esta fórma as responsabilidades do governo para com o banco, como dador de aval. Todas estas condições foram reduzidas a contrato, datado do dia seguinte. N'esse mesmo dia o banco, por contrato especial, emprestou ao governo 8:000 contos de réis. Fechou-se este anno com a circulação fiduciaria, inconvertivel desde o decreto de 9 de julho d'este mesmo anno, elevada a réis 34.760:637$750.

A 4 de dezembro reduz-se tudo isto a contrato e o governo reconhece-se devedor ao banco da quantia de 7:000 contos, proveniente do excesso do seu debito em conta corrente, além dos limites auctorisados pelo contrato de 10 de dezembro de 1887 e pelo decreto de 7 de maio de 1891.

Não pôde o governo remodelar o systema monetario portuguez, o que tentava fazer provavelmente adoptando como moeda padrão tambem a prata, o que as circumstancias impunham, entre outras causas, porque esse ministerio caiu no mez de janeiro de 1892.

Para viver, o novo ministerio decretou a reducção dos juros da divida publica, recorreu principalmente ao banco, cujos serviços reconheceu, dispondo na portaria de 4 de abril de 1892 que, visto não se haverem ainda realisado as operações com que elle tinha de solver o seu debito e as que haviam de permittir a convertibilidade das notas, auctorisava a elevação da cifra da circulação até á importancia de 54:000 contos de réis, auctorisação que foi reduzida a decreto datado do dia seguinte.

O governo, logo que cessassem as circumstancias ex-

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traordinarias da crise economica, fixaria, de accordo com o banco, o praso dentro do qual a circulação fiduciaria deveria ser reduzida ás proporções normaes do dito contrato.

«A ampliação provisoria da circulação até 54:000 contos de réis, diz o relatorio do banco relativa á gerencia de 1892, era fundada em rasões de exclusivo interesse publico. A administração assim o entendeu, e póde dizer-se que todo o subsequente augmento, que á circulação foi apresentado, teve applicação exclusiva ás necessidades do thesouro publico.»

De facto, a circulação montava a 40:162 contos de réis, ao tempo do decreto, quando o debito do governo era de 23:299 contos de réis; e, em 31 de dezembro, aquella e este estavam respectivamente em 50:217 e 34:096 contos de réis, ou mais 10:797 contos de réis de debito por 10:055 contos de augmento na circulação.

Em 14 de janeiro de 1893 fazia o governo com o banco outro contrato, cujo artigo 1.° determinava que o juro de 5 por cento, fixado por decreto de 7 de julho de 1892, para os saldos a debito do thesouro, pela sua conta corrente, durante o anno economico de 1892-1893, ficava reduzido a 2 por cento, a contar do 1.º de janeiro de 1893, e igualmente fixado n'essa taxa o juro dos saldos a credito do thesouro; o debito do thesouro ao banco, por desconto de bilhetes do mesmo thesouro, debito na importancia de 8:000 contos de réis, era convertido em contrato de emprestimos sobre penhor, vencendo o juro de 3 por cento, amortisavel dentro do praso de dez annos, por meio de prestações semestraes de 400 contos de réis cada uma, servindo de penhor titulos da divida publica no valor total nominal de 28:220 contos de réis obrigando-se o governo a contribuir para o reforço das reservas metallicas do banco na proporção dos seus debitos pela actual conta corrente e pelo emprestimo já mencionado dos 8:000 contos de réis, sendo todo o pagamento que assim viesse a ser feito levado em conta do emprestimo de 7:000 contos de réis por contrato de 4 de dezembro de 1891. As amortisações que o banco de Portugal deveria receber durante as gerencias de 1892-1893 e 1893-1894, em conta d'esse emprestimo de 7:000 contos de réis, garantido pelas, obrigações dos tabacos, a que só referia o contrato de 4 de dezembro de 1891, seriam pagas nos termos do mesmo contrato, mas a contar de 1 de julho de 1894. N'um artigo addicional dispunha-se que, se nova providencia legislativa viesse auctorisar maior elevação da circulação fiduciaria do que a que fôra provisoriamente permittida pelo decreto de 5 de abril de 1892, o banco de Portugal abriria ao governo um credito em conta corrente especial até dois terços da importancia que fosse auctorisada, com vencimento de juro na rasão de 1 por cento ao anno, vigorando as condições d'essa conta corrente durante o anno economico de 1893-1894.

A 16 de janeiro apresentava o sr. Dias Ferreira as camaras o seu relatorio e propostas de fazenda; e no relatorio, a pag. 14 e 15, escrevia o seguinte:

«Para alliviar o orçamento de encargos recorri aos expedientes, de que passo a dar-vos conta.

«Em primeiro logar consegui da boa vontade e leal cooperação do banco de Portugal a redacção do respectivo encargo na conta corrente e no credito por desconto dos bilhetes do thesouro.

«Assim, o juro da conta corrente, na somma de 12:000 contos de réis, que tinha sido fixado em 5 por cento para o corrente anno economico, por decreto de 7 de julho ultimo, teve desde já a reducção a 2 por cento, que ha de vigorar até ao fim do anno economico de 1893-1894.

A divida por desconto de bilhetes na importancia de 8:000 contos de réis, que custou durante quasi todo o anno 8 por cento, e que era vencivel a curto praso, foi convertida em emprestimo sobre penhor, amortisavel em dez annos, a contar de 1894-1895 inclusive, com o juro fixo de 3 por cento.

«Representam estas duas reducções uma economia annual de cerca de 700 contos de réis.

«Tambem o monte pio geral, que tinha um credito na divida fluctuante na somma de 1:800 contos de réis, a juro de 8 por cento, annuiu da melhor vontade a reduzir o juro a 4 por cento, e outros credores prestaram o mesmo serviço ao paiz.

«É grato registar estes factos, porque demonstram a saciedade o empenho de todos em levantar o paiz da situação difficil em que se encontra.

«Finalmente, para realisar por completo o meu plano financeiro, quanto ao equilibrio orçamental, ajustei com o banco de Portugal um emprestimo em conta corrente especial, para occorrer aos encargos do estado até 30 de junho de 1894, verdadeiramente gratuito, porque o 1 por cento ajustado representa apenas os encargos inherentes á emissão.

«Esta operação, que em caso nenhum representará uma redacção de despeza inferior a 600 contos de réis, deixa desafogada a situação por um periodo largo, para dar tempo a que se reanimem as forças vivas do paiz, não se saindo das regras austeras da mais severa economia; e tem ainda a vantagem de habilitar o governo a poder dedicar-se attentamente á remodelação do serviço dos impostos e da sua melhor fiscalisação, de que mal póde occupar-se, quando tem de se preoccupar com o modo de occorrer, dia a dia, aos encargos do estado.

«Por esta fórma, sem encargos de juros, o que tolheria por largo tempo a restauração das finanças do thesouro, fica o governo habilitado com uma somma sufficiente para pagar a divida fluctuante, para occorrer a quaesquer eventualidades que porventura possam surgir e para deixar completamente ao abrigo de contratempos a administração do thesouro.

«No accordo não se designou a cifra do augmento, por depender da auctorisação legislativa, e da approvação da respectiva assembléa geral do banco. Na minha proposta, porém, peço auctorisação para um credito de 12:000 contos de réis, ao qual tem de corresponder um augmento de 18:000 contos de réis na circulação fiduciario, levados em conta a obrigação e o encargo da respectiva reserva metallica.

«Para reduzir ainda mais os encargos do orçamento no futuro anno economico, prevendo que as medidas de augmento de receita que proponho não tenham ainda produzido todos os seus resultados, e não possam ter ainda readquirido toda a sua animação as forças vivas do paiz, consegui da boa vontade do banco de Portugal e da companhia dos tabacos, a suspensão do amortisações na quantia de corôa de 1:200 contos de réis.»

Em harmonia com estas idéas e factos, na proposta de lei dizia:

«Artigo 12.º É approvado, na parte que depende da sancção legislativa, o contrato de 14 de janeiro de 1893, celebrado entre o governo e o banco de Portugal.

§ 1.° É auctorisado o governo a permittir que a circulação fiduciaria do mesmo banco seja elevada a 72:000 contos de réis, devendo estabelecer as condições pelas quaes essa circulação deve voltar ao maximo fixado nos estatutos do referido banco, nos termos do decreto de 5 de abril de 1892.

§ 2.° A amortisação das dividas do thesouro ao banco é estabelecida nos termos seguintes:

800 contos de réis annuaes certos a datar de 1 de julho de 1894;

As sobras que das verbas para differenças de cambios fixadas nas tabellas de despeza do exercicio de 1893-1894, consideradas como minimas, restarem disponiveis em cada exercicio, mas só até ao limite de 800 contos de réis.

Art. 13.° É renovado a auctorisação concedida ao governo pelo n.° 3 do § 36.º do artigo 1.° da carta de lei de 30 de junho de 1891, quanto á circulação metallica.»

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Caiu porém, em fins de fevereiro de 1893 o governo do sr. Dias Ferreira e nem se contrahiu o emprestimo, nem se permittiu a elevação correspondente da circulação fiduciaria aos projectados 72:000 contos de réis; o sr. Fuschini dizia que o governo sujeitava á approvação parlamentar o contrato de 14 de janeiro com o banco, nas clausulas que d'essa approvação dependiam. O artigo 62 da lei da receita e despeza d'esse mesmo anno, de 30 de junho, approvou com effeito na parte em que dependia de sancção legislativa, o contrato celebrado aos 14 de janeiro entre o governo e o banco, e o $ unico do artigo auctorisava o governo a permittir que a circulação fiduciaria do mesmo banco fosse elevada a 63:000 contos, devendo estabelecer as condições pelas quaes essa circulação devia voltar no maximo fixado nos estatutos do banco, nos termos do decreto de 5 de abril de 1892.

No anno de 1894, por decreto de 5 de julho, foi approvada a proposta do banco ao governo para manter durante o anno economico de 1894-1895 o credito aberto ao thesouro pela quantia de 12:000 contos de réis, em conta corrente com o juro reciproco de 2 por cento ao anno nos termos do contrato de 14 de janeiro de 1893, podendo tambem elevar-se a 6:000 contos o credito pela conta corrente supplementar, com o juro reciproco de 1 por cento ao anno, para ser usado nos termos do artigo addicional ao referido contrato e adiar-se para 1895-1890 o começo das amortisações a que se referem os artigos 3.º e 5º do mesmo contrato.

Finalmente, por decreto de 12 de fevereiro de 1895 foi approvado o contrato de 9 de fevereiro, celebrado entre o governo e o banco, contrato em que pelo artigo 1.°, a partir de 1 de janeiro e sem prejuizo do estipulado no artigo 5º d'este contrato, o credito do governo em conta corrente com o banco seria de 21:000 contos de réis, sem vencimento algum de juro.

Pelo artigo 2.°, o governo podia adiar até 30 de junho e 1 de outubro de 1897, respectivamente, as amortisações dos emprestimos de 8:000 e 7:000 contos de réis, estipuladas nos contratos de 14 de janeiro de 1893 e de 4 de dezembro de 1891, guardando-se quanto a este ultimo o determinado no artigo 5º d'este contrato.

Pelo artigo 3º é substituida por titulos de divida publica interna de 3 por cento a caução que pelas clausulas 2.º e seguintes do contrato especial de 4 de dezembro de 1891 fôra consignada ao emprestimo já referido de 7:000, contos de réis.

A nova caução seria constituida na importancia de 9:000 contos de réis pela cotação d'aquelles titulos á data do contrato, podendo o governo exigir a sua reducção ou o banco o seu reforço, de seis em seis mezes, consoante as cotações variassem para mais ou para menos, de modo que se mantivesse a proporção assim estabelecida.

Por accordo entre o governo e o banco, em cumprimento e para os effeitos do artigo 4.º do contrato de 14 de janeiro de 1893, poderiam os titulos de canção ser vendidos ou substituidos por outros de mais immediata realização em oiro, até á importancia annual que se fixasse, a fim de, com o seu producto ou substituição, se poderem reforçar as reservas metallicas do banco e assim preparar mais rapidamente a convertibilidade das notas, amortisando-se correspondentemente o debito do governo pelo mesmo emprestimo. Até á importancia annual de 150 contos de réis effectivos e nos termos aqui especificados, ficava o banco, desde logo, auctorisado á proceder á venda ou substituição d'estes titulos.

A annuidade que no contrato especial de 4 de dezembro de 1891 se fixára para juro e amortisação do emprestimo de 7:000 contos do réis, seria satisfeita pelo governo nas suas prestações semestraes, a partir de 1 de outubro de 1897, ficando o governo, até então, obrigado tão sómente ao pagamento do juro, como determinava o artigo 2.° d'este mesmo contrato, cessando assim o que na clausula 6.º d'aquelle contrato especial se estipulára, quanto a ser o pagamento da annuidade ao banco feito pela companhia dos tabacos a conta do governo.

Pelo artigo 4.°, para os effeitos dos n.º 1.º o 2.° do artigo 25.° dos seus estatutos, approvados por decreto de 13 de abril de 1892, o banco não poderia levar, em cada anno, aos dois fundos de reserva, permanente e variavel, mais do 20 por cento, salvo em circunstancias extraordinarias, mediante previa auctorisação do governo.

A disposição d'este artigo applicar-se-ía já á distribuição que o banco tinha proximamente de fazer dos lucros apurados no anno de 1894.

Dos 20 por cento para fundo de reserva, que o banco devia separar dos lucros que se apurassem no anno de 1900 e nos seguintes, a quarta parte (5 por cento) seria especialmente applicada á amortisação do prejuizo que o banco tivesse na liquidação dos adiantamentos, que, sobre a responsabilidade do governo, foram feitos em 1891 no banco lusitano e ao banco do povo, doado-se como liquidados os demais adiantamentos que, com aval do governo, foram feitos n'essa epocha.

De toda e qualquer responsabilidade, por juros vencidos e vincendos, d'aquelles adiantamentos, ficaria o governo desde logo relevado.

Liquidados que fossem os referidos adiantamentos não poderia o banco, de então por diante, levar aos fundos de reserva mais de 15 por cento em cada anno.

Estas disposições não prejudicariam o direito do banco á livre applicação da parte que lhe coubesse da divisão dos lucros com o governo.

Pelo artigo 5.°, nos termos do artigo 62.° § unico da carta da lei de 30 de junho de 1893, permitte-se ao banco de Portugal usar temporariamente da faculdade ali concedida quanto ao limite da circulação fiduciaria.

A importancia das notas em circulação deveria em todo o caso descer ao maximo de 54:000 contos de réis, provisoriamente determinado no decreto de 5 de abril de 1892, desde que o credito em conta corrente entre o governo e o banco se reduzisse ao maximo de 12:000 contos de réis.

Em harmonia com o mesmo decreto de 5 de abril de 1892, deveria a circulação fiduciaria baixar ao limite normal, fixado na clausula l.º do decreto de 3 de dezembro de 1891, e do contrato de 4 do mesmo mez e anno, e no artigo 16.° dos estatutos do banco, desde que se achassem satisfeitos os emprestimos de 7:000 contos de réis, constante do contrato especial de 4 de dezembro de 1891 e de 8:000 contos de réis, estipulado no contrato de 14 de janeiro de 1893, devendo então voltar-se ao regimen da convertibilidade das notas, por accordo entre o governo e o banco, como fôra preceituado no decreto de 9 de julho de 1891.

Pelo artigo 6.° este contrato ficava dependente, por parte do banco, da approvação da assembléa geral, que o approvou.

Se agora se procura a evolução, em virtude d'estes contratos, dos debitos do thesouro ao banco, da sua circulação fiduciaria e a da reserva, e a proporção d'esta com essa circulação, encontra-se o seguinte, (em contos de réis) que mais desenvolvidamente se póde ver no quadro XXIX do relatorio do sr. ministro da fazenda.

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SESSÃO N.º 47 DE 26 DE AGOSTO DE 1897 821

[ ver tabela na imagem ]

O banco está pois prestes a attingir o limite de circulação que lhe foi permittida, 63:000 contos, e ou o estado, cumprindo immediatamente as disposições dos §§ l.º e 2.° do artigo 5.º do contrato de 1 de fevereiro de 1895, desce a sua conta corrente a 12:000 contos, e satisfaz o emprestimo de 7:000 contos, constante do contrato especial de 4 de dezembro de 1891, e o de 8:000 contos do contrato de 14 de janeiro, condições estipulados para se voltar ao regimem da convertibilidade das notas, ou é necessario augmentar a circulação fiduciaria para que o banco possa continuar a prestar ao commercio e serviço que largamente lhe tem prestado do desconto das suas letras.

Ora, nem o abaixamento da conta corrente é possivel por emquanto, nem é possivel e conveniente o pagamento já dos dois emprestimos e a volta á convertibilidade, que, se fosse agora decretada e posta em pratica, pouco tempo poderia durar, porque a convertibilidade das notas de um banco, a manutenção do seu oiro em caixa quasi a par das notas que tem, condições que hoje alcançam e excedem algumas nações, dependo não só das condições do banco, mas tambem, e quasi que se póde dizer principalmente, das condições economicas e financeiras do paiz a que o banco pertence.

Ora, o principal cuidado do governo portuguez actualmente deve ser assegurar por algum tempo o pagamento do que tem de satisfazer n'outras nações, de modo que evite o premio do oiro, onde se somem mais de 3:000 contos de réis annuaes, fazer desenvolver no paiz aquelles generos de producção, que, sendo possiveis, como os cereaes, todavia nos levam annualmente quantiosas sommas, fazer desenvolver a exportação de outros, e quando, por estas fórmas se estiver ao abrigo de grandes depressões de cambio e das grandes elevações do premio do oiro, então a convertibilidade das notas estabelecer-se-ha facil e naturalmente e com estabilidade. Decretal-a de repente seria uma lucta impossivel contra os factos.

Se, porém, não é possivel decretal-a, é possivel il-a preparando e ir valorisando a nota por meio da descida gradual da conta corrente do thesouro e do gradual augmento das amortisações dos emprestimos, embora transitoriamente, e emquanto não se realisam outras operações, a conta corrente possa persistir no que está, ou mesmo augmentar, e pela concessão de um augmento de circulação fiduciaria o juro de alguns dos debitos do estado possa diminuir.

A proposta do governo queria que o limite da circulação fiduciaria não excedesse cinco vezes o capital effectivo do banco, o que daria como limite 67:500 contos de reis; o banco, porém, está já tão perto d'isto; o regimen de inconvertibilidade, que ainda terá uma duração que não se póde precisar, tende tanto a expandir a circulação, que a vossa commissão julgou melhor marcar o limite de 72:000 contos de réis, que já em 1892, quando a conta corrente do thesouro ainda não estava elevada a 21:000 contos de réis, e tendo-se apenas em vista uma elevação d'essa conta em mais 12:000 contos de réis, era proposta ás camaras pelo sr. Dias Ferreira.

Esta circulação não é, nem desproporcionada ao capital do banco, porque a circulação fiduciaria de alguns paizes attinge proporções de centenas de vezes o capital dos bancos respectivos, nem á nossa população; está, é verdade, n'uma proporção bastante elevada com as reservas do banco em oiro e mesmo em oiro e prata; mas tem atraz de si uma carteira commercial importante, e pelo que respeita ao que corresponde á divida do thesouro, tem atrás de si os recursos tributarios do paiz, menos pobre do que apparece no producto de alguns impostos e no desiquilibrio das finanças publicas; não tem por isso a vossa comissão duvida em conceder ao governo a auctorisação que pede, e de elevar a circulação a 72:000 contos de réis.

E mesmo urgente esta elevação; a praça do Porto, luctando com difficuldades, reclama do banco o augmento dos descontos, e o mesmo acontece no resto do paiz; o banco, para não exceder o limite legal da circulação fiduciaria, vê-se, pelo contrario, obrigado a restringir os descontos e a augmentar as amortisações.

Para conciliar as necessidades do credito ao commercio com as disposições legaes ácerca de circulação fiduciaria, torna se, pois, inadiavel que approveis o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo, de accordo com o banco de Portugal, a reformar, com reducção de encargos para o thesouro, os contratos de 10 de dezembro de 1887, 3 de agosto de 1889, 4 de dezembro de 1891, 14 de janeiro de 1893 e 9 de fevereiro de 1895, comtanto que não seja augmentada a duração do privilegio de omissão concedido ao banco, que o limite de circulação fiduciaria não passe de 72:000 contos réis, que se consolidem as garantias e a segurança d'essa circulação, e se facilitem as concessões do credito e de serviços ao commercio, á industria, á agricultura e ao thesouro publico.

unico. O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da comissão de fazenda, 14 de agosto de 1897. = Silveira Vianna = F. F. Dias Costa = Barbosa de Magalhães = José M. de Alpoim = Frederico Garcia Ramires = J. A. Correia de Barros = José Pinto Rodrigues dos Santos = Moreira Junior = José Frederico Laranjo, relator.

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N.º 13-F

Reorganisação do banco de Portugal

Artigo 1.º É auctorisado o governo, de accordo com o banco de Portugal, a reformar, com reducção de encargos para o thesouro, os contratos de 10 de dezembro de 1887, 3 de agosto de 1889, 4 de dezembro de 1891, 14 de janeiro de 1893 e 9 de fevereiro de 1895, comtanto que não seja augmentada a duração do privilegio de emmissão concedido ao banco, que o limite do circulado fiduciaria não exceda cinco vezes o seu capital effectivo, que se consolidem as garantias e as seguranças d'essa circulação, e se facilitem as concessões de credito e de serviços ao commercio, á industria, á agricultara e ao thesouro publico.

§ unico. O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 12 de julho de 1897. = Frederico Ressano Garcia.

O sr. Avellar Machado: - Começa por observar que, apesar do sr. relator ter feito, no seu relatorio, uma resenha chronologica de tudo quanto diz respeito ao banco donde a lei de 1887 até ao contrato de 1895, o projecto vem quasi completamente desacompanhado de documentos.

Estranha que, tendo dito o sr. ministro da fazenda, no seu relatorio, que era excessiva a circulação fiduciaria, viesse propor agora o seu augmento.

A seu ver, este augmento, que é de 9:000 contos de réis, póde cavar a ruina do thesouro do banco.

D'aquelles 9:000 contos de reis, 4:500 contos de réis são para o emprestimo das classes inactivas; mas os outros 4:500 para que são? Se são para operações de desconto e outras proprias do banco, fica este recebendo os juros sem dar compensação ao estado.

O banco já gosava as vantangens de ser o estabelecimento emissor e a caixa geral do estado, ás quaes se juntou depois a da inconvertibilidade da nota, e agora a d'este augmento da circulação fiduciaria. Porque é que o estado não ha de ter com este contrato que só vae fazer, uma nova partilha de lucros?

Entende que o governo devia ter seguido o exemplo dado pelo governo francez, o qual, quando se tratou da renovação dos privilegios do banco de França, obteve d'este estabelecimento largas vantagens.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Frederico Laranjo (relator): - Responde que não ha contradicção alguma entre o que o sr. ministro diz no relatorio de fazenda e o que se encontra no projecto, porque mantem a mesma idéa de que é necessario diminuir a circulação fiduciaria, e este projecto significa apenas a necessidade de occorrer ás circumstancias de momento.

Emquanto o governo não pagar a sua divida ao banco, que é já de 41:000 contos de réis, é claro que este não poderá, sem prejuizo das operações de desconto, continuar com o mesmo numero de notas de que hoje dispõe, pois, como é sabido, elle attingiu já quasi o limite da emissão.

O augmento da circulação fiduciaria que hoje se propõe é exactamente o mesmo que em 1892 propunha o sr. Dias Ferreira, com a differença de que então não era tão subida a conta do governo para com o banco.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Marianno de Carvalho: - Vota o projecto, ainda que contrariado, porque entende que, nas circumstancias em que nos encontrâmos, é indispensavel que elle seja approvado.

Como, porém, entende que das vantagens concedidas ao banco deve o governo tirar algum partido, manda para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que ao projecto em discussão se acrescente: = disposição da qual resulte que a conta correntes gratuita possa ser elevada, pelo menos, até 24:000 contos de réis, sempre em proporção de um terço de excesso da circulação de notas acima de 63:000 contos de réis.

No caso d'esta proposta não ser acceita, proponho que o juro do excesso da conta corrente sobre 21:000 contos de réis seja applicado a constituir um fundo para subsidiar a creação do credito agricola em Portugal. = Marianno de Carvalho.

Foi admittida.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Frederico Laranjo (relator): - Declara acceitar a proposta do sr. Marianno de Carvalho, na sua primeira parte, acrescentando-se as palavras - pelo menos até 24:000 contos de réis. Considera prejudicada a segunda parte.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Burnay: - É igualmente de parecer que é indispensavel votar-se o projecto para occorrer ás necessidades do commercio, porque, tendo desapparecido o numerario, é a nota que tem de satisfazer a todas as necessidades da circulação.

O que incumbe, porém, ao governo, é dar a essas notas a garantia precisa para que em todo o tempo representem dinheiro.

Manda para a mesa a seguinte

Moção

A camara, reconhecendo a necessidade urgente da reforma do banco de Portugal, passa á ordem do dia. = Conde de Burnay.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Marianno de Carvalho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto do sr. Queiroz Ribeiro, ácerca da isenção de direitos de obras de arte nacionaes, que entrarem em Portugal.

Peço a urgencia.

O sr. Presidente: - Consultarei a camara, depois de concluida a discussão do projecto que está occupando a sua attenção.

O sr. Mello e Sousa: - Prometto a v. exa. ser muito breve nas ligeiras observações que vou apresentar ao projecto em discussão. Vou fazer ao sr. ministro da fazenda um pedido, se v. exa. me permittir que o faça.

Eu pedi ha dias, quando o meu collega, o sr. Avellar Machado, trocou explicações com o nobre ministro das obras publicas a respeito da maneira por que o banco de Portugal organizava os seus balancetes, copia da correspondencia trocada outro o ministerio das obras publicas e o banco de Portugal sobre esse assumpto. Desejava ver essa correspondencia para conhecer em que se fundava a opposição por parte do banco em ceder ás determinações da lei.

Não me foram fornecidos esses documentos, com que contava para a discussão d'este projecto, mas eu lembro ao sr. ministro da fazenda, que seria de toda a vantagem, visto que s. exa. nos falla em alterar a administração do banco, se s. exa. acha que o banco não desobedeceu ás determinações da lei geral, que isso se inclua n'este projecto.

Assim não se explica a falta de obediencia ás prescripções da lei, e traz comsigo grandissimos inconvenientes; um d'elles é que, desde que o banco falte ao preceito da lei, não ha meio de fazer uma estatistica bancaria nacional.

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Este ponto é da mais alta importancia e do maior alcance, traz graves perturbações, e deixa-nos na impossibilidade de fazer um estudo seguro sobre as condições bancarias do paiz.

Felicito o illustre relator pelo seu bem elaborado relatorio e pelo estudo que ella revela; s. exa. diz-nos tudo quanto se tem realisado ultimamente n'este assumpto, com a maxima clareza; não concordo, porém, com as seguintes regras:

(Leu.)

Isto foi modificado e adaptado ás conveniencias dos diversos paizes; é propriamente o que se chama economia nacional; esta fórma de calcular o necessario para ter em papel e só depois fazer o calculo da reserva para o que não é necessario, é realmente original; o contrario, que é o principio seguido pela Inglaterra, de ter em reserva só a representação da nota e em fundos de estado o excedente, comprehende-se, mas a inversa é que eu não posso acceitar de modo algum.

Uma voz: - O principio em Inglaterra é esse.

O Orador: - Não é bem esse, e porque não concorda bem com esse principio a Inglaterra, é que ella segue o que eu deixei indicado; este é o principio moderno e não vale a pena insistir, porque isto é, como disse, uma questão de economia nacional.

Tambem não acceito um principio enunciado pelo sr. ministro da fazenda no seu relatorio.

(Leu.)

Este principio tambem nos levaria a consequencias desastrosas, se fosse adoptada sem certos cuidados.

Sobre a administração do banco eu declaro tambem que me parece que s. exa. deve proceder cautelosamente ao alterar ou modificar a actual administração, e sobretudo não vejo necessidade de alargamento do quadro.

Parece-me que a idéa do s. exa. seria esse alargamento; ella não está traduzida definitivamente, mas s. exa. diz:

(Leu.)

Parecia-me, pois, que a remodelação não devia ir alem do numero de administradores actualmente existente.

Diz tambem o relatorio da commissão que é urgente a elevação da circulação fiduciaria, porque a praça do Porto, que está luctando com difficuldades, reclama do banco o augmento dos descontos, e o mesmo acontece no resto do paiz.

Isto tem a sua gravidade pela fórma como é asseverado.(Apoiado.) Creio que a praça do Porto está luctando com uma crise importante, mas menos resultante da deficiencia do meio circulante do que da facilidade com que foi estabelecido o credito. (Apoiado.) São cousas bem diversas.(Apoiados.)

S. exa. sabe melhor do que eu que o credito é uma cousa admiravel desde que é bem estabelecido; mas evidentemente estraga-se desde que não seja prudentemente pautado o regulado. (Apoiado.)

É o que acontece em grande parte no Porto, que é uma praça mais ousada nos seus emprehendimentos quer industriaes, quer commerciaes, do que Lisboa; (Apoiados.) e portanto soffre as consequencias naturaes da sua ousadia, porque quanto mais se arrisca mais soffre; e isto em detrimento das outras praças do paiz, principalmente da de Lisboa, por isso que, quando a praça do Porto tem facilidade de credito, difficilmente podem competir com ella as outras praças, e mesmo chega até ás portas de Lisboa.

Ora, isto é um ponto importantissimo, para que não se vá prestar auxilio á praça do Porto e abrir-lhe uma nova era de descontos, cujas consequencias serão as que se estão passando agora.

Feitas estas ligeiras observações, resta-me fazer o pedido ao sr. ministro da fazenda.

Eu não vejo que n'este augmento de circulação o estado possa aproveitar alguma cousa.

Outro dia o sr. ministro da marinha disse que o sr. ministro da fazenda não tem idéa de dar seguimento a todas as suas propostas n'esta sessão.

Ora, o pedido que eu queria fazer era que, tendo-se já votado o contrato das classes inactivas, e tendo eu lembrado que não se devia permittir a emissão d'aquelles titulos abaixo do par, e como hoje em logar de 67:500 contos de réis que s. exa. propunha, se estabelecem 72:000 contos de réis, eu lembrava a conveniencia de pôr de parte o projecto já votado das classes inactivas, e metter a verba de que necessita para aquelle supprimento dentro do contrato que fizer. (Apoiado.)

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Cruz Caldeira: - Mando para a mesa um requerimento para que seja consultada a camara sobre se julga a materia, sufficientemente discutida.

O sr. Presidente: - É desnecessario o requerimento porque está esgotada a inscripção.

O sr. Marianno de Carvalho mandou para a mesa um parecer, para que pediu dispensa de impressão, a fim de que possa ser discutido desde já. Consulto, portanto, a camara n'este sentido.

Consultada a camara, foi dispensada a impressão e em seguida approvado.

O sr. Presidente: - Vae votar-se o projecto de lei n.° 46, com o additamento mandado para a mesa pelo sr. deputado Marianno de Carvalho.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto de lei n.° 34.

Vae ser remettido para a camara dos dignos pares.

O sr. Correia de Barros: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa o parecer da commissão de fazenda, que approva um projecto de lei apresentado á camara pelos illustres deputados srs. Cabral Moncada e Fortuna Rosado.

O sr. Presidente: - Vae passar-se á

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o seguinte

Pertence ao n.° 27

Senhores. - As vossas commissões reunidas de fazenda e obras publicas, tendo apreciado devidamente as diversas propostas apresentadas durante a discussão parlamentar sobre o projecto de lei que auctorisa o governo a dar de empreitada varias obras, são de parecer que merecem ser approvadas os seguintes:

Do relator, additando o artigo 1.°, tal como já foi substituido e approvado, com esta alinea:

i) Conclusão do quartel de cavallaria n.° 10, em Aveiro.

Do sr. deputado Dantas Baracho, substituindo, porém, as obras do hospital da Boa Hora pelas de ampliação e melhoramento do hospital militar permanente da Estrella, e as obras do quartel de infanteria n.° 1 pelas de reconstrucção da parte incendiada do quartel de infanteria n.° 5, additando portanto o artigo 1.° com estas alineas:

j) Conclusão dos quarteis dos regimentos de cavallaria n.º 2, lanceiros de El-Rei, e de cavallaria n.° 4;

k) Reconstrucção da parte incendiada do quartel de infanteria n.° 5;

l) Ampliação e melhoramentos do hospital militar permanente da Estrella;

Do sr. deputado Matoso Côrte Real, additando o artigo l.º com esta alinea:

m) Esgoto e saneamento da cidade de Coimbra, nos termos da carta de lei de 20 de julho de 1887.

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824 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Do sr. deputado Avellar Machado, additando ao artigo 2º as seguintes palavras: «ou as estações competentes do ministerio da guerra».

A proposta do sr. deputado Teixeira de Vasconcellos não póde ser approvada, porque importaria uma restricção porventura inconveniente ás condições da praça.

Sobre as propostas dos srs. deputados Campos Henriques e Avellar Machado, sobre a admissão de estrangeiros a licitar, entende a commissão; de accordo com o governo, que podem ser approvadas nos seguintes termos:

§ 1 .° do artigo 2.º Na adjudicação serão sempre preferidos os concorrentes portuguezes; e se o primeiro concurso ficar deserto terão ainda os cidadãos portuguezes, nos seguintes concursos, preferencia, mas em igualdade de
circumstancias.

Passa assim o § unico do artigo 2.° a ser § 2.° do mesmo artigo.

Sala, das sessões da commissão, 16 de agosto de 1897. = José Frederico Laranjo = Manuel Antonio Moreira Junior = Leopoldo Mourão = José Maria de Alpoim = J. A. Correia de Barros = F. F. Dias Costa = João Pinto R. dos Santos = Francisco da Silveira Vianna = Frederico Teixeira de Vasconcellos, vencido = Barbosa de Magalhães, relator.

Substituição ao n.° l.º:

«É o governo auctorisado a dar de empreitada, conjuncta ou separadamente, as obras seguintes:

«a) Construcção do emissor e collectores principaes e secundarios para o serviço dos esgotos e saneamento da cidade de Lisboa, bem como edificação da casa das machinas elevatorias e installação d'estas ultimas:

«b) Construcção de um edificio para o instituto industrial e commercial de Lisboa;

«c) Construcção de um edificio para o instituto industrial de commercial de Lisboa, nos termos dependentes do mesmo instituto;

«d) Construcção de um novo quartel para o regimento de caçadores n.º 2;

«e) Conclusão do quartel de artilharia nº. 1, em Campolide;

«f) Conclusão do quartel do regimento de engenharia, á Cruz dos Quatro Caminhos;

«g) Conclusão do edificio da academia polytechnica do Porto;

«h) Conclusão do porto artificial de Ponta Delgada. = Barbosa de Magalhães; relator.

Artigo 2.º Additar:

«ou as estações competentes do ministerio da guerra»

Adittar:

«§ 1.º Os empreiteiros serão portuguezes, e só no caso de ficarem desertos dois concursos successivos poderão as obras ser adjudicados a empreiteiros estrangeiros.

«§ unico. Passar a § 2.º = Avellar Machado, deputado por Abrantes.

Additamento ao artigo 1.°:

«i) Conclusão do quartel de cavallaria n.° 10 em Aveiro. = Barbosa de Magalhães.»

Modificação:

«Artigo 1.° É o governo auctorisado a dar de empreitada, separadamente, as obras seguintes. = Teixeira de Vasconcellos.»

Proponho que á substituição apresentada pelo sr. relator se acrescente:

«h) Conclusão das obras dos quarteis dos corpos de guarnição de Belem, isto é, dos regimentos de cavallaria n.° 2, lanceiros de El-Rei, de cavallaria n.° 4 e do respectivo hospital militar. = Dantas Baracho = Avellar Machado.»

«A execução das obras para o esgoto e saneamento da cidade de Coimbra, já auctorisadas pela carta de lei de 29 de julho de 1889, segundo o projecto que o governo adoptou.

Sala das sessões da camara dos deputados, em 13 de agosto de 1897. = O deputado, Matoso Côrte Real»

Proponho que o artigo 2.º do projecto em discussão seja substituido pelo seguinte:

«Artigo 2.° As empreitadas serão adjudicadas em hasta publica, á qual só serão admittidos cidadãos ou emprezas portuguezas, e terão por base os projectos e orçamentos approvados pelo governo, ouvido o conselho superior de obras publicas e minas. = O deputado, Campos Henriques.»

O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Sr. presidenta, pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Proposta

Additar ao artigo 1.° a seguinte alinea:

Construcção de um quartel para as batarias aquarteladas em Amarante, desde que a camara municipal d'esse concelho concorra para esta obra com a quantia de réis 20:000$000. = José Franco Castello Branco = Dantas Baracho = Teixeira de Vasconcellos.

Foi admittida.

O sr. Barbosa de Magalhães (relator): - Declaro a v. exa., por parte da commissão, que esta, de accordo com o governo, acceita a proposta de additamento apresentada pelo illustre deputado sr. Teixeira de Vasconcellos.

Foi approvada o projecto com o additamento.

O sr. Luiz José Dias: - Peço a palavra para mandar para a mesa a ultima redacção do projecto que acaba de ser votado.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Como a hora está muito adiantada e hoje ha sessão nocturna, declaro que a ordem da noite é a continuação da discussão do projecto de lei n.° 36, e encerro a sessão.

Eram cinco horas e vinte e cinco minutos da tarde.

Representações apresentadas n'esta sessão

Dos operarios refinados das fabricas de refinação de assucar da cidade do Porto, reclamando contra a concessão do exclusivo do fabrico e refinação do assucar de beterraba, e, no caso que seja concedida, pedem garantias analogas ás dos manipuladores de tabacos.

Apresentada pelo sr. presidente da camara, e enviada ás commissões de agricultura, de artes e industrias e de fazenda.

Da camara municipal do concelho de Murça, das juntas de parochia das freguezias do Jou e dos Valles, e dos cidadãos eleitores, elegiveis e contribuintes das freguezias dos Valles, do Jou e Courros, pedindo que estas freguezias continuem a pertencer ao concelho e comarca de Murça.

Apresentadas pelo sr. deputado Teixeira de Sousa, enviada ás commissões de administração publica e de legislação civil, e mandadas publicar no Diario do governo.

Dos escrivães e tabelliães na comarca da Certã, contra o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Lourenço

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SESSÃO N.º 47 DE 26 DE AGOSTO DE 1897 825

Cayola, creando um logar de tabellião privativo no julgado de Sernache do Bomjardim.

Apresentada pelo sr. deputado Rodrigues dos Santos, e enviada á commissão de legislação civil.

Dos empregados de escriptorio nos estabelecimentos de refinação de assucar na cidade de Lisboa, pedindo que, no caso de ser convertido em lei o projecto que cria o monopolio do assucar, lhe sejam salvaguardados os seus legitimos interesses, á similhança do que tem sido feito em casos identicos a outras aggremiações.

Apresentada pelo sr. deputado Moreira Junior, e enviada ás commissões de artes e industrias e de fazenda.

Da camara municipal do concelho da Ponta do Sol, na ilha da Madeira, nos annos de 1884,1885 e 1886, pedindo para ser relevada da responsabilidade em que incorreu por despezas feitas sem a devida auctorisação, logo que se prove terem sido feitas em beneficio do municipio.

Apresentada pelo sr. deputado visconde da Ribeira Brava, e enviada á commissão de administração publica.

Da camara municipal do concelho de Ponta do Sol, pedindo que se não converta em lei um projecto apresentado n'esta camara tendente a extinguir as comarcas ruraes na ilha da Madeira.

Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada á commissão de legislação civil, e mandada publicar no Diario do governo.

O redactor = Sá Nogueira.

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