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N.°47

SESSÃO DE 4 DE ABBIL DE 1902

Presidencia do Exmo. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios-os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta, dá-se conta de um officio do Ministério da Fazenda, e teem segunda leitura dois projectos de lei, que suo admittidos. - O Sr. Fialho Gomes faz uma declaração do voto. - O Sr. Oliveira Simões pede se reparem os estragos produzidos pelas inundações em Leiria. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho. - O Sr. Egas Moniz refere se á maneira como correu a eleição da Junta do Parochia de Lobão, dando explicações o Sr. Presidente do Conselho - O Sr. Conde de Penha Garcia apresenta uma representação da Associação Commercial da Covilhã, e o Sr. Costa Pinto outra da Camara Municipal do Seixal. - Sob proposta do Sr. Custodio Borja é aggregado ás commissões de marinha e do ultramar um Sr. Deputado. - O Sr. João Pereira apresenta um projecto de lei. - Os Srs. Mendes Leal, Augusto Louza e Alberto Navarro apresentam pareceres de commissões.- São apresentadas representações das Camaras Municipaes de Odemira e Ribeira de Pena, das Associações Commerciaes do Porto e de Coimbra, do Centro Colonial de Lisboa, e dos zeladores municipaes o officiaes da administração do concelho do Vianna do Castello.

Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n ° 20 - organização do ensino de pharmacia. Usam da palavra sobre elle os Srs. Egas Moniz, Clemente Pinto e Moreira Junior.

Abertura da sessão - Ás 11 horas e 7 minutos da manhã.

Presentes - 64 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho; Alberto Botelho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio José Boavida, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sérgio da Silva e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Cesar da Rocha Louza, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos Malheiro Dias, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Paço Vieira, Custodio Miguel de Borja, Domingos Eusebio da Fonseca, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Henrique Matheus dos Santos, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Hypacio Frederico de Brion, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Augusto Pereira, José Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, José Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arroyo, Joaquim Antonio de Santanna, José Coelho da Motta Prego, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Simões, José de Mattos Sobral Cid, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Julio Maria de Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Joaquim Fratel, Marquez de Reriz e Matheus Teixeira de Azevedo.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Albino Maria de Carvalho Moreira, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio de Almeida Dias, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos de Almeida Pessanha; Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Penha Garcia, Eduardo Burnay, Filippe Leite de Barros e Moura, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico Ressano Garcia, Frederico dos Santos Martins, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Pereira Jardim, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel, Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Ovídio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Rodolpho Augusto de Sequeira, Rodrigo Affonso Pequito e Visconde de Reguengo (Jorge).

Não compareceram á sessão os Srs.: - Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Roque da Silveira, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Carlos Augusto Ferreira, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Patrício, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Santa Rita, Ignacio José Franco, João Monteiro Vieira de Castro, João de Sousa Tavares, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Faustino de Poças Leitão, José Adolpho de Mello e Sousa, José Caetano Rebello, José da Cunha Lima, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim Dias Gallas, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Mathias Nunes, Luiz José Dias, Manuel Homem de Mello da Camara, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro,

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Paulo de Sarros Pinto Osorio, Visconde de Mangualde e Visconde da Torre.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do Ministerio da Fazenda, remettendo em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Condo do Penha Garcia, copia do officio do Administrado Geral das Alfandegas, acompanhada das notas relativas ao azeite importado, sob o regime especial, para a industria das conservas.

Para a secretaria

Segundes leituras

Projecto de lei

Senhores.- A carta do lei do 21 do maio de 1896, que tornou definitivas as concessões provisorias do edifício, cêrca, predio e igreja do extincto Convento do Desaggravo, de Villa Pouca da Beira, feitas pelos decretos de 28 do fevereiro do 1885 á Camara Municipal do Oliveira do Hospital e Junta de Parochia d'aquelle freguesia, com destino o uni hospital e igreja matriz, estabeleceu no artigo 2.° que todas as imandades o confrarias do concelho contribuisse annualmente para o mesmo hospital com a decima perto da sua receita, não exceptuando mesmo a Santa Casa da Misericordia.

Mas no § 1.º d'este mesmo artigo abriu uma excepção para a Irmandade de Nossa Senhora das Preces, triplicando-lhe a contribuição.

O presente projecto do lei tem por fim eliminar essa odiosa excepção, que pareço ter visado a destruição d'esta benemerita confraria, que se viu de repente impossibilitada do poder realizar seus fins e cumprir os deveres impostos no respectivo compromisso.

A desigualdade e a injustiça do tão extraordinaria excepção, que affronta, os mais elementares principios economicos e financeiros que devem presidir aos lançamentos dou importou, é tão manifesta que seria injuria á vossa illustração o sabedoria, pretender demonstrar a sua repugnancia com as ideias sonso commum e da razão objectiva.

Apontar esta injustificavel desigualdade o mesmo é que fazer a prova em favor da sua abolição.

Por isso, em nome da razão e da justiça, vos peço que presteis o vosso assentimento á seguinte

Carta da lei de 21 de maio de 1898, a que se refere o projecto

Artigo 1.° Tornar-se-hão definitivas, pela presente lei, as concessões provisorias do edificio, corça, predios e igreja do supprimido Convento do Desaggravo, de Villa Pouca da Beira, feita pelo decreto de 28 de fevereiro do 1895, á Camara Municipal do Oliveira do Hospital e Junta de Parochia d'aquella freguesia com destino a um hospital e igreja matriz da mesma freguesia.

Art. 2.º A misericordia, irmandades e confrarias erectas no concelho de Oliveira do Hospital contribuirão annualmente, para custeio do estabelecimento hospitalar a que se refere a presente lei, com a decima parte da sua receita, tanto ordinaria como extraordinaria, excepto emprestimo; o nos seus orçamentos inscreverão, como despesa obrigatoria, cata quota, ficando por este facto desobrigadas do encargo que lhes é imposto pelo n.° 5.° do artigo 268 .º do Codigo Administrativo, approvado por decreto de 2 do março de 1895.

§ 1.º A quota que deverá pagar a Irmandade de Nossa Senhora das Preces será triplicada.

§ 2.° A Camara de Oliveira do Hospital, para o effeito, de tornar effectivos os encargos de que trata este artigo poderá fiscalizar a arrecadação e escripturação das receitas nelle mencionadas.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

PROJETO DE LEI

Artigo 1.° É revogado o § 1.º do artigo 2.° da carta do lei de 21 de maio de 1896, ficando o § 2.° d'este mesmo artigo da citada lei reduzido a § unico.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Camara dos Senhores Deputados, 2 de abril do 1902.= O Deputado, Luis José Dias = O Deputado, Alfredo Cesar Brandão.

Foi mandado enviar á commissão de administração publica.

Projecto de lei

Senhores. - Para facilitar e tornar commodo aos eleitores do concelho de Oliveira do Hospital o exercicio do direito de suffragio, attendendo á proximidade dos lugares, população, numero do fogos e mais circumstancias locaes, deve sor modificada a actual divisão das assembleias eleitoraes, nos termos do seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O concelho do Oliveira do Hospital, que faz parte do circulo eleitoral n.° 9, será dividido em cinco assembleias eleitoraes, a saber: a l.ª, com sede na freguesia de Oliveira do Hospital, composta d'esta freguesia o das da Lagiosa, Lagos da Beira, Nogueira do Cravo e S. Paio do Codesso; a 2.ª, com sede em Lagares da Beira, composta d'esta freguesia o das Bobadella, Meruge e Travanca de Lagos; a 3.ª, com sede no Ervedal da Beira, composta d'esta freguesia e da do Seixo do Ervedal ; a 4.ª, com sede em Avô, composta d'esta freguesia e das de Aldeia dos Dez, Lourosa, Santa Ovaia e Villa Pouca da Beira; a 5.ª, com sede em S. Geão, composta d'esta freguesia e das de Alvoco das Várzeas, Penalva de Alva e S. Sabastião da Feira.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, l de abril de 1902. = O Deputado, Alfredo Cesar Brandão.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um negocio urgente o Sr, Oliveira Simões.

O Sr. Oliveira Simões (para um negocio urgente): - Sr. Presidente: tenho a honra de representar em Côrtes o districto de Leiria, e a do ser filho d'essa boa cidade; nessa qualidade, julgo do meu dever, em cumprimento das obrigações ao meu mandato, e até em satisfação dos desejos manifestados por alguns dos meus amigos d'essa terra, chamar a attenção do Governo para o estado em que se encontra a cidade de Leiria e seus campos, que padeceram muito com os ultimos temporaes e com a prolongada invernia, que alagou as suas varzeas, fazendo grandes destroços nos diques que seguram o rio, prejudicando assim a agricultura e o commercio, e causando grandes males aos povos d'aquelle concelho.

Esta invernia e estas inundações tão demoradas, cujos estragos estão ainda na memoria de todos, deixaram as cousas em estado tal que a tempestade que ha poucos dias passou rapidamente por aquella região, e fez sentir os seus effeitos principalmente nos concelhos de Leiria e de Pombal, bastou para produzir novas calamidades.

O rio, assoreado como estava o seu leito, novamente atacou as motas o lançou para fora d'estes fracos diques as suas aguas, invadindo as casas, pondo em sobresalto uma cidade inteira e prejudicando as sementeiras.

Quer isto isto dizer que é necessario fazerem-se as reparações bastantes nos diques que sustentam as aguas, o proceder-se ás obras de correcção no rio, de maneira a melhorar-lhe o alvo e a impedir que qualquer cheia, por

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pequena que seja, qualquer pinga de agua, mesmo produzida por ephemeras tempestades ou por invernias menos demoradas produzam os perniciosos effeitos que teem ultimamente assolado aquella região.

É o que venho pedir instantemente.

Quando faço este appello ao Governo, estou certíssimo de que o não dirijo em vão, e digo-o pela experiencia que tenho já, pois que, por occasião da primeira cheia, da maior, apenas recebi os telegrammas da illustre Associação Commercial e da zelosa Camara Municipal d'aquella cidade e me dirigi ao Governo, encontrei nelle a melhor boa vontade em obtemperar ás justas reclamações d'aquelles povos. Tanto o chefe do Governo como o Sr. Ministro das Obras Publicas logo prometteram acudir com todas as providencias necessárias. Foram dadas, de facto, as precisas ordens, algumas reparações se executaram e assim se attendeu a parte do que era mister fazer. Mandaram-se para ali immediatamente engenheiros, entre os quaes o venerando general Silverio Pereira da Silva e o distincto chefe da circumscripção hydraulica Castro Freire.

E não foi só a circumscripção hydraulica que procedeu, mas a Direcção das Obras Publicas do Districto de Leiria ; até o Ministerio da Guerra contribuiu efficazmente com o sou auxilio, mandando um destacamento de pontoneiros, sob a habil direcção de um engenheiro filho de Leiria, o tenente Beltrão, para fazer as reparações na estrada e construir uma ponte improvisada que substituo a que tinha desabado, e que passava sobre o collector geral dos dejectos da cidade.

Essas providencias, porem, não foram bastantes, como a ultima cheia o demonstrou eloquentemente.

Ha numerosos planos, estudos feitos antigos e recentes, para modificar e transformar aquelle estado de cousas que é incomportavel, mas esses planos, esses trabalhos de engenharia hydraulica, florestal e sanitaria demandam a applicação de verbas e essas verbas faltam. Não é com planos só que se resolve o problema e a cidade não pode ficar unicamente com esses projectos ou estudos. E necessario e indispensavel uma cousa mais real e positiva - que se executem as obras, se realizem os projectos o não se façam só pequenas reparações nas motas, que, a breve trecho, ficam completamente inutilizadas, sendo portanto as despesas improductivas, pois não podem supportar o impulso das aguas cada vez mais considerável, visto que o rio, assoreado como está, vão tendo o leito em nivel cada vez mais elevado, chegando a ser, em alguns pontos, superior ao nivel dos campos marginaes.

Assim fácil lhe é irromper ou saltar para esses campos, destruindo as colheitas, levantando a camada aravel da terra, substituindo-a pela areia carrejada das serras e pelos calhaus rolados a crusta humifera de campinas outr'ora feracissimas.

Os inconvenientes que d'aqui resultam podem considerar-se de tres ordens.

Ha o inconveniente que respeita propriamente á segurança dos habitantes, ao valor dos predios urbanos da cidade e porventura ás vidas dos proprios habitantes; ha inconvenientes para a agricultura do não aproveitamento das aguas para a irrigação dos campos, das ruínas produzidas pela divagação da corrente e da sua saida do leito normal, com o que se levanta a terra aravel, cortando-se e substituindo-se pelas areias e calhaus rolados, ficando grandes tratos de terreno perfeitamente estereis, quando não são convertidos em verdadeiros pantanos; ha finalmente um outro inconveniente importantíssimo, porque se prende intimamente com a salubridade publica de uma cidade que não pode desembaraçar-se dos seus dejectos.

Para todos estes tres inconvenientes tenho que chamar a attenção do Governo, certo como estou, de que os factos são mais eloquentes do que a minha palavra, e que por isso se ha de reconhecer a imperiosa necessidade de remedio a estes males.

O rio Liz é exemplo eloquente do regime torrencial e tambem um exemplo não menos eloquente das deficiencias da nossa administração publica.

Uma corrente d'esta natureza requer todos os annos cuidadosos trabalhos, persistentes e methodicos, embora pouco dispendiosos. Não se teem realizado porem. Peor do que isso, retrocedeu-se e deixou-se perder o que primitivamente se havia feito.

Havia antigamente no concelho de Leiria uma instituição altamente sympathica e prestante, a Junta dos Melhoramentos do Campo, cujas funcções resumo em breves palavras.

As freguesias a jusante de Leiria, desde a foz do Liz ponte do Galantes e Gandara, nomeavam como procuradores ou delegados sete lavradores, com os quaes se constituia uma junta, que administrava as obras a executar pelas forças de uma receita especial, que cobrava directamente, na proporção dos beneficios recebidos pelos lavradores a quem essas obras interessavam. Ajunta fazia a derrama, cobrava o imposto e destinava as verbas assim adquiridas ás obras mais necessarias, consoante as suas deliberações.

Essa junta foi organizada por decreto de março de 1840, prosperou durante muito tempo e fez sentir os seus beneficos effeitos.

Dava-se uma ruptura, havia um paul que precisava de esgoto, ou uma valia que carecia de desobstrucção, uma mota a reclamar reforço; acudia-lhe a junta e todos os menos realizava obras dentro do seu limitado orçamento.

Essa junta é claro que não representava um ideal de administração, porque a sua área era limitada, e o imposto cobrado pequeno, cerca de 2:500$000 réis, de que havia ainda a pagar aos empregados.

Não abraçava a parte a montante da cidade, nem abrangia a propria cidade, porque, naquelle bom tempo, a cidade estava ainda completamente immune aos effeitos produzidos pelas cheias e portanto não precisava participar nas obras que a junta mandava fazer.

Imperfeita como era esta, organização tão característica, não se melhorou porem; annullou-se.

A mania centralizadora, que tem atacado por vezes os governantes, fez com que se supprimisse esta instituição sem reclamações nem protestos dos povos, com fagueiras promessas de que o Governo avocava a si o papel de executor de todas os obras hydraulicas sem gravame especial para o contribuinte. Assim como o Estado fazia estradas, vias ferreas, portos de mar, fazia obras hydraulicas. Não haviam os proprietarios dos campos do Liz constituir uma excepção. Foi extincta então com applauso, considerando-se como alivio a sua suppressão.

Resultou, porem, que ao período de pequenas obras, mas regulares, cuidadosamente executadas todos os annos, succedeu o período de obras feitas uma voz por outra e o de projectos mais frequentes do que as obras.

O mal foi-se aggravando de inverno para inverno e chegamos a esta situação verdadeiramente crítica.

É certo que no Orçamento do Estado vem todos os annos uma verba para obras hydraulicas, mas como se applica essa verba? Frequentemente desvia-se para outras obras, para outras localidades, por vezes falta completamente, e se alguma mealha vem chega em época impropria e fora de tempo. Em resultado d'isto o rio foi assoreando os campos, convertendo-os em pantanos e areaes, desvalorizando as varzeas, alagando terras enxutas e dando origem a estas frequentes inundações. D'ahi resultou, entre outras cousas, um mal terrivel para a hygiene da cidade de Leiria, outr'ora tão salubre e que hoje padece duramente de não poder dar esgoto rapido e seguro aos seus dejectos.

O regime dos esgotos d'esta localidade está subordinado a pequenos canos, mais ou menos imperfeitos, que nascem nos predios e vão terminar na chamada valla, o col-

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lector geral, que a seu turno só dirige ao rio, a jusante, proximo da confluencia com o Lena, a menos de 2 kilometros.

Esta valia ou este collector imperfeito, correndo a descoberto, com simples muros de alvenaria nos lados e sem coleira impermeavel, funccionava todavia muito bem, merco do declive que tinha. Occupando a linha de thalweg do valle e seguindo, em parte, pelo antigo leito do Liz, levava rapida e seguramente para fora da cidade as fezes e as aguas pluviaes em quanto encontrou o rio num nivel mais baixo, ou á altura do seu fundo. Mas subiu o alveo do Liz; o seu leito começou a funccionar de barragem á valla ou collector, que ficou sem o declivo necessario, sem o esgoto que lhe é preciso, de maneira que por uma simples e pequena elevação das aguas do rio, por qualquer cheia, refluem os dejectos e reentram na cidade. Não ha modo do fazer os esgotos.

Por estas simples palavras, já o Governo e a Camara vêem como é precario o estado da salubridade na cidade de Leiria.

Prejudicam-se a um tempo a cidade e o campo; o commercio, a agricultura, e as vidas dos cidadãos.

E tudo provém da elevação do leito do rio, elevação assustadoramente crescente.

O rio Liz tem particulares e circumstancias que mais rapidamente avolumam os inconvenientes a que me estou referindo. É de um regime torrencial e corro em terrenos desaggregaveis facilmente. A sua bacia hydrographica, tendo uma extensão pequena, corça de 45 kilometros no sentido NS. de comprimento e uns 30 de largura, recolhe todavia grande copia de aguas na parte mais declivosa, Abrange os concelhos de Leiria e Batalha, parte dos de Pombal, Ourem o Porte do Moz.

Esta bacia hydrographica é relativamente larga na sua origem, quer dizer: na parte onde as aguas podem adquirir maior força viva, pela velocidade que adquirem no decurso. D'ahi se segue que aã aguas recolhidas neste funil, chamado a bacia da recepção, adquirem, menos pelo volume do que pela força viva de que vem animadas, um poder de erosão muito grande, carrejando assim facilmente detritos das rochas desnudando o atacando os terrenos, que vão esboroando e caindo. Assim é que as camadas de terreno, mais ou menos alteradas pela acção dos agentes atmosphericos ou pela excessiva cultura e sem a protecção das florestas, não resistem ao embate das aguas e por isso se desnudam e produzem desgastes e erosões, convertendo-se em areias, que se depositam nas partes em que a velocidade diminuo e em que a força do arrastamento já não sobreleva á gravidade dos pequenos grãos ou calhaus. Esta acção faz-se principalmente sentir nos terrenos modernos como os que ficam para o norte, que são do periodo cainozoico, epoca pliocenica, por onde corre a chamada ribeira da Caranguejeira, pois que os da bacia do Lena, confluente do Liz, resistem melhor, assim como os das restantes ribeiras que veem do lado do sul e nascente, terrenos jurassicos e triassicos do periodo mesozoico. Bastam, porem, os primeiros, terrenos que se desaggregam tão facilmente, e logo se vão converter em areaes estereis, que ameaçam subverter tudoin - utilizar os campos o subverter povoações.

O alveo do rio sobe o transforma-se tanto no sou perfil longitudinal como nos seus perfis transversaes, e d'ahi vem a tendencia para sair fora do seu leito; d'ahi a facilidade com que elle transpõe as debeis motas ia baixas demais para o conterem e funccionarem de diques.

Accrescentando-se que a foz, sem o revestimento do benéfico pinheiro, que tom ali o seu habitat mais proprio, aberta num longo e desolado areal, sujeito ás invasões e ás migrações das dunas, essas serras de areia movediça ao sopro do vento, como ondas on vagas do oceano; a foz sujeita ás arremetidas do mar, que em marés os equinoxiaes frequentemente lhe obstrue o curso com espessas barragens, teremos feito o quadro, mal debuxado mas real, do actual estado da bacia do Liz.

Emquanto funccionou a Junta de Melhoramentos do Campo, as obras que fazia e se limitavam á zona de dejecção da torrente e a parte que ligava esta com a bacia de recepção, o canal, estava no regime de equilibrio, o regime de compensação; os detritos que se recebiam eram proximamente tantos quantos os que saiam carrejados pela agua para a foz. Depois, por uma lamentavel incuria prolongada durante tantos annos, o rio foi-se assoreando e deixou de haver compensação. As areias permanecem, as que vera de cada cheia juntam-se ás antigas.

Por um lado a falta de obras hydraulicas, por outro a agricultura cada vez mais intensa e extensa, a absorver areas crescentes de terrenos nas margens, produziram esto resultado, e assim o rio, que foi um elemento de riqueza, está sondo a causa da sua ruína, o que inteiramente é deploravel e reclama remedio.

Leiria está ameaçada de graves perigos. Já me referi aos que interessam á salubridade e á sua riqueza economica. Vejamos os que affectam até a sua segurança.

O rio desce desde a ponto dos Caniços até ao meio da cidade, em duas ou tres quedas de agua, que representam um desnivel superior a 8 metros. Chega com grande velocidade a outra ponto, que ó aquella que dá passagem á estrada de Lisboa ao Porto. Era ella antigamente ampla e espaçosa, dando livre curso ás aguas e dando facil vasão mesmo ás aguas de todas as cheias. Lembro-me muito bem d'ella nesses dias. Sob os seus arcos semi-circulares de cantaria passava folgadamente um carro de bois.

Hoje está tão levantado o nível do fundo do rio que uma pequena cheia quasi os entupe! (Apoiados). Se a invernia fosse prolongada por mais três ou quatro dias, ou sobreviesse um temporal com chuvas mais caudalosas, Leiria não era simplesmente submersa, na sua maior parto, era arrasada! A ponte não chegava para o caudal, servia de açude, não poderia talvez sustentar o impulso das aguas e ruiria, precipitando-se então a corrente contra a muralha do marachão, com todo o impeto proveniente das quedas a que alludi, derrubando-o ou furando-o, até ir procurar o antigo leito, porque aquelle rio está desviado do seu curso normal, levando adeante de si todos os obstáculos e deixando ficar a desolação, a morto e a ruina!... Mesmo resistindo a ponte, que actualmente quebra o impulso da corrente e poupa as muralhas a jusante, se cila chega a obstruir-se, tem de galgar a montante sobre os muros e os resultados silo iguaes. A ponte é um perigo eminente. Pertence ao Estado a sua reconstrucção. Não é uma obra municipal.

Esta situação é calamitosa é insustentavel! (Apoiados). Isto não podo continuar! Não quer decerto o Governo tomar tamanha responsabilidade! É preciso que se acuda com obras urgentes, com obras feitas com toda a ponderação e com todo o cuidado, mas que se não protelem, nem se pretiram, para se dar emfim uma pequena satisfação aos povos em que impendem tão graves perigos. (Apoiados).

Não podemos ficar apenas em promessas e projectos; é necessario acudir, e acudir de prompto.

Sr. Presidente: referindo-mo aos beneficios da Junta do Campo, era meu proposito dizer que não foi esquecida aquella util instituição, e que á iniciativa prudente e reflectida do Sr. Ministro das Obras Publicas se deve um grande beneficio para aquella região, qual foi o de restaurar a antiga Junta, que tão beneficos resultados produziu emquanto funccionou nos campos de Leiria, ampliando-a c melhorando-a consoante aã lições da experiencia e da sciencia hydraulica moderna.

S. Exa., por decreto do 24 de dezembro ultimo, reconstituiu e aperfeiçoou a velha Junta do Campo, que ha de prosperar e ha de dar seguramente resultados be-

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neficos para os campos, para a cidade e para a salubridade publica.

Na obra ponderada de S. Exa., que é um trabalhador indefesso sem alardes espectaculosos, obra de technico illustre e de administrador consciencioso, não será de pequena importancia este simples decreto.

Persuado-me de que constituirá um modelo, que virá a ser imitado o applicado no Mondego e no proprio Ribatejo, um argumento mais sobre as vantagens da legislação separada, a que actualmente se vão dando o verdadeiro realce.

Se for comprehendido, se for executado devidamente com a continuidade de acção que requerem as obras hydraulicas mais do que quaesquer outras, ha de traduzir-se por uma notavel melhoria no regime do rio Liz, eliminando ou alliviando a cidade de um perigo imminente, restituindo-lhe a antiga salubridade, augmentando o rendimento dos predios ruraes e a riqueza agricola d'aquellas propriedades, e, accrescentando indirectamente as receitas de Estado. (Apoiados).

Esse decreto divide a bacia hydrographica do rio Liz em regiões distinctas. A parte baixa, a cargo dos serviços de engenharia hydraulica; a parto superior, a cargo dos serviços silvicolas, para, por meio da plantação de arvores, fixar e conservar estaveis as camadas de terreno friaveis, aquellas que facilmente se desagregam e desprendem das outras camadas para formar areias; e finalmente na foz, na região das dunas, a parte destinada a ser fixada pelos pinheiros maritimos.

Seguem-se os bons princípios. A plantação na chamada zona do defesa dentro de um perimetro, previamente estudado, para que se reduzam as erosões, corrosões e transportes ; dar estabilidade ao leito e ás margens pelos diques, colmatagens e outras obras; abrir a saida para o mar e conservá-la patente pela fixação das dunas. Evitando-se que venham mais areias, obstando-se ás divagações da corrente no canal, e dando-se salda facil para o mar ás aguas do rio, as proprias aguas cavam o leito, aprofundando-o e baixando-lhe o nivel.

É bom saber-se e repetir-se que as dunas que chegam a ter a altura de 30 metros, perturbam muitas vezes o regime do rio o conseguem obstruir a salda para a foz, dando logar ao fluxo das aguas, que procuram então outra passagem com graves daremos. E entretanto vêem mais areias ao sopro do vento ou pelo impulso das marés, formam-se outras dunas que avançam sempre, destruindo todas as culturas.

Ainda ha dois annos a povoação da Vieira ia sondo victima d'esta mudança de curso. Grande numero de casas ruiram. Teve de se acudir com estacaria aos estragos do rio que, desviado da foz habitual, minava a povoação.

As providencias tomadas pelo Sr. Ministro das Obras Publicas hão de dar remedio a todos estes males.

Estou bem certo d'isso.

Restaurou uma instituição antiga, com tradições arreigadas e de resultados provados; vão fazer-se obras, para as quaes o Estado não contribue directamente, na parto a jusante da cidade, porque são os proprios interessados que contribuem para ella, como contribuiam no tempo que existia a Junta do Campo.

É uma contribuição original esta, pois que se paga com toda a boa vontade dos povos. Elles não querem outra cousa; desejam contribuir, mas o que pretendem em compensação é que esses dinheiros sejam applicados integra e completamente a essas obras, sem desvios para ordenados ou gratificações a empregados; integralmente e opportunamente.

Este decreto tem esta grande e extraordinaria vantagem. Os povos estão satisfeitos, apesar de pagarem mais .

Tenho até aqui um pequeno trecho de uma correspondencia escrita, não sei por quem, num jornal local, em que ha este periodo eloquente. Leio apenas umas palavras para não fatigar a Camara.

Diz esse correspondente:

"Se as obras indicadas se puserem em execução e sem demora, veremos a cidade de Leiria ao abrigo de um mal que ameaçava reduzi-la a um grande pantano, e sem previsão de fugir com as construcções urbanas para sitios distanciados. O campo ha de tornar-se fertil, e o nome, já ao conhecido, do Sr. Ministro das Obras Publicas, será cercado de bençãos de todos os leirienses que amam a sua erra, até agora tão desprotegida dos políticos".

As bençãos de todos os leirienses e o applauso do país, porque a boa administração interessa a toda a nação.

Tenho esperança neste decreto, assim como todos a ;sem; mas elle só pode produzir beneficies sensiveis no fim de algum tempo. Apenas no fim de 3 ou 4 annos é que começará a ser sensivel a modificação no regime do rio; somente então estão seguras as terras friaveis; só então ellas deixarão de contribuir para o assoreamento do rio; é então as motas podem amparar o rio, canalizando-o tara a foz aberta e fixa.

Mas até lá, Sr. Presidente, se não lhe acodem, fica a idade sujeita a esse grande perigo, fica á mercê de qualquer pequena tempestade que passe pela bacia hydrographica do Liz.

Ainda ha pouco haveria grandes desgraças a lamentar e não fosse a benemerita corporação dos bombeiros voluntarios d'aquella cidade, que, tendo conhecimento do sinistro que estava para dar-se, solicitamente mandou os seus membros a correr por todos os lados, dando o alarme, avisando todas as familias e commerciantes para tirarem as mercadorias dos estabelecimentos e para se salvarem, porque as cheias ali são subitas, vêem de repente, não dando tempo para precauções, que poderiam evitar muitos damnos.

Não ha graduação na subida das aguas como succede nos rios Mondego e Tejo. É um rio torrencial de rapido descenso em toda a bacia superior á cidade.

Com relação á parte da salubridade, embora queira e Leva ser breve, tenho de dizer ainda algumas palavras.

A valia dos esgotos está, como disse, entupida por causa do levantamento do leito do rio. As obras que d necessario effectuar não as pode fazer a Camara Municipal. Nem tem recursos para isso, nem lhe cumpre fazê-las, porque não é devido propriamente ao traçado da valia ou á sua conservação e limpeza que ella funcciona mal, mas consequencia apenas do estado do rio.

Não tem hoje o declivo necessario mas algum se lhe pode dar ainda, effectuando o prolongamento d'essa valia, levando-a a desaguar mais para a confluencia do Liz e Lena e lavando-a com descargas ou correntes de varrer por meio do estoques de agua tomada no açude á ponte dos Caniços na altura do primeiro açude á entrada da cidade, a fim de que os dejectos e materiaes depostos vão sendo impellidos e arrastados para o rio.

Ha outra cousa a fazer simultaneamente, o aproveitamento dos proprios dejectos com applicação á agricultura, por isso que são muito fertilizantes e contribuem para elevar o nivel dos campos pela colmatagem feita com estes depositos, tornando-se menos fácil assim a ruptura das motas.

O que não pode é continuar a valia a ser uma enorme fossa sem esgoto nem limpeza.

É claro que não venho pedir nenhum d'esses grandes melhoramentos, d'essas grandes obras que se teem feito nalgumas cidades da Europa e da America, para resolverem o problema dos esgotos, um dos mais interessantes da engenharia sanitaria ; não peço a adopção dos meios seguidos noutros pontos para o aproveitamento dos dejectos, pelas irrigações e depuração das aguas dos esgotos, pelo tratamento chimico pela naphta ou benzina, pela decoeção em autoclaves por meio de vapor, etc. etc., e não as peço

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por isso que estas installações são caras, ainda as não ha em Lisboa o Porto, e não ao compadecem portanto com as forças do Thesouro. Mas podem fazer-se algumas obras comezinhas o singelas uns simples tanques ou bacias de decantação onde os dejectos venham depositar-se, separando-se a parte fluida da parte solida, correndo o liquido para o rio e ficando a solida para adubos e colinatagens. Com duas bacias do decantação ou de deposito para que uma fique a funccionar enquanto a outra se despeja, retirando-se d'esta materias destinadas á agricultura, e estando sempre a outra apta para receber os dejectos, muito fazemos para a salubridade da povoação e até para beneficio agricola sem despendermos grande somma.

Esta obra é urgente, é impreterivel e eu appello para a boa vontade do Governo, boa vontade do que tenho provas sobejas, esperando confiadamente que ella se fará brevemente, porque não pode ficar um concelho inteiro, as suas vidas, fazendas e propriedades á mercê da primeira chuvada mais impetuosa que caia, engrossando o rio, cujas aguas, saindo do leão, sepultarão sob as suas aguas ou areias a cidade e campo de Leiria, que ficarão convertidos num pantano ou num areal, como aconteceu á povoação da antiga villa de Paredes actualmente submersa.

Appello para o governo persuadido de que elle não deixará, por meio de uma dotação ordinaria com a largueza bastante, por meio de uma verba sufficiente, por meio de um credito extraordinario, pois para isso é que elles melhor servem, mesmo antes da dotação habitual para estes serviços,, de mandar fazer as obras de simples defesa da cidade, as reparações nas motas, o seu reforço e a sua elevação, de maneira a collocar a cidade em circumstancias de poder esperar os beneficios que hão de derivar do bem ponderado o reflectido decreto do Sr. Ministro das Obras Publicas, que só pode dar resultados d'aqui alguns annos.

Tenho dito.

Vozes - Muito bem.

O 8r. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro):- O illustre Deputado o sr. Oliveira Simões fez largas e ponderosas considerações acerca das circumstancias em que se encontra a cidade de Leiria, e das obras que é necessario fazer para evitar ou prejuizos que o recente acontecimento do trasbordo do rio Liz causou áquella cidade.

O illustre Deputado, não só pelo conhecimento que tem das circumstancias loções, mas pelas suas aptidões especiaes e qualidade profissional, está muito no caso de illustrar o Parlamento pedindo a attenção do Governo para que os melhoramentos que julga indispensaveis se realizem.

O sr. Ministro das Obras Publicas não está presente, mas eu não só lhe communicarei as considerações por S. Exa. feitas, como recommendarei tambem ao meu collega que tenho na maior attenção os pedidos tão justos que S. Exa acaba de fazer (Apoiados) a fim de que a cidade de Leiria fique de futuro em resguardo com respeito a nova invasão das aguas do rio Liz. (Apoiados).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um negocio urgente o Sr. Egan Moniz.

O Sr. Egas Moniz: - É simplesmente para dirigir uma pergunta ao Sr. Presidente do Conselho. No domingo ultimo realizou-se pela segunda vez a eleição parochial de Lobão, por isso que a primeira havia sido annullada por accordão do Supremo Tribunal Administrativo.

Tenho informações seguras do que ali se passou e o Sr. Presidente do Conselho tambem as deve ter ou pode sabe-lo, porque enviou para lá alguem que, com muito criterio e plene verdade, o pode informar.

Os factos que. ali se passaram foram de tal gravidade que não se chegou a realizar a eleição.

Os cadernos foram falsificados, a urna levada pelo ar.

Nestas condições, não havendo no Codigo Administrativo disposição alguma que proveja esta hypothese no que respeita ás eleições parochiaes, parece-me que a nova eleição se deve realizar em breve, visto que o acto eleitoral realizado no domingo passado é o mesmo que se não tivesse realizado.

Attribuindo tudo o que succedeu ao regedor da freguesia do Lobão, que era o principal empenhado em alcançar a Junta do Parochia, e ao administrador do concelho, peço a V. Exa que mande proceder a averiguações e depois proceda energicamente, porque a não ser assim esta eleição, que só já fez por duas vezes, terá que se repetir quatro ou cinco. É necessario medidas energicas, e eu espero que o Sr. Presidente do Concelho tomara as providencias necessarias.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - A eleicão a que se referiu o illustre Deputado o Sr. Egas Moniz é parochial, e, a Camara comprehende bem, o meu afan eleitoral não vae até ao ponto de intervir numa eleição de Junta de Parochia. (Apoiados).

O que desejo simplesmente nas eleições parochiaes, e é esse o meu dever, é que estes actos corram na devida ordem.

O Sr. Egaz Moniz pediu-me providencias com relação á eleição da Junta de Parochia de Lobão. Eu dei ao Sr. governador civil, para que as transmittisse ao administrador do concelho, todas as instrucções que S. Exa. me pediu, e segundo as informações que tenho o que succedeu foi o seguinte:

A eleição correu regularmente até ás duas horas de espera; nesta altura protestou-se, com ou sem razão, está ainda para averiguar, com o fundamento de que o regedor havia substituido os cadernos eleitoraes.

Esse facto produziu borborinho e grande tumulto na assembleia, tumulto á sombra do qual eleitores que me dizem ser da opposição tomaram conta da urna e dos mais papeis, levaram-nos para a sacristia, e ahi rasgaram, queimaram, inutilizaram tudo.

Attribuida a causa do tudo ao regedor, foi este immediatamente suspenso, e ao que me consta o administrador do concelho propôs já a sua substituição; o que prova que o administrador do concelho não foi em cousa alguma connivente nos factos que se deram, e portanto esta auctoridade não tem as culpas que o illustre Deputado lhe quis attribuir. (Apoiados).

Se houve desmando da parte do regedor, está ainda para averiguar.

Em todo o caso, como o facto se deu em consequencia de actos attribuidos a um sub-agente da auctoridado administrativa, vê o illustre Deputado que foi dada satisfação com a suspensão do regedor.

Quanto á eleição, eu providenciarei da melhor forma que puder, para que ella se repita o mais brevemente possivel satisfazendo o desejo do illustre Deputado e em termos que S. Exa. não tenha que trazer novas reclamações ao Parlamento. (Apoiados).

Tenho dito.

(S. Exa não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Conde de Penha Garcia: - Mando para a mesa uma representação da Associação Industrial e Commercial da Covilhã, e para ella chamo a attenção do Governo e da Camara.

Trata-se dos interesses da mais valiosa industria da minha provincia, e de uma das mais importantes do país.

São justas as reclamações dos industriaes da Covilhã, estou certo de que ellas serão tomadas na devida conta pelos poderes publicos.

Em tempo opportuno fundamentarei e explanarei esta

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SESSÃO N.º 47 DE 4 DE ABRIL DE 1902 7

asserção, defendendo, como é de justiça, os interesses e prosperidade ,da minha provincia.

Por agora peço ao Sr.- Presidente se digne consultar a Camara para saber se permitte que a representação seja publicada no Diario ao Governo.

Foi auctorizada a publicação, estando em termos.

Vae por extracto no fim da sessão.

O Sr. Costa Pinto: - Mando para a mesa uma representação da Camara Municipal do concelho do Funchal.

Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do Governo.

Mando tambem para a mesa uma participação de que tenho talvez faltado ás sessões por motivo de serviço publico.

Foi auctorizada a publicação.

O Sr. Custodio Borja:- Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Tenho a honra do propor que seja aggregado ás commissões do ultramar e de marinha o Sr. Deputado Hypacio Frederico de Brion. = O Deputado, Custodio de Borja.

Foi approvada.

O Sr. João Augusto Pereira: - Mando para a mesa um projecto de lei que dispensa ao coronel de artilharia Luiz Augusto de Vasconcellos e Sá as provas e tirocinios que lhe faltarem para ser promovido ao posto de general de brigada.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Mendes Leal: - Mando para a mesa o parecer das commissões de instrucção primaria e secundaria e de fazenda sobre o projecto de lei n.° 89, de 1901, contando ao professor do lyceu central do Porto, Francisco Ribeiro Nobre o tempo de serviço militar para os effeitos da sua antiguidade no professorado, aposentação e jubilação.

Foi mandado imprimir.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei que reorganiza o ensino de pharmacia

Leu-se o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 20

Senhores. - As vossas commissões reunidas de ensino superior e especial, de saude e de fazenda apreciaram devidamente a proposta de lei n.° 19-A, sobre ensino pharmaceutico, apresentada á Camara dos Senhores Deputados pelo nobre Presidente do Conselho e Ministro do Reino.

Ao dar parecer sobre essa proposta, essas commissões não occultam de começo o seu unanime applauso á rasgada iniciativa do nobre Ministro.

Urgia na verdade reformar sem detença o ensino pharmaceutico. Ao passo que em todos os ramos do ensino nacional pouco e pouco se tem progredido por snccessivas reformas, que os guindaram á suficiencia com que se professam em paises mais cultos, o ensino pharmaceutico arrasta-se ainda acorrentado ás leis de 1836 o 1854.

Um unico professor, sem categoria condigna, nem vencimento remunerador, insuficientemente apetrechado de material, é quem tem sobre si, num incomportavel esforço de accumulação, a responsabilidade de um ensino tão complexo. Em mesquinhez de organização e em insuficiencia de aprendizagem não ha curso, por mais modesto que seja, que se lhe compare.

E todavia não tem escasseado as iniciativas. Mais de uma vez as sociedades medicas e pharmaceuticas, como os corpos docentes das escolas de medicina, por impulso proprio ou por consulta pedida, se esforçaram por terminar com tão vergonhosa organização de ensino; e, para se não deixar de percorrer todos os passos da via dolorosa não faltaram as commissões nomeadas ad hoc como iam bem ao proprio Parlamento foram presentes projectos que nunca mereceram a discussão. Quaesquer que fossem as causas que esterilizaram tantas vontades decididas, o certo é que todas as tentativas falharam.

Mas hão comportava mais demoras a reforma tantas vezes desejada, e outras tantas promettida. Tornava-se indispensavel alçapremar o ensino á altura a que lhe dá direito a importancia da funcção social do pharmaceutico ; não era licito consentir por mais tempo que a este se ministrasse uma instrucção deficiente e não a preparação capaz de mais o chamar á intimidade scientifica do medico, com que tem de continuo irmanar-se no exercicio da arte de curar.

Com a organização proposta pelo nobre Ministro do Reino concordam plenamente as commissões.

Sem lhes tolher a autonomia de que carecem, alliaram-se as escolas de pharmacia ás escolas de medicina, juncção de todo o ponto vantajosa, não só sob o ponto do vista pedagogico, pela communhão de interesses scientificos de que partilham os dois ensinos, como sob o ponto de vista economico, evitando onerosas duplicações de despesas que o thesouro publico não supporta.

Estabelece-se na proposta a unidade do ensino pharmaceutico. Ás vossas commissões, reunidas, de ensino, de saude e de fazenda, afigura-se igualmente mais vantajoso este regime do que o da dualidade de diplomas, que, traduzindo em ultima analyse uma deficiencia de ensino, leva, como no nosso pais, á existencia de duas categorias de profissionaes, uns mais classificados, mas menos fornecidos de pratica, outros mais praticos, mas sem instrucção suficiente para o desempenho consciencioso do seu mister. A proposta procura obter um meio termo no que em tal materia existe em outros paises, pondo de parte ostentações de organização, que nem sempre dizem excelencia de ensino, mas não reproduzindo facilidades de accesso, que convertam os pharmaceuticos em vulgares commerciantes, de homens de sciencia que só exige que sejam.

Mas, para não cair em iniquidade, tornava-se necessario não alongar em demasia o curso, restringindo-o por arma a nelle se estabelecer uma justa proporção entre as exigencias da habilitação e as compensações que de futuro se colham no exercicio profissional. Dividiu-se por isso o curso em dois annos, em que se condensa o que de mais indispensavel importa ao pharmaceutico, tendo todas as cadeiras a sua natural indicação, incluindo o curso auxiliar de toxicologia e legislação pharmaceutica, de que a simples enumeração dispensa qualquer encarecimento. Não se podia abreviar mais, nem escolher melhor.

Exige-se ao aspirante a pharmaceutico um exame geral, sem o qual as escolas não passarão ao alumno o diploma de habilitação profissional, unico titulo de capacidade legal para o exercicio da pharmacia no pais. Este exame, essencialmente pratico, não pareça uma demasia; é mais uma prova de apreciação da competencia e aproveitamento dos alumnos, de incontestavel superioridade sobre a these pedida em alguns projectos anteriores, e que mais solida garantia offerece da habilitação do profissional.

Pede-se ao aspirante a pharmaceutico a habilitação do curso complementar dos lyceus. Conferindo-se ao curso pharmaceutico a categoria do superior, procurando-se desnivelar differenças entre medicos e pharmaceuticos, cujos esforços se devem conjugar a bem da humanidade, ara coherente que assim se fizesse, proporcionando-se aos ultimos condigna illustração, coherencia pedida ainda pela tendencia á uniformização do nosso ensino secundario, que

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

já levou a exigencia do curso complementar para profissões de menos responsabilidade e importancia social.

Como preparatorios para o curso especial, pedem-se ainda os exames do chimica inorganica, organica e analyse chimica o botanica da faculdade de philosophia da Universidade, da Escola Polytechnica de Lisboa ou Academia Polytechnica do Porto. A importancia d'essas cadeiras para um estudo proveitoso das cadeiras do curso pharmaceutico obrigava a essa justa exigencia, que terá valiosa compensação na facilidade e vantagem com que os alumnos proseguirão no aprendizado especial.

Obriga-se finalmente o aspirante pharmaceutico á pratica de dois annos, exercida em qualquer pharmacia, antes da matricula no curso especial, aprendizado que em profissão essencialmente pratica era indispensavel para uma boa educação pharmaceutica. Pedem-se apenas dois annos, que mais não o permittem tambem as exigencias da instrucção secundaria; mas não pode negar-se que essa pratica, seguida com assiduidade o proveito, junta á pratica no curso especial, dará aos alumnos a sufficiencia que é legitimo exigir no começo do exercicio profissional.

Produzindo despesas com que se tornava impossivel onerar o thesouro na presente conjuntura, a proposta offerece as fontes de receita compensadora, novas taxas em correlação com a melhoria do ensino, e sêllo sobre as especialidades pharmaceuticas e aguas minero-medicinaes de composição e applicações therapeuticas semelhantes ás exploradas no pais. Legitimo recurso, mais de uma vez utilizado, nada representa de odioso, porque não affecta a pobreza, mas somente as classes remediadas, as que, pelos seus meios de fortuna, podem comprar o luxo das especialidades.

Para salvaguarda de direitos adquiridos, não se esqueceram disposições transitorias que suavisassem a passagem do antigo para o novo regime.

Em perfeita concordancia com as ideas do nobre Ministro do Reino, que mais uma vez merece os nossos sinceros louvores, como os de todos que se interessam pela melhoria dos serviços da instrucção, as vossas commissões reunidas de ensino superior e especial; de saude e de fazenda são do parecer que merece a vossa approvação o seguinte

PROJECTO DE LEI

CAPITULO I

Da organização do ensino da pharmacia

Artigo 1.° O ensino publico da pharmacia e a habilitação para o exercicio da respectiva profissão, serão ministrados pelas Escolas de Pharmacia, annexas á Faculdade de medicina da Universidade de Coimbra e ás Escolas Medico-Cirurgicas de Lisboa e Porto.

§ unico. Este ensino será para todos os effeitos, considerado como ensino superior.

Art. 2.° Ás Escolas de Pharmacia, cuja organização será identica, applicar-se-ha o regime vigente para o ensino medico superior, devendo opportunamente regulamentar-se a materia especial d'esta lei.

Art. 3.° O curso de pharmacia será de dois annos e abrangerá as seguintes disciplinas:

1.º Anno

1.ª cadeira.- Historia natural das drogas e materia medica.

2.ª cadeira. - Chimica pharmaceutica, analyses microscopicas e chimicas applicadas á medicina, hygiene e pharmacia.

2.ª Anno

3.ª cadeira- Pharmacotechnia. Alterações e falsificações de medicamentos e alimentos. Pratica nos respectivos laboratorios.

Curso auxiliar de toxicologia e legislação pharmaceutica.

Art. 4.° Os exames serão feitos por annos, perante um jury de tres professores das respectivas Escolas de Pharmacia .

Art. 5.° Approvado o alumno nas disciplinas, que constituem o 2.° anno do curso, será submettido a um exame geral, que abranja as materias das differentes cadeiras, prestado perante um jury, cujo presidente será o lente de materia medica da respectiva Escola de Medicina, e vogaes todos os professores da Escola do Pharmacia.

§ 1.° Este exame, essencialmente pratico, será devidamente regulamentado.

§ 2.° O exame, a quo se refere este artigo, poderá ser feito immediatamente á approvação no exame do 2.° anno, ou nos annos seguintes, em epocas determinadas pelo conselho, quando assim o requeira o alumno.

§ 3.° A approvação neste exame é condição indispensavel para a Escola passar ao alumno o respectivo diploma de habilitação profissional, unico titulo de capacidade legal, para o exercicio de pharmacia no país.

§ 4.° Ao alumno adiado neste exame é permittido repeti-lo decorrido um anno.

Art. 6.° São habilitações necessarias para a matricula no 1.º anno do curso da pharmacia.

1.° Curso complementar dos lyceus:

2.° Exames de chimica inorganica, chimica organica, analyse chimica e botanica feitos na Faculdade de philosophia da Universidade, Escola Polytechnica de Lisboa, ou Academia Polytechnica do Porto.

3.º Pratica pharmaceutica de dois annos exercida em qualquer pharmacia do país, posteriormente ao curso complementar dos lyceus.

Art. 7.° A pratica a que se refere o n.° 3.° do artigo 6.° deve ser annualmente registada nas Escolas de Pharmacia, e só o poderá ser mediante a apresentação dos seguintes documentos:

1.° Certidão em que se prove ter completado dezasete annos de idade;

2.° Certidão do curso complementar dos lyceus;

3.° Attestado de bom aproveitamento passado pelo pharmaceutico ou pharmaceuticos com quem tenha praticado.

CAPITULO II

Do pessoal

Art. 8.º O quadro do pessoal de cada Escola de Pharmacia será constituido do seguinte modo:

Tres lentes cathedraticos;

Um lente substituto;

Um preparador;

Um escripturario;

Dois serventes.

Art. 9.° Os vencimentos dos lentes cathedraticos, substitutos, preparadores, escripturarios e serventes, constam da tabella l, annexa a esta proposta.

Art. 10.° Desempenharão as funcções de director e secretario das Escolas de Pharmacia, o director o lente secretario das Escolas de Medicina respectivas.

§ 1.º As funcções de director e secretario na Escola de Pharmacia annexa á Faculdade de medicina, são respectivamente exercidas pelo Prelado da Universidade e respectivo secretario.

§ 2.° O conselho escolar será constituido pelo director e lente secretario da Escola de Medicina respectiva, pelo lente de materia medica e pelos lentes da respectiva Escola de Pharmacia.

Art. 11.° O provimento de logares de lentes das Escolas de Pharmacia só poderá ser feito por concurso de provas publicas, prestadas perante um jury, constituido pelo director, lente da cadeira de materia medica da Faculdade e Escolas de Medicina respectivas e pelos lentes

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da respectiva Escola de Pharmacia, servindo o mais moderno de secretario.

§ unico. Só poderão ser admittidos a este concurso os pharmaceuticos habilitados com o curso criado nesta proposta de lei.

Art. 12.º O logar de preparador será provido mediante concurso de provas publicas em pharmaceutico legalmente habilitado pelas escolas do continente do reino.

§ unico. Só podem ser admittidos a este concurso os pharmaceuticos habilitados com o curso criado nesta proposta de lei e ainda os que, não possuindo aquelle curso, tenham pelo menos tres annos de exercicio profissional.

Art. 13.° Ao Governo, pelo Ministerio do Reino, sob proposta do Conselho Escolar, compete o provimento de escripturarios e serventes.

Art. 14.º A l.ª, 2.ª e 3.ª cadeiras serão regidas pelos lentes cathedraticos das Escolas de Pharmacia, e o curso auxiliar pelo lente substituto.

CAPITULO III

Da despesa

Art. 15.° Para fazer face ás despesas de sustentação do laboratorios, bibliothecas, expediente, etc., das Escolas de Pharmacia será elevada a actual dotação de cada uma das Escolas de Medicina á quantia de 1:000$000 réis em cada anno.

§ unico. Para a installação das Escolas de Pharmacia, fica o Governo auctorizado a despender, ao todo, até á quantia de 4:5000$000 réis.

Art. 16.° O registo de pratica pharmaceutica, as propinas de abertura e encerramento de matricula ficam sujeitadas ás taxas da tabella n.° 2, annexa a esta proposta de lei.

Art. 17.° A cada frasco, tubo ou caixa de especialidade pharmaceutica ou de remedios secretos estrangeiros, e a cada frasco de aguas minero-medicinaes estrangeiras, cuja composição e applicações therapeuticas sejam semelhantes ás exploradas no país, será imposto um sêllo de 50 réis, e de 10 réis para as especialidades nacionaes.

§ unico. São considerados especialidades estrangeiras, todos os preparados pharmaceuticos que tiverem rotulos ou inscripções em idioma estrangeiro, nome ou nomes de preparadores e auctores estrangeiros.

CAPITULO IV

Disposições transitorias

Art. 18.° Os actuaes professores dos dispensatorios pharmaceuticos das Escolas de Lisboa e Porto, e o actual director do dispensatorio da Universidade de Coimbra, serão nomeados lentes proprietarios nas suas respectivas escolas.

Os outros lentes das Escolas de Pharmacia serão nomeados precedendo concurso de provas publicas, em que poderão ser candidatos os pharmaceuticos legalmente habilitados pelas escolas do continente do Reino.

§ 1.° O jury de concurso em cada Escola do Medicina será constituido pelo director, lente de materia medica, professor do dispensatorio pharmaceutico e quatro lentes escolhidos pelo conselho escolar das respectivas Escolas de Medicina, servindo o mais moderno de secretario.

§ 2.º Na Universidade de Coimbra o jury de concurso a que se refere este artigo, será organizado semelhantemente ao do paragrapho antecedente, substituindo-se o director pelo decano da faculdade de medicina, o professor do dispensatorio pharmaceutico por mais um lente escolhido pela congregação.

Art. 19.° Aos actuaes alumnos de pharmacia, matriculados, ao tempo da publicação d'esta lei, no primeiro ou segundo anno, do curso pharmaceutico da Universidade ou das Escolas Medico-Cirurgicas de Lisboa e Porto, ser-lhes-ha facultado concluir o sen curso nos termos da legislação em vigor á data da publicação d'esta lei.

Art. 20.° Os actuaes aspirantes a pharmaceuticos, com mais de tres annos de pratica já registada, poderão matricular-se no primeiro anno das Escolas de Pharmacia, depois de terminada a pratica de oito annos o estarem habilitados com o curso geral dos lyceus.

Art. 21.° - Os actuaes aspirantes a pharmaceuticos, com mais de cinco annos de pratica devidamente registada, podem terminar o seu curso nos termos da legislação em vigor á data da publicação d'esta lei.

§ único. Este processo de habilitação terminará três annos depois de organizadas as Escolas de Pharmacia.

Art. 22.º Os actuaes pharmaceuticos podem matricular se no primeiro anno das Escolas de Pharmacia.

Art. 23.° Fica revogada a legislação em contrario.

TABELLA N.º l

Lentes cathedraticos:

Vencimento de categoria.................. 600$000
Vencimento de exercicio (mensal).......... 30$000

Lentes substitutos:

Vencimento de categoria.................. 400$8000
Vencimento de exercício (mensal)......... 30$000
Preparadores - vencimento................ 300$OOO
Escripturarios - vencimento............... 240$000
Serventes-vencimento..................... 180$000

TABELLA N.º 2

Pelo registo de pratica pharmaceutica, cada anno.......................................... 2$0000
Pela abertura e encerramento de matricula, por
cada um d'estes actos......................... 10$000

Sala das commissões, l de março de 1902. = José Dias Ferreira (vencido)= Marianno de Carvalho - = João M. Arroyo = Almeida Dias = Manuel de Sousa Avides = Agostinho Lucio = Moraes Carvalho = José Maria de Oliveira Simões = Rodrigo A. Pequito = J. M. Pereira, de Lima = Conde de Paçô - Vieira = D. Luiz de Castro = Manuel Fratel = Alberto Navarro - H. Matheus dos Santos = Anselmo Vieira = Lopes Navarro = Abel Andrade = Carlos Molheira Dias = Augusto Louza Luciano Antonio Pereira da Silva = José Caetano de Sousa e Lacerda = Clemente Pinto, relator.

N.º 19-A

Senhores. - O ensino pharmaceutico entre nós carece de uma urgente remodelação, que lhe dê garantias de util e esclarecida applicação.

De ha muito que tanto as classes medica e pharmaceutica, como os corpos docentes de medicina, conclamam a absoluta necessidade da reforma d'essa instrucção, que, sem a menor duvida, tem sido o mais abandonado de todos os ramos de ensino nacional. Iniciado um curso regular de pharmacia junto das escolas de medicina pela reforma de 1836, assim se manteve até agora, na mesquinhez primitiva, este singular curso, com um unico professor, sem categoria nem vencimento condigno, e mal dotado de meios praticos de ensino. E por outro lado o regime que não deveria ser senão uma medida transitoria para habilitação de pharmaceuticos sem curso regular, perpetuou-se até hoje.

Obtido em condições tão rudimentares, não admira que o diploma de pharmaceutico seja menos apreciado, e que a classe, ferida nos seus brios, só esforce por alcançar, nas escolas publicas, a graduação profissional e scientifica que lhe compete.

Da elevação do nivel pharmaceutico depende tambem a do nivel medico, pois que a arte pharmaceutica é auxiliar prestante e indispensavel da arte de curar. Não

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existe profissão que mais careça de ser exercida em condições de plena confiança do que esta, e por isso, de ha muito, as leis a cercaram de precauções e garantias; ora a primeira de todas é a investidura de um titulo que faça presuppor uma competencia real. A reforma do ensino pharmaceutico é, portanto, do verdadeira conveniencia publica, e interesse geral.

Assim o comprehendeu o Governo, e d'ahi o sen proposito de promover essa reorganização.

Mas, ao tentar satisfazer esse empenho, depararam-se-lhe obstaculos nascidos precisamente da propria causa que pretendia servir; porque sobre as bases e condições da reforma se teem suscitado alvitres desencontrados no que respeita á categoria dos diplomas, ao conteudo do ensino, aos graus de curso,- dissidencias estas, que, apresentadas cora intransigencia, comprometiam o exito da causa. Certamente é esta uma das razões, que teem feito retardar até agora a tão esperada reforma.

Compulsou o Governo os trabalhos de commissões officiaes e os pareceres das escolas de medicina, e nelles se inspirou para a elaboração do presente projecto de lei, procurando por um lado organizar um ensino que forneça aos aspirantes pharmaceuticos uma sufficiencia profissional, em que justamente se conciliem as exigencias da habilitação com as compensações do exercicio profissional, e por outro crear receita que custeie ou attenua os encargos das novas despesas, allivio orçamental imposto pelas condições do Thesouro publico.

As tres escolas de pharmacia do Reino continuam annexas á faculdade de medicina e ás escolas medico-cirurgicas. Esta connexão traduz a alliança intima, que essencialmente deve existir entre os dois ensinos medico e pharmaceutico. Mante-la é uma vantagem pedagogica e economica. As installações e o curso da pharmacia servirão para o ensino pratico da materia medica e pharmacotechnia, necessario aos alumnos de medicina; e, por seu lado, os alumnos de pharmacia participarão no ensino da materia medica.

Por nenhum modo convem, pois, a sisão das duas escolas, e muito menos pelo lado economico, em vista dos encargos que traria a sua installação separada.

Esta vida commum, sob o mesmo tecto, não obsta a que a escola de pharmacia se governe á parte, com um conselho proprio.

Criam-se as cadeiras e disciplinas necessarias, não excedendo o curso o prazo de dois annos. Alongá-lo seria difficultar-lhe o accesso, carregando-o com tempo e despesas menos compativeis com os reditos industriaes da profissão e com as necessidades publicas.

Alem das cadeiras de historia natural das drogas e materia medica, e de pharmacotechnia, alterações o falsificações de medicamentos e alimentos, estabelece-se uma cadeira do chimica pharmnceutica, analyses microscopicas e chimicas applicadas á medicina, hygiene e pharmacia; é uma habilitação de grande prestimo ao pharmaceutico, que poderá assim prestar auxilio de tanta necessidade por toda a parte á clinica e á hygiene.

Junta-se a estas cadeiras um curso de toxicologia e legislação pharmaceutica, cuja importancia é desnecessario encarecer.

Terminados os dois annos do curso, o aspirante a pharmaceutico passa por um exame geral, essencialmente pratico, que é mais uma garantia da habilitação do profissional, chamado a exercer tão melindrosa funcção social.

Submette-se todo o aspirante pharmaceutico á pratica ora officina propria, durante dois annos.

E um preparo tão util este aprendizado, que se julgou habilitação previa indispensavel. São apenas dois annos de pratica, mas que exercidos com cuidado e assiduidade bastarão ao aspirante pharmaceutico para colher o maximo proveito da pratica que terá de cumprir no curso especial.

Devendo dar-se ao pharmaceutico a instrucção bastante para o tornar auxiliar prestimoso do medico, justo era exigir-lhe a preparação secundaria d'aquelle com que se tem de conjugar no exercicio profissional.

Por outro lado, havendo os individuos que se destinam a pharmaceuticos do estudar como preparatorio a chimica inorganica, a organica, a analyse chimica e a botanica, em escolas superiores, faz-se inevitavel o curso complementar, não só por se tratar da matricula nestes institutos, mas porque sem elle faltariam elementos para a prompta e bastante intelligencia dos programmas d'aquellas disciplinas, ou para a proveitosa frequencia de todas ellas. Alem de que, o curso complementar dos lyceus já é exigido para outros cursos de não maior importancia social.

Pedem-se ao aspirante pharmaceutico os exames de chimica inorganica, chimica organica, analyse chimica o botanica da faculdade de philosophia, da Escola Polytechnica de Lisboa ou Academia Polytechnica do Porto, porque é indispensavel que assim seja, attenta a importancia d'aquellas disciplinas como preparatorios para as cadeiras do curso pharmaceutico.

Na parte financeira, alem de novas taxas, recorre o projecto ao imposto do sêllo sobre as especialidades pharmaceuticas e aguas minero-medicinaes, cuja composição e applicações therapeuticas sejam semelhantes ás exploradas no pais.

São as especialidades, geralmente, medicamentos de luxo e consumidas pelas classes remediadas; e, portanto, a medica contribuição não irá incidir sobre generos da mais vulgar necessidade para a medicina, nem aflectará os doentes mais pobres.

Por ultimo estabelecem se disposições transitorias, absolutamente indispensaveis para não lesar direitos legitimamente adquiridos.

Eis, em resumo, as idéas que guiaram a elaboração d'este diploma, com o qual o Governo julga concorrer para um melhoramento inadiavel de serviço publico, dentro dos limites impostos pelas circumstancias actuaes.

Proposta de lei

CAPITULO I

Da organização do ensino da pharmacia

Artigo 1.° O ensino publico de pharmacia e a habilitação para o exercicio da respectiva profissão, serão ministrados pelas Escolas de Pharmacia, annexas á Faculdade de medicina da Universidade de Coimbra e ás Escolas Medico-Cirurgicas de Lisboa e Porto.

§ unico. Este ensino será, para todos os effeitos, considerado como, ensino superior.

Art. 2.º Ás Escolas de Pharmacia, cuja organização será identica, applicar-se-ha o regime vigente para o ensino medico superior, devendo opportunamente regulamentar-se a materia especial d'esta lei.

Art. 3.° O curso do pharmacia será de dois annos e abrangerá as seguintes disciplinas:

1.º Anno

1.ª cadeira. - Historia natural das drogas e materia medica.

2.ª cadeira. - Chimica pharmaceutica, analyses microscopicas e chimicas applicadas á medicina, hygiene e pharmacia.

2.º Anno

3.ª cadeira. - Pharmacetechnia Alterações e falsificações de medicamentos e alimentos. Pratica nos respectivos laboratorios.

Curso auxiliar de Toxicologia e legislação pharmaceutica.

Art. 4.º Os exames serão feitos por annos, perante um jury de tres professores das respectivas Escolas de Pharmacia.

Art. 5.º Approvado o alumno nas disciplinas, que cons-

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concurso de provas publicas em pharmaceutico legalmente habilitado pelas escolas do continente do reino.

§ unico. Só podem ser admittidos a este concurso os pharmaceuticos habilitados com o curso criado nesta proposta de lei e ainda os que, não possuindo aquelle curso, tenham pelo menos tres annos de exercicio profissional.

Art. 13.° Ao Governo pelo Ministerio do Reino, sob proposta do Conselho Escolar, compete o provimento de escripturarios e serventes.

Art. 14.° A l.ª, 2.ª, e 3.ª cadeiras serão regidas pelos lentes cathedraticos das Escolas de Pharmacia e o curso auxiliar pelo lente substituto.

CAPITULO III

Da desposa

Art. 15.° Para fazer face ás despesas de sustentação de laboratorios, bibliothecas, expediente, etc., das Escolas de Pharmacia será elevada a actual dotação de cada uma das Escolas do Medicina á quantia de 1:000$000 réis em cada anno.

§ unico. Para a installação das Escolas de Pharmacia, fica o Governo auctorizado a dispender, ao todo, até á quantia de 4:500$000 réis.

Art. 16.° O registo de pratica pharmaceutica, as propinas de abertura e encerramento de matricula ficam sujeitas ás taxas da tabella n.º 2, annexa a esta proposta de lei.

Art. 17.° A cada frasco, tubo ou caixa de especialidade pharmaceutica ou de remedios secretos estrangeiros, e a cada frasco de aguas minero-medicinaes estrangeiras cuja composição e applicações therapeuticas sejam semelhantes ás exploradas no país, será imposto um sêllo de 50 réis, e de 10 réis para as especialidades nacionaes.

§ unico. São considerados especialidades estrangeiras, todos os preparados pharmaceuticos que tiverem rotulos ou inscripções em idioma estrangeiro, nome ou nomes de preparadores e auctores estrangeiros.

CAPITULO IV

Disposições transitorias

Art. 18.º Os actuaes professores dos dispensatorios pharmaceuticos das Escolas de Lisboa e Porto, e o actual director do dispensatorio da Universidade do Coimbra, serão nomeados lentes proprietarios nas suas respectivas escolas.

Os outros lentes das Escolas de Pharmacia serão nomeados precedendo concurso de provas publicas em que poderão ser candidatos os pharmaceuticos legalmente habilitados pelas escolas do continente do Reino.

§ 1.° O jury do concurso em cada Escola de Medicina será constituido pelo director, lente de materia medica, professor do dispensatorio pharmaceutico e quatro lentes escolhidos pelo conselho escolar, das respectivas Escolas de Medicina, servindo o mais novo de secretario.

§ 2.° Na Universidade de Coimbra o jury de concurso a que se refere esto artigo será organizado semelhantemente ao do paragrapho antecedente, substituindo-se o director pelo. decano da faculdade de medicina, o professor do dispensatorio pharmaceutico por mais um lente escolhido pela congregação.

Art. 19.º Aos actuaes alumnos de pharmacia, matriculados ao tempo da publicação d'esta lei, no primeiro ou segundo anno, do curso pharmaceutico da Universidade ou das Escolas Medico-Cirurgicas de Lisboa e Porto, ser-lhes-ha facultado concluir o seu curso nos termos da legislação em vigor á data da publicação d'esta lei.

Art. 20.° Os actuaes aspirantes a pharmaceuticos, com mais de tres annos de pratica já registada, poderão matricular-se no primeiro anno das Escolas de Pharmacia, depois de terminada a pratica de oito annos e estarem habilitados com o curso geral dos lyceus.

Art. 21.° Os actuaes aspirantes a pharmaceuticos, constituem o 2.° anno do curso, será submettido a um exame geral, que abranja as materias das differentes cadeiras, prestado perante um jury, cujo presidente será o lente de materia medicada respectiva Escola de Medicina, e vogaes todos os professores da Escola de Pharmacia.

$ l.º Este exame, essencialmente pratico, será devidamente regulamentado.

§ 2.° O exame, a que se refere este artigo, poderá sor feito immediatamente á approvação no exame do 2.° anno, ou nos annos seguintes, em epocas determinadas pelo conselho, quando assim o requeira o alumno.

§ 3.° A approvação neste exame é condição indispensavel para a Escola passar ao alumno o respectivo diploma de habilitação profissional, unico titulo de capacidade legal, para o exercicio de pharmacia no pais.

§ 4.° Ao alumno adiado neste exame é permittido repeti-lo decorrido um anno.

Art. 6.° São habilitações necessarias para a matricula no 1.° anno do curso de pharmacia:

1.° Curso complementar dos lyceus;

2.º Exames de chimica inorganica, chimica organica, analyse chimica e botanica feitos na Faculdade de philosophia da Universidade, Escola Polytechnica de Lisboa, ou Academia Polytechnica do Porto;

3.° Pratica pharmaceutica de dois annos exercida em qualquer pharmacia do país, posteriormente ao curso complementar dos lyceus.

Art. 7.° A pratica a que se refere o n.° 3.° do artigo ti. 0 deve ser annualmente registada nas Escolas de Pharmacia, e só o poderá ser mediante a apresentação dos seguintes documentos:

l ° Certidão em que se prove ter completado dezasete annos de idade;

2.° Certidão do curso complementar dos lyceus;

3.° Attestado de bom aproveitamento passado pelo pharmaceutico ou pharmaceuticos com quem tenha praticado.

CAPITULO

Do pessoal

Art. 8.° O quadro do pessoal de cada Escola de Pharmacia será constituido do seguinte modo:

Tres lentes cathedraticos;

Um lente substituto;

Um preparador;

Um escripturario;

Dois serventes.

Art. 9.º Os vencimentos dos lentes cathedraticos, substitutos, preparadores, escripturarios e serventes, constam da tabella l, annexa a esta proposta.

Art. 10.° Desempenharão as funcções de director e secretario das Escolas de Pharmacia, o director e lente secretario das Escolas de Medicina respectivas.

§ 1.° As funcções de director c secretario na Escola de Pharmacia annexa á Faculdade de medicina, são respectivamente exercidas pelo Prelado da Universidade e respectivo secretario.

§ 2.° O conselho escolar será constituido pelo director e lente secretario da Escola de Medicina respectiva, pelo lente de materia medica e pelos lentes da respectiva Escola de Pharmacia.

Art. 11.° O provimento dos legares de lentes das Escolas do Pharmacia só poderá ser feito por concurso de provas publicas, prestadas perante um jury, constituido pelo director, lente da cadeira de materia medica da Faculdade e Escolas de Medicina respectivas e pelos lentes da respectiva Escola de Pharmacia, servindo o mais novo de secretario.

§ unico. Só poderão ser admittidos a este concurso os pharmaceuticos habilitados com o curso criado nesta proposta de lei.

Art. 12.° O logar de preparador será provido mediante

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mais do cinco annos de pratica devidamente registada, podem terminar o seu curso nos termos da legislação em vigor á data da publicação d'esta lei.

§ unico. Este processo de habilitação terminara tres annos depois de organizadas as Escolas de Pharmacia.

Art. 22.° Os actuaes pharmaceuticos podem matricular-se no primeiro anno das Escolas de Pharmacia.

Art. 23.° Fica revogada a legislação em contrario.

TABELLA N.º l

Lentes cathedraticos:

Vencimento de categoria................... 600$000
Vencimento de exercício (mensal)........... 30$0OO

Lentes substitutos:

Vencimento de categoria.................. 400$000
Vencimento do exercicio (mensal)........... 30$000
Preparadores - vencimento................ 300$000
Escripturarios - vencimento.............. 240$000
Serventes - vencimento................... 180$000

TABELLA N.º 2

Pelo registo de pratica pharmaceutica, cada anno. ...2$000

Pela abertura e encerramento do matricula, (por cada um d'estes actos)............................................... 10$000

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 26 de fevereiro de 1902. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.°

O Sr. Egas Moniz: - Sr. Presidente: a evolução do ensino de pharmacia em Portugal tem sido morosissima, não só pelo menos cuidado que lhe toem dedicado os nossos estadistas, mas ainda pelas dificuldades que havia em legislar sobre este ensino, e ainda pelas divergencias suscitadas na classe pharmaceutica em relação a muitos projectos elaborados, impedindo assim o seu bom e regular andamento.

As leis que nos regem ainda hoje sobre pharmacia datam de 1836, e essas leis são verdadeiramente primitivas sobretudo se as compararmos com as de outras nações mais avançadas onde se cuida mais da instrucção, que é innegavelmente uma das bases mais valiosas, se não a mais valiosa, de um bom edificio politico e administrativa.

E apesar d'essas leis representarem actualmente um grande atraso, na epoca em que foram promulgadas representaram um grande avanço. Ainda hoje honram o nome do illustre estadista que as promulgou, Manuel da Silva Passos. Antecedera-o no Ministério do Reino um chimico notavel e um pedagogista insigne, Mousinho de Albuquerque, que antes de ascender aos conselhos da Coroa tinha tido a ousadia (porque nesse tempo era precisa ousadia para iguaes commettimentos) do estabelecer um curso do chimica pratica numa das salas da Casa da Moeda.

Quando ascendeu aos Conselhos da Coroa pretendeu reformar todo o ensino superior: o seu projecto ora grandioso como era proprio do cerebro possante que o imaginara, mas as lutas politicas d'essa epoca não permittiram que o transformasse em realidade.

Foi sou sucessor Passos Manuel, que aproveitou talvez o trabalho do seu antecessor no que respeita ao ensino de pharmacia; mas os progressos de 1836 é que são actualmente uma vergonha para nós, sobretudo se os pusermos em confronto com o ensino ministrado noutros países.

As sciencias medicas e conjuntamente as sciencias pharmaceuticas, que andam ligadas, transformaram-se por completo nos ultimos 50 annos sob o impulso d'esse grande agitador scientifico que se chamou Pasteur.

A revolução foi extraordinaria e sobre as ruinas da antiga sciencia medica surgiu uma nova sciencia fundada no conhecimento dos infinitamente pequenos o até então perfeitamente desconhecida, porque ninguem attendera ás provisões de Raspail.

Ora na transformação por que a sciencia medica passou a sciencia pharmaceutica acompanhou a a passo e passo, não só no que diz respeito á sorotherapia, opotherapia, etc., mas ainda no mundo dos alcaloides e principios activos em geral.

Pois em Portugal, apesar de estarmos hoje como estavamos em 1836, não foi isso devido á falta de projectos. Houve-os de iniciativa particular, de iniciativa das sociedades pharmaceuticas, e até de commissões nomeadas pelos Governos, que mereceram louvores justos dos Ministros que então se sentavam nas cadeiras do poder.

Permitta-me a Camara que eu cite dos primeiros os de Xavier Cordeiro, Conselheiro Marianno de Carvalho, Dr. Bernardino Antonio Gomes, que foi medico muito distincto e querido em Lisboa, pae do chorado estadista Barros Gomes, e ainda finalmente, para não estar a citar outros, o do immortal professor Sousa Martins, d'esses illuminado orador cuja perda nós ainda hoje tanto deploramos.
Pois nenhum d´esses projectos pôde ser sequer trazido á discussão.

Seguidamente as sociedades pharmaceuticas apresentaram os seus projectos, e dentro das proprias sociedades se levantaram discussões que concorreram, por vezes, para pôr dificuldades ao seu seguimento regular.

Finalmente, ha um projecto que é notavel, e que foi elaborado por uma commissão nomeada em 21 de janeiro do 1890, pelo fallecido estadista Serpa Pimentel. Essa commissão produziu não só um projecto de ensino de pharmacia, mas um outro do seu exercicio, que eu entendo devia vir unido a este projecto.

Peço mesmo ao Sr. Ministro do Reino, que já que encetou o caminho do pretender reformar o ensino pharmaceutico, trate de conseguir, o mais depressa possivel, uma lei regulamentar do exercicio pharmaceutico, que tão reclamada está sendo pela classe pharmaceutica do pais.

Sr. Presidente, essa commissão, como ia dizendo, elaborou dois projectos: um, sobre ensino pharmaceutico, e outro sobre exercicio pharmaceutico. E taes foram os seus serviços que o Ministro de Instrucção Publica de então, o Sr. Conselheiro João Arrojo, a louvou, com toda a justiça, numa portaria de 20 de junho do mesmo anno.

Seguidamente os factos impediram que esse projecto viesse ao parlamento e tivesse o seguimento que era de esperar. Rebentava a crise financeira, subia ao poder o Sr. Conselheiro Dias Ferreira e começavam a estabelecer-se as medidas de salvação publica, esse euphomismo com que se procurou occultar o nome verdadeiro de bancarrota. Sondo cerceadas as despesas, ficaram prejudicadas as receitas consignadas nesse projecto, que teve de pôr-se de parte, embora o Sr. Dias Ferreira tambem pretendesse reformar o ensino de pharmacia, sobre bases mais modestas.

Descrevi a traços largos, desde 1836, qual tem sido a evolução do ensino pharmaceutico em Portugal; Depois d'isto impõe-se-me o declarar á Camara, com a sinceridade do que me prezo e com a lealdade de que sou capaz, que é com a maior benevolencia que entro na discussão d'este projecto. Estou convencido que o Sr. Ministro do Reino o considera questão, aberta para que todos, medicos e não medicos, de um e de outro lado da Camara, nelle possam collaborar a fim de sair uma lei proveitosa para o ensino pharmaceutico e sobretudo uma lei viavel, (Apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Hintze Ribeiro): - Apoiado.

O Orador: - Sr. Presidente, feitas estas considerações geraes, vou entrar propriamente na apreciação do projecto.

Devo declarar a V. Exa. e á Camara que não concordo com algumas das disposições aqui exaradas. Talvez que a

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illustre commissão, a quem vão ser mandadas as minhas emendas, o não entenda assim!... Estudei o projecto o elaborei as minhas emendas com todo o cuidado, e vou justificá-las da melhor maneira, que puder. Manda-las-hei para a mesa, e a sequencia dos argumentos justificará se são ou não acceitaveis, e a illustre commissão julgará se são ou não procedentes os motivos que apresento em sua defesa.

Destacara-se no actual projecto dois artigos, para que peço em especial a attenção d'aquelles que teem de entrar na discussão d'este projecto; refiro-me aos artigos 6.° e 3.°

O artigo 6.° diz o seguinte:

São habilitações necessarias para a matricula no 1.° anno do curso de pharmacia:

1.° Curso complementar dos lyceus;

2.º Exames de chimica inorganica, chimica organica, analyse chimica e botanica feitos na faculdade de philosophia da Universidade, Escola Polytechnica do Lisboa, Academia Polytechnica do Porto ;

3.° Pratica pharmaceutica de dois annos exercida em qualquer pharmacia do pais, posteriormente ao curso complementar dos lyceus.

Paremos aqui um pouco.

Esta pratica, ou ha de ser realizada conjuntamente com a frequencia da chimica organica, da chimica inorganica e da botanica do curso polytechnico ou da faculdade de philosophia, e então deixa de ser pratica e cahimos no mesmo defeito em que a Hespanha incorre, que tem um curso muito decurativo mas que dá peores profissionaes do que nós, ou então ha de ser independente do ensino naquelle curso, e então o curso de pharmacia é augmentado com mais dois annos. (Apoiados).

Isto é, será de 13 annos, e mesmo na hypothese da accumulação será de um minimo de 11, e isto deixando de haver pratica, porque sendo realizada concomitantemente com a frequencia das cadeiras de chimica e de botanica não pode ser proficua. Precisamos de ver isto em toda a sua nudez.

Desde que se desejem pharmaceuticos profissionaes e não doutores, porque de doutores já o país está farto, devem, acima de tudo, ser bons praticos. Esta é a minha opinião.

Estou de acordo que haja apenas um curso de pharmacia, mas que esse curso não seja tão exigente como o que vem consignado no projecto, ou por outra seja mais exigente no campo pratico, em que o pharmaceutico principalmente se deve instruir. (Apoiados).

Com relação ao artigo 3.° e que cria propriamente o curso de pharmacia, eu desejo fazer uma pergunta aos meus collegas.

Um determinado estudante, e supponhamos que o estudante é qualquer dos membros da Camara, frequenta o curso dos lyceus, chega ao fim, e vê diante de si muitas Carreiras, porque hoje não ha separação, nos lyceus, do curso de letras do curso de sciencias, estando portanto habilitado a matricular-se em qualquer das escolas superiores do pais.

Eu pergunto sinceramente, e sinceramente vou responder, se qualquer de nós, como estudante, tivesse o curso complementar dos lyceus, tendo deante de si o bacharelado em direito, o curso superior, de letras, etc., mais faceis que o curso de pharmacia, iria frequentar o curso pharmaceutico?

Respondendo por mini, affirmo que não ia frequenta lo por maior amor que tivesse á sciencia pharmaceutica, e por mais que considere a posição dos cultores d'esta sciencia. Procuraria um modo de vida que me fosse mais agradavel do que este de estar a aviar medicamentos, ficando diariamente preso ás exigencias dos doentes.

E digo mais, e com todo o desassombro, supponho que todos aquelles que estiverem nestas condições, farão o mesmo. Sendo assim, este curso não é viavel e é neste sentido, e para este campo especial, que chamo a attenção da Camara, e enviarei para a mesa as minhas propostas de emenda tendentes a resolver a dificuldade.

Mas comecemos por onde devemos começar.

Exige-se primeiro o curso complementar dos lyceus. Devo dizer desde já que não sou contrario a reforma dos lyceus, e digo isto porque em questões administrativas e sobretudo de ensino tenho dito mais de uma vez que não considero as distinções das bandeiras politicas.

Acho que em problemas d'esta natureza devemos por de parte a politica (Apoiados) e seria bom que todos seguissem esse caminho, que julgo recto e justo e que me prezo, pelo meu lado, de ter seguido.

Em questões de instrucção sejamos justos e moderados, e façamos alguma cousa de proveitoso, a fim de nos elevarmos como merecemos.

Ora para o curso de pharmacia exige-se o curso complementar dos lyceus. Não sou, como disse, contrario á reforma actual dos lyceus, e não o sou, não porque actualmente já esteja convencido das vantagens praticas que virão a resultar d'essa reforma para o ensino, mas porque em todos os paises cultos da Europa existem cursos identicos. A não ser na Hespanha, existem na Allemanha, na Belgica, na Russia, na Italia, na França, etc., com exclusão da Inglaterra, onde o ensino se faz de uma maneira inteiramente diversa da dos outros paises. E contudo na própria Inglaterra vae em breve ser affecto á discussão no
Parlamento, um projecto relativo á reforma dos gymnasios nas mesmas condições em que existe na Allemanha e na maior parte dos paises da Europa.

Portanto, a minha apreciação não podo ser menos insuspeita sobre a questão das habilitações secundarias para os pharmaceuticos.

Devo dizer que não concordo com a exigencia do curso complementar o não concordo exactamente porque não discordo da orientação da presente reforma lyceal.

Com effeito actualmente o alumno fica sabendo um pouco de francês, latim, mathematica, etc., em qualquer dos annos, isto é: fica com uma illustração geral proveitosa, e formando um corpo de instrucção em qualquer anno do curso.

Ora nos países da Europa mais adeantados, naquelles em que mais se cuida da instrucção e onde existe curso lyceal semelhante ao nosso, em nenhum d'esses paises se exige o curso complementar dos lyceus para a matricula nas escolas de pharmacia.

O mais que se exige é o curso geral, e é o mais, porque em alguns países nem tanto se exige.

Como não quero fazer afirmações quo não justifique, vou passar em rapida revista o que succede lá fora, não só nos paises mais adeantados, mas tambem nos menos adeantados em assumptos de instrucção.

Na Hespanha o curso secundario é feito, como succedia antigamente em Portugal, por exames singulares.

Lembro até que os allemães diziam, ha annos, que a Hespanha e Portugal eram a nodoa negra em relação ao curso secundario. E actualmente Portugal no que diz respeito a este assumpto já é citado com louvor! Todavia preciso ver se as reformas que deram resultado lá fora no nosso pais darão esse resultado, porque em todos os assumptos é tambem necessario attender á diversidade das raças (Apoiados).

Não sei se o que convem á raça germanica dará resultado para a raça latina, e por isso não sei se esta reforma dará resultados proficaes no nosso pais. Vamos experimentar, e depois veremos o que poderemos dizer, é o que ha a modificar.

Em Hespanha, para habilitação para o curso de pharmacia, exigem-se 5 annos do curso secundario.

E eu estou convencido que quem frequentar durante 5

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annos o nosso curso dos lyceus fica mais habilitado a frequentar o curso de pharmacia do que em Hespanha.

Em França succede a mesma cousa.

Ha duas classe de pharmaceuticos. Pois os profissionaes ainda hoje não são obrigados a ter o curso completo dos lyceus!

Por isso, parece que não ha razão para se impor em Portugal, tanto mais que os paises que estão mais ao sul, por questão do raça e do temperamento, tendem a diminuir os cursos, em voz de os augmentar.

Na Italia o curso profissional dá direito ao exercicio, que é conseguido, no que respeita á habilitação, por um determinado numero de exames. Mas ha neste pais um exemplo frisante para que eu chamo a attenção da Camara.

Primitivamente na Italia exigia-se o curso complementar dos lyceus. Sabem qual foi o resultado? É que não houve pharmaceuticos. Querem exemplo mais convincente da desvantagem da obrigação do curso lyceal? Parece-me que não se pode encontrar.

Na Belgica succedeu o mesmo. A Belgica, que é considerada como modelo nas questões de pedagogia, exigia o curso completo dos lyceus; pois tiveram de o supprimir, porque não havia pharmaceuticos profissionaes que se quisessem submetter a esse encargo.

Isto é a prova bem evidente de que vamos por caminho errado.

Se lá fora, onde só estuda mais, onde só cuida mais da instrucção publica do que em Portugal, não dão resultados os cursos de pharmacia nestas condições, como é que hão de dar resultados em Portugal?

Mas ha mais.

Na Hollanda, em que no curso lyceal se approxima do que existe em Portugal, ahi exige-se o curso geral, porque se se exigisse mais dava o mesmo resultado que se deu nas outras nações, e como ha de fatalmente dar-se em Portugal.

Na Austria o curso profissional, ou o curso dos magister, exige previamente o diploma do gehulfe e que representa 3 annos de pratica e preparatorios de 4 annos do gymnasio ou lyceu, devendo notar-se que a instrucção secundaria é identica á nossa.

Na Austria, repito, exige-se apenas até ao 4.° anno de lyceu. Em Portugal desejo mais: queria o curso geral isto é habilitações lyceaes até ao 5.° anno.

Na Dinamarca exigem-se os quatro primeiros annos do ensino secundario, e agora o ensino secundario é identico ao nosso.

Na Suissa exigem-se os exames até ao terceiro anno. Na Noruega exigem-se habilitações incompletas, pelo que diz respeito ao ensino lyceal; mas deixemos todos esses paises, onde o ensino secundario, no que diz respeito ao ensino especial de pharmacia, é mais reduzido, para entrar em averiguações no que respeita á Allemanha, que é considerado, e com razão, o primeiro pais em assumptos de instrucção e pedagogia.

Na Allemanha existe um curso lyceal de nove annos, pois, apesar d'isso, na Allemanha apenas se exige o curso geral dos lyceus, e não o curso complementar.

Para o curso de pharmacia abre-se essa excepção.

Sendo assim, julgo ter demonstrado á Camara, em face do que sucede nos paises mais adeantados do que o nosso, que exigem só o curso geral dos lyceus, porque quando se exigia um curso completo, succedia e que se deu na Belgica e na Italia. Com a exigencia do curso completo não ha pharmaceuticos.

Vou agora demonstrar com factos succedidos no nosso país que, desde que se estabeleça este curso, não haverá entro nós pharmaceutico algum.

Argumentei com o exemplo das nações mais adeantadas e vou agora argumentar com o que já succedeu em Portugal.

Se depois disto a commissão entender que não deve acceitar as minhas emendas neste sentido, quasi que posso asseverar que mais tarde se verão forçados a entrar num regimepeor do que aquelle que proponho.

Em 1854 entendeu-se que para os pharmaceuticos de 2.ª classe, que apenas se obrigam a fazer um exame de habilitação pharmaceutica, devia exigir-se o curso completo dos lyceus e o resultado foi desalentador.

Em quanto vigoraram as disposições transitorias que permittiam fazer esse exame ainda appareceram concorrentes, mas acabado o periodo transitorio tão poucos apareceram a fazer esse exame que os Governos se viram obrigados mais tarde a publicar uma portaria em que se recommendava aos professores que fossem benevolos para os que se dedicavam á pharmacia, criando-se esses celebres exames singulares, que bem conhecemos pelos pessimos resultados que produziram.

Parece-me, Sr. Presidente, ter demonstrado do uma maneira completa, em face do que succede lá fora, o dos actos da nossa terra, que não pode, por forma alguma, ficar na lei, como clausula de admissão ás escolas de pharmacia, esta exigencia do curso completo dos lyceus.

É por isso que mando para a mesa a minha emenda, nos seguintes termos:

(Leu).

Deixemos, porem, este assumpto, o passemos ao que diz respeito á pratica pharmaceutica.

Quanto a mim estou convencidissimo de que um profissional em pharmacia deve ser, acima de tudo, um pratico.

Por mais que me queiram convencer de que nas escolas se aprende tudo o que é necessario a um pharmaceutico, eu direi sempre que isso não é verdadeiro.

O pharmaceutico precisa de ter uma pratica longa e instructiva no que respeita aos habitos da manipulação e que é muito diversa da que elle pode adquirir nos differentes estabelecimentos de ensino.

Sendo assim, não concordo com a exiguidade da pratica estabelecida neste projecto, por dois motivos.

Em primeiro logar, não posso admittir que, com a frequencia da cadeira de chimica e de botanica, se possa ter uma pratica proficua e proveitosa.

E desde que admittamos a pratica fura da frequencia d'estas cadeiras ficaria um curso tão longo como o de medicina, em Lisboa o Porto, que pode tambem fazer-se em 6 annos.

Não sendo assim temos então que admittir a pratica realizada concomitantemente com a frequencia das duas cadeiras de chimica, da analyse chimica e botanica, nas faculdades de philosophia ou escolas polytechnicas.

Mas essa pratica não pode ser, como disse, util e proveitosa, porque essas cadeiras obrigam a muito estudo.

De duas, uma: ou o alumno ha de estudar ou ha de praticar. As duas cousas juntas é que se não podem admittir.

Ha muito tempo que nós laboramos no erro de querermos cursos demasiadamente theoricos, e exiguamente praticos.

Por outro lado nós, que já tivemos a preoccupação de nos especializarmos em ensino secundario, criando dois cursos, não nos preoccuparamos com a especialização do ensino superior, que tão necessaria está sendo.

Assim, ainda hoje exigimos, para a matricula em medicina, muitas cadeiras completamente inuteis, e não tenho duvida em dizer que, na minha carreira, nunca me utilizei dos conhecimentos que me foram prestados na cadeira de mathematica que, aliás estudei com muito cuidado.

Aprendi physica, e no campo da exploração clinica devo dizer á Camara que tive de estudar de novo a construcção do varias machinas electricas que se destinavam ás investigações medicas. Etc.

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D'aqui concluo - que,, acima de tudo devemos orientar-nos no sentido dos cursos praticos.

É por isso que mando para a mesa uma emenda dizendo o seguinte:

Continuação do artigo 6.°:

2.° Pratica pharmaceutica de 3 annos exercida em qualquer pharmacia allopatha do pais, posteriormente ao curso geral dos lyceus;

3.° Ter sido approvado no exame de validação da pratica.

Introduzi a designação allopatha, porque as pharmacias homopathas em nada podem elucidar os que se destinam á vida pharmaceutica geral.

Não quero com isto discutir systemas therapeuticos. Affirmo, porem, um facto que ninguem ousará contestar-me.

A introducção d'esta palavra é uma das propostas do emendas apresentadas á Camara na representação que lhe dirigiu a Associação dos Pharmaceuticos Portugueses.

É ella concebida em termos tão correctos e apresenta por vezes razões tão justas a justificar as suas propostas de emendas que não tenho duvida em me referir a essa representação por muitos motivos digna da nossa sympathia.

Posto isto, entendo que, em qualquer das hypotheses, quer sejam ou não acceitas as minhas emendas, será de toda a justiça que se adopte o principio dos 3 annos de pratica em pharmacia allopatha. Tres annos de pratica, livres de qualquer ensino, não são demasiados para o pharmaceutico. Mas se a commissão não acceitar por completo esta emenda adopte-a ao menos na designação allopatha.

Dir-me-hão que o curso já é longo, quanto mais com os outros 3 annos! Resolve-se essa. dificuldade muito facilmente. Para isso basta substituir o n.° 2.° do artigo 6.° que diz "serem necessarios para a matricula no 1.° anno do curso de pharmacia os exames de chimica inorganica, organica, analyse chimica e botanica, etc."

Ha pouco, incidentemente, dei a, minha opinião no que respeita á especialização do ensino superior, e por isso acho inteiramente inutil para o pharmaceutico o conhecer a forma e estructuras da benzina (em chimica), as theorias transformistas no mundo biologico, etc., o pharmaceutico não precisa essencialmente senão do estudo de pharmacia. Deve portanto suprimir-se este n.°2.° do artigo 6 ° por mais l anno na escola de pharmacia onde venha a estudar a botanica, a chimica, etc., no que é applicavel á pharmacia.

É especializando este ensino que colheremos resultados proveitosos Assim ficaria um curso menos longo, apenas de 8 annos, em vez de 11, isto é, o curso do pharmaceutico seria comparavel ao dos individuos que se dedicam ao estado ecclesiastico nos nossos seminarios episcopaes.

É necessario que attendamos ao seguinte: Não devemos apenas desejar pharmaceuticos para Lisboa, Porto o Coimbra; precisamos d'elles tambem para as provincias e não podemos admittir que as populações ruraes estejam desprevenidas de pharmacias. E passando este projecto de lei ha de dar-se a consequencia fatal do charlatanismo, que já se nota entre nós em larga escala, ou ha de conceder-se a permissão que paises adeantados, como, por exemplo, - a Allemanha, teem admittido do medico vender medicamentos, o que é inconvenientissimo.

E note-se que nós já enfermamos do mal do charlatanismo mesmo no campo pharmaceutico. E, sendo assim, o que não será se, de ora avante, não houver pharmaceuticos que queiram limitar-se a exercer a sua arte em povoações ruraes?

Eu sei que me podem dizer que uma lei sobre exercicio de pharmacia virá sanar a difficuldade: que bastava, por exemplo, limitar o numero de pharmacias;

Ora não concordo com a limitação das pharmacias; sou contra todas as limitações, alem de que, Sr. Presidente, essa medida não tem dado o appetecido resultado nos paises que a teem promulgado. E senão vejamos.

Lá fora ha uma pharmacia por 10:000 habitantes nas cidades populosas, e uma pharmacia por 14:000 habitantes nas povoações ruraes. Sabem todos que teem atravessado o Alentejo e Traz-os-Montes que 14:000 habitantes representam uma area immensa. Ha tempo do doente morrer e de apparecerem outros doentes para seguirem o mesmo caminho emquanto se vão buscar os medicamentos que deviam satisfazer ás primeiras necessidades. Por tudo isto eu entendo que devemos tornar o curso de pharmacia o mais accessivel possivel e que devemos dar-lhe pratica bastante. Entendo que devemos dar aos pharmaceuticos o curso indispensavel para que elles tenham as habilitações convenientes, o que constituo uma justa aspiração d'esta classe, mas não deve exigir-se-lhe tanto como neste projecto se exige.

Se o projecto passar tal como está ficamos com uma inutilidade, e o futuro o evidenciara.

Sr. Presidente: sendo assim, eu supponho ter justificado a emenda que propunha ao artigo 3.°, concebida nos seguintes termos:

Artigo 3.° O curso de pharmacia será de tres annos e abrangerá as seguintes disciplinas:

1.º Anno

lª Cadeira - Chimica applicada á pharmacia.

2.ª Cadeira - Analyse chimica. Pratica.

2.º Anno

3.ª Cadeira - Botanica, e especialmente botanica pharmaceutica o herborizações. Noções geraes de bacteriologia.

4.ª Cadeira - Historia natural das drogas e materia pharmaceutica animal, mineral e vegetal. Pratica.

3.º Anno

5.ª Cadeira - Pharmacotechnia. Alterações e falsificações de medicamentos e alimentos. Pratica.

6.ª Cadeira - Chimica pharmaceutica. Analyses de alimentos, medicamentos e substancias toxicas. Pratica.

De todo este quadro se deduz a orientação que eu quizera que tivesse o ensino pharmaceutico.

Especialização dos assumptos que directamente lhe dizem respeito e orientação essencialmente pratica.

Um professor dos cursos philosophico ou polytechnico, pode ensinar muitas theorias chimicas, muitas formulas no espaço e muitas reacções expressas em longas igualdades no quadro preto mas com relação a assumptos pharmaceuticos, que é o indispensavel, nem uma unica palavra dirá. E o que importa ao pharmaceutico é a chimica applicada á sua sciencia, é a chimica do laboratorio nas suas utilizações mais immediatas.

Na cadeira de botanica englobei o ensino de bacteriologia. E fi lo em harmonia com as doutrinas hoje correntes na sciencia de que as bacterias (protistas de alguns auctores) são afinal plantas microscopicas. Esta observação é indispensavel para que se não diga que fica deslocado o ensino da bacteriologia na cadeira de botanica.

De resto, o que em botanica interessa á pharmacia é o conhecimento das plantas medicinaes e o sabe-las classificar, são as noções de bacteriologia, asepsia e antisepsia, cujo conhecimento tão util á aos profissionaes que desejem ser conscienciosos e a quem sejam confiadas esterilizações indispensaveis para a cirurgia.

E ao lado d'isto, que pelo actual projecto os pharmaceuticos não estudam, que lhes importa o conhecimento

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intimo da estructura das plantas ou a physiologia das mais reconditas manifestações vitaes d'estes seres ?

Entendo igualmente que o curso do pharmacia deve ser o mais accressivel possivel e que se deve exigir pratica, mas não tanta como a que vem consignada no projecto.

Com as emendas que mando paro a mesa não se augmenta muito a despesa, o em materia de instrucção não devemos deixar do gastar mais 2:000$000 réis ou 3:000$000 réis (que será o maximo que se poderá gastar a mais) quando se tem gasto largamente com outras cousas inuteis; alem de que a receita, que se consigna neste projecto será maior se for acceita a minha proposta de alteração de taxas para ao especialidades pharmacenticas estrangeiras e que, pela premente lei, já é sufficiente para occorrer ás despesas dos tres annos de curso pharmaceutico, embora as installações sejam muito mais despendiosas. A critica a esta minha emenda incidirá sobretudo no que diz respeito ao laboratorio chimico. O laboratorio chimico annexo á escola de pharmacia ha de sempre existir e quando não exista a escola estará incompleta. Sendo assim, entendo que nenhuma das razões que podem oppor-se a minha proposta é procedente.

Embora se gastasse mais com a installação dos laboratorios, mesmo que a receita criada pelo projecto não bastasse, eu, attendendo a que o projecto consigna um curso que não é viavel, entendo que, embora com um pequeno sacrificio, se devia fazer alguma cousa de pratico e util.

Exigindo-se o curso complementar dos lyceus, deve deixar-se o projecto tal como está, mas desde que acceitem a minha emenda, em que se exige apenas o curso geral, então modifiquem o projecto dando-se mais um anno ao curso de pharmacia para que o alunno pharmaceutico não vá frequentar cadeiras de difficil comprehensão, na orientação em que são professadas, attendendo á falta de conhecimentos que só os dois ultimos annos do lyceu lhes ministram.

Mas dir-me-hão que os tres annos de pratica de pharmacia alongam muito o curso.

Responderei que o não alonga, porque eu tive o cuidado de introduzir outra disposição, para que a pratica possa começar aos 15 annos.

Ora os pharmaceuticos precisam de ter ajudantes devidamente habilitados; pelo actual projecto só existirão em Lisboa, Porto e Coimbra, quando os alumnos pharmaceuticos frequentarem as cadeiras de chimica e botanica. Ora sendo assim a falta de ajudantes ha de ser extraordinaria, e não se calculam os prejuizos que isso ha de cansar a muitas pharmacias.

Nestes tres annos de pratica muitos d'estes aspirantes a pharmaceuticos haviam da ter remuneração, sempre util porque os alumnos de pharmacia hão de sair sempre das classes menos abastadas.

É preciso ver as cousas como ellas são. Tão digno da nossa sympathia é o curso de pharmacia como o de medicina; mas a natureza da profissão estabelece differenças grandes em que não é necessario insistir.

Alguem tem dito que, attendendo a existirem para os medicos os partidos municipaes, tambem se poderiam criar partidos de pharmaceuticos, melhorando assim a sua posição.

Eu sou contra todo e qualquer encargo lançado sobre na camaras municipaes, porque já não possuem rendimentos que satisfaçam ou serviços e encargos que sobre elles impendem.

Hoje a vida financeira dos nossos municipios é difficilima. O seu estado é desolador. Todos nós o sabemos e tanto que vias localidades onde a politica não tenha criado rivalidades já não ha quem queira incumbir-se da administração camararia.

Por consequencia, não penso comprehender a ideia que alguem apresentou dos partidos pharmaceuticos. Concebo que seria vantajoso em outros paises, em que os municipios tivessem outra organização, mas não entre nós, onde elles estão sobrecarregadissimos, como o Sr. Presidenta do Conselho bem sabe. (Apoiados).

No que diz respeito ao artigo 6.°, peço mais a introducção de uma clausula: a obrigação dos differentes alumnos, depois de terem a pratica, fazerem um exame de validação d'essa pratica, a fim de poder entrar na Escola Pharmaceutica. Eu sei, Sr. Presidente, como alguns pharmaceuticos do país (e nisto não vae offensa á classe) teem concedido attestados de aproveitamento pratico a differentes pharmaceuticos: é a razão da minha insistência neste exume de validação da pratica.

Sr. Presidente, eu considero a pratica, no curso pharmaceutico, como o mais essencial elemento de ensino e para mim o pharmaceutico em que tenho mais confiança é aquelle que tem mais pratica. É um modo de ver pessoal que por forma alguma desejo impor aos outros, mão que é racional.

O pharmaceutico pode saber muita chimica, muita botanica e muita pharmacothechnia; mas eu entendo que só deve confiar mais no que tem tido melhor e mais longa pratica (Apoiados), alliando-a, já se sabe, a uma intelligencia regular e a um caracter probo, porque o pharmaceutico precisa acima de tudo ser um bom caracter para ser um bom profissional. (Apoiados).

Supponho que tenho demonstrado, as alterações que julgo indispensavel fazer nesta parte do projecto; e no caso de não terem valor muito as desejaria ver destruidas pelo orador quo se me seguir do outro lado da Camara.

E não me canso do repetir que um curso pharmaceutico deve ser essencialmente pratico, e não pode assentar em bases diversas das que tenho apresentado. Considero que o curso de 8 annos é grande (Apoiados), mas é viavel. Um curso do 11 ou 13 annos, no caso do pharmaceutico ter pratica real, ninguem será pharmaceutico no pais. (Apoiados).

Eu já disse que se por acaso tivesse de escolher ama carreira depois de ter o curso complementar dos lyceus escolheria o curso de direito, que é muito mais facil, o curso superior de letras, etc., mas para o curso pharmaceutico e que não ia. Não deve ser muito agradavel estar constantemente a aviar medicamentos e diariamente proso ao bulcão e á espatula podendo em igualdade de trabalho e circumstancias ter uma profissão differente.

Tenho que me referir a outros artigos do projecto, a alguns dos quaes apresentarei pequenas emendas, que quando mais não seja terão a importancia de mostrar á Camara que estudei o assumpto com todo o cuidado que devia, e que faço a minha apreciação com inteira independencia.

Assim, começarei por me referir ao artigo 4 °

No artigo 4.º diz-se:

(Leu).

Ora, na representação dos pharmaceuticos portugueses pede-se para que os exames não sejam feitos por annos, mas por cadeiras, o apresenta-se a justificar este pedido o exemplo que as escolas medicas do país nos dão, fazendo tombem exames por cadeiras. Eu apresento ainda outro argumento, que julgo valioso, a favor d'esta ideia. É que na reforma da Universidade ultimamente promulgada se consigna que, de ora avante, se não façam os actos por annos, mas por cadeiras.

Ora se isto se fez para a Universidade, porque não se ha de fazer igualmente para as escolas de pharmacia?

Mas ha ainda outra razão e mais importante, é que, sendo essas cadeiras mais praticas, requerem um exame mais demorado, sobretudo no que diz respeito á questão pratica. Uma cadeira de pharmacia não deve só ter um exame theorico, deve ter uma parte pratica.

O Sr. Presidente: - Deu a hora. V. Exa. tem mais 15 minutos para poder concluir o sen discurso.

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O Orador: - Agradeço a V. Exa. a communicação e vou resumir o mais possivel as minhas considerações.

Terei comtudo que ir mais rapidamente do que queria, sem me referir a todos os pontos, porque o tempo vae-me faltando.

Peço a attenção da illustre commissão para um artigo, onde me parece que existe um lapso.

É quando se refere aos secretarios da escola de pharmacia.

O projecto diz no § 2.° do artigo 10.° que o conselho escolar é constituido pelo director e lente secretario da escola medica respectiva.

E para Coimbra?

Entrará o secretario da Universidade, em virtude da disposição do § 1.° do mesmo artigo? Assim parece.

E não comprehendo que se vá escolher um indivíduo, que não é medico, entre outros que o são, para desempenhar tão importante logar e num conselho escolar.

Por isso proponho a seguinte emenda:

(Leu).

Isto são pequenas cousas, mas mostram o menos cuidado com que o projecto foi elaborado, e julgo que devem ficar bom claras as disposições para evitar confusões futuras.

Com relação ao artigo 14.°, tambem proponho umas substituições.

A emenda é a seguinte:

(Leu).

Peço porem uma substituição mais profunda no que diz respeito á criação de receita, de que fala o projecto e que desejava que fosse assim:

(Leu).

Ha no projecto uma confusão com respeito aos medicamentos secretos, motivo por que supprimi a sua designação.

Com respeito aos medicamentos secretos, supponho que já alguns membros do conselho de hygiene publica se teem occupado do assumpto, e devido á amabilidade do meu distinctissimo collega o Dr. Moreira Junior tive occasião de passar a vista por um relatorio respeitante ao assumpto e elaborado por S. Exa.

Não é uma questão de pharmacia é uma questão do hygiene publica.

Em França é prohibida a importação de medicamentos secretos, mas é permittida a exportação. Nós devemos fazer o mesmo.

A França é um dos países que mais concorre para a importação dos medicamentos secretos em Portugal.

Os remedios secretos são aquelles em que os preparadores occultam os componentes qualitativa e quantitativamente, o seu modo de ser pharmaceutico, etc.

Ora eu entendo que nas especialidades medicamentosas admissiveis se devem indicar os componentes, quer na qualidade, quer na quantidade, embora se guarde como segredo o processo da preparação pharmaceutica. Já se vê que eu não quero dizer que sejam incluidos nos remedios secretos os preparados opotherapicos, o os soros cuja formula não é conhecida.

Não me opponho á circulação das especialidades medicamentosas de formulas chimicas determinadas, mas entendo que sem licença do Conselho de Hygiene Publica não deviam circular no pais taes medicamentos.

Assim deveriam ser exigidas licenças a todos os preparados que não viessem consignados na nossa pharmacopêa.

Nestas condições considero boa esta fonte de receita, no caso contrario não a acceito: repudio-a.

O Sr. Presidente do Conselho, que pretende reformar o ensino de pharmacia, tambem ha de tentar reformar o exercicio, de pharmacia. Chamo a attenção de S. Exa. para este assumpto dos medicamentos secretos.

Até hoje tem-se admittido remedios secretos no nosso, pais, porque a lei os não prohibe, mas desde que se acabe com essa permissão, desde que a lei diga de uma maneira peremptoria que não são permittidos estes medicamentos, elles não se introduzirão no pais, porque a fiscalização os evitará. Dispenso-me de fazer mais considerações sobre este ponto, e mando para a mesa uma emenda ao artigo que já tive a honra de ler á Camara.

Introduzo tres alterações. A primeira foi a suppressão da designação remedios secretos pela razão que indiquei; a segunda foi a suppressão da restricção junta ás aguas minero-mineraes estrangeiras. Temos um rico manancial de aguas medicinaes para as diferentes enfermidades. Faltam algumas, é verdade, mas as aguas medicinaes portuguesas bastara, pode-se dizer de uma maneira absoluta, para as variadas applicações therapeuticas. Os typos que nos faltam são facilmente substituiveis por outras medicações. A terceira alteração do artigo 17.° é a elevação das taxas de 50 a 100 réis e de 10 a 20 réis.

Antes de mais nada devo consignar um facto. As especialidades são para os ricos. Os pobres não precisam absolutamente d'ellas. Tem outras medicações, embora de administração mais difficil.

Portanto, como medico, considero as especialidades um luxo e, sendo assim, proponho que se elevem as taxas a 100 réis e 20 réis para as especialidades estrangeiras e nacionaes.

Eu antipathizo com as especialidades como todos os medicos em geral, mas acho que não é exagerado elevar as taxas do que acabo de propor.

O artigo 18.° deve ser assim substituido:

(Leu).

Para a Universidade, eu acho que existe no artigo uma lacuna importante, o nesta parte não vae em mim qualquer sympathia nem amizade para com o director do laboratorio pharmaceutico...

O Sr. Presidente: - Deu a hora.

O Orador: - Se V. Exa. me desse licença eu acabava. V. Exa. consulta a Camara, são duas palavras apenas.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - A presidencia não tem adoptado esse systema, e eu não quero iniciá-lo como substituto.

O Orador: - Nesse caso mando para a mesa as restantes emendas e o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° A clinica odontologica só poderá ser exercida por medicos diplomados pela faculdade de medicina ou pelas Escolas Medicas do continente do reino.

Art. 2.° Ficam supprimidos os exames de dentistas que se fazem actualmente na faculdade de medicina da Universidade de Coimbra e Escolas Medicas de Lisboa e Porto.

Art. 3.° Os estrangeiros que queiram exercer em Portugal a clinica odontologica, terão que repetir o curso medico segundo as leis vigentes, para o que precisam de ser diplomados por uma escola de medicina estrangeira.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario. = O Deputado, Egas Moniz.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta de emendas ao projecto de lei n.º 20

l.ª Proponho a substituição do artigo 3.° do projecto pelo seguinte:

Artigo 3.° O curso de pharmacia será de tres annos e abrangerá as seguintes disciplinas:

1.° Anno

l.ª Cadeira - Chimica applicada á pharmacia.

2.ª Cadeira - Analyse chimica Pratica.

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2.° Anno

3.ª Cadeira - Botanica e especialmente botanica pharmaceutica o herborizações, noções geraes de bacteriologia.

4.ª Cadeira - Historia natural das drogas e materia pharmacentica animal, mineral e vegetal. Pratica.

3.º Anno

5.ª Cadeira - Pharmacotechnia. Alterações e falsificações de medicamentos e alimentos. Pratica.

6.ª Cadeira - Chimica pharmaceutica. Analyses de ulimentos, medicamentos e substancias toxicas. Pratica.

2.ª Proponho a substituição do artigo 4.° do projecto pelo seguinte:

Artigo 4.° Os exames serão feitos por cadeiras, perante um jury de tres professores das respectivas escolas de pharmacia.

3.ª No artigo 5.º e § 2.° substitua-se 2.° anno por 3,° anno.

4.ª Proponho a substituição do artigo 6.° pelo seguinte:

Artigo 6.° São habilitações necessarias para a matricula no 1.° anno do curso de pharmacia:

1.° Curso geral dos lyceus;

2.° Pratica pharmaceutica de tres annos, exercida em qualquer pharmacia allopatha do país, posteriormente ao curso geral dos lyceus;

3.° Ter sido approvado no exame de validação da pratica.

5.ª Proponho que os n.ºs 1.° e 2.º do artigo 7.° sejam assim substituidos:

1.° Certidão em que se prove ter completado quinze annos;

2.º Certidão do curso geral dos lyceus.

6.ª Proponho que no artigo 8.º se substituam os tres lentes cathedraticos por cinco lentes cathedraticos.

7.ª Proponho que ao artigo 10.º se junte um:

§ 3.° Na escola de pharmacia annexa á Universidade de Coimbra será constituido pelo prelado da Universidade, decano-director da faculdade de medicina, lente de materia medica, que servirá de secretario e pelos lentes da respectiva escola de pharmacia.

8.ª Proponho que no artigo 11.º - se substitua a phrase:

"... constituido pelo director, lente da cadeira de materia medica, etc".

Por:

"... constituido pelo decano ou director da faculdade de medicina e escola medica, pelo lente da cadeira de materia medica e pelos lentes da respectiva escola de pharmacia, servindo o mais novo de secretario".

9.ª Proponho a substituição do artigo 14.° pelo seguinte: Artigo 14.° A l.ª, 3.ª 4.ª, 5.ª e 6.ª cadeiras serão regidas pelos lentes cathedraticos das escolas de pharmacia, e a 2.ª cadeira pelo lente substituto.

10.ª Proponho no artigo 15.º a elevarão da dotação annual de cada uma das escolas de pharmacia, de 1:000$000 réis a 1:500$000 réis.

11.ª Proponho a substituido do artigo 17.º pelo seguinte:

Artigo 17.º A cada frasco, tubo ou caixa de especialidade pharmaceutica estrangeira e a cada frasco de aguas minero-medicinaes estrangeiras será imposto um sêllo de 100 réis, e de 20 réis para as especialidades nacionaes.

12.ª Proponho a substituição dos §§ 1.° e 2.° do artigo 18.° pelos seguintes:

§ 1.° O jury de concurso em cada escola medica será constituido pelo director, lente de materia medica, lentes de chimica inorganica, chimica organica e botanica das polytechnicas, professor do dispensatorio pharmaceutico e mais dois lentes, escolhidos pelo conselho escolar, das escolas de medicina, servindo o mais moderno de secretario.

§ 2.° Na Universidade de Coimbra o jury de concursos a que se refere este artigo será organizado semelhantemente ao do partigrapho antecedente, subatituindo-se o director pelo decano da faculdade de medicina, os lentes das polytechnicas por identicos professores da faculdade de philosophia e o professor do dispensatorio pharmaceutico pelo actual director do dispensatorio de Coimbra.

13.ª Proponho a introducção do seguinte artigo, entre os artigos 18.° e 19.°:

O logar de preparador será provido, mediante concurso de provas publicas, em pharmaceutico legalmente habilitado, e pela forma que se designar no respectivo regulamento.

14.ª Proponho a seguinte redacção do artigo 19.°:

Aos actuaes alumnos de pharmacia, matriculados ao tempo da publicação d'esta lei no curso pharmacentico da Universidade, etc.

15.ª Proponho a substituição do artigo 20.° pelo seguinte:

Art. 20.º Aos actuaes aspirantes a pharmaceuticos, com menos do quatro annos de pratica, ser-lhe-ha esta contada para os effeitos da matricula na escola de pharmacia.

16.ª Proponho a substituição do artigo 21.° pelo seguinte:

Art. 21.º Os actuaes aspirantes a pharmaceuticos com mais de quatro annos de pratica devidamente registada podem terminar o seu curso nos termos da legislação em vigor á data da publicação d'esta lei.

§ 1.° A mesma disposição é applicavel aos aspirantes que provarem haver já feito algum exame com destino a pharmacia, qualquer que seja o tempo de pratica registada que tenham.

§ 2.° Este processo de habilitação terminará oito annos depois de organizadas as escolas de pharmacia. = O Deputado, Egas Moniz.

(O orador foi muito cumprimentado).

As propostas foram admittidas.

O projecto de lei ficou para segunda leitura.

O Sr. Augusto Louza: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei n.° 29 de 1901, que tem por fim isentar do pagamento de contribuição de registo a compra de um predio de casas no sitio da Vista Alegre, da cidade da Horta, que a Santa Casa da Misericordia da mesma cidade tenciona adquirir.

Foi a imprimir.

O Sr. Clemente Pinto (Relator): - Sr. Presidente: se não fôra caso estranho nos annaes parlamentares, eu pediria a palavra para requerer a V. Exa. que desse a materia por discutida.

Effectivamente, á medida que ia ouvindo o illustre Deputado que acabou de falar, o meu illustre collega Sr. Dr. Egas Moniz, que, com muita intelligencia e ponderação, estudou o projecto, cada vez mais me fixava no meu proposito.

Se o não realiso, é para que não fique registado nos annaes parlamentares um facto tão anomalo e extravagante, porque, na verdade, S. Exa. que é um violento e distincto parlamentar da opposição, levantou d'esta vez o

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estandarte branco de parlamentar de guerra, e confessou que o Sr. Ministro do Reino, apresentando o projecto do ensino de pharmacia, prestou um extraordinario serviço ao país.

S. Exa. teve mesmo palavras de louvor e de justiça para o nobre Ministro do Reino, e sob esse ponto de vista não posso deixar de louvar o illustre Deputado por ter posto de parte, uma vez ao menos, intuitos politicos, que são sempre mais ou menos nefastos, quando se trata de levar a bom termo medidas sabias e justas de administração.

Mas dizia eu que S. Exa. no seu longo discurso, muito ponderado, muito reflectido, não me trouxe argumento algum que de qualquer maneira me levasse a outra convicção que não fosse a de que o projecto em discussão, se não é uma obra perfeita, é, pelo menos, uma reforma que sae das mãos do Sr. Ministro do Reino com a perfectibilidade e viabilidade para ser posta em execução com proveito.

S. Exa. procurando aqui e acolá, em varios artigos do projecto em discussão, chamar a attenção do illustre Ministro do Reino e da commissão para algumas ideias, que expendeu com toda a largueza, não me trouxe contestações de valor para me levar á convicção de que na realidade S. Exa. tinha por seu lado a justiça e a razão.

S. Exa. teve justiça e teve-razão quando dirigiu ao Sr. Ministro do Reino as suas sinceras felicitações pela obra que acabava de apresentar ao Parlamento, quando, desprendendo-se de ligações partidarias, muito espontaneamente nos affirma que o nobre Ministro collaborara muito Valiosamente para a melhoria da nossa instrucção, porque na verdade, Sr. Presidente, ninguem, a não ser por mal intencionado proposito, poderá regatear ao Ministro que subscrevo este diploma o mais enthusiastico applauso.

Disse S. Exa., o Sr. Egas Moniz, que este projecto traduz um notavel passo na melhoria do ensino, passo que pode considerar-se, no actual regime de cousas, como um enorme o supremo esforço e até um verdadeiro acto de coragem.

Effectivamente, desde longe que se vem clamando dia a dia pela necessidade inadiavel de se reformar o ensino de pharmacia.

S. Exa. fez a historia d'essa campanha longa e nunca esmorecida, apontando numerosos projectos; eu podia relembrar ainda outros, entre os quaes o projecto do illustre professor Dr. Thomaz de Carvalho e outros, em que sempre houve por mira levantar o ensino de pharmacia á sufficiencia necessaria para um bom exercicio profissional.

Era manifesta a sua inferioridade, e, apesar d'isso, não obstante se haver melhorado e progredido em todos os variados ramos de ensino, o da pharmacia persistia inalteravel, no mesmo lamentavel estado de insufficiencia em que vigorava desde a reforma de 1836 e das disposições da lei de 1854, que exigiam apenas o exame de francês, introducção e primeira parte de mathematica, dispensando-se até a certidão do exame de português, sempre necessario e indispensavel preparatorio para todos os cursos, com maior razão ainda documento a exigir-se para um curso em que as habilitações eram de si tão escassas.

Se eu mostrasse a V. Exa. uma carta, entre muitas que me foram dirigidas por varios pharmaceuticos do país, V. Exa. pasmaria de admiração ao ver os maus tratos inflingidos á syntaxe e orthographia portuguesas, exemplo bem edificante e demonstrativo de quanto é necessario e absolutamente inadiavel fazer a reforma do ensino pharmaceutico, fornecendo ao profissional uma instrucção correspondente á importancia da sua funcção social.

De resto, esta reforma do ensino pharmaceutico não se recommenda unicamente pela melhoria do ensino profissional, o que era já bastante, mas não tudo, porque a reforma do ensino pharmaceutico, estou convencido d'isso, ha de reflectir-se necessariamente na futura vida social e economica da nação, pela razão de que a pharmacia e sciencias auxiliares não constituem apenas um corpo scientifico somente necessario para uma restricta educação profissional, mas sempre se conjugaram para brilhar como um verdadeiro foco de irradiação scieutifica, a illuminar proveitosamente outros ramos do saber humano.

E a demonstração é já plenamente dada pelos paises que vão na vanguarda da civilização, como a Allemanha e a França, que sempre apontamos como os primeiros em matéria de instrucção, e em que vemos os pharmaceuticos terem contribuido e contribuirem com um valioso contingente para o progresso e civilização d'essas nações, fazendo derivar da pharmacia e sciencias auxiliares preciosos ensinamentos em proveito do aperfeiçoamento das duas grandes fontes de riqueza publica: a agricultura e as industrias.

Varias se offerecem as formas por que o ensino pharmaceutico tem sido encarado, e por isso o Sr. Ministro do Reino ao entrar na confecção da sua proposta, ver-se-ia naturalmente um pouco embaraçado, porque a proposito do ensino pharmaceutico, como a proposito de tantas outras innovações, repete-se o ensejo para a applicação do velho rifão: "Cada cabeça cada sentença".

E isto não se observa somente no nosso país; factos identicos se repetem em todos os paises, mesmo naquelles que bem curam de assumptos de instrucção.

Se V. Exa., Sr. Presidente, percorrer os paises em que o ensino está mantido num grau bastante elevado do sufficiencia, verá que a diversidade de regimes é tão extraordinaria que não ha dois paises em que se ensine a pharmacia por processos perfeitamente identicos.

Assim, nuns paises entende-se que o ensino de pharmacia deve ser um só, noutros, como em França, acceita-se a dualidade do ensino, existindo dois cursos, um profissional, outro superior.

Por outro lado em alguns paises os cursos de pharmacia são reduzidos ao minimo, entendendo-se que o pharmaceutico deve ser apenas um profissional, ao passo que noutros pensa-se que o pharmaceutico não deve ser só um pratico, mas um homem de sciencia.

Já portanto V. Exa., Sr. Presidente, poderá deduzir que, ao elaborar-se um projecto d'esta ordem, houve uma tal ou qual difficuldade para obter a conciliação das opiniões.

Era um pouco difficil a sua confecção, e, apesar de se ter procurado no projecto reunir e synthetizar todas as aspirações, ainda assim o projecto mereceu divergencias.

Nem admirava, porque esta questão, attenta a diversidade de pontos de vista sob que se pedia encarar, prestava-se melhor do que tantas outras á applicação do velho rifão: "Cada cabeça cada sentença".

Foi naturalmente por essa ordem de razões que o illustre Deputado nos trouxe o seu contingente de divergencias.

S. Exa. referiu-se em primeiro logar ao artigo 6.°, em que se estabelece uma habilitação mais ou menos completa do pharmaceutico, começando por se lhe exigir o curso complementar dos lyceus.

A este respeito S. Exa. divagou largamente para demonstrar que o curso complementar constituia demasiada exigencia pedida ao pharmaceutico, e, para reforçar a sua affirmação, S. Exa. não só trouxe em seu auxilio os factos sucedidos nos paises estrangeiros, como argumentou com factos do proprio país.

Como facto demonstrativo da verdade das suas affirmações, lembrou o illustre Deputado o que se tem passado em alguns paises, onde a falta de pharmaceuticos se fez sentir por forma tão accentuada que os poderes publicos se viram forçados a eliminar o curso complementar como

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habilitação para o curso pharmaceutico. Assim succedeu na Italia.

Por outro lado ainda uma passagem tão brusca de um regime tão simples de habilitação para outro bem mais complicado, não convidaria á acceitação do novo curso pelos aspirantes a pharmaceuticos, que de preferencia optariam pelo antigo curso, que lhes daria as mesmas garantias profissionaes e se conquistava com menores esforços o sacrificios, do que poderia advir uma deficiencia de profissionaes.

O periodo transitorio seria então nefasto, porque abriria largamente as portas do antigo regime, difficultando a acquisição dos diplomas do novo curso.

Vejamos o valor dos argumentos de S. Exa.

Exige-se o curso complementar, porque a isso nos obriga o regime de instrucção secundaria em que vivemos.

Demais, pretendendo-se dar ao pharmaceutico um curso superior, é evidente que não podia deixar de se lhe exigir o curso complementar dos lyceus, habilitação pedida para todos os cursos superiores.

E se até se exige esta habilitação para cursos de menos responsabilidade e importancia, não se comprehende que, estando nós no proposito de dar ao curso pharmaceutico a jorarchia do superior, não se estabeleça como indispensavel preparatorio o curso complementar dos lyceus, exigencia que de resto deriva naturalmente de uma simples coherencia.

Não quero acompanhar S. Exa. nas suas ponderações acêrca das vantagens ou inconvenientes do actual regime da instrucção secundaria, porque não julgo a occasião azada para o fazer.

Uma tal discussão podia suscitar-se a respeito de uma reforma de instrucção secundaria; mas por agora não temos senão que sujeitar-nos ao regime actual, ao qual não convem abrir uma excepção, porque atrás d'essa viria outra, e a reforma da instrucção secundaria seria em breve um conjunto desordenado de disciplinas, onde cada um iria buscar o que restrictamente lhe conviesse, e não um corpo doutrinario, organizado como habilitação indispensavel para todos os cursos.

Quando haja de reformar-se a instrucção secundaria, é que se offerece occasião opportuna de fazer mais acertada escolha do que convem á habilitação secundaria do pharmaceutico.

Emquanto aos receios manifestados pelo illustre Deputado pelo que respeita ao periodo transitorio, reputo-os na verdade pouco fundamentados.

Houve effectivamente nesse periodo transitorio a que o illustre Deputado se referiu uma superabundancia de pharmaceuticos pela grande facilidade em se conquistar o diploma, mas tal facto não derivou como consequencia de se difficultar um curso até então simples, mas sim da facilidade de acquisição de diploma a que se punha termo. Foi na verdade o que aconteceu em resultado da lei de 1836, para se subtrahir á qual um grande numero de aspirantes a pharmaceuticos, procuraram obter o diploma pelo regime anterior, abundancia que derivou portanto não de se haver difficultado o ensino, mas precisamente do facto de em breve se terminar com a facilidade de conquista dos diplomas de habilitação profissional.

Em 1854 deu-se um facto perfeitamente identico e de analoga interpretação, subindo notavelmente o numero dos pharmaceuticos que, para evitar a lei mais exigente de 1854, se apressaram a conseguir os seus diplomas pela lei de 1836. Taes factos são portanto de todos os periodos transitorios, em que os interessados se aproveitam das facilidades que acabam, mas não podem de forma alguma servir de argumento valioso contra a pretendida difficuldade do curso que de novo se organiza.

S. Exa., discutindo ainda o mesmo artigo na parte que respeita á pratica, affirmou que esta pratica, tal qual fica expressa na lei, é um pouco illusoria, pela razão bem simples, de que não se lhe afigura facil conciliar a pratica de dois annos com o estudo das cadeiras de chimica organica, chimica inorganica e botanica das faculdades de philosophia.

Parece-me ainda mais uma vez que a S. Exa. não assiste razão, quando faz esta affirmação.

Não contesto que a pratica nos cursos seja absolutamente indispensavel para uma boa educação de profissioonaes, nem mesmo ninguem o pode contestar, mas d'ahi a querer, a exigir, que um alumno ao terminar o curso seja um razoavel pratico vão uma grande distancia. Tambem quero, como S. Exa., que se estabeleça uma pratica regular nos cursos profissionaes, mas o que não pode contestar-se é que, qualquer que seja a pratica que se adquira durante esses cursos, nunca essa pratica se pode considerar bastante para o profissional, que somente com os annos a adquirirá completa e tornará sufficiente.

E não se diga que a pratica estabelecida no projecto para os pharmaceuticos é insufficiente em relação á dos outros cursos, porque, se se comparar o curso de pharmacia com os outros cursos superiores, do confronto resalta logo a superioridade da pratica pharmaceutica sobre as administradas em outros cursos. E senão attente-se no que se passa no curso de medicina, em que a pratica proveitosa se faz apenas no 4.° e no 5.° anno, em que só então o alumno frequenta as clinicas, pratica que sem duvida alguma não é sufficiente e que só poderá ser completada pelo exercício da profissão. E todavia a profissão medica não é menos cheia de responsabilidades, nem tem de defrontar com menor numero de difficuldades; e por isso mesmo a pratica medica não é menos complexa, nem menos imprescindivel, bem pelo contrario, a pratica pharmaceutica offerece-se mais facil e portanto adquirivel em menor prazo de tempo.

Factos identicos repetem-se da mesma sorte com os cursos de direito e de engenharia, de onde os alumnos saem com pratica mais insufficiente ainda, sem que todavia deixe de haver magistrados e engenheiros competentes, á falta de pratica profissional, que não possuiam ao terminar os cursos e no inicio das suas carreiras, mas que adquiriram com o decorrer dos annos pelo estado e applicação do que aprenderam nas escolas.

Quero portanto crer que a pratica eficaz de dois annos, sob regular fiscalizarão, junta aos dois annos de pratica effectiva no curso de pharmacia, ha de fornecer com certeza ao pharmaceutico sufficiencia technica, bastante para iniciar o exercício da sua profissão.

S. Exa. disso ainda que, dada a impossibilidade de conciliar os dois interesses, a necessidade da acquisição da pratica e a frequencia das cadeiras do curso philosophico, melhor seria transferir estas cadeiras para o curso especial de pharmacia e augmentar o numero de annos de pratica, passando de dois a tres.

Ora vejamos se S. Exa. tem razão nos argumentos que apresenta para defender a sua ideia.

Antes de mais, deverá lembrar-se que S. Exa. combateu o curso complementar dos lyceus, porque alongava demasiado o curso, facto de que lhe advinha o receio de que de futuro houvesse falha de pharmaceuticos, pela razão de que os alumnos, terminando o curso complementar, se desviariam para outras carreiras que offerecessem maior vantagem. E por esse motivo o illustre Deputado substituia o curso complementar pelo curso geral dos lyceus, que é de cinco annos, ao passo que aquelle é de sete. Por outro lado S. Exa. propõe que a pratica seja de tres annos, e como ainda pela sua proposta o curso especial de pharmacia se divide em tres annos, resulta em ultima analyse que a duração do curso é de cinco annos para o curso geral dos lyceus, de tres annos para a pratica, feita independentemente de qualquer outro estudo e tres annos para o curso do pharmacia, ou seja ao todo onze annos, precisamente o mesmo numero que se fixa no proje-

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cto e que se desmembra em sete annos para o curso complementar, dois para a pratica e cadeiras philosophicas e dois para o curso especial de pharmacia.

Não se obtem portanto a reducção do numero de annos do curso com a proposta do illustre Deputado, cujas, considerações a este proposito ficam naturalmente insubsistentes e inanes.

O Sr. Egas Moniz: - Mas os tres annos de pratica não constituem todo o curso, e esses tres annos são proveitosos; e demais devemos concordar, que o curso pharmaceutico ha de ser para as classes menos abastadas. É este o lado pratico da questão.

O Orador: - Em todo o caso o numero de onze fica de pé.

(Interrupção ao Sr. Egas Moniz).

Esses tres annos de pratica livre podem redundar num pouco mais de proveito da pratica, mas nem por isso deixam de alongar o curso e fazê-lo durar os mesmos onze annos.

(Interrupção ao Sr. Egas Moniz).

Demais eu creio que a pratica pode bem fazer-se com proveito durante os dois annos em que o alumno tem apenas a estudar tres cadeiras philosophicas, o que na verdade não constitue demasiado trabalho que lhe impeça a realização de uma pratica sufficiente.

Alem d'isso a emenda que S. Exa. defendeu e justificou tão calorosamente, a ponto de dizer que nem tinha contra si o obice de um grande augmento de despesa, não é tão innocente como a S. Exa. se antolha, porquanto não é apenas l:000$000 réis que se dispende a mais, mas 5:400$000 réis, porque para a regencia das cadeiras de chimica e botanica nas escolas seriam necessarios mais seis professores a 900$000 réis cada um.

Ora, como S. Exa. sabe, este projecto obedece ao principio de fazer alguma cousa de bom, mas sem augmentar demasidamente a despesa, principio este muito a respeitar no actual estado do Thesouro Publico.

Não quero dizer que não se faça despesa, mas entre a que resulta do projecto e o esbanjamento proclamado por S. Exa. medeia uma enorme distancia; tanto maior quanto é certo que é necessario ter ainda em linha de conta toda a desposa a fazer com os respectivos laboratorios, que teriam de duplicar-se, ao passo que com o projecto apresentado aproveitam-se os já existentes das faculdades de philosophia.

O illustre Deputado, que é um profissional distincto, sabe bem que para montar um laboratorio e custear a sua sustenção torna-se necessario gastar avultadas quantias e é justamente esse dispendio que as circumstancia do Thesouro não permittem.

O Sr. Egas Moniz mais de uma vez mostrou a sua sympathia pela especialização e foi nessa orientação que quis organizar o curso de pharmacia, dotando-o com cadeiras de chimica e botanica, onde os alumnos colheriam mais proveitosos conhecimentos do que nas cadeiras correspondentes das faculdades de philosophia.

Devo confessar que estou perfeitamente de acordo cora S. Exa., porque tambem sou partidario da especialização e entendo que esta hoje mais do que nunca se hnp3e, attenta a largueza dos conhecimentos humanos e a extraordinária complexidade dos differentes ramos do saber, que cada voz- mais tornam impossivel a existencia de encyclopedicos, obrigando os homens a inevitaveis restricções.

Mas a verdade é que essa especialização está longe de realizar-se, mesmo nos países onde essa tendencia mais se manifesta, de modo que, segundo creio, o melhor caminho a seguir é aproveitar o que temos, até que por uma reforma geral dos estudos possamos orientar o ensino no sentido da especialização completa.

Referiu-se tambem S. Exa. á necessidade do aspirante a pharmaceutico estudar a bacteriologia no curso especial.

Pelo que respeita a este ensino, tenho a responder que não posso concordar absolutamente com a opinião de S. Exa., porque julgo dispensavel ao pharmaceutico o conhecimento intimo e completo da bacteriologia, como importa ao medico, bastando-lhe apenas o estudo da analyse microscopica, em que se podem incluir as analyses bacteriologicas mais simples e necessarias para o exercício da profissão e auxilio ao medico na resolução de um diagnostico, quando aquelle não possa por si, á falta de material, recorrer-se d'aquelle meio de diagnose.

No artigo 4.° o Sr. Egas Moniz quis ver uma contradição entre o que o Sr. Presidente do Conselho legislara na reforma da Universidade e o que se preceitua neste projecto, no que diz respeito aos exames que no primeiro caso passaram a fazer-se por cadeiras e no projecto se mantiveram por annos.

Effectivamente, e muito bem, S. Exa. o Sr. Ministro do Reino, quando reformou a Universidade de Coimbra, estabeleceu que os exames, em vez de se fazerem por annos, se fizessem por cadeiras. Depois de tal resolução, que representa certamente uma melhoria de serviços, seria natural que o mesmo regime se estatuísse para as escolas de pharmacia. Porque não procedeu assim o Sr. Ministro do Reino?

A razão é simples.

Não quero discutir agora, nem d'essa discussão resultariam vantagens para o caso especial, qual dos processos se offerece mais conveniente, se os exames por annos se os feitos por cadeiras. De resto tudo depende da forma como os exames se realizam, porque V. Exa. comprehende que para um anno em que haja três cadeiras, por exemplo, o resultado final tornar-se-ha o mesmo, a exploração poderá fazer-se com o mesmo proveito, a apreciação resultará por igual justa e conscienciosa, quer os actos se façam por annos, mas com provas mais largas e demoradas, quer por cadeiras, em exames separados, mas de menor duração e exigencia.

A razão é de necessidade, porque, havendo quatro cadeiras, e quatro professores cathedraticos e um substituto os exames tornam-se em tal caso mais comportaveis por annos, do que por cadeiras. Comprehende-se com effeito facilmente que a realização dos exames do quatro cadeiras por cinco professores apenas, que ainda se dividem em grupos de tres, demanda um excesso de trabalho que não é justo exigir e que pode mesmo redundar em desproveito de uma boa apreciação dos examinandos.

No artigo 10.° o illustre Deputado fez reparos á direcção e secretaria da escola de pharmacia na Universidade de Coimbra, mas o que ali se preceitua não é senão a applicação especial das disposições que vigoram para todas as faculdades.

S. Exa. sabe bem, que na Universidade, de Coimbra alem do Reitor, auctoridade academica commum a todas as faculdades, director nato de todas as congregações, entidade superior que é o intermediario entre a Universidade e as instancias superiores da instrucção, ha para cada faculdade um decano, a quem cabem as funcções de director especial da respectiva divisão do corpo universitário. Ora não havendo decano na escola de pharmacia, todas as funcções de director geral e especial terão de ser accumuladas pela Reitoria da Universidade.

Pelo que diz respeito ao secretario, S. Exa. sabe tambem que é ainda diversa a organização da Universidade em relação ás Escolas de medicina, como não ignora que as funcções de secretario são nas faculdades da Universidade desempenhadas umas vezes pelo secretario da Universidade, que não é technico, e outras pelo lente mais moderno da respectiva faculdade. Para a Escola de Pharmacia da Universidade a disposição do projecto harmoniza-se com o que existe estatuido para as outras faculdades.

O illustre Deputado discutiu ainda o artigo 17.°; que se refere ao imposto criado como fonte de receita, para fazer

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face ás despesas da reforma, e, antes de entrar em considerações de ordem especial, S. Exa. referiu se em primeiro logar aos medicamentos secretos, cuja suppressão creio mesmo ser proposta na emenda apresentada pelo illustre Deputado.

Mais uma vez estamos de acordo no que respeita ao que s. Exa. disse em relação aos remedios secretos, julgando mesmo que em nome da boa e legitima sciencia se devo acabar com a sua existencia. (Apoiados).

Na verdade já não me merecem grande sympathia os preparados pharmaceuticos, e por isso menos affeiçoados se me tornam ou remedios secretos, que se podem realizar preparações muito recommendaveis, é de suspeitar que na sua maioria sejam misturas medicamentosas de nulla confiança. Mas o certo é que os remedios secretos existem auctorizados por lei, e por isso, emquanto se mantiverem, é forçoso considerá-los, razão por que a elles se refere o projecto (Apoiados), fazendo sobre elles recair o respectivo imposto.

Demais creio que o desejo do illustre Deputado, que é tambem o meu, será satisfeito, pois que o Conselho Superior de Saude não está de braços cruzados perante os remedios secretos, sendo de esperar que, dadas a boa vontade e intelligencia dos illustres membros d'aquelle conselho, dentro em pouco se adopte alguma providencia que termine com aquelles medicamentos.

Quanto ao imposto, S. Exa. foi mais longe que o projecto, e elevou a taxa de 50 a 100 réis, e a de 10 a 20 réis, affirmando que essas taxas não são demasiadas, porque recaem sobre as classes mais abastadas, que portanto as podem pagar.

Mas foram já essas considerações que motivaram a criação do imposto, tal qual foi lixado no projecto, de sorte que não podem os mesmos motivos fundamentar o augmento o imposto proposto, aliás, baseando-nos sempre nas mesmas razões, chegariamos a adoptar um imposto tão exagerado que se tornaria prohibitivo.

Comprehendo que se torne possível o imposto de 10 réis e de 50 réis, que não são desproporcionados em relação ás substancias tributadas, mas o que logo se vê tornar-se contraproducente é dispor-se que o imposto suba a ponto de ficar superior ao importe da substancia. (Apoiados).

Pelo que respeita a aguas mineraes, S. Exa. foi mais severo o radical que o Sr. Ministro do Reino, e de que e commissão, porque propõe que o imposto incida sobre todas, as aguas mineraes sem excepção.

É certo que tornou abundancia de aguas, que podem competir com as estrangeiras, não pode contestar-se que o nosso país possue uma notavel riqueza hydro-mineral, e até a disposição do projecto tributando as aguas estrangeiras é o reconhecimento pleno d'aquella verdade e mais ainda um acto de justiça, porque assim se protege a exploração e consumo das aguas minero-medicinaes do país.

Mas, salvaguardados os legitimos direitos das aguas nacionaes, o que não me parece conveniente é tributar igualmente as aguas cuja composição diverge da que offerecem as aguas do nosso país. O illustre Deputado sabe que importamos algumas aguas, de que não temos similares no nosso país, e de que portanto carecemos para usos therapeuticos, bastando citar as aguas pargativas de tão variada procedencia e que por aquella razão precisamos importar livros de imposto, porque, apesar d'essas aguas serem reputadas por S. Exa. como medicamentos de luxo, a verdade é que ha muitos doentes, cujas posses se não podem dizer largas, a quem repugnam medicamentos do mesmo effeito therapeutico e que por essa razão dão preferencia ás aguas mineraes purgativas, cuja tolerancia lhes é mais facil do que a de outros medicamentos similares.

Pelas razões expostas, não julgo portanto que sob este ponto de vista haja motivo para alterar a proposta do Sr. Ministro do Reino e que a commissão adoptou.

S. Exa. referiu-se ainda ao artigo 18.°, em que se estabelece o jury de concurso dos professores da escola de pharmacia, para affirmar que nos concursos deveriam tambem entrar os lentes de chimica e botanica. Essa organização ficava assim em harmonia com ideias apresentadas por S. Exa., porque na verdade, desde que nas escolas de pharmacia se incluissem as cadeiras de chimica e botanica, era coherente que S. Exa. procurasse organizar os jurys do concurso, de maneira que aquellas cadeiras fossem representadas pelos respectivos lentes das faculdades de philosophia.

Mas, como demonstrei os inconvenientes da organização das escolas de pharmacia pela maneira como o illustre Deputado a apresentou, comprehende-se naturalmente que pela minha parte rejeito essa emenda, porque não vejo necessidade de fazer entrar nos jurys dos concursos os professores de chimica e de botanica, por isso que essas cadeiras não se incluem como cadeiras especiaes no curso do pharmacia.

Poder-se-ha dizer que os jurys assim organizados á custa dos professores das escolas de medicina não teem uma competencia especial, perfeitamente technica, para a boa apreciação de algumas das provas, mas uma tal affirmação é na verdade sem fundamento, não só porque os professores de medicina pela sua illustração geral e especial se offerecem idoneos para julgadores de provas sobre assumptos que lhes não são absolutamente estranhos, mas ainda porque ha em todas as escolas alguns professores que mais de perto estão relacionados com o ensino do pharmacia, sendo esses os naturalmente indicados para a constituição dos jurys. E para a apreciação de provas propriamente technicas não faltam os professores de pharmacia das respectivas escolas, cuja opinião será ouvida acêrca da forma correcta ou incorrecta por que os candidatos executarem essa parte do concurso.

Comprehende-se portanto que organizar um jury de concurso composto de elementos um tanto differentes e heterogeneos, apresenta maiores inconvenientes do que deixar o jury constituído como no projecto se indica.

São estas as considerações que julgo dever fazer em resposta ao illustre Deputado, limitando-as por aqui, visto que S. Exa. tendo-se tambem restringido, porque a falta de tempo possivelmente a isso o obrigou, não produzia outras objecções que me fosse necessario contestar.

Vou portanto terminar, endereçando mais uma vez, como procedeu o illustre Deputado, os meus mais enthusiasticos louvores ao Sr. Ministro do Reino pela solicitude e acerto com que se tem empenhado em melhorar a nossa instrucção, que em muitos ramos se encontrava atrasada o insufficiente, estado lamentavel em que persistiria, se não fôra a intelligente e rasgada iniciativa do illustre Ministro.

E permitta-me ainda o illustre Deputado que com estes louvores ou de novo dirija a S. Exa. os meus cumprimentos pela maneira sensata como apoiou a iniciativa do illustre Ministro do Reino, estudando reflectidamente o projecto e deixando de parte considerações de ordem política, que, se, como affirmei ao começar as minhas considerações, se tornam muitas vezes convenientes para a defesa de interesses partidarios, quando se trata de medidas de boa administração ou vantajosa iniciativa, devem arredar-se por completo da discussão, por ardentes e apaixonadas, para, pelo contrario, offerecermos a nossa cooperação sincera, o nosso auxilio desinteressado, a fim de que do concurso de todos possa resultar alguma cousa de bom e de frutífero para o país, que todos nós devemos procurar bem servir.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bom.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alberto Navarro: - Por parte da commissão de legislação civil, mando para a mesa o parecer da mesma commissão sobre o projecto de lei n.º 5-C, fazendo com

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que a freguesia de Arazede, do concelho de Montemor-o-Velho, passe a constituir um districto de paz com sede em Arazede.

Foi a imprimir.

O Sr. Mendes Leal: - Por parte da commissão de administração publica, mando para a mesa dois pareceres da mesma commissão; um, sobre o projecto n.° 39-D, revogando o $ 1.° do artigo 80.º da carta de lei de 21 de maio de 1896; e outro, sobre a renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 110-A, de 15 de maio de 1901, auctorizando a Camara Municipal do concelho de Villa Viçosa a vender em praça publica a cêrca do extincto convento de Santa Cruz, da mesma villa.

Foram a imprimir.

O Sr. João Augusto Pereira: - Visto não me haver chegado a palavra antes da ordem do dia, mando para a mesa a seguinte

Rectificação

No summario da sessão nocturna de terça feira l do corrente, o período que se refere á origem da syndicancia ao juiz de Santa Cruz termina com a expressão «e pelos agentes do Governo. A expressão por mim usada foi «e por agentes do Governo», pois não pretendia referir-me a todos, mas apenas aos que, sendo administradores do concelho, fizeram accusações calumniosas áquelle magistrado. Esta rectificação tê-la-ia feito na sessão de quarta feira se o summario tivesse sido distribuido a tempo. = João Augusto Pereira.

O Sr. Moreira Junior: - Antes das considerações que tem o dever de fazer, perante a Camara, a proposito da materia que constitue a estructura intima do projecto que se discute, e que teem de ser breves depois da lucida e erudita exposição dos dois illustres collegas que o precederam, dirige as mais sinceras felicitações ao sen illustre amigo Sr. Dr. Egas Moniz, pelas suas palavras eloquentes, apaixonadas, mas sinceras e que revelam um estudo consciencioso, igualmente revelado pelas phrases accentuadamente eruditas do seu querido amigo Sr. Dr. Clemente Pinto.

Não quer ainda proseguir sem dirigir as suas homenagens ao Sr. Presidente do Conselho pela sua iniciativa, porque, realmente, é tal o atraso do ensino pharmaccutico em Portugal e tão miseravel a situação em que elle se encontra que não pode deixar de merecer elogios e applausos a obra do Sr. Presidente do Conselho, quaesquer que sejam as suas opiniões individuaes sobre o projecto, que a seu ver não traduzem realmente, com extremada efficacia, essa iniciativa.

É-lhe grato dirigir estas referencias ao Sr. Presidente do Conselho, porque S. Exa. tem incontestavelmente procedido com isenção notavel e com um decidido desejo de acertar, digno dos maiores elogios.

Entrando, em seguida, na apreciação do projecto, diz que elle é excessivo nas exigencias theoricas ao mesmo tempo que é deficiente e parcimonioso nas exigencias praticas; é escusadamente oneroso para o Thesouro, pela largueza de institutos que vem criar e nada justifica; é infeliz na redacção de alguns dos seus artigos; é ainda de um effeito retroactivo digno do censura; e é até contradictorio em varias das suas disposições.

Este modo de ver consubstancia-se, até certo ponto, na seguinte:

Moção

A Camara, entendendo justa a iniciativa do illustre Ministro do Reino, no intuito de melhorar o ensino pharmaceutico, não esquecendo a penuria do erario publico, e apreciando a actual situação do exercicio pharmaceutico no país, julga necessario que o actual projecto de lei volte ás commissões respectivas, para ser refundido nos seguintes moldes:

Criação de curso para o exercicio profissional e de curso superior pharmaceutico, differente apenas na extensão dos preparatorios precisos para a matricula na escola de pharmacia, e sendo em ambos exigida pratica pharmaceutica exclusiva, e seguido de exame de validação;

Criação de uma unica escola de pharmacia, com a organização conveniente e correlativa independencia official o instituto de medicina do centro scientifico em que for estabelecida, remodelando-se a cadeira de materia medica dos outros centros scientificos continentaes, dotando-se de demonstração pharmaceutica;

Criação de receita incidente, principalmente, sobre aguas minero-medicinaes estrangeiras, importadas e congeneres de aguas nacionaes, sobre especialidades pharmaceuticas, cuja regulamentação deverá ser feita, e remedios secretos licenciados, apenas durante o período da respectiva licença, deve após ser prohibida a sua importação, annuncios e venda, revertendo em beneficio do Thesouro o excesso da receita criada sobre a despesa que d'esta organização provenha. = O Deputado, M. Moreira Junior».

Esta moção, continua o orador, serve para demonstração da forma como elle entende que se deve iniciar o ensino pharmaceutico no país.

O ensino parmaceutico, segundo o projecto, é dividido em dois cursos, regular e irregular, e ao passo que o segundo é insignificante, o primeiro, que é o que dá a preferencia em todos os concursos officiaea, é tão rodeado de exigencias theoricas que ha de ver-se que nem para um instituto scientifico haverá numero sufficiente de alumnos, pois que a media actual de frequencia do curso de pharmacia é apenas de nove indivíduos nas tres escolas.

É ponto assente que, deante das muitas exigencias, os cursos deixam de ter frequencia, e o Sr. Clemente Pinto, que, em defesa das theorias que sustentou, se referiu á Hollanda e á Belgica, poderia talvez ter citado a França, para se ver que, em resultado de se exigir o bacharelato para o curso pharmaceutico, a diminuição de frequencia foi de tal ordem que a lei teve de ser remodelada.

É certo que em 1898 uma nova lei fazia a mesma exigencia; não pode, porem, saber-se ainda quaes os resultados d'ella, porque por emquanto se está dentro do período transitorio estabelecido, para que esta possa produzir os seus effeitos.

Entende elle, orador, que se passa do excesso de uma deficiencia extrema para o excesso de um ensino superior exclusivo, e não se compadece, realmente, a duração d'esse curso com a insignificante retribuição que a vida profissional obtem no país.

Este ultimo excesso ha de produzir consequencias lamentaveis, e o Sr. Presidente do Conselho ha de ver-se na necessidade de fazer o que, por semelhante, motivo, se fez em Italia: consentir que simples praticantes abram pharmacias em certas terras, onde os diplomados não appareçam a abri-las. Se o não fizer, terá de reduzir o curso para ter profissionaes.

Diz-se que é criada a receita necessaria para fazer face á despesa com os tres instituos, mas segundo os seus calculos o excesso da despesa sobre a receita, na melhor das hypotheses, ha de ser de 1:600$000 réis, e pode ainda ser maior, desde que se attenda a que a ideia dominante na classe medica é a de acabar com os remedios secretos, e as especialidades pharmaceuticas podem eximir-se ao imposto do mesmo modo que já hoje succede com as perfumarias.

Tudo isto determina que apenas se deve abrir um instituto e não tres.

O modo como o projecto está redigido revela uma extraordinaria precipitação: e ella accentua-se, evidentemente, na contradicção que existe entre os artigos 2.° e 4.°, e na deficiencia revelada pelo artigo 3.°

Manifesta-se ainda essa precipitação no $ 2.º do ar-

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tigo 10.° e ao artigo 11.º e vem tambem revelar-se no artigo 15.º

Mas se tudo isto fosse pouco, poderia ainda comparar-se o relatorio com o projecto e a contradicção resaltaria immediatamente, como resalta nas disposições transitorias.

Da analyse succinta, rapida mas leal do projecto resulta inilludivelmente a necessidade de o refundir em todos os elementos que o constituem, não só para que das suas disposições se obtenha alguma cousa de justo e de proveitoso, mas ainda para que a felicidade que tem acompanhado o Sr. Presidente do Conselho, já na reforma dos serviços sanitarios já na organização dos serviços hospitalares, não o abandone e S. Exa. deixe vinculado o seu nome a um trabalho realmente notavel.

Para isso é, porem, necessario que o projecto seja completamente refundido.

Lida na mesa a moção, foi admittida.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando S. Exa. devolver as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - A proxima sessão é amanhã, sendo a primeira chamada ás 10 horas da manhã e a segunda ás 10 1/2. A ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje e mais o projecto n.° 24.

Está encerrada a sessão.

Eram 2 horas e 17 minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Representações

l.ª Da Camara Municipal de Odemira, acompanhada de um officio pedindo que a freguesia de S. Martinho das Amoreiras tique pertencendo ao concelho e comarca de Odemira.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara, enviada á commissão de legislação civil e mandada publicar no Diario do Governo.

2.ª Da Camara Municipal de Ribeira da Pena, acompanhada de um officio, pedindo a promulgação de uma lei, que auctorize os corpos administrativos a aforar, sem as formalidades da hasta publica, parte dos seus terrenos baldios.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara e enviada â commissão de administração publica.

3.ª Da Associação Commercial de Coimbra, expondo os perigos que vê na realização de qualquer convenio, nas circumstancias actuaes do país, com os credores externos, e pedindo que não seja approvado se porventura algum for apresentado ao Parlamento.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara e enviada á commissão de fazenda.

4.ª Da Associação Commercial do Porto, contra a proposta de lei n.° 20-C, modificando nas possessões portuguesas da Africa o regime administrativo, aduaneiro e fiscal das bebidas alcoolicas e fermentadas.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara, enviada á commissão do ultramar e mandada publicar no Diario do Governo.

5.ª Do Centro Colonial de Lisboa, associação de classe, pedindo que não sejam postas em execução algumas das disposições da proposta sob o n.° 20-C, referente ao regime administrativo, aduaneiro e fiscal de bebidas alcoolicas e fermentadas nas possessões portuguesas da Africa.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara, enviada a commissão do ultramar e mandada publicar no Diario do Governo.

6.ª Do Centro Colonial do Lisboa, pedindo a revisão da pauta aduaneira de Angola, nivelando-a á do Congo belga, e suspensão da cobrança das taxas e sobretaxas que se pagam na exportação da borracha do Angola, limitando os encargos d'essa exportação aos 3 por cento ad valorem, que vigoraram até janeiro de 1897.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara, enviada á commissão do ultramar e mandada publicar no Diario do Governo.

7.ª Da Associação Industrial e commercial da Covilhã, contra a proposta de lei n.° 19-E, pela qual o Governo é auctorizado a modificar a actual pauta das alfandegas.

Apresentada pelo Sr. Conde de Penha Garcia, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do Governo.

8.ª Da Camara Municipal do concelho do Seixal, pedindo que seja modificada a disposição da lei que prohiba a replantação ou renovação das vinhas.

Apresentada pelo Sr. Deputado Jayme Arthur da Costa Pinto, enviada á commissão de agricultura e mandada publicar no Diario do Governo.

9.ª Dos zeladores municipaes e officiaes da administração do concelho de Vianna do Castello, pedindo melhoria de vencimentos.

Apresentada pelo Sr. Deputado Espregueira, enviada á commissão de administração publica e mandada publicar no Diario do Governo.

Justificações de faltas

Tenho a honra de participar a V. Exa. que o illustre Deputado Guilherme Santa Rita tem faltado ás sessões por motivo de doença. - Augusto Claro da Ricca.

Declaro a V. Exa. e á Camara que tenho faltado a algumas sessões por motivo de serviço publico urgente em cascaes. = Jayme Arthur da Costa Pinto.

Declaro que lancei na caixa das petições o requerimento de Manuel Maria da Luz Rebello, escripturario de fazenda com mais de vinte e seis annos do serviço publico, em que pede lhe seja contado para aposentação o tempo em que exerceu como proposto de recebedor. = José Maria de Oliveira Simões.

Declarações

Declaro que lancei na caixa das petições um requerimento em que o capellão militar Manuel José Pereira Louro pede que para a classificação da sua reforma seja contado o tempo era que exerceu o logar de cura coadjutor. = Rapozo Botelho.

Declaro que deitei na caixa das petições um requerimento do capellão do exercito José Joaquim de Sousa Junior, pedindo que se lhe conte para os effeitos da reforma o tempo que exerceu o ministerio parochial antes do ser capellão do exercito, a exemplo do que se tem concedido a outros seus collegas. = Joaquim de Sant'Anna.

Declaro que deitei na caixa das petições um requerimento do capellão naval de 2.ª classe Roberto Francisco Lança, pedindo que se lhe conte para o effeito da promoção e reforma o tempo que serviu como capellão de 3.ª classe no regimento de infantaria no Ultramar, a exemplo do que se praticou com outros seus collegas da armada, = O Deputado, Joaquim de Sant'Anna.

O redactor = Albano da Cunha.

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