O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SESSÃO N.° 47 DE 16 DE AGOSTO DE 1909 5

ral, com o fim de lhes tirar a moralidade politica que elles encerram.

Em seguida, desejava perguntar ao Sr. Ministro da Marinha se tenciona tomar algumas disposições a respeito da applicação do descanso semanal ás colonias e especialmente a S. Thomé, onde elle está tanto nas necessidades e nos habitos que se fé, já quasi por completo por acordo entre patrões e caixeiros, mas onde é preciso, por virtude de certas circunstancias perturbadoras, que o assunto seja regularisado e regulamentado.

Eu não vou pedir ao sr. Ministro da Marinha que faça um acto de ditadura para resolver este caso. Seria um procedimento anti-democratico que eu não posso, nem devo ter. tambem não peço que estenda ás colonias o decreto que implantou o descanso semanal no continente do reino, porque elle foi promulgado por um decreto ditatorial, embora tivesse sido discutido e approvado na Camara dos Deputados. Mas peço ao sr. Ministro da Marinha que traga a esta casa do parlamento uma proposta de lei referente á maneira e sem duvida que a Camara da melhor vontade collaborará com S. Exa. na resolução d'este importante assunto.

O descanso em toda a parte é preciso. Nas colonias, porem, é indispensavel e de uma maneira mais extensa e profunda do que no continente, onde o clima é benigno e ameno. O clima equatorial devora a vida. As preocupações da existencia, extenuantes, que neurasthenizam os homens na Europa, nessas regiões quantes e malignas apalpam-o mais duramente, causando-lhes as febres que matam lentamente, depauperando-o, ou os choques pathologicos fulminantes que matam pela intoxicação e pelo desequilibrio vital.

De resto, em s. Thomé, pelo menos, bem facil será pôr em pratica de uma forma exequivel uma lei tão humanitaria e sympathica como esta, visto que os patrões são os primeiros o dar o exemplo de respeito pela vida alheia, acceitando de bom grado não só a proposta do descanso semanal mas ainda a proposta de os estabelecimentos commerciaes fecharem todas as noites, não abrindo após o jantar.

O Sr. Ministro da Marinha não está presente, mas eu peço ao sr. Presidente do Conselho que lhe communique estas minhas considerações, que não faço mais demoradas visto S. Exa. estar ausente, e que só teem em mira reforçar uma representação que de S. Thomé, terra que eu sobremodo estimo e considero, foi enviada ao Ministerio da Marinha e Ultramar.

Outrosim peço ao sr. Presidente do conselho que communique ao sr. Ministro da Marinha as considerações com que vou acompanhar uma representação que os hindus, que constituem tres quintos da população de Goa (Novas e Velhas Conquistas) mandam por meu intermedio ao Parlamento Português.

Nas consideraç~es que vou fazer serei calmo e singelo. Não quero fazer d'esta representação uma arma politica, porque isso seria ir de encontro aos bons processos de lealdade, nem um instrumento de agitação religiosa neste infortunado país, em que está fermentando, nos sub-solos da sua alma contemplativa, uma tremenda revolta contra a oppressão crerial.

Não. Em hypothese nenhuma eu o farei, habituado como ando a formular as minhas opiniões com altanaria e a dispensar pretextos para intervir nas discussões mais melindrosas, uma vez que para ellas me chamem os ditames da minha consciencia de livre pensador ou a paixão indomita da minha alma de patriota.

De mais, eu sou muito sensivel á hora alta e singular que os cidadãos hindus me fizeram de me nomerarem seu representante e caudilho neste pleito alevantado, para não ter o cuidado mais expresso em manter a justiça da sua causa absolutamente pura e immaculada. Pela minha voz vão, Sr. Presidente, falar as palavras opprimidas de muitos milhares de cidadãos a quem se tolheu uma liberdade que não só lhes é devida pelo elementar bom sesno politico, mas ianda, o que é mais importante, pela letra de velhos tratados e convenções. Esta causa, Sr. Presidente, sensibilizou-me e de todas as questões momentosas, e bastantes teem ellas sido, que á minha palavra, coube por sorte levantar e tratar nesta Camara nenhuma mais alto falou ao meu coração de português e á minha alma de liberal.

Os hindus são portugueses. Não procuram ser o contrario. Não tentam ser o contrario. Muitas vezes a sua alma torturada e afflicta deve ter perguntado que especie de felecidade encontraram elles em fugir ao julgo muçulmano, auxiliando os portugueses, para irem cair sob o julgo catholico, apesar de, como cidadãos portugueses, deverem ser livres para todos os effeitos. E todavia estas leancolicas e apprehensivas meditações, que devem ter passado como vento traqgico pelo cerebro hindu, jamais levaram este povo laborioso, intelligente e affectivo á ideia de revolta, ao pensamento de emancipação.

Houve. É certo, ha alguns annos, uma pequena revolta na India, para onde logo, com arruido e espavento, se destacou um vice-rei. Mas esse movimento, tão brando que não chegou a definir-se, tão pouco intenso que logo se acalmou, teve ainda por causa, remota ao menos, a intranquilidade dos espiritos hindus devida ás incertezas religiosas em que o catholicismo abusivamente os lançou. E isso bem se viu no facto de o Sr. Joaquim José Machado levar a Pangim, ornado das suas insignias, o prelado dos Ranes, que do alto do seu prestigio e apenas só com um gesto fraterno lançou sobre a tormenta da revolta o apaziguamento e a calma, e no facto de o Infante D. Affonso ter sido recebido no pagode de Xantudargá de Queulá no meio de todo o ritual hindu, desde tempos immemoriaes usado pelos prelados e grande senhores hindus.

Pois isso, que se fez sem espanto de ninguem, antes com a approvação de toda a gente de senso, nessa epoca, que ainda não vae longe, não é agora permittido, porque falsos catholicos, falsos christãos, turbulentos e intolerantes, querem esmagar no mais intimo da alma hindu aquillo que lá criou raizes, aquillo que faz parte da sua estructura fundamental, aquillo que é para essa alma ingenua, comtemplativa e sonhadora o mesmo que o sangue é para os tecidos que embebe, dando-lhes a nitrição e a vida.

Que falta de tino, sr. Presidente! Querer renovar os successos antigos, que, logo após a conquista, alvoroçaram e opprimiram os hindus, perseguindo-os por motivos de religião e fazendo assim, como uma politica nefasta e inquisitorial, com que o nosso dominio, que ia de Calicut até ás costas as Arabia, ficasse reduzido a Goa, Damão e Diu!

Não nos tem servido o exemplo da Inglaterra, tantas veze citada pelos nossos incompetentes politicos e tão poucas vezes seguida no que ella tem de bom. Não nos tem valido de nada a lição proveitosa que ella desde seculos nos vem dando nas Indias Inglesas, onde é permittida a maxima liberdade de cultos e onde por isso mesmo a poderosa nação cada vez mais tem affirmado a sua soberania e o seu prestigio. E se esse dominio é duro por vezes e essa soberania frequentemente pesada, dominio e soberania se aguentam ainda, porque não ha perseguições religiosas, e teriam já fracassado e ruido se taes perseguições, se tivessem realisado.

Assim nós, procedendo pelo criterio estreito e exclusivista de querer impor a religião catholica a consciencias que preferem outra, estamos transformando um povo docil, de costumes suaves e habitos pacificos, numa legião de revoltados, que por ora latentemente, mas nem por isso menos veridicamente, estão preparando, na retorta da sua indignação, não a insurreição contra a sua patria, que não é culpada, mas contra os Governos clericaes do estado da India, para quem vale mais a batina dos missionarios que a letra dos tratados.