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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
FALTA TEXTO
Discurso do sr. deputado Julio de Vilhena, pronunciado na sessão do 8 de março, o que devia ler-se a pag. 717, col. 2.º
O sr. Julio de Vilhena: — Obedecendo ás antigas tradições do parlamento, começo por comprimentar o illustre deputado e meu amigo, o sr. Laranjo, que fez a sua estreia na questão que se debate.
Não o felicito pela excellencia das doutrinas que proclamou; não o felicito pelos principios de administração colonial que desenvolveu, como sendo os mais adequados ao progresso das nossas possessões no ultramar; não o felicito pelo tom apaixonado que assumiu, nem pela maneira aggressiva com que intentou dirigir os seus ataques contra o gabinete; felicito-o, porque, sendo s. ex.ª um membro da geração moderna, á qual tendo tambem a honra de pertencer, sendo s. ex.ª filho exclusivo do seu trabalho e da sua intelligencia, tem direito ao meu respeito, á minha consideração e á minha sympathia. (Apoiados.)
Qualquer que seja a diversidade da principios que nós professemos, qualquer que seja a diversidade das escolas em que nos achemos filiados, os homens da geração nova devem entrar desassombradamente em todos os debates parlamentares, e devem ter sempre uns para os outros um franco e sincero aperto de mão e um abraço de fraternidade. (Apoiados.)
Os estadistas actuaes de cada uma das escolas hão do desapparecer da vida publica, deixando um nome brilhante na historia do seu paiz, o as tradições d'elles hão de ser perpetuadas pelos homens da geração nova que hoje se sentam nas cadeiras d'esta assembléa legislativa.
Felicito, pois, o illustre deputado; felicito-o, porque o conheço ha muito tempo, porque sou sou amigo ha muitos annos, e porque sei que os seus talentos não se podem apreciar pelo discurso que proferiu hontem, mas pelos seus trabalhos scientificos e pelas suas excellentes prelecções nas cadeiras da universidade. (Apoiados.)
Vou entrar sem mais preâmbulos na questão que se debate.
O illustre deputado interpellante, quando lançou os lineamentos d'esta discussão, disse que era esta uma questão vasta: que era uma questão economica para a provincia do Moçambique, uma questão geral de administração ultramarina, uma questão politica, o por fim uma questão legal.
Declaro sinceramente a v. ex.ª e á camara que senti que o illustre deputado interpellante, cujo talento robusto eu respeito e admiro, apertasse uma questão do tanta magnitude nos limites acanhados do campo legal.
Hoje, que a questão da Africa está attrahindo as attenções da Europa; hoje, que não só na Europa, mas tambem na America, se trata de ir procurar ao centro da Africa um novo meio para o exercicio da actividade commercial e industrial, que está atravessando uma crise nos dois continentes; hoje, que se procura estabelecer na Africa um novo centro de operações para o trabalho humano,"para a producção e para o consumo, o illustre deputado interpellante traça em volta do si um circulo estreito, e falla sómente da legalidade do acto do governo!
Sr. presidente, uma questão d'esta ordem não se trata, não se póde tratar em parlamento nenhum, perguntando ao sr. ministro da marinha, que distancia vae de Teto ao Zumbo? O que é exploração? O que silo machinas aperfeiçoadas?
Pois o illustre deputado, talento vigoroso da opposição, em vez de erguer aqui a bandeira do seu partido, em vez do affirmar aqui os principios da administração colonial do seu credo, limita-se a dizer que o acto do governo é contra a lei do 4 do dezembro de 1869!
Não imagine o illustre deputado, nem imagine a opposição, que eu ou a maioria d'essa casa nos recusemos a tratar esta questão em qualquer campo: acceitâmos esta questão no campo legal, no campo economico, no campo politico, no campo da moralidade, acceitâmol-a, emfim, em todos os terrenos em que os illustres deputados a queiram collocar. (Muitos apoiados.)
Mas consinta a opposição que eu lamente e que eu sinta a direcção que se tem dado a este debate (Muitos apoiados.); e assim como a opposição se arroga o papel de criticar a maioria, consinta tambem que a maioria se arrogue o direito do criticar a opposição, por isso que a collocação da questão e a delimitação do debate estão muito abaixo da dignidade parlamentar! (Apoiados.)
Sr. presidente, não imagino a opposição, repito, que nos recusamos a tratar a questão no campo legal; aceittâmol-a ahi, e vou demonstrar ao illustre deputado interpellante que todos os argumentos que s. ex.ª apresentou contra o
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decreto de 26 de dezembro de 1878, se destroem facilmente com as considerações que a assembléa vae apreciar, e que estou convencido ha de julgar procedentes. (Apoiados.)
O que se tem dito n'esta questão!
O illustre deputado interpellante começou por classificar as concessões; e applicando o sou espirito scientifico e systematico, com todo o rigor, á classificação das differentes concessões, fez tres classes de concessões: concessões do minas, concessões de florestas o concessões de terrenos; e applicando ainda o seu espirito scientifico á primeira classe, considerou as minas concedidas perpetuamente e o privilegio por vinte annos para a exploração d'essas minas.
Os illustres deputados que se seguiram limitaram-se a dizer, que a argumentação do illustre deputado interpellante tinha ficado de pó; e aqui estamos nós ha uma semana a ver os argumentos do s. ex.ª fortes, armados, erguidos diante das cadeiras dos srs. ministros, intimando-os para que entreguem as suas pastas! Pois esses argumentos que estão de pé facilmente caem por terra, porque nada affirmam e nada provam. (Apoiados.)
Que disse o illustre deputado contra a legalidade do decreto?
Disse, falhando da primeira classe de concessões, que o decreto de 26 de dezembro de 1878 não podia conceder minas ao sr. Paiva de Andrada, porque o decreto de 4 de dezembro de 1869, no artigo 45.°, estatue que, para que o governo tenha direito de conceder minas, é necessario que a concessão seja feita a companhias, e o concessionario não tem ainda companhia organisada.
Sinto que os que dizem, e repetem isto não lessem o decreto de 26 de dezembro de 1878.
A concessão não é feita sómente ao sr. Paiva de Andrada, é feita a elle e ás companhias que tem de organisar. O concessionario é uma entidade integrante das companhias. Não figura como individuo, figura como representante de uma sociedade que vae organisar.
Se o decreto de 4 de dezembro de 1869, cujas disposições se dizem violadas, exigisse a organisação anterior das companhias, seria na maior parte dos casos inapplicavel a sua disposição.
E sabe v. ex.ª a rasão por que se não exige que as companhias estejam organisadas antes de se fazer a concessão?
E por que é necessario saber o fim para que os capitães se reunem, os lucros que podem ter, as probabilidades de bom exito da empreza. Os capitães naturalmente timidos não correm de ordinario para especulações aventurosas. (Apoiados.)
E como o decreto de 4 de dezembro de 1869 foi feito no intuito de desenvolver a mineração no ultramar, o decreto não podia impor como restricção a organisação previa da companhia, porque impossibilitava a realisação da idéa que o legislador tinha na mente ao promulgar aquella providencia. (Apoiados.)
A concessão foi feita ao sr. Paiva do Andrada e ás companhias que elle organisar, e apesar do as companhias não estarem organisadas, não houve, segundo o que fica dito, violação da disposição do decreto do 4 de dezembro.
Mas ha mais. Esta concessão é um contrato bilateral, e como contrato está sujeita ás disposições das leis civis sobre contratos, e assim fica salvo aos pactuantes estabelecer as condições que lhes aprouver.
A condição aqui é a organisação da companhia, e emquanto ella se não verificar, está suspenso o direito conferido ao concessionario.
A phrase do illustre ministro da marinha, de que o direito do sr. Paiva de Andrada é um direito embrionário, é uma phrase que, não obstante não ser rigorosamente juridica, dá a idéa exacta d'este contrato, porque embrionário se póde considerar todo o direito que não estiver realisado, e que dependa de uma condição para a sua effectividade.
Não houve, portanto, violação do decreto de 4 de dezembro de 1869, porque elle não exige a constituição da companhia para se fazer a concessão, e porque sendo este um contrato como outro qualquer, ao governo ficava salva a faculdade de inserir n'elle as condições que melhor entendesse.
Mas continuam os illustres deputados. O governo devia ter aberto concurso para a concessão; o governo não podia fazer esta adjudicação á companhia, mas era necessario que tivesse chamado por este meio todas as companhias e todos os capitalistas que a pretendessem.
Como fundamentam os illustres deputados este argumento?
Dizem que pelo artigo 45.° do decreto do 4 de dezembro de 1869 fica salvo o direito que o «governo tem de fazer a adjudicação ou a concessão directa a uma companhia.
Ficando salvo o direito que existia até então, fica salvo o direito a que se refere o decreto de 22 de dezembro de 1852, e portanto, é principio inconcusso que fica restabelecido o concurso.
Este argumento apresentado pelo sr. Mariano de Carvalho, foi tambem apresentado na outra casa do parlamento, por um digno par, notavel jurisconsulto e venerável ancião.
Que diz o decreto do 4 de dezembro de 1869?
Diz que fica salvo ao governo o direito de fazer concessões directas d'estas minas a sociedades ou companhias, para a exploração em grande d'uma certa zona mineira.
Quer isto dizer que fica salva ao governo a faculdade de fazer as concessões, mas não fica salva com as restricções estabelecidas pela lei de 1852. E sabe v. ex.ª porquê? É porque o legislador, quando fez o decreto de 4 de dezembro de 1869, como se vê no respectivo relatorio, querendo desenvolver a mineração nas nossas colonias, viu que era necessario tirar todas as peias o restricções que até ahi existiam para a concessão de minas no ultramar; e a principal das restricções era o concurso.
E claro que sondo o decreto do 4 de dezembro de 1869 elaborado com o intuito de destruir essas peias, essas restricções, não se podia de maneira alguma decretar o concurso ou impor outras restricções.
Fica salvo o direito, sem duvida, mas não fica salvo o exercicio d'esse direito nas condições estabelecidas, porque foram essas condições que o legislador quiz destruir, como impeditivas do desenvolvimento da exploração mineira no ultramar. (Apoiados.)
Diz-se mais que o governo não podia conceder uma zona mineira,
E aqui pretendeu o illustre deputado definir o que seja zona mineira..
O sr. Mariano de Carvalho recorreu a uni exemplo para definir o que é zona mineira. Quando para se definir uma idéa qualquer se recorre a uni exemplo, é certo que ou não se sabe definir, ou ha grande difficuldade na definição.
A zona mineira tem uma significação natural. A zona mineira é um tracto de terreno onde existem minas. Não tem outra significação.
Dizem que a zona concedida tem uma extensa area, e eu pergunto aonde é que a lei marca o limite d'essa extensão? Aonde é que o decreto de 4 de dezembro de 1869 diz que a zona deve ter uma certa e determinada area? Não diz, nem podia dizer, porque, se o dissesse, a natureza zombava o ria-se do legislador que tal decretasse. (Apoiados.)
Se o decreto de 4 de dezembro de 1869 declarasse qual era o limite maximo da zona mineira, aconteceria que a maior parto das vezes os filões auríferos sairiam alem da orbita traçada na lei.
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Por isso, o decreto não estabelece limite para a zona mineira nem o podia estabelecer.
Agora vem o argumento do illustre deputado o sr. Saraiva do Carvalho.
É indispensavel, diz elle, que a zona mineira tenha a mesma circumscripção que a zona scientifica. E indispensavel que a zona da concessão coincida precisamente com a zona traçada pelas ramifiações dos mineraes no interior da terra.
Indispensável porquê?
Eu figuro tres hypotheses: ou a zona scientifica da Zambezia é mais ampla do que a zona traçada no decreto, ou é igual, ou 6 inferior. Penso que não póde igurar-se nenhuma outra hypothese.
Soa zona scientifica é mais ampla do que a traçada no decreto de 26 de dezembro de 1878, o concessionario, na exploração das suas minas, quando chegar aquelle limite traçado pelo decreto, tem necessariamente de parar ali os trabalhos da exploração. É elle, pois, o unico prejudicado n'esta hypothese.(Apoiados.)
Se a zona é precisamente igual, o illustre deputado não tem do que queixar-se, porque se realisa a sua aspiração.
Se é inferior á traçada no decreto, não ha perigo algum, porque o concessionario não póde tirar d'ahi vantagens, visto que não póde extrahir mineraes donde elles não existem.
Por consequencia em qualquer das tres hypotheses que figurar se podem, não ha inconveniente em se estabelecer, no decreto da concessão uma zona que não coincida precisamente com a zona scientifica. (Vozes: — Muito bem.)
Creio, portanto, que tenho respondido aos argumentos apresentados pelo sr. Mariano de Carvalho, no tocante á concessão do minas.
Passemos ao segundo grupo d'esta classe, que a concessão de previlegios por vinte annos.
Tem-se dito, o repetido n'esta assembléa, sobre a concessão do privilegios para pesquizas, que todos podem pesquizar, que todos podem explorar; mas creio que se lessem as nossas leis a esse respeito, haviam de encontrar grande numero do restricções ao principio da pesquiza e da exploração. (Apoiados.)
Se o governo, pelo decreto de 4 de dezembro de 1869, tem a faculdade de conceder a exploração; se, segundo o mesmo decreto, a palavra exploração comprehende a pesquiza, a exploração propriamente dita o a lavra; se, o governo tem a faculdade de conceder por tempo illimitado todos os tres actos, que constituem o trabalho mineiro, pergunto não lêra a faculdade de conceder o exercicio de um só d'esses actos?! (Apoiados.)
Se o governo póde conceder pesquiza, exploração, e lavra, não poderá conceder só pesquiza, só exploração, ou só lavra? 1
Parece-mo isto tão claro o perfeitamente demonstrado, que não deixa duvida alguma. (Apoiados.)
Mas se o sr. Mariano de Carvalho me dissesse, o que aliás não supponho, que as disposições do decreto do 4 do dezembro do 1869 se referem simplesmente ás minas conhecidas e não exploradas e ás minas abandonadas, e n'essas não ha pesquiza, responder-lho-ía que os actos que, segundo a lei, constituem a pesquiza, podem realisar-se ainda n'estas minas.
Mas eu desejo accentuar este ponto, e ver qual o systema seguido pela nossa legislação sobre o assumpto.
A primeira disposição applicavel são os artigos 465.° e 466.° do codigo civil, que dizem:
«Todos têem direito a pesquizas o lavrar minas, independentemente da auctorisação do governo, nos predios rusticos que possuirem.
«É tambem concedido o direito do pesquiza em predios rusticos alheios, com o consentimento do dono, consentimento que, aliás, em caso de recusa, póde ser competentemente supprido.» _
Todos têem direito de pesquizar minas nos seus predios, ninguem póde pesquizar minas nos predios alheios sem consentimento do dono d’esses predios; mas se o dono não consentir, acima d'elle ha o governo, que, como inspector cios interesses sociaes, e em nome do principio da utilidade publica, póde conceder o direito de pesquiza que o proprietario negou.
E o que se segue d'aqui?
É que o direito do pesquiza faz parte integrante do direito civil do propriedade, e que o direito que tem o dono do predio, do não consentir na pesquiza na sua propriedade, desapparece, logo que o estado, como inspector dos interesses publicos, entenda que da concessão d'elle provém alguma vantagem para o paiz.
Ora, o estado, como proprietario dos terrenos tem o mesmo direito que todo o proprietario, o por consequencia tem o direito de pesquizar, pelos seus agentes, as minas que existam n'esses terrenos. Nos terrenos alheios tem tambem o direito de pesquiza, porque lhe é concedido pela nossa legislação, em nome de um principio superior de utilidade publica. (Apoiados.)
Infere-se d'estas considerações, que o direito de pesquiza é uma faculdade que o estado concede, dentro das attribuições do executivo, e sem necessidade constitucional de recorrer á assembléa legislativa.
Penso que é este o fundamento de toda a nossa jurisprudencia mineira. O estado, embora não quizesse recorrer ao decreto de 4 de dezembro de 1869, tinha nos principios em que assenta o nosso systema do administração sobre minas a faculdade de conceder a pesquiza, tanto nos terrenos proprios como nos terrenos particulares.
Passemos á concessão das florestas.
A lei de 21 de agosto de 1856, diz se, não permitte a alienação das florestas, e o decreto de 26 de dezembro de 1878 destruo o principio estabelecido n'essa lei, porque dá ao concessionario o direito de as explorar.
Diz-se que ha uma manifesta contradicção entre o decreto de 6 de dezembro do 1878 e a lei do 21 de agosto de 1856. E um engano.
Não ha duvida alguma do que a lei de 21 de agosto de 1856 determina que o governo, não póde alienar as florestas do estado; mas o governo concedendo a exploração das florestas, uno transfere de modo nenhum o dominio dellas. E a idéa da conservação expressa no decreto que se debate, suppõe que as florestas continuara na propriedade do estado. (Apoiados.)
E não havendo transmissão, o que é, pois, que representa este decreto de 26 de dezembro do 1878?
Representa apenas a constituição de um usufructo, continuando a propriedade como até aqui, a pertencer ao estado.
Não ha, portanto, incompatibilidade entro o decreto de 26 do dezembro de 1878 e a lei' de 21 de agosto de 1856.
Mas ha mais: disse-se na outra casa do parlamento, e repetiu-se aqui, que o concessionario fica habilitado a tirar todas as madeiras; e até um illustre deputado, e meu amigo, chegou a dizer que o sr. Paiva de Andrada destruirá completamente as florestas da Zambezia.
Seria conveniente que, antes de se proferirem estas palavras, se lesse attentamente o decreto da concessão que manda observar os regulamentos estabelecidos.
Mas, quaes são os regulamentos? perguntou o sr. Laranjo, elles ainda não appareceram o nem podem apparecer porque não existem.
Eu se fizesse opposição a qualquer governo o combatesse uma concessão que impozesse ao concessionario a obrigação do sujeitar-se aos regulamentos existentes, a primeira cousa que fazia era examinar que regulamentos havia e combinai os com o decreto questionado.
Pois não existem os regulamentos?!
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Com relação a este assumpto n. nossa legislação sobeja.
Desde o celebre regimento das madeiras do 1562 até hoje não tem escasseado legislação sobre o assumpto.
O ultimo regulamento é o de 22 do junho de 1872, mas como este se refere, principalmente, a organisação de serviços e manda observar, no artigo 52.°, as disposições policiaes, disciplinares o penaes, do regulamento de 7 de julho do 18-17, vejamos o que este diz:
«Artigo 8.° Tambem não podem os usufructuarios ou possuidores convencionar um corte desproporcionado ás forças da mata; a por isso todas as vezes que emprehenderem qualquer córte, o participarão ao administrador gorai, o qual por si ou por empregado de confiança, buscará sem demora informar-se de maneira que possa conscienciosamente dar a licença, ou modificando rasoavelmente o pedido, concedo] a no limito de se poder levar a effeito sem grave prejuizo da mata.
«Art. 9.° Em todo o caso o corte deve ser presenciado por uni empregado da administração geral, a fim de vigiar que o mesmo córte se faça nos termos precisos do que se houver determinado; e finalmente para que se não derribe pau algum dos escolhidas e marcados para uso de construcçâo naval.»
Não e só esse regulamento, é tambem o do 18 do julho do 1856 que versa sobre a exploração das florestas da índia.
Este regulamento diz que os usufructuarios não podem fazer cumerins, nem praticar ou convencionar côrtes, em alguma das ditas matas, que sejam desproporcionados ás forças das mesmas e de que possa resultar a aniquilação da mata ou do uma parto della.
«Em todo o caso, acrescenta o regulamento, o corto, desbasto ou cumerim que fizerem em uma mata devo ser convenientemente vigiado, e superintendido do modo possivel por um empregado da administração geral das matas, a fim de que a operação se faça nos termos precisos do que se houver determinado, o para que se não derribe pau algum, dos que na conformidade do artigo 9.° tiverem sido escolhidos o marcado,).»
Segundo estes regulamentos, na exploração das matas hão de observar-se duas condições. A primeira é que o córte não deve per desproporcional á força da mata, e a segunda é que não deve chegar a exploração ás madeiras necessarias para as construcções do estado. O poder executivo, dentro das suas attribuições constitucionaes, poz em vigor estes regulamentos para a exploração das florestas concedidas. Estava no pleno uso das suas faculdades.
Para que estão todos os dia?, aqui e lá fóra, n'esta e na outra casa do parlamento, a clamar que o governo permittiu a destruição das matas da Zambezia? (Apoiados.)
O decreto da concessão manda observar os regulamentos, e estes prendem de tal modo as mãos ao concessionario que elle não póde proceder de modo que resulto a destruição das matas o florestas que o estado possuo na região da Zambezia.
Alem d'isso tom do sujeitar-se o concessionario aos regulamentos futuros, o quando os actuaes partidos da opposiçâo chegarem ao poder, podem fazer regulamentos que o prendam completamento n'este ponto da concessão. (Apoiados.)
Resta a concessão de terrenos.
O illustre deputado interpellante começou por declarar que o governo não podia conceder 100:000 hectares de terrenos, porque o estado não os possuia, o que tambem se disse na outra casa do parlamento.
(Interrupção do sr. Mariano de Carvalho.)
O Orador: — Se não o disse s. ex.ª disse-o o sr. Laranjo, que reconheceu ser necessario dilatar os terrenos na Zambezia para se poder fazer a concessão.
Existem mais do 100:000 hectares de terrenos; entretanto, diga-se a verdade, a responsabilidade d'este erro não pertence á opposiçâo, mas & junta consultiva do ultramar.
É ella que declara que não havia 100:000 hectares de terrenos juntos na Zambezia, assentando esta sua asserção no officio do governador de Moçambique ácerca do pedido Walker, officio datado de 29 do maio de 1878, e que tem servido de base para se dizer que não temos terrenos com a extensão referida.
Dia o officio o seguinte:
«Em resposta á regia portaria n.°459 da serio finda, em que sou mandado informar a respeito da pretensão do subsisto inglez Walter Frederich Walker, que pede 50:000 hectares de terreno, destinados á cultura da canna de assucar, tenho a honra de participar que, segundo a opinião do pessoas fidedignas, não póde obter-se em Tete nem nas suas immediações uma tão grande quantidade do terreno apropriado á cultura indicada, porque o paiz é geralmente montanhoso.
«Assevera, comtudo, o governador de Teto, que se não exigir que os 50:000 hectares sejam no mesmo ponto, poderão, em differentes sítios de extinctos prazos da corôa, obter-se terrenos com os requisitos necessarios para a dita cultura, que dêem approximadamente aquella superficie, os mais distantes dos quaes não excederão a um dia do 'viagem de Tete, e não me parece que, n'estas circumstancias, haja inconveniente em deferir-se a concessão requerida. »
Como a camara acaba de ouvir, o governador dizia que não havia no districto de Tete 50:000 hectares de terrenos proprios para a cultura da canna de assucar, porque o terreno era geralmente montanhoso; o dizia bem; mas d'ahi não podia inferir-se em absoluto que não houvesse aquella extensão de terrenos, porque podia não haver esses 50:000 hectares de terreno proprio para uma certa cultura, mas havel-o para outras culturas. (Apoiados.)
Tambem se tem dito que não ha esses terrenos juntos.
Ora, o decreto de 26 de dezembro de 1878 não concedeu os 100:000 hectares de terrenos juntos, nora mesmo o concessionario assim os pediu.
Não se comprehende que o sr. Paiva de Andrada pedisse 100:000 hectares de terrenos juntos, isso é, approximadamente 38 leguas quadradas, n'uma superficie de quasi 9:000 leguas quadradas, que tal é a da zona mineira, sendo evidente que a idéa d'elle é estabelecer a exploração agricola juntamente com a exploração mineira, obter terrenos juntos ás minas e não a uma grande distancia dellas.
Supponha v. ex.ª que se concedia esta arca de terrenos nas proximidades de Tete, e que o concessionario começava a exploração mineira no Zumbo, na extremidade opposta da zona, é manifesto que a população da colonia agricola ficaria a muitos dias de viagem das minas em exploração, quando d'essa colonia é que deviam saír os trabalhadores empregados na mineração. (Apoiados.)
Não ha 100:000 hectares do terrenos pertencentes ao estado? Mas ouçam o que diz o sr. Xavier Botelho, que tão bom conhecia a provincia de Moçambique:
«Existem no tempo d'agora ao todo 100 prazos, distribuidos pela maneira seguinte: em Teto, 54, em Sena 31, em Quilimane 15, que, todos juntos, rendem para a corôa annualmente, entre fóros é dizimos, 1:207 maticaes de oiro, que vem a ser 1:540 oitavas, no valor medio de 17 cruzados cada matical, reputado o cruzado a 160 réis, o que tudo faz a somma total de 3:286$240 réis. Eis o proveito que tira a corôa portugueza de 3:612 leguas quadradas de terreno, que o não ha nem mais fertil, nem mais mocisso de riquezas.»
Já a camara vê que temos muito mais do que os 100:000 hectares de terreno. (Apoiados.)
E note v. ex.ª, que a maior parte dos prazos são situados nos districtos de Sena e Tete, e por isso comprehendidos na zona concedida pelo governo, e, por consequencia, elle tinha dentro d'esta area terrenos, não só para poder conceder 100:000 hectares, mas muito mais, a qualquer individuo ou companhia que os requizesse.
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Fica, portanto, assentado que ha 100:000 hectares de terreno na Zambezia, que não se concederam 100:000 hectares juntos sendo, improcedente argumentar com a officio do governador de Moçambique sobre o pedido Walker.
;E visto que fallei no pedido Walker, vou apresentar algumas considerações em resposta ao sr. Saraiva do Carvalho, que entendeu fazer d'este processo uma questão do moralidade.
Disse s. ex.ª que o governo tinha indefferido o pedido feito pelo, subdito inglez Walker.
O officio do governador de Moçambique dá a rasão da recusa.
Walker pediu 50:000 hectares de terreno para uma certa cultura, e dizendo o governador que não os havia, como queria o illustre deputado que o governo lh'os concedesse? (Apoiados.)
O meu desejo é levar o convencimento ao animo da camara, apresentando os meus argumentos com a maior clareza que me. seja possivel, e não fazer declamações sobre um assumpto que não se presta a isso. (Apoiados.)
O governo sanccionou o principio da necessidade da destrinça dos terrenos no pedido Walker, allega o sr. Saraiva do. Carvalho.
E verdade; mas não devia deixar de sanccionar esse principio, porque o pedido Walker não se podia satisfazer dentro dos prazos da corôa, havia de satisfazer-se fóra d'esses prazos, e n'estas condições os terrenos do estado são de pequena extensão e confundidos com terrenos particulares..
Era, indispensavel a destrinça dos terrenos no pedido Walker, mas essa destrinça não o era no pedido Paiva de Andrada, porque este ultimo pedido satisfazia-se dentro dos prazos da corôa, e a extensão dos prasos da corôa, é tal, que só um d’elles tem muito mais de 38 leguas quadradas. (Apoiados.)
Tem-se dito tambem o repetido que esta concessão de terrenos se devia fazer por parcellas de 1:000 hectares.
É um erro. A lei não o exige.
A lei de 21 do abril de 1856 e o decreto regulamentar do 10 de outubro de 1865, o que dizem é que o governador póde conceder até 1:060 hectares, mas que o governo póde: conceder qualquer porção do terreno (Apoiados.), e essas porções de terrenos dão-se em harmonia com a situação d'elles e com as forças dos concessionarios.
A legislação reguladora do assumpto, que é a lei de 1856 e o regulamento de 1865, marca ás attribuições do governador da provincia, e as attribuições do governo.
Diz que quem pretender 1:000 hectares não precisa dirigir-se, ao governo, basta dirigir-se ao governador; e quem pretender, mais de 1:000 hectares póde dirigir se ao governo, porque o governo não tem limite algum para as concessões. (Apoiados.)
Os terrenos hão de ser concedidos ao sr. Paiva de Andrada, não em parcellas de 1:000 hectares, mas em parcellas cio 5:000,;de 10:000, de 20:000 hectares, conforme a situação d'esses terrenos, e conforme os capitães de que elle dispozer. E, esta a doutrina da legislação em que se funda o decreto, que, portanto, não póde ser taxado de illegal.
Parece-me que tenho tratado a questão da legalidade. (Muitos apoiados)
Podia fallar agora, mas não o farei, das concessões feitas em 1863, e demonstrar que n'esse anno se fizeram concessões em condições mais onerosas do que aquella a que se refere o decreto de 26 do dezembro do 1878.
O anno de 1863 póde bem appellidar-se o anno das concessões, mas á opposição d'essa epocha, que era regeneradora,;não censurou o governo do então pelo facto de fazer essas concessões. (Apoiados.)
Tratada a questão legal, peço licença a v. ex.ª, e á camara, para tratar uma questão tambem importante; e n'este ponto eu tenho de seguir a argumentação do illustre deputado, e meu amigo, o sr. Laranjo, não porque entenda que a argumentação que s. ex.ª apresentou careça de uma resposta solidamente fundamentada, mas porque, levantando os argumentos do illustre deputado, terei occasião do affirmar a doutrina que me parece rigorosamente economica.
O illustre deputado, o sr. Laranjo, começou por argumentar com a doutrina da consulta da junta do ultramar, e disse s. ex.ª que seguia completamente a doutrina d’essa consulta.
Eu declaro a v. ex.ª que não acceito, nem posso acceitar em todos os seus pontos, essa doutrina, salvo o respeito que devo ao meu illustre amigo e collega, o sr. visconde da Arriaga, e a todos os membros d'aquella junta.
Eu tenho a honra do ser membro de um corpo consultivo do paiz; e, nunca me julgo offendido porque qualquer dos meus illustres collegas se afasta das minhas opiniões o muitas vezes eu divirjo da opinião d'elles, sem que n'isto haja a menor falta de respeito o consideração que todos justamente merecem.
N'este ponto não ha a minima desconsideração da minha parte para com o meu illustre amigo, sr. visconde da Arriaga, nem para o respeitavel tribunal de que s. ex.ª faz parte. Estabeleço a doutrina que me parece melhor, no interesse do decreto que se discute.
A consulta da junta do ultramar tem alguns pontos que foram adoptados pelo decreto do governo, tem outros que se afastam do mesmo decreto. O governo tinha a faculdade de seguir os principios com que concordasse e não adoptar áquelles com que não estivesse de accordo. Tinha o pleno direito de o fazer.
O sr. Mariano de Carvalho: — Em parte o governo não se conformou.
O Orador: — V. ex.ª combale a legalidade do decreto da concessão, por elle se não conformar com a consulta da junta?
O sr. Mariano de Carvalho: — Nem sequer me referi ao parecer da junta; v. ex.ª está no seu direito, affirmando que o governo em parte não se conformou com o parecer da junta; mas, o que admira, é que outros srs. deputados que defendem o acto do governo, não foram d’esta opinião.
O Orador: — Cada um póde seguir a opinião que quizer. Eu posso ter uma opinião differente da de alguns dou meus collegas, quanto a diversos pontos, e comtudo, estarmos conformes nas conclusões geraes. (Apoiados.)
Não estou fazendo politica partidaria n'esta questão. Estou tratando o assumpto como questão administrativa, como questão colonial, e posso separar-me da opinião da junta consultiva, sem com isso prejudicar o decreto do governo.
A junta consultiva do ultramar diz:
«O governo do Vossa Magestade não deve conceder ao suplicante 100:000 hectares de terrenos na Zambezia, nem mesmo o exclusivo por vinte annos para a pesquiza e exploração de minas, porque estas concessões collocariam quasi toda a provincia nas mãos do um individuo ou do uma. companhia, o que seria impolitico e perigoso.»
Mas depois acrescenta:
«Organisando o supplicante uma companhia com bastantes capitães, e mostrando esta depois de uma grande exploração, que já são insufficientes as minas e terrenos concedidos, o governo n'esse caso lhe concederá outros em, harmonia com os capitães e forças da exploração.»
É, pois, verdade que ajunta consultiva do ultramar affirmou a principio de que era impolitica e perigosa a concessão a uma companhia; mas ella acrescentou que á companhia se podiam conceder terrenos á proporção que d'elles fosse precisando, em harmonia com as forças e capitães da exploração. Portanto, se por um lado achou perigosa a companhia, por outro lado parece-lhe excellente, uma vez que seja séria o tenha capitães. Então já se não arreceia de que se lhe concedam terrenos. (Apoiados.)
Não quero oppor á opinião da junta a minha opinião, of-
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fereço-lho a dos que conhecem as colonias o não militam na politica.
O illustre deputado interpellante recorreu á auctoridade do sr. Pedroso Gamito, como a ella já tinha recorrido o sr. ministro dos negocios estrangeiros; ora o sr. Pedroso Gamito que foi governador no ultramar e apresentou ao sr. marquez de Sá um relatorio onde se encontram as bases da nossa reforma colonial, dizia:
«Debaixo deste titulo (domínios ultramarinos) são comprehendidas todas as nossas colonias, o por isso seja qual for o systema que se adoptar, deve abranger todas ellas, tendo em vista: 1.°, que no estado em que se acham, mais cedo ou mais tarde se perdem, é sem remedio; 2.°, que a reforma ou providencias que se tomarem, ou hão de ser feitas e sustentadas pelo governo, sem a mais pequena influencia ou dependencia estranha, ou por uma companhia soberana a quem o governo conceda todas às attribuições como tal, reservando unicamente a fiscalisaçâo do abuso, que por ventura possa haver d'esta soberania, mas deixando-lhe todavia plena liberdade, aliás nem colonias, nem governo, nem companhia.»
A opinião do sr. Gamitto podia acrescentar a do sr. Bordallo o de muitos economistas' estrangeiros, homens competentes, auctoridades insuspeitas, que dizem que no estado actual das colonias, só póde acceitar-se como meio efficaz de reforma a acção do governo, dispondo do grandes capitães, o que é impossivel, ou então a exploração por meio de uma companhia. (Apoiados.)
Tem-se pretendido tambem condemnar o decreto com a doutrina da consulta assignada pelo meu venerando amigo o respeitavel chefe, o sr. Mártens Ferrão, a proposito do podido de Bensabat & Magalhães. Não tem aqui applicação á doutrina da consulta porque as hypotheses são differentes. (Apoiados.)
A consulta do sr. procurador geral da corôa refere-se a um pedido de terreno em uma das' mais ferteis regiões de Angola, pedido feito por uma empreza commercial. E o que disse; o sr. procurador geral dá corôa? Disse,"que nos termos e condições requeridas, não se podia fazer a concessão.
As condições tornavam Angola uma colonia da Allemanha: o commercio far-se-ía directamente de Mossamedes para Hamburgo. Os terrenos pedidos comprehendiam os mais ferieis entre Loanda e Ambaca, e alem de tudo isto ainda a empreza pedia ao governo o bónus de 300:000$000 réis! Apesar de eu não ter ainda a honra de pertencer á procuradoria geral da corôa, quando foi elaborada aquella consulta, eu tomo a responsabilidade d'ella o acceito plenamente a sua doutrina.
O pedido trazia grandes encargos para o paiz, o pergunto, o' decreto de 26 do dezembro do 1878, traz alguns encargos para o estado? Nenhuns. (Apoiados.)
Mas continuemos a analysar a doutrina do sr. Laranjo.
O illustre deputado começou por affirmar os seus principios, com relação á colonias, dizendo «abaixo o monopolio, abaixo o privilegio». E resumiu todo o seu discurso na seguinte formula: «O verdadeiro monopolio é á ausencia do monopólio».
Eu começo por não comprehender a formula, supponho que devo encerrar um sentido profundo o altamente philosophico. É como se dissesse que a verdadeira liberdade é a ausencia da liberdade, mas como a ausencia da Abordado é o despotismo, teriamos, applicando aquella formula á sciencia politica, que a verdadeira liberdade é o despotismo. (Riso.)
Uma voz: — Não disse o verdadeiro monopolio, disse que o verdadeiro privilegio é a ausencia do privilegio.
O Orador: — É exactamente a mesma cousa, é sempre a afirmarão igual á negação. (Apoiados.) Más seja como for, s. ex. ª combate todos os monopólios, s. ex.ª não quer companhias nas colonias.
Eu vou citar ao illustre deputado, o sr. Laranjo, a auctoridade de um escriptor que é muito seu conhecido, com quem s. ex.ª vivo nas mais intimas relações, e cujas opiniões s. ex.ª tem defendido muitas vozes.
E citando este escriptor, o meu fim é levantal-o muito acima do orador a que me estou referindo.
Diz o citado escriptor:
«Com effeito a Hespanha, Portugal, a Inglaterra, á Hollanda, a França, tiveram companhias exclusivas que foram, extinctas em consequencia do graves prejuizos; mas a escola economica devia considerar que o mau resultado' do' uma instituição qualquer n'um tempo determinado, não prova contra essa instituição, senão n'esse tempo; que, a justiça no que tem de concreto e as conveniencias, são cousas, relativas o não absolutas».
Sim, sr. presidente, ás companhias fizeram grandes beneficios a estás nações;' a escola economica devia lembrar-se do que não ha principios absolutos na apreciação do uma, instituição qualquer.
"Admiravelmente bem dito!
Más sabe v..ex. ª quem diz isto?
E o sr. Laranjo! É o sr. Laranjo de ha um anno a refutar o sr. Laranjo de hontem. (Apoiados. - Vozes: — Muito bem.)
E eu não citaria o sr. Laranjo, nem poria em confronto as suas opiniões, se não estivesse convencido de que S. ex.ª veiu defender uma opinião que não tem; não o citaria, se s. ex. ª se não apresentasse aqui, como tendo-se filiado n'um partido que estava na adversidade, querendo talvez irrogar censura áquelles que se filiaram n’um partido que estava na prosperidade.
Por isto é que cito o sr. Laranjo, e por isso é que lhe declaro desde já, que tão honroso é para qualquer de nós a filiação n'um partido que está na adversidade, como a filiação n'um partido que está na prosperidade (Apoiados.)
Os que entraram na politica na epocha feliz do seu partido, lêem mostrado exuberantemente que sabem, combate, com mais vigor e mais energia, quando esse partido deixa ás cadeiras do poder. (Muitos apoiados.)
Mas continuemos a exposição cresta doutrina, porque esta é a doutrina verdadeira.
O escriptor refere-se a Adam Smith nos seguintes termos:
«Adam Smith, escreve, que o governo das colonias por uma companhia exclusiva, é talvez o peior dos governos, que se lhes póde applicar; n'outra parte, porém, confessa -que as pequenas nações nunca poriam um navio no mar se, não fossem as companhias exclusivas.» Adam Smith diz mal das companhias, e o escriptor o que faz?
Arma-se até aos dentes e investe contra elle:
«O que Adam Smith deveria ter visto, é que toda a nação é pequena em capitães n'um certo tempo, é por isso b que dizia a respeito das nações pequenas, era applicavel a todas»
Mas não pára aqui. P escriptor, querendo encontrar uma, auctoridade que o satisfaça, querendo achar um amigou uma mão benevola que p conduza n'esta peregrinação economica, volta-se para o economista Roscher e acrescenta:
«Roscher, com uni senso historico mais elevado/erigindo mesmo a historia em methodo legitimo de solução nas questões economicas, não cae no erro de quasi toda a escola o enumera uma multidão de rasões que podem justificar as companhias exclusivas.»
Na opinião do escriptor, o economista Roscher era um elevado espirito, tinha um grande senso historico, porque reconhecia a vantagem das companhias; mas, sé s. ex.ª não reconhece a vantagem das companhias, onde está o sou senso historico? (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)
Não sou eu que censuro o illustre deputado; & o illustre deputado que se censura a si proprio.
Eu gosto de citar estes trechos do illustre deputado, por
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que é por elles que se prova que s. ex.ª deve ser apreciado pelos seus trabalhos scientificos, que são excellentes.
Diz ainda é escriptor:
Quando, pois, se queira decidir que methodo se deve applicar á colonisação commercial, é necessario investigar em que ponto está á capitalisação da nação; á proporção que ella for augmentando, n'essa mesma proporção se poderá ir passando do regimen do monopolio para o da liberdade.»
Aqui. Está uma grande..verdade economica.
Primeiro o monopolio o depois a liberdade. Quando tivermos as colonias n'um estado prospero, quando saírem de estado de decadencia em que se acham, passaremos do monopolio pára um regimen mais liberal.
Para combater o sr. Laranjo não quero senão..» o sr..Laranjo (Riso.)
Mas como se operou este phenomeno? Como é que o illustre deputado, que defendeu brilhantemente estas doutrinas, vem agora sustentar uma opinião contraria? Debalde o indago; debalde o procuro. Apenas vejo, no livro uma passagem que talvez explique a mudança. E esta:
«A solidão; que faz maus aos bons, não póde purificar os maus; esses solitários cheios de virtudes que fugiam, do mundo para se não contaminarem, tinham continuas tentações; em vez dos homens apparecia-lhes o demónio a todas as horas. O divino Jesus é tentado na solidão.»
Ao Sr. Laranjo aconteceu o contrario; emquanto esteve na solidão,.no seu gabinete, com os seus livros, seguiu a; boa doutrina; mas quando veiu para a capital, para o bulicio do mundo, caiu em tentação. (Riso.) Seria tentado na companhia do sr. Pires de Lima?
Custa-me á pôr de parto este livro, e não o deixo, sem citar um trecho que vem a proposito. Pergunta o escriptor:
Mas, srs. economistas, o que foi feito dos dez mandamentos, de Moysés e dos prophetas - a lei da offerta e da procura? Na Europa gritaes que não se tenha mão n'essa lei sagrada, que a deixem caminhar só; na America experimentaes terriveis tentações do a auxiliardes quanto poderdes. Eu tenho indagado se posso descobrir nos mandamentos de Moysés a lei da offerta e da procura. (Riso.), mas não encontro, é nem isso e necessario para o meu fim.
Perguntou o illustre deputado onde estava a lei da offerta e da procura.
Como quer o sr. Laranjo que nas colonias se dê a lei da offerta e da procura, se nas colonias é pequena a concorrencia?
Não sabe o sr. Laranjo, que para haver concorrencia, é necessario existir, quem procure e quem offereça?!
Disse s. ex.ª que a concorrencia elevava os salarios, que, introduzia nas colonias os elementos da civilisação. Mas pergunto eu.
Onde encontra, s. ex.ª os elementos, concorrentes?
Onde encontra o emprezario e o operario? Onde encontra o trabalhador e o cultivador? (Apoiados.)
O sr. Laranjo: — É o proprio decreto que o impede.
O Orador: — O que faz o decreto das concessões?!
Vae dar ás colonias o primeiro elemento da concorrencia, que é o capital, e depois, pela lei da procura e da offerta de Moysés, vão os trabalhadores.
O illustre deputado combateu, a organisação das companhias attendendo á nacionalidade dos capitães n'ellas empregados, e disse que companhias.com capital estrangeiro não davam o resultado que se devia esperar para o desenvolvimento colonial.
Ora ou pergunto ao illustre deputado, se quando passa o canal de Suez, se se lembra de inquerir em que especie de moeda se pagou aos operarios que cortaram o isthmo; Se quando atravessa os Alpes, se se lembra de indagar se foi estrangeiro o capital que serviu para realisar aquella obra gigantesca, uma das maiores do seculo actual? (Apoiados.)
O capital não tem certidão do baptismo, nem carta do naturalisação? (Apoiados.)
Não é francez, nem inglez, nem hespanhol; é simplesmente o trabalho accumulado, o como tal é uma força do commercio e da industria.
A civilisação commercial o industrial portugueza é o producto de capitães estrangeiros; (Muitos apoiados.) é estrangeiro, o capital que fez o caminho de forro do norte; é estrangeiro, o capital que vae construir, o caminho de ferro da Beira; traduz-se o capital em melhoramentos e esses melhoramentos que se arreigam no solo, têem a mesma nacionalidade do territorio, do paiz onde se implantam. (Apoiados.),.
Portanto, sr. presidente, podem ser estrangeiros os capitães que se empregarem nos nossos melhoramentos coloniaes, porque ficarão sob a bandeira portugueza e serão portuguezes. (Muitos apoiados.)
Se fosse necessario responder ao illustre deputado com auctoridades, citar-lhe-ía a opinião do governador geral do Moçambique que é indubitavelmente uma grande auctoridade no assumpto:
«A corrente da emigração portugueza tende a dirigir-se das ilhas de Africa para a pestífera Demorara e para paizes inhospitos da America, o do continente do reino para o Brazil, onde grande numero de colonos encontra a mono antes de satisfazer as suas ambições; parece desconhecer-se em Portugal] que ha unia provincia na Africa oriental com um clima na maior parte do anno ameno e benigno, e talvez muito mais, saudavel do que uma grande parte dos paizes da America, e com tantos ou maiores thesouros. A culpa, não é dos povos de Portugal, é dos nossos capitães, que se retrahem para emprezas coloniaes; a hesitação d'elles talvez acabe com o exemplo de capitães estrangeiros, nua virão explorar mais extensamente o commercio, e a agricultura, quando podermos afoutamente garantir-lhes a devida segurança por meio da conveniente força e de boa administração da justiça.»
Aqui tem, o illustre deputado a opinião do governador geral do Moçambique.
O governador não entende que a applicação dos capitães estrangeiros seja obstaculo á prosperidade da colonia; pelo contrario, julga que é necessaria a applicação de capitães estrangeiros para que os capitães nacionaes se estimulem.
Ouvi depois s. ex.ª estabelecer aquella celebre doutrina economica de que era inconveniente a exploração das minas da Zambezia! Parece-me que a este respeito, posso citar as palavras do illustre deputado: Phenicios carthagineses e romanos (vae a citação por conta do illustre deputado; estes povos ha muito tempo que não figuram no parlamento portuguez) (Riso.) exploraram as minas da peninsula e por isso não podemos extrahir hoje dellas grandes riquezas. Se este argumento fosse procedente, aconteceria que tambem hoje as não poderiamos explorar, porque iríamos prejudicar as gerações futuras. (Apoiados.). Então o que quer o illustre deputado que se faça? Quer que o governo guarde com prodigiosa avareza os thesouros que a terra occulta? Quer que se guarde tudo no interior da terra porque de outro modo ha de ficar mais pobre?
Gravissimo ataque ao progresso industrial!
Se os governos guardassem o carvão de pedra como um deposito precioso, onde estariam as officinas cujo labutar constitue uma das maravilhas da nossa epocha?
Se não se extrahisse o ferro, que seria da viação accelerada e de todas aquellas grandes industrias em que o ferro é a materia prima? (Apoiados.)
S.. ex.ª quer que as riquezas de Moçambique fiquem sempre fechadas e que o governo as não deixe explorar!
Mas quer v. ex.ª saber qual é a opinião do governador da provincia, cavalheiro entendido no assumpto, a respeito das minas de Moçambique?
É esta:
«Os acontecimentos de que foi theatro a ilha de Mada-
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gascar por essa epocha, isto é, a expulsão dos francezes pelos indigenas, não permittiram que se fizessem investigações mais minuciosas.
É natural que mais cedo ou mais tarde venha a ser novamente explorada por alguma nação poderosa a importante ilha de Madagáscar, importante por muitos titulos, e ainda pela existencia do carvão de pedra para fornecer os vapores que navegam no oceano indico; mas se o carvão da provincia de Moçambique for explorado atites de o ser o d'aquella ilha, reverterá para nós a importancia que mais tarde póde ir para outro logar.»
Em quanto o sr. Laranjo theorico, diz que se não devem, explorar as minas do carvão de pedra, o governador de Moçambique diz que se devem explorar, visto que a ilha de Madagáscar está fechada aos francezes, e que a exploração traz grandes recursos para a colonia em consequencia da navegação para a índia.
Entre as opiniões do sr. Laranjo e as do governador de Moçambique, a camara não póde hesitar.
O illustre deputado levantou a questão politica, dizendo que a Inglaterra ha do apossar-se das nossas colonias; o que nos aconteceu com Lourenço Marques e Bolama ha de acontecer com Moçambique; a Inglaterra ha de proceder comnosco como procedeu em relação á republica do Transvaal.
Se o que o illustre deputado disse a respeito da Inglaterra fosse pensado o dito por toda a assembléa, haveria dentro em pouco uma reclamação da parto d'aquella potencia. Mas não é assim, e o bom senso da Inglaterra está acima das arguições que s. ex.ª lhe dirigiu.
Em parte nenhuma se falla de uma potencia estrangeira, principalmente de uma potencia alliada, com a censura e aspereza com que fallou o illustre deputado. (Apoiados.) A França, a França republicana, impediu a sua imprensa de censurar a Russia na questão do Oriente, e a imprensa não tem tanta responsabilidade individual como qualquer membro de uma assembléa legislativa, (Apoiados.) As nações devem-se reciprocamente o mesmo que se devera os homens, a delicadeza e a cortezia.
Não nego ao illustre deputado o direito de discutir á nossa, alliança com a Inglaterra, mas creio que o seu partido não perfilha as suas idéas n'este ponto; e estou até convencido de que não louvará as expressões do illustre deputado.
A alliança com a Inglaterra não póde ser bandeira de nenhum partido, porque se o fosse, esse partido teria na sua ascenção ao poder, de romper uma alliança, consagrada pela tradição de seculos, e talvez pozesse em perigo a integridade do nosso territorio.
Não vejo perigo nenhum na nossa alliança politica e colonial com a Inglaterra. (Apoiados.)
Nós necessitamos d'essa alliança para o desenvolvimento das nossas colonias..
os portos de Moçambique são os pontos naturaes das futuras possessões inglezas. -
Quando a Inglaterra se estender pelo interior da Africa, a nossa acção fiscal o aduaneira em Moçambique ha de fazer-se de accordo com aquella potencia, e o commercio que tem de passar por esses portos, levando a riqueza para o interior, será igualmente proveitoso aos nossos dominios
Não esqueçamos que nos prendem a esta potencia os mais estreitos vinculos; foi a Inglaterra que nos auxiliou na defeza do systema parlamentar.
A ella deve agradecer o illustre deputado a liberdade do que hontem gosou n'esta assembléa. (Apoiados.)
Acceitemos a cooperação d'aquelle povo para que senão diga lá fóra, como se diz nos periodicos estrangeiros, que aonde começam as colonias portuguezas acaba a civilisação do sul da Africa.
Se tivemos uma questão com a Inglaterra a proposito do Lourenço Marques o de Bolama não perdemos nada com isso.
Se Lourenço Marques até então pertencia ao dominio portuguez por um titulo controvertido, hoje pertence-nos por um titulo a todos os respeitos inviolavel, qual é uma sentença passada em julgado.
Se a Inglaterra levantou a questão, foi ella tambem que enunciou a lei que a regulou.
O principio da arbitragem, defendido por Gladstone como um dos primeiros elementos da civilisação e incluido no tratado de París por influencia do conde Derby, serviu para garantir-nos a posse do Lourenço Marques e de Bolama. (Apoiados.)
Eu prefiro que se estabeleça um dominio, embora menos dilatado, a que tenhamos um dominio controvertido nas nossas possessões.
Não tenho receio de que ámanhã se decida a questão do Congo, como hontem se decidiu a questão de Bolama e a de Lourenço Marques.
Estou convencido de que, se os nossos direitos não forem garantidos por uma sentença, como o foram ali, é porque os nossos direitos são apenas uma pretenção sem fundamento. (Apoiados
Eu não quero protelar demasiadamente este debate. Restava-me tratar da questão da moralidade, -mas consinta v. ex.ª que eu diga n'esta occasião o mesmo que, disse quando se debateu a questão das tarifas: não sei se voltarei a esta assembléa, mas, agora ou quando voltar, nunca a minha palavra servirá para ferir a honestidade do ninguem.
Não devemos converter esta assembléa n'um amphytheatro, peior ainda do que o amphytheatro romano. Lá perdia-se a vida n'essas luctas, aqui, querem que se perca a honra..(Apoiados.)
A honestidade do sr. presidente do conselho, a do sr. ministro da marinha e a de todos os membros - do gabinete, estão acima de toda e qualquer suspeita. (Muitos aliciados.)
Quando se tem trinta annos do vida publica como o sr. presidente do conselho, quando se praticam os serviços de s. ex.ª em prol do seu paiz, ninguem tem direito de levantar a mais leve insinuação. A honra de á ex.ª. tem o applauso dos seus amigos e o da consciencia intima dos seus adversarios.
(Muitos e prolongados applausos.)
Esta questão só deu um desgosto ao partido regenerador. Foi n'esta questão que um athleta d'esse partido, um homem dotado de um talento enorme, um estadista que só por si seria sufficiente para ennobrecer o paiz que lhe foi berço, desertou do partido regenerador. Desertou o marechal, mas isto que devia ter sido uma grande amargura para o sr. presidente do conselho, tem uma compensação, pobre compensação! é que á deserção do marechal, segue-se... a firmeza dos soldados. (Muitos apoiados.)
Vozes: — Muito bem, muito bem.
(O orador, foi comprimentado por differentes srs. deputados e por todos os srs. ministros presentes.)
E N.º 133
Ill.mos e ex.mo srs. deputados da nação portugueza. — A classe de fabricantes de tecidos de seda, vem perante v. ex.ªs pedir, que por bem hajam de os proteger no parlamento sobre o projecto de reforma da pauta; a qual a mesma classe já requereu á digníssima commissão, e lhe prometteu o, digno presidente de alguma, cousa fazer, o mostrando-lho a commissão nomeada, pela classe a desgraça em que vivem estes operarios, e que em tempo foi uma classe real, e hoje desprotegida.
Senhores, desde que se fazem contratos com nações estrangeiras, que esta classe está reduzida á ultima, miseria, isto devido ás grandes entradas de fazendas estrangeiras nos nossos mercados commerciaes, por que têem os direitos a seu favor.
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Senhores deputados da nação portugueza, para melhorarem alguns homens abastados, morrem milhares de familias á miseria pertencentes á classe desprotegida, que é a de tecidos do seda, e a isto pedem os operarios do Lisboa e Porto, que por bem haja de os melhorar na infelicidade, pois que tanta miseria têem soffrido, desde que se fazem contratos com nações estrangeiras.
Senhores, ha industriaes que têem deixado de fabricar sedas nos estabelecimentos, e mandam-nas vir de fóra, por que lhe deixam mais interesse, e visto isto senhores deputados são braços que deixam de empregar no fabrico de seda.
Senhores, nós operarios de tecidos de seda, vimos perante o dignissimo parlamento pedir para que nos favoreça com as pautas de 1837 e até 1852, pois pedimos todo o auxilio ao dignissimo parlamento em favor d'esta triste classe, que tom sido tão desprotegida desde 1852 para cá, e que o trabalho tora diminuido tanto ou tão pouco, que mesmo fabricas que haviam fecharam; hoje pouco falta para acabar o resto quo' ha no nosso paiz, e o resultado d'isto senhores é os tecidos que vem de fóra, como v. ex.ª bem o sabem, pelas entradas da alfandega.
Senhores, o fabrico em Portugal está tão reduzido, que talvez entre Lisboa e Porto, não haja meia duzia de fabricas chamadas de seda, e o motivo tem sido haver feito contratos com as nações estrangeiras.
Senhores, n'este ponto damos a conhecer, o que tem lucrado o operario que deu quatro ou cinco annos para aprender a fabricante, e no fim, vê-se obrigado a pedir uma esmola.
Senhores, o nosso paiz emquanto a industria, tem sido representado nas exposições estrangeiras e seus productos premiados, prova que se fabrica toda a qualidade de obra, como por exemplo, lustrinas a oiro e damascos rasos, emfim toda a especie do obra, o que ha operarios para a executar, o prova que em nosso paiz ha operarios para pôr a par do estrangeiro.
Senhores, e que nos falta a nós é industriaes, que nos ponham trabalho, porque quando o dignissimo parlamento, sobre as entradas estrangeiras tomar providencias, o nosso paiz tornar-se-ha como nas epochas atrasadas. Senhores, a classe quasi extincta, vem perante o dignissimo parlamento, pedir, a benevolencia e prosperidade da classe de tecidos de seda. Senhores o nós abaixo nomeados em commissão em 23 do junho, para apresentarmos a representação, a digna commissão de reforma de pauta pedindo o auxilio, cujo ao digno presidente ex.mo sr. ministro da fazenda é que lhe apresentámos a representação no 1.° de junho, e agora pedimos a protecção pornos vermos na ultima desgraça dos illustres, o srs. deputados da nação portugueza, recorremos pela protecção de v. ex.ª
Deus guarde a v. ex.ªs Lisboa 16 de março de 1879. — (Seguem-se as assignaturas.) E N.° 134
Senhores deputados da nação portugueza! — Os operarios representados pela commissão abaixo assignada, eleita pela associação dos trabalhadores na região portugueza, que se compõe do diversas classes de officios, existentes em Lisboa, no Porto, e em differentes torras do reino — vêem respeitosamente depor nas mãos do poder legislador, cita petição, na qual requerem o estabelecimento legal do dia normal do trabalho, e de certas condições de prestação do serviços, julgadas necessarias para a legalidade das relações entre operarios e patrões.
Senhores deputados! Os operarias peticionarios julgam desnecessario expor as rasões historicas nas quaes fundam esta petição, com particular respeito ao dia normal de trabalho.
A sabedoria do poder legislativo não póde ser desconhecida a historia da industria moderna, o as modificações que a mesma industria tem operado na legislação das nações civilisadas.
Muitas reformas das leis, quer civis, quer judiciaes o penaes, quer mesmo politicas, operadas no remanso da paz o do trabalho fecundante, não têem outra origem que satisfação de necessidades occorrentes, e provenientes do condições novas do trabalho.
Basta recordar-nos todavia a existencia, em todas as nações civilisadas de providencias relativas á regulação das relações dos salariadores com os salariados, mas do data remota, geraes ou especiaes, outras relativas a determinados ramos de industria, e outras ainda mais particulares relativas ao trabalho das mulheres e das creanças.
A particular legislação das differentes nações mostrando assas o trilho seguido pela industria na sua evolução quasi desde o encerramento da idade media, e expondo as tendencias industriosas do cada povo, o os ramos do industria por onde começou a transformação das epochas industriaes anteriores, revela claramente a origem do poder, o caracter e as influencias das instituições do estado hoje preponderantes.
Não nos referindo ás instituições das corporações de officio disseminadas pela Europa em plena idade media, o cujo estabelecimento se suppõe muito anterior aquella idade, instituições que foram durante seculos as fortalezas dos direitos da classe trabalhadora, porque não tiveram a sancção dos poderes publicos, existindo sómente como instituições consuetudinárias, não nos referindo a ellas, observaremos todavia a decadencia das corporações de officio coincidindo na Europa com a intervenção do estado nas relações dos salariadores o salariados, como se as instituições dos poderes publicos tivessem por fim particular substituir aquellas do classe determinadas.
Muitas allegações pró e contra tem suscitado o quiçá suscita o regulamento das relações das duas classes, todavia é certo e demonstra-se que na intervenção do estado nunca foi nem é prejudicial aos interesses da propriedade industriosa, quer, e muito menos, aos interesses da classe trabalhadora.
As discussões relativas á situação dos mercados, á concorrencia aos monopólios e a liberdade de commercio, têem sempre sido vencidas em favor da classe trabalhadora, testemunhando a historia que os beneficios concedidos á classe trabalhadora recaem immediatamente sobre a classe proprietária.
Em paiz algum, intervenção do estado foi mais questionada e disputada que em Inglaterra, o em pais algum tambem a propriedade industrial attingiu tão elevado grau como n’aquella nação, cujos parlamentos têem porfiado, ora em estabelecer o dia normal de trabalho, modificando-o successivamente, ora instituindo poderosas commissões parlamentares o extraparlamentares, e orçando funccionarios o commissões de estado, cujo fim exclusivo tem sido a regulamentarão das relações entre os differentes cooperadores da producção, expondo aos olhos da nação, periodicamente; e com toda a auctoridade legal, já os vastos e profundo, abusos praticados pela classe proprietária, já as vastas, o profundas miserias da classe trabalhadora, coincidindo as depredações de uns e os aggravos de outros com o levantamento de mais em mais brilhante e preponderante da industria britannica.
As leis inglezas regulando o dia de trabalho têem do existencia quasi tres seculos, nascendo por assim dizer com a moderna industria manufactora e fabril, justamente quando a classe operaria começa a ser expulsa pelas necessidades dos seus domicilio, e arregimentada nas officinas collectivas.
Onde a industria tem adquirido fóros cidadãos civilisando-se, provendo se dos instrumentos da sciencia, banindo as praxes da rotina e apagando o caracter o a educação selvagens, ahi apparece o estado intrevindo, a fim de que a nova situação da classe proletária não a sujeite incondicio-
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DIARIO DA CAMARA DOS SENIIORES DEPUTADOS
uai e absolutamente ao poder descrionario da classe possuidora.
Uns estados possuem leis geraes se é similhante a situação das varias industrias, outras especiaes, outras relativas ás mulheres e ás creanças, se a industria tendo a apoderar-se dellas com exclusão do homem, tendo cada lei, póde dizer-se a idade de cada industria a que pertence.
Hoje as nações industriosas têem quasi todas legislação particular á classe operaria, regulando todas, ou muitas, ou algumas das suas relações com os industriaes, conforme o grau de civilisação do cada estado.
A nação portugueza ha poucos annos ainda chegou á idade industrial, e por isso não se encontra na sua legislação algumas providencias reguladoras das relações dos salariadores o salariados, definindo seus direitos e deveres, supposta a constituição social preexistente.
O que existe n'uma ou n'outra lei, vago e indefinido que seja, foi promulgado em situação industrial diversa da actual. O codigo civil portuguez, todavia, considera o salariado, não como cidadão, mas como servo, gosando apenas o direito derisorio de pleitear com o amo, no caso pouco provavel da sonegação de soldadas. Os seus direitos e deveres em lei alguma estão regulados, existindo só o arbitrio de quem for mais forte.
A falta da declaração legal dos direitos e deveres das differentes classes, produz effeitos sobre a propria constituição da população.
O regimen do trabalho salariado, consistindo n'um dispêndio forçado e constante durante seis dias intervallados com um só, e durante doze, quatorze, dezeseis, e ás vezes dezoito horas em cada dia, dispêndio tanto das forças dos adultos, como das mulheres o das crianças, a insufficiencia o inferioridade dos alimentos resultantes da escacez dos salarios, por um lado, e da elevação dos generos alimenticios e das rendas das casas, causada pela accumulação das riquezas nas cidades e centros industriaes, todos os factores em summa, da miseria, actuando sobre constituições já debilitadas, já em via do desenvolvimento, dão em resultado a degeneração da raça e a maior mortalidade.
Antes do estabelecimento das instituições liberaes em Portugal, e coincidentemente antes do estabelecimento da industria fabril e manufactora, cuja recordação sequer vae-se perdendo com os usos do homens civilisados, a situação dos trabalhadores podia considerar-se melhor a muitos respeitos.
Era primeiro logar os conchegos do trabalho domestico feito de cooperação com a familia, e ao qual se subtraída quotidianamente algumas horas para repouso das forças e distracção do espirito, a facilidade de obter uns certos recursos em occasiões mais difficeis, por emprestimos sem hypotheca, mas baseados no credito pessoal proveniente do trabalho tambem pessoal; a guarda de numerosos dias santificados e a das segundas feiras estabelecida em quasi todos os officios, desde tempo immemorial, proporcionando outros tantos dias de repouso das forças e de desafogo do espirito; as difficuldades de transportar os generos alimenticios das terras onde se produziam, obstando á elevação dos preços; estas condições e similhantes actuavam immediatamente sobre a vida da classe trabalhadora, entre a qual era frequente contar por dezenas os homens de setenta e oitenta annos, aprasiveis o de certo modo felizes.
O trabalho é hoje violento, oppressivo, disciplinar, mortol em summa.
Os salariadores exigem um trabalho constante durante sois dias consecutivos intervalados com um só, e durante doze, quatorze, dezeseis o ás vezes dezoito horas em cada vinte o quatro.
Em regra o salario está na rasão inversa do tempo do trabalho.
A desigualdade dos dias nas differentes estações origina tambem umas alternativas de situação e especies de crises só proprias da classe trabalhadora, pela escassez de trabalho do inverno e pela abundancia nos dias maiores, attrahindo os braços do outras industrias.
Pelas rasões allegadas, o principalmente pelas que pertencem á sabedoria dos srs. deputados da nação portugueza, e tambem porque cumpro ao estado regular e sanccionar todas as especies de relações dos individuos constituidos em sociedade, relações que constituem o objecto da sciencia do direito, os operarios peticionarios representam respeitosamente o requerem dos poderes publicos a creação de uma lei que estabeleça as seguintes condições:
1.º O estabelecimento de um dia normal de trabalho em todas as industrias e profissões do paiz — de nove horas uteis para homens, de sete horas para mulheres, do seis horas para creanças até á idade de quinze annos, e que a admissão d'estas seja de doze annos para cima;
2.° O estabelecimento dos salarios por cada hora do trabalho, igualmente em todas as industrias, quer para homens, quer para mulheres e creanças;
3.° A determinação de que as horas supplementares do dia normal sejam pagas em duplicado;
4.º, Defeza absoluta do trabalho do domingo;
5.° Obrigação do descanço de duas horas consecutivas em cada dia de trabalho, para todas as idades o sexos;
6.° Fornecimento quotidiano de alimentos, vestuario e calçado, aos menores de treze annos, de instrucção elementar, e de instrucção technica onde houver escolas-especiaes;
7.° Obrigação do não despedir os operarios sem aviso previo notificado tres dias antes, da cessação do trabalho, com garantia de salario;,
8.° A industria que admitia mulheres o salario d'estas seja igual ao dos homens;
9.° Patrões e operarios que transgridam a lei, que sejam multados;
10.° Que esta lei seja igualmente applicada a todas as industrias do paiz;
11.° O estabelecimento de uma commissão permanente nomeada pelo parlamento, composta de medicos, de engenheiros e de industriaes, que inquira a situação da industria e da classe trabalhadora, publicando relatorios annuaes e com attribuições de tribunal contencioso.
Lisboa, 19 de março de 1879.
(Seguem-se as assignaturas).