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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Visconde de Moreira de Rey, pronunciado na sessão de 20 de março, e que devia ler-se a pag. 712, col. 1.º

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Parece estarmos todos de accordo. Pelo menos, a parte final do discurso do meu illustre collega e amigo, o sr. Osorio de Vasconcellos, é sem differença sensivel o principio do meu discurso de hontem.

S. ex.ª vota esta lei, como eu a voto, unicamente como questão pratica, reconhecendo que ella é melhor do que a legislação actualmente em vigor.

Em relação ao receio que hontem manifestei emquanto ao alargamento do suffragio, s. ex.ª discorreu por fórma que posso resumir a minha resposta a uma breve explicação.

S. ex.ª de certo reconhece que eu não posso ser suspeito, nem de idéas retrogradas, nem de principios altamente conservadores, tomando esta palavra, ainda que injustamente, como a negação do progresso, ou como obstaculo as justas idéas de liberdade; mas no que eu me distingo, ou no que se distingue talvez, a minha paixão pelo progresso e pela liberdade, é na franqueza absoluta e constante da minha palavra, e no habito que tenho de considerar as questões praticamente, procurando com a maior reflexão qual será o resultado da applicação de certas reformas ao meu paiz, para regular a sua opportunidade pelas circumstancias em que ellas hão de necessariamente encontrar-se na pratica, para se desenvolverem, como todos devem querer, ou para fenecerem e desapparecerem, que é exactamente o que eu não quero.

Sr. presidente, eu affirmo a v. ex.ª, affirmo á camara, oeaffirmo ao meu nobre amigo o sr. Osorio de Vasconcellos, para lhe dissipar toda a possibilidade de receio, que eu não só aspiro ao suffragio universal, mas aspiro tambem ao suffragio feminino, que vejo completamente esquecido pelos que mais exageram os seus principios liberaes, e até, com grande surpreza minha, pelo illustre deputado a quem me refiro n'este momento. (Riso.)

Se em theoria estamos de accordo, ou se eu vou ainda alem do sr. Osorio de Vasconcellos, na pratica estamos distantes, porque eu desejo eleitores que elejam por vontade propria com independencia e consciencia do que fazem, e não quero turba venal, ignorante e corrupta, que sem instrucção nem opinião propria esteja permanentemente á mercê da pressão da auctoridade e do medo da policia.

Com o falso pretexto de alargar as franquias populares, não serei eu quem vá alargar os meios e o campo de acção do regedor, para inutilisar os poucos circulos que n'este paiz ainda elegem por vontade propria contra a pressão do governo.

Eu conheço as theorias, professo-as e desejo a sua realisação; mas quero as reformas, quando, escriptas na lei, tenham ou possam ter realisação pratica.

Agora, quando a realidade ha de vir desacreditar a theoria, eu não quero a experiencia que ha de dar resultado opposto ao que eu desejo.

São brilhantes os discursos que defendem o alargamento do suffragio e desenvolvem o thema das liberdades publicas e das franquias populares.

D'esses discursos conheço muitos, n'este e em outros parlamentos. Tenho ouvido uns e lido outros, e sempre com admiração e prazer. Mas quando do campo abstracto das theorias liberaes eu desço para a vida pratica e para as realidades da epocha social, declaro a v. ex.ª que sendo partidario convicto das idéas liberaes, eu não conheço discurso democrata que valha para mim a eloquente simplicidade de quatro palavras ditas ha poucos dias a um dos nossos mais distinctos collegas, que segue n'este ponto as idéas e defende os principios do sr. Osorio de Vasconcellos.

Um eleitor provinciano, d'aquelles que não brilham pela sciencia, mas que se distinguem pelo bom senso; d'aquelles que podem ignorar as diversas theorias, mas conhecem a realidade da vida; um eleitor d'aquelles que nunca venderam nem negociaram o voto, e que o julgam ainda uma garantia e um meio de influir no governo do paiz, chegando da provincia, foi aqui surprehendido pela fausta nova do alargamento do suffragio aos chefes de familia e aos que sabem ler e escrever, sem entenderem o que lêem e sem saberem ler o que escrevem; dirigiu-se a casa de um collega nosso, ainda seu parente e conterraneo, apresentou-se-lhe dominado de um certo terror, e antes de o comprimentar, sem preambulos do nenhuma especie, perguntou-lhe simplesmente: «Tu queres dar voto ao Pilão da Morganheira?»

Aqui está na pratica a disposição que nós vamos votar. A definição é laconica, mas é completa e perfeita. O Pilão da Morganheira é um cidadão prestante d'aquella localidade, privado até hoje do suffragio, pela injustiça das leis e pela ingratidão dos homens. Esse cidadão, vivendo em