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da que já soffre hoje com o desconto do terço do ordenado; mas como é para obstar a um abuso e não ha outro meio, não digo nada.

Se a minha emenda for impugnada, pedirei de novo a palavra para dizer alguma cousa mais em sua defeza.

O sr. Lopes Branco: — A camara presenciou, e v. ex.ª viu, que na ultima sessão não combati este projecto na sua generalidade, e que o approvei.

Não posso elevar muito a voz, porque estou bastante incommodado de saude, e ella mesmo mostra que estou impossibilitado de o fazer, porque estou rouco.

E a rasão por que não combati este projecto na generalidade, é porque eu não devia mostrar que quero que hajam comarcas que se achem abandonadas dos juizes e delegados, que foram despachados para ellas. Mas se eu, sr. presidente, não posso querer que hajam comarcas que se achem abandonadas dos juizes e delegados que foram despachados para ellas, sinto ao mesmo tempo que o governo, para obviar aos inconvenientes que encontra na administração judicial, não ache nas leis existentes e no exercicio prudente das suas attribuições meios para os remediar.

Sinto ainda mais que, sempre que apparecem alguns desses inconvenientes, venham aqui leis de occasião, as quaes parece, sem comtudo o governo certamente o querer, que não têem por fim senão aggravar o descredito e a desconsideração que de ha tempos a esta parte se têem feito pesar sobre a magistratura judicial.

Houve uma epocha em que quasi se não sabia dizer, senão que a magistratura judicial, na sua maior parte, era composta de juizes corruptos. Essa epocha passou, e agora chegámos a outra em que os juizes não são já arguidos de corruptos, mas de relaxados (apoiados), porque não residem nas comarcas para que foram despachados, e esta parece que é a doutrina do relatorio que precede a proposta do governo, e aquella que a commissão expõe no seu para fundamentar o projecto, de certo na melhor intenção, porque não póde realmente ser outra a inferencia que se deduz de um e do outro.

Mas isto sem se ver, sr. presidente, quanto se aggrava de novo o descredito da magistratura portugueza, não só dentro do paiz, mas mesmo fóra do paiz. E ahi estão os factos que o comprovam; porque foi isto o que já produziu a discussão que teve logar na ultima sessão, por occasião da qual tive hontem o sentimento de ver que, na apreciação de um jornal, aliás distincto pela sisudeza com que é redigido, pela elevação de caracter de seus illustres redactores, e pela consciencia mesmo com que tratam todas as questões, em uma secção feita de proposito para o estrangeiro, e que por esse motivo é escripta em francez; ahi li eu que as provincias de Portugal não têem juizes, com as condições que a lei exige, e que as queixas do povo por toda a parte são feitas com bom direito.

Na epocha em que era quasi moda dizer-se que a magistratura judicial em Portugal era composta de corruptos, eu mostrei que não era; e agora é necessario tambem protestar contra o que se diz — de que ella hoje é composta de juizes relaxados.

Eu queria que o sr. ministro da justiça e todos os seus antecessores, elevando-se á altura da sua missão importante e nobre, fossem os primeiros a evitar que esta classe, tão necessaria aos interesses da sociedade, soffresse tanta desconsideração, porque isto é de um alcance immenso.

Nesta occasião solemne, sr. presidente, é necessario dizer a verdade toda, como ella é, e vou faze-lo, como me ordena o meu dever.

Sinto ter de dizer ao nobre ministro da justiça que, se porventura ha estes inconvenientes na administração judicial, a que s. ex.ª pretende obviar por meio das providencias que apresentou neste projecto, é só e unicamente o governo a causa d'elles se darem.

Em primeiro logar, se ha delegados que são despachados para as comarcas, e ali não apparecem, ou de lá se ausentam, talvez isto proceda de serem despachados algumas vezes para estes logares, dos pretendentes, aquelles que menos estão nas circumstancias de o serem, mas que o são debaixo de uma fórma que parece satisfazer ás condições da justiça, na distribuição dos empregos publicos, porém que em grande parte, fallemos com franqueza e com verdade, é uma grande mentira; e eu fallo de uma cousa que se chama concurso (apoiados).

E dirijo-me francamente ao nobre ministro da justiça, sem querer que me responda, porque basta que me responda na sua consciencia. Mas é certo que depois de alguns despachos feitos, talvez o illustre ministro tenha ficado, na sua melhor intenção, porque eu tambem faço justiça á sua situação, com grande arrependimento de ter feito alguns destes despachos (O sr. Ministro da Justiça: — Peço a palavra.); mas emfim ha pressões a que é necessario ceder, e d'aqui vem em primeiro logar a origem destes inconvenientes, sobre que se quer providenciar por meio de uma lei de occasião.

Em segundo logar na promoção dos delegados para juizes, nós tambem sabemos, sabem todos, que ha muitas preterições das regras da justiça, que entre os pretendentes que estão habilitados para entrarem nos despachos para juizes, são preteridos algumas vezes aquelles que se achavam mais nas circumstancias de serem attendidos, para os logares serem providos n'aquelles que vem agora dar destes desgostos ao governo, porque não póde deixar de ser um desgosto para o governo a necessidade de apresentar uma lei expressamente para occorrer a inconvenientes, que elle deveria ter prevenido, exaltando aquelles que eram mais dignos de serem despachados.

Mas ha outra rasão que tem estado, e está mostrando, que o governo, e só o governo, é que é a causa destes inconvenientes que se dão. Emquanto aos delegados, se os ha, mas que, sendo despachados, não vão para as suas comarcas, ou depois de terem tomado posse as abandonam, qual é a rasão porque o governo os não demitte? Pois o governo faz alguma offensa, irroga alguma injuria a um delegado que, abusando da confiança que lhe mereceu, abandona a sua coroares, e está d'ella ausente, com prejuizo do serviço publico; faz-lhe alguma injuria demittindo-o, tem alguma satisfação a dar-lhe, e infringe as leis? Pelo contrario é uma violação do dever, que incumbe ao governo, consentir que um empregado d'esta ordem continue a ter esse emprego, e que esteja occupando um logar que effectivamente não exerce, porque principia por estar fóra da comarca para onde for despachado.

Isto é pelo que pertence aos delegados que, exercendo puramente uma commissão, o governo está no seu direito de os demittir, desde o momento em que elles lhe não merecem a confiança, era virtude da qual os despachou para esses logares. Emquanto aos juizes, ainda que o negocio parece que é mais difficil, dá se a mesma omissão do governo, porque o remedio não depende senão do nobre ministro da justiça ter coragem e força para saber elevar-se á altura da sua missão.

Eu tenho aqui ouvido dizer que ha inclusivamente representações das camaras municipaes a queixarem-se dos inconvenientes que resultam para a administração da justiça, de se acharem as suas respectivas comarcas abandonadas dos juizes de direito. Pois se isto assim é, se ha estas queixas officiaes dirigidas ao governo contra taes juizes, qual é a rasão por que, em cumprimento do artigo 121.° da carta, o governo não manda ouvir sobre estas queixas esses juizes accusados; e, depois de os ouvir, os não suspende, e lhes não instaura processo? Pois não é o proprio governo que no seu relatorio nos cita o artigo 308.º do codigo penal, para se poder dizer que ha falta de lei, e se ver n'este projecto accumuladas ás do codigo, as que n'elle se lhes impõem, podendo antes ser mais convenientemente processados?

Faria o governo alguma injuria a estes juizes, depois de haver estas queixas officiaes contra elles, que não são de simples particulares, em os suspender e metter em processo? Não dava com isto um grande exemplo de administração, e não fazia ao mesmo tempo com esse exemplo conter outros, para não praticarem um abuso similhante?

Eu ainda quero levar mais longe a importancia d'estas considerações que acabo de fazer. Naturalmente poder-me-hão dizer aquillo que commummente se costuma responder a estes argumentos: «Mas os tribunaes absolvem os juizes». Primeiramente posso contestar a possibilidade de haver um tribunal do segunda instancia, que é aonde pertence o julgamento d'estes processos, o qual absolvesse um juiz, que perante elle fosse levado, com a prova de ter abandonado a sua comarca (apoiados). Seria impossivel que houvesse uma relação, onde se não julgasse provado o facto de ter o juiz abandonado a sua comarca, e se lhe não impozesse a pena que está estabelecida na lei (apoiados).

Mos supponhamos que esse caso se dava, o governo acima de tudo com a sua responsabilidade e com o conhecimento superior do seu dever e das necessidades publicas; porque, n'essas circumstancias, o governo, reparando de certo modo essa injustiça com que o tribunal tinha procedido, estava no seu direito, observando a lei e sem infringir os seus deveres, transferindo esse juiz da comarca, aonde tinha sido collocado, ás vezes para satisfazer-se ás protecções para o ser proximo da sua casa, para uma comarca de igual ordem bastante distante. Se por exemplo tinha sido despachado para uma comarca do Minho, podia transferi-lo para o Algarve.

O que eu digo entenda se que era quando chegasse a epocha legal desse juiz ser transferido; a qual hoje, pelo systema da divisão das comarcas nas tres ordens em que se acham distribuidas, chega facilmente, e não se demorava por consequencia muito essa demonstração da parte do governo para com esse juiz que, depois de ter abandonado a sua comarca, tinha tido a felicidade de ser absolvido no tribunal, aonde tinha sido levado para ser julgado; o que, torno a dizer, não posso de sorte nenhuma admittir nem conceder que se verificasse (apoiados).

Influe tambem para estes abusos uma outra causa, e vem a ser — a condescendencia que o governo tem em despachar pela maior parte das vezes os delegados e os juizes para comarcas proximas da sua casa. Se não fosse assim, se elles fossem collocados onde o devem sempre ser, pelo espirito d'esta instituição dos juizes de fóra, na phrase antiga, porque os juizes de direito actuaes não são outra cousa senão os antigos juizes de fóra, no sentido em que eu quero considera-los, porque, quero dizer — os juizes que são mandados para administrar justiça a povos que elles nunca conheceram, e onde não têem por consequencia os parentes, relações, as suas casas e os seus interesses, os inconvenientes de que se nos falla não appareciam; quero dizer — se o governo não fosse tão facil e tão condescendente em despachar para comarcas proximas das casas dos pretendentes os delegados e os juizes, não se viam na escala em que se nos diz estes abusos dos juizes e dos delegados, e estes inconvenientes a que o nobre ministro da justiça pretende occorrer; porque não era facil que elles, estando em comarcas distantes de suas casas, as abandonassem.

Uma outra causa ainda têem estes inconvenientes a que se quer prover, e para esta eu peço muito a attenção de s. ex.ª o sr. ministro, e vem a ser a mesquinhez com que o governo consente que sejam retribuidos os magistrados do ministerio publico e os juizes, porque pela maior parte nas comarcas de terceira ordem, e ainda nas outras, porque só talvez por excepção é que ha algumas onde os juizes tenham dos seus vencimentos com que poderem viver nos logares, elles se vêem obrigados pela necessidade a abandonar as comarcas, para irem estar nas suas casas a maior do tempo, e assim supprirem, pelos seus proprios meios, a falta d'elles que encontram nos vencimentos com que deviam viver nos seus logares. E ainda é bom que alguns tenham na sua casa de que possam ir lá viver a maior parte do tempo, porque a respeito d'aquelles que não têem nada escuso de dizer aquillo que póde acontecer, e que estamos vendo que acontece, mas não em mau sentido, suppondo que esses juizes recorram a meios illicitos para supprirem essa falta, mas sacrificando-se, e sacrificando-se de tal modo, para legarem ás suas familias as consequencias d'esse serviço oneroso que foram obrigados a prestar ao seu paiz (apoiados).

Portanto eu sinto, sr. presidente, que o governo venha trazer ao parlamento medidas que têem contra ellas todas estas contestações que acabo de expor, quando os inconvenientes a que pretende occorrer estava nas suas attribuições remedia-los com o prudente uso d'ellas, recorrendo para esse fim ás disposições que se acham estabelecidas nas leis existentes.

Mas tratemos do artigo 1.°, e eu, que sou justo, não posso deixar de felicitar o nobre ministro da justiça por vir consignar n'uma lei uma concessão que era de absoluta necessidade que fosse estabelecida a favor da magistratura judicial; comtanto que n'esta mesma lei se estabeleçam as medidas, em virtude das quaes esta concessão não possa produzir outros abusos.

Antes de tudo, sr. presidente, eu não quero que se diga, ou que alguem presuma, que estas licenças são um favor que se faz á magistratura judicial, porque o não é, mas sim uma necessidade imperiosa, para bem do serviço do estado e das partes. Quem tem a experiencia do que é ser juiz, sabe que o juiz emprega de dia o seu tempo em despachar o que são negocios de expediente e preparar os processos que elle tem de julgar, e n'isto mesmo o juiz tem um trabalho ás vezes improbo, talvez todos os dias, se a comarca tem um certo movimento judicial, porque n'este serviço se comprehende a inquirição de testemunhas, as perguntas aos teus crimes; e isto é um trabalho que só quem passa por elle sabe o que elle é (apoiados). De noite o juiz tem precisão de estudar as questões para saber como ha de julgar as causas das partes, e tudo isto no intervallo que decorre de uma audiencia geral á outra que se abre na comarca, porque n'esta, muito principalmente, se acontece, como n'uma grande parte d'ellas, irem a julgar vinte, trinta e mais réus, é necessario que o juiz tenha as forças mais robustas e a saude mais vigorosa, para no fim de uma audiencia d'esta ordem não se achar verdadeiramente doente. Imagine-se porém no estado em que se acham ainda as nossas comarcas, sem uma casa para um tribunal (apoiados), sem uma vidraça, com as portas e as janellas abertas para a rua (apoiados), aonde o juiz está sujeito a uma estação rigorosa, ou com muito frio ou com muita chuva, muitas vezes tendo de presidir a um julgamento que lhe leva mais de vinte e quatro horas, como talvez a alguns dos meus illustres collegas tem acontecido, e como aconteceu comigo. Imagine-se como, repetindo-se isto mais de duas e de tres vezes na audiencia geral, em que estado póde ficar o juiz no fim d'ella.

É necessario portanto que o juiz tenha um descanso não por favor, mas que o proprio desempenho das suas obrigações exige, para que se vá reparar de forças e de saude, com o descanso de algum tempo, e voltar outra vez digna e proveitosamente ao exercicio dos seus deveres. As licenças não se entenda pois, que são um favor concedido ao juiz, porque é uma necessidade de serviço, e que torna evidente a todos o facto que vou expor á consideração da camara. Comparemos o juiz, que principiou a sua carreira, por exemplo, aos vinte o quatro annos, na idade de cincoenta, como o homem de guerra do terra ou de mar que chega aos setenta, e veja-se qual d'elles parece mais velho — se o juiz de cincoenta annos, se esse homem de guerra que tem os setenta annos?

Mas se tudo isto é assim, necessario se torna que as licenças sejam reguladas de modo que possa effectivamente satisfazer a todas as indicações que ellas comprehendem.

Já ouvi a um meu illustre collega tocar este ponto nas emendas que mandou para a mesa; mas nem por isso me julgo dispensado de fallar tambem sobre esta parte da questão, que é importantissima.

Se é necessario, sr. presidente, que se consigne n'um lei a licença que o juiz deve ter todos os annos, é necessario da mesma fórma que elle gose essa licença, só por effeito da immediata disposição da lei, e que essa licença para ser concedida não dependa de ser requerida ao governo, sem fazer questão dos emolumentos (apoiados); mas é que eu não quero que o juiz deva, por um favor ao governo, aquillo que a lei lhe concede (apoiados). Porém não se entenda que eu pretendo que o juiz ou o delegado possa á sua vontade saír da sua comarca, só porque na lei está concedida esta licença; eu quero, e parece-me que n'isto estou de accordo com o meu illustre collega que vejo ao meu lado...

O sr. Abranches: — Apoiado.

O Orador: — Eu quero que, em todo o caso, para que os juizes ou os delegados possam gosar, d'esta licença, Intervenha sempre o previo consentimento do presidente do tribunal a que os juizes pertencerem, ou do districto da relação aonde estejam situadas as suas comarcas, porque não quero que de sorte alguma o serviço do estado e das partes soffra, pela liberdade com que a todo o tempo qualquer juiz ou delegado se considere para saírem dos seus logares (apoiados); mas desde o momento em que o presidente do respectivo tribunal entenda que o serviço não soffre com estas licenças, que o juiz ou o delegado não precisa de mais para as poderem gosar.

Mais ainda ha mais alguma cousa. É sabido que a lei