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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
De proposito, sr. presidente, porque não tenho a pretensão nem á vaidade de suppor que as minhas palavras podem convencer a camara mais e melhor do que o fizeram as palavras dos illustres oradores que me precederam; de proposito ainda; por uma consideração de delicadeza parlamentar para com esses illustres deputados, porque não queria que a prioridade dos argumentos que tivesse a fortuna de apresentar, prejudicasse a sua argumentação.
Agora pouco mó resta, é verdade. Tenho apenas que seguir tanto quanto me for possivel o caminho que elles me deixaram traçado.
Muito feliz serei se poder acrescentar algumas considerações que esclareçam um pouco mais o debate, ou que pelo menos justifiquem ao meu proprio espirito, a concessão que se discuto.
Digo que justifiquem ao meu espirito, porque a primeira de todas as necessidades do homem publico, é estar satisfeito e tranquillo com a sua consciencia. (Apoiados.)
E, tendo a honra de pertencer ao ministerio que está á frente dos negocios publicos, julgar-me-ía indigno do logar que occupo, se n'um acto da importancia, que se lho tom querido dar a este, e não da que elle tem em si, eu o os meus collegas não estivessemos perfeitamente tranquillos e satisfeitos com a nossa consciencia. (Vozes: — Muito bom.)
Traz-mo aqui um dever de honra, um dever do politica, a que não posso nem devo faltar; traz-mo aqui o dever de defender a concessão feita pelo governo no decreto referendado por elle e de que tomo toda o inteira responsabilidade e que têm sido apresentado ao paiz como um escandalo, uma irregularidade, uma illegalidade, uma manifesta infracção da' lei vigente.
Não sou d'aquelles que pensam que uma questão da infracção de lei seja uma questão pequena, indifferente, ou assumpto que não mereça a attenção dos corpos legisladores; pelo contrario, entendo que a primeira necessidade do governo, como parto essencial do poder executivo, é fazer cumprir as leis, e o primeiro dever dos corpos parlamentares é examinar se o governo as tem cumprido, e tornar-lhe effectiva a responsabilidade no caso contrario.
Esta é a doutrina o estes são os factos constantemente observados n'esta casa do parlamento.
Para que servo exautorar todos os dias os poderes publicos, exautorar até a propria lei, como fez um illustre deputado, um dos ornamentos d'esta casa; que chegou a dizer que entre nós as leis duravam tanto como duram as rosas — l’espace d'un matin? Para que? Pois não temos todo o respeito pela legislação vigente? Não é esta discussão uma prova evidente, incontroversa, do respeito que a lei merece aos corpos legislativos e ao paiz? Não estamos aqui ¦ empenhados de um lado e outro em fazer convencer uns de que a lei foi infringida, outros de que a lei foi acatada? Pois que é isto senão o respeito pela lei? Não sei por que aberração incomprehensivel hão de os espiritos mais atilados o superiores amesquinhar ás vezes aquillo que é grande e nobre, e deprimir o que é digno do consideração e do respeito; não sei para que se ha de constantemente dizer que a lei não é observada, que a lei não se respeita, que a lei não é considerada, o que o governo tem á sua disposição uma maioria numerosa que elle proprio fabricou!
Esta maioria que me está ouvindo, que sabe, mettendo a mão na consciencia, que não é capaz do vender o sou voto ao governo; (Apoiados.) esta maioria que é todos os dias atacada como não sendo a representação genuina do paiz, porque parece que o paiz só é representado pela opposição parlamentar; esta maioria ha de julgar na sua imparcialidade o procedimento do governo, (Muitos apoiados) ha de proceder como entender nos fóros da sua consciencia. (Muitos apoiados.)
Não são as invectivas dos illustres deputados da opposição, nem os discursos que eu hei do proferir, nem as minhas blandícias, que hão de obrigar a maioria a proceder de um modo ou de outro; ha do proceder como entender em sua consciencia. (Muitos apoiados.)
Deploro que se esteja, como por..mais do, uma vez se tem estado, porque é velho isto n'esta casa do parlamento, procurando fazer acreditar ao paiz, que quem representa unicamente a nação são os illustres deputados da opposição. (Apoiados.)
Eu não, que reconheço que todos, maioria e opposição, representam devidamente o paiz. Mas se alguem houvesse d'este lado da camara que pretendesse pôr em duvida tambem a representação genuina da nação portugueza na pessoa do alguns srs. deputados da opposição, como hão levantariam elles a voz, como não procurariam suffocar casa manifestação de uma opinião que realmente não tinha rasão de ser, para dizerem todos nós somos representantes do paiz!..(Apoiados.)
Eu nunca usei d'estes meios; (Apoiados.) nunca empreguei este estratagema de guerra. (Apoiados.)
Fui deputado da opposição por muitas vezes; por muitos annos consecutivos militei n'esta casa á frente da opposição parlamentar, mas nunca usei d'este recurso; (Apoiados.) nunca neguei aos partidos politicos do paiz a representação nacional; (Apoiados) nunca quiz lançar sobre elles o odioso e o stygma que d'ahi resultam. (Apoiados: — Vozes: — Muito bem.)
Procuremos, portanto, ser justos, mas procuremos ser justos todos nós, maioria o opposição. Procuremos estudar as questões, procuremos examinal-as á luz imparcial da rasão e do direito, e não procuremos agitar as paixões politicas para tornar odiosa uma medida ou para tornar odioso um, governo, que póde não ter a fortuna de agradar aos illustres deputados, mas que tem á consciencia do ser util ao seu paiz. (Apoiados.),
Para tudo se atacar, até se atacou o governo por ter promulgado o decreto de 26 de dezembro de 1878, que fez as concessões ao sr. Paiva de Andrada, nas vesperas da abertura do parlamento, como dando n'este facto uma prova inequivoca da pouca consideração que elle tem pelos poderes publicos!
Como se póde deduzir do acto do governo que elle tenha pouca consideração poios poderes publicos?
Como se póde suppor que elle tenha pouca consideração pelos poderes publicos por ter promulgado o decreto de 26 de dezembro de 1878 nas vesperas da abertura do parlamento?
Para isso era necessario provar primeiro que o decreto era illegal; para isso era necessario provar primeiro que nós tinhamos infringido as leis; para isso eia necessario provar primeiro aquillo que ainda não está provado, isto é, que as leis que auctorisavam o governo a fazer as concessões não foram acatadas. (Apoiados.)
Se o governo exorbitou, os illustres deputados não só têem rasão, mas têem rasão do mais.
Para que vem a questão de serem feitas as concessões na vespera da abertura do parlamento?
Se o decreto é illegal, tanto importava que fosse promulgado nas vesperas da abertura do parlamento, como a um ou dois mezes de distancia. (Apoiados.) A questão era sempre a mesma; era sempre a questão da legalidade. (Apoiados.).
A que proposito se quer acrescentar mais este defeito, mais este crime politico aos que se imputam á administração?
Diz-se: «Para que fizestes isto nas vesperas da abertura do parlamento; porque não esperastes a reunião dos representantes do paiz, e porque não trouxestes aqui a lei que julgáveis indispensavel para se fazer a concessão das minas e dos terrenos na Zambezia?»
Porque o não fizemos? Porque o acto era regular, era do simples administração. Nem precisavamos recorrer ao parlamento, porque o governo, em virtude do artigo l5.°
Sessão de 10 de março de 1879