744
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
designar nos estatutos os mandatarios para a primeira administração da sociedade, a qual não durará mais de seis annos, sem prejuizo do principio da revogabilidade prescripta no artigo 13.°»
Já se vê, portanto, que o decreto de 26 de dezembro de 1868 manda constituir a companhia nos termos da lei vigente, que é a lei de 22 de junho de 1867. Mas precisamos ver, não sómente qual é a letra expressa da lei, mas qual é o espirito d'essa mesma lei. (Apoiados.)
Basta porventura para se examinar uma lei, ver qual é a disposição escripta de um artigo e não combinar esse artigo com outros da mesma lei? Não será preciso examinar qual é a tendencia d'ella e ver qual o espirito sobre que foi fundada? Não será necessario saber qual o pensamento do legislador, o que elle escreveu no relatorio que precede a lei e o que se provou na discussão se porventura a houve? Não será preciso examinar toda a legislação correlativa e o modo como as cousas se entendem? (Apoiados.)
Não será este um bom principio do hermeneutica juridica para se apreciar o modo de entender a disposição do artigo 45.°?
Se nós quizessemos examinar sómente a letra escripta, a letra inalteravel e implacavel, então quasi que não precisavamos de tribunaes, nem do jurisconsultos, nem de advogados. (Muitos apoiados.) Vae-se á letra escripta e não se precisa de mais nada.
N'uma lei, não basta só ver qual a sua letra expressa; é preciso examinar qual o seu espirito.
Nós temos como jurisconsultos, como. legisladores, de procurar descriminar se porventura as suas disposições estão perfeitamente claras ou não estão em harmonia com outras disposições da mesma lei, sobre qual a sua fonte remota; conhecer quaes as suas disposições correlativas e se tis disposições da lei têem correlação com ella, tudo isto é preciso examinar para se fazer juizo seguro sobre as disposições de uma lei. (Apoiados.)
Este decreto do 4 de dezembro do 1869 não era senão a manifestação de um espirito esclarecido para tratar do implantar nas provincias ultramarinas, o sobretudo nas provincias da Africa, afastadas o mais arredadas da civilisação europêa, uma grande industria, que podesse felicitar essas provincias o ser util á mãe patria. (Apoiados.)
Esse era o seu pensamento dominante, e o preambulo do decreto prova-o exuberantemente.
O que se pretendia então? Pois não existe legislação sobre minas? Não tinhamos o decreto de 22 do dezembro de 1852, que era a legislação vigente sobre minas ao tempo em que se publicou o decreto de 4 de dezembro do 1869?
Para que se tornou preciso este decreto? Foi para pear, para difficultar, para embaraçar as concessões das minas? Não. Foi para as facilitar, desenvolver, alargar e tornar accessiveis a toda a industria mineira; (Apoiados.) foi para desenvolver de um modo eficaz a industria mineira nas provincias ultramarinas. (Apoiados.)
E dizeis que se vae estabelecer um monopolio, que a provincia do Moçambique vae ficar dividida em dois districtos, um em que vigora o direito commum e o outro em que vigora o direito exclusivo. Mas d'onde vem este direito exclusivo, não vem da lei? (Apoiados.) Veiu porventura de nós? (Apoiados.) Fomos nós que inventámos os decretos de 4 de dezembro de 1867 e de 4 de dezembro do 1869? (Apoiados.) Desde que se fez uma concessão não se dá um exclusivo? (Apoiados.) Imagina alguem que se póde fazer uma concessão de terrenos para mineração, não se dando o exclusivo á companhia a que se faz essa concessão? (Apoiados.)
Começou-se por dizer que a provincia do Moçambique se entregou toda ao sr. Paiva de Andrada agora porém, já não se affirma tanto, diz-se apenas que ella está dividida, existindo n'uma parte o direito commum e na outra o direito do privilegio.
E que deu o direito commum que lá tem existido até agora? (Dirigindo se para a opposiçâo.) Note-se que estou defendendo agora um decreto que é vosso o não do governo de que tenho a honra do fazer parte. Em terrenos deu ainda alguma cousa, quasi nada, mas quanto a minas não deu nem a exploração de uma unica. (Apoiados.)
Eu adoro a liberdade civil e politica, mas quando se trata da liberdade applicada ás questões economicas é necessario não nos illudirmos com uma palavra sonora, que é grata ao coração, mas que é muitas vezes a condemnação e o prejuizo de grandes interesses do paiz. (Apoiados.)
E se não fosse essa necessidade o que teriamos nós ainda hoje? O que teriam os illustres deputados que vem das provincias mais afastadas, do Minho, do Traz os Montes o da Beira? Teriam o macho de arrieiria para vir a Lisboa. (Apoiados.)
Foi o monopolio, foi o exclusivo que vos deu os caminhos do ferro. Pois abençoado exclusivo que o é de tanta utilidade para o paiz. (Apoiados.)
Ainda não se inventou o meio de fazer essas grandes obras, de realisar esses melhoramentos publicos som se recorrer ao exclusivo. (Apoiados.)
O que diria um concessionario do caminhos de ferro se se lho desse a concessão para construir em certo o determinado caminho permittindo se a todo e qualquer cidadão a faculdade de construir outra linha ao lado d'essa? Diria ao governo que ficasse com a concessão, porque elle não construía o caminho n'essas condições, diria: «Ficae com o vosso burrinho, que ou não quero a concessão». (Apoiados.)
Não nos levantemos, portanto, em nome de uma palavra que por mais auctorisada, por mais bella que se nos afigure, e por mais grata que seja ao nosso coração, não póde ser sufficiente para destruir a natureza das cousas, para tornar bom o que é mau e para impedir os grandes melhoramentos publicos. (Apoiados.)
Pois o partido historico não fez a concessão de docas (ao sr. Debrousse) a um particular, para organisar uma companhia? (Apoiados.)
Não propoz o mesmo partido a concessão a sir Morton Petto, para organisar tambem uma companhia? (Apoiados.)
O partido regenerador não fez ao sr. Salamanca uma concessão, embora sujeita a concurso, mas isso é questão á parto, para organisar uma companhia? (Apoiados.).
Os grandes melhoramentos que existem no paiz não são devidos a concessões feitas a individuos, a pessoas certas o determinadas? (Apoiados.)
Pois o governo não está farto de fazer concessões para se construírem caminhos de ferro de via estreita a individuos certos e determinados?
Uma voz: — E para o caminho de ferro de Cacilhas.
O Orador: — Sim, senhor, para o de Cacilhas, para o da Povoa, para o do Bougado e para e do Torres Vedras. (Muitos apoiados.)
Pois é necessario que haja companhias organisadas para se fazerem estas concessões?
Estas concessões fazem-se a quem as pede, e dizia um illustre deputado, que parecia que tinha dominado a assembléa n'aquelle momento, que a concessão se fez dizendo-se «dá cá a Zambezia, toma lá a Zambezia».
Eu digo que se fez a concessão aquelle que a pedia dizendo-se «dá cá a concessão, toma lá a concessão»; mas que se fez isto em nome do direito, em nome dos principios escriptos, e em nome do uma lei que todos reconhecem, que é direito constituido, e que ninguem ainda contestou. Foi o que se fez. (Muitos apoiados.)
A tendencia da nossa legislação sobre concessões é esta, e esta é igualmente a tendencia da legislação de todos os paizes sobre concessões. Nem póde ser outra.
Ha paizes abençoados, que estão em taes condições do prosperidade, grandeza e civilisação, que podem deixar á industria particular unica e exclusivamente o emprehendi-