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Sessão de 10 de março de 1879

Presidencia do ex.mo sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva

Secretarios — os srs. Antonio Maria Pereira Carrilho Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Apresentação de representações e requerimentos. — Na ordem do dia continua a interpellação do sr. Mariano de Carvalho ao sr. ministro da marinha sobre a concessão de terrenos da Zambezia ao sr. Paiva de Andrada. — Concluo o seu discurso o sr. presidente do conselho e começa o seu o sr. Rodrigues de Freitas.

Abertura — Á uma hora e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada 51 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adolpho Pimentel, Carvalho e Mello, Alipio Sousa Leitão, A. J. d'Avila, Lopes Mendes, Carrilho, Mendes Duarte, Pereira Leite, Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Caetano do Carvalho, Sanches de Castro, Diogo do Macedo, Moreira Freire, Eduardo Moraes, Hintze Ribeiro, Filippe do Carvalho, Fortunato das Neves, Mesquita e Castro, Francisco Costa, Pereira Caldas, Sousa Pavão, Frederico Arouca, Freitas Oliveira, Jeronymo Pimentel, Osorio de Albuquerque, Brandão e Albuquerque, Scarnichia, Barros o Cunha, Sousa Machado, J. A. Neves, J. J. Alves, Ornellas do Matos, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Ferreira Freire, Teixeira de Queiroz, J. M. Borges, Pereira Rodrigues, Sá Carneiro, Almeida Macedo, Bivar, Manuel d'Assumpção, M. J. de Almeida, Aralla e Costa, Nobre de Carvalho, Jacome Correia, Rodrigo de Menezes, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Adriano Machado, Fonseca Pinto, Osorio de Vasconcellos, Alexandre Lobo, Alfredo de Oliveira, Rocha Peixoto (Alfredo), Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Pereira de Miranda, A. J. Teixeira, Pedroso dos Santos, Barros o Sá, Pinto de Magalhães, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Augusto Fuschini, Saraiva de Carvalho, Victor dos Santos, Carlos de Mendonça, Conde da Foz, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Firmino Lopes, Francisco de Albuquerque, Fonseca Osorio, Monta e Vasconcellos, Gomes Teixeira, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Palma,.Silveira da Mota, Costa Pinto, Anastacio de Carvalho, Gomes do Castro, Melicio, João Ferrão, Almeida e Costa, Pires de Sousa Gomes, Dias Ferreira, Pontes, Laranjo, José Frederico, Namorado, José Luciano, J. M. dos Santos, Sousa Monteiro, Taveira e Menezes, Barbosa du Bocage, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Freitas Branco, Luiz Garrido, Faria o Mello, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Correia do Oliveira, Alvos Passos, M. J. Gomes, Manuel José Vieira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Miranda Montenegro, Miguel Dantas, Pedro Carvalho, Pedro Correia, Pedro Barroso, Pedro Roberto, Thomás Ribeiro, Visconde da Aguieira, Visconde do Andaluz, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde do Balsemão, Visconde do Moreira de Rey, Visconde do Rio Sado, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão. — Os srs.: Nunes Fevereiro, Gonçalves Crespo, Emilio Brandão, Arrobas, Avelino de Sousa, Bernardo de Serpa, Mello Gouveia, Souto Maior, Miguel Tudella, Ricardo Ferraz.

Acta — Approvada,

Expediente

Officios

1.° Do ministerio do reino, acompanhando nota dos recrutas abonados ao concelho de Vianna do Castello por conta do contingente do anno de 1878.

Enviado á secretaria.

2.° Do ministerio da fazenda, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. Francisco de Albuquerque, nota da cobrança da contribuição de registo por titulo gratuito e titulo oneroso, realisada nos tres ultimos annos economicos; e bem assim nota do rendimento das contribuições do renda do casas o sumptuaria.

Enviado á secretaria.

3.° Do ministerio das obras publicas, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. Pereira de Miranda, uma relação nominal dos individuos que foram encarregados do quaesquer commissões no estrangeiro durante o anno do 1878.

Enviado á secretaria.

4.º Do ministerio das obras publicas, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. Mariano de Carvalho, cópia authentica do despacho do 12 de março de 1877, que adoptou varias providencias ácerca da companhia Lisbon Steam Traway, que então se achava em liquidação; o bem assim copia do termo de transacção lavrado entre a direcção de obras publicas do districto de Lisboa e o representante da dita companhia, em data de 9 de março de 1878.

Enviado á secretaria.

Participação

Participo a v. ex.ª que, por motivo justificado, não assisti a algumas sessões. = Fortunato Vieira das Neves. Mandou-se lançar na acta.

Declaração

Declaro que, por incommodo de saúdo, não compareci nas anteriores sessões. =J. M. Borges. Mandou-se lançar na acta.

O sr. Rodrigo de Menezes: — Mando para mesa uma representação dos escripturarios da repartição de fazenda do concelho de Guimarães, pedindo melhoria de vencimentos.

Não vejo presente nenhum dos srs. ministros, e eu desejava chamar-lhe a attenção, especialmente do sr. ministro da fazenda, para um facto que julgo do muita gravidade, que póde dar logar a funestas consequencias, o sobre o qual era preciso que s. ex.ª desse com urgencia algumas providencias.

Apesar de s. ex.ª não estar presente, como as minhas observações de certo chegam ao seu conhecimento, exporei o facto, acompanhando-o com as considerações que sobre o assumpto entendo dever fazer.

Tenho conhecimento d'este facto pelos jornaes, e por uma circular, dirigida pela gerencia do banco do Minho a todos os bancos, companhias e associações commerciaes, protestando contra os vexames por parte do visitador especial do districto do Braga.

O sr. visitador especial encarregado da fiscalisação do imposto do sêllo nos districtos do Braga e Vianna, apresentou se no dia 21 de fevereiro no banco do Minho, a fim do proceder a varejo nos livros d'aquelle estabelecimento. Os gerentes do banco, que não estavam prevenidos para esta visita, o não sabiam se estava na alçada do visitador especial dar varejo aos bancos, apresentaram os livros, que todos se achavam sellados na fórma da lei, com excepção do um unico.

Quiz o visitador fiscal continuar o varejo nos dias seguintes, ao que se oppoz a gerencia, aconselhada pelos advogados, que eram concordes em que, pelas leis e regulamentos em vigor, não era permittido varejar os bancos;

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que com o varejo o apprehensão dos livros se ía devassar o segredo das operações commerciaes, affectado o credito do estabelecimento, etc..

De nada valeram as rasões apresentadas, porque o visitador voltou acompanhado do administrador do concelho e officiaes de justiça, e intimou a gerencia, que, para se não ver envolvida n'um processo crime do desobediencia, se sujeitou ao varejo e mais pesquizas que aprouve fazer a auctoridade fiscal.

No Diario da manhã de hontem vem um telegramma de Braga que diz:

«Grande reunião na associação commercial contra o procedimento do visitador fiscal, que varejou os bancos o vae varejar as irmandades, confrarias, casas commerciaes, lojas, hospedarias, etc.. Grande excitação. Foi nomeada uma commissão para peticionar Braga, unica terra do paiz vexada pelos rigores do fisco. Receia-se perturbação na ordem publica, porque é grande a excitação.»

É grave o momentoso este assumpto, e póde dar em resultado a perturbação da ordem publica, como nos annuncia este telegramma, e a graves inconvenientes, com relação aos estabelecimentos de credito.

Se as leis e regulamentos offerecem duvidas, julgava conveniente que, emquanto não fossem resolvidas, o sr. ministro da fazenda mandasse suspender estas visitas, para que não fique ao arbitrio dos visitadores especiaes a sua interpretação.

Eu por mim entendo que, em vista da respectiva legislação e especialmente do regulamento ultimo do 14 de novembro de 1878, que reuniu e codificou as disposições em vigor sobre o imposto do sêllo, não podem ser inspeccionados ou varejados os bancos e estabelecimentos de credito.

Este regulamento nos artigos 92.° a 113.°, estabelece o marca as regras o principios a seguir para a fiscalisaçâo do imposto do sêllo, diz-nos os funccionarios a quem está incumbida esta fiscalisaçâo e o que lhes cumpre fazer no exercicio d'esta attribuição.

Em geral todas as auctoridades, tribunaes e funccionarios publicos são obrigados a fiscalisar o imposto do sêllo, cumprindo e fazendo cumprir as disposições do regulamento.

Pelo artigo 98.º está incumbida especialmente a fiscalisaçâo do imposto á direcção geral dos proprios nacionaes, aos delegados do thesouro, e aos escrivães de fazenda, podendo os delegados do thesouro por si, ou por seus subordinados, dar varejos em conformidade com o § 2.° n.º 2.° d'este artigo, que diz:

«Proceder pessoalmente, ou por via dos seus subordinados, a varejos nas lojas, armazens, hospedarias e casas de venda, e a outras quaesquer averiguações e diligencias necessarias para a imposição das multas legaes.»

Os visitadores especiaes, de que trata o artigo 99.°, estão igualmente auctorisados para proceder a estes varejos.

Parece, pois, que não fallando a lei de bancos, quando especialisa os estabelecimentos a que é permittido dar varejos, e não podendo ser estes comprehendidos nos estabelecimentos enumerados, pois não são lojas, armazens, hospedarias ou casas de venda, parece-me, repito, que foi ampliando arbitrariamente a lei e com abuso de poder que o visitador fiscal entrou no banco, e exigiu com a auctoridade do administrado; do concelho que lhe fossem apresentados não só os livros em exercido, mas tambem os que se achavam findos.

Depois da disposição da lei que auctorisa os funccionarios competentes a proceder a varejos, determinando as casas a que se podem dar, encontram-se as palavras «e a outras quaesquer averiguações e diligencias necessarias para a imposição das multas legaes», e talvez por estas palavras se julgue o visitador auctorisado a proceder a varejos nos bancos.

Estas palavras, porém, n'este logar, podem significar quaesquer pesquizas ou indagações, tudo o que quizerem, menos varejos, do que a lei trata antecedentemente, n'esta mesma disposição, com designação expressa dos estabelecimentos a que se podem dar.

Os varejos, sendo o modo mais vexatorio para a fiscalisaçâo dos impostos, só podem ter logar e ser permittidos, nos casos em que a lei clara e expressamente os auctorisa.

O artigo 96.° ordena que as auctoridades, no exercicio da obrigação do fiscalisar o imposto do sêllo, cumpram e façam cumprir as disposições do regulamento.

Ora o empregado fiscal de Braga, não tendo até hoje procedido a varejos nas lojas, armazens, hospedarias o casas de venda, que a lei expressamente determina, não tem cumprido o que a lei lhe permitto fazer, e, dando varejos aos bancos, ultrapassa os seus poderes, porque nenhuma disposição do regulamento, lhe auctorisa este procedimento.

Diz tambem o telegramma, que o visitador ou fiscal que vareja os bancos, vae varejar as irmandades e confrarias.

Julgo que tambem o não póde fazer pelas mesmas rasões que apresentei com relação aos bancos.

Demais, a respeito d'estas, incumbe o regulamento a fiscalisaçâo do imposto do sêllo aos governadores civis o administradores, dispondo no artigo 106.° que verifiquem se Os livros se acham devidamente sellados por occasião de lhes tomarem o approvaram as contas.

Nada tem pois que fazer aqui o visitador especial.

Os perigos que podem occasionar estes varejos aos bancos, já se estão manifestando nos bancos de Braga, aos quaes, me consta, rem havido algumas corridas, pelo alvoroço em que estas visitas põem os credores dos bancos.

Eu não quero de maneira alguma que sejam defraudados os direitos da fazenda, e desejo que fique bem assento que não venho aqui defender os abusos e infracções dos bancos, que é necessario cohibir, procurando-se os meios legaes para o conseguir.

Mas o que igualmente se não póde admittir é que os empregados fiscaes, na fiscalisaçâo do imposto, usem de meios que as leis lhes não permittem, procedam a varejos para que não estão auctorisados. E contra estes abusos que ou peço providencias ao sr. ministro da fazenda.

Emfim, repito, que julgo do toda a necessidade e conveniencia obstar a que por parte dos bancos haja transgressões, que defraudem o imposto do sêllo; trata-se de remediar esse mal com medidas legislativas, tendentes a cohibir os abusos, mas não se consinta que as auctoridades fiscaes, a seu arbitrio, interpretem a lei, dando-lhe ampliações que como lei fiscal, não póde ter, e de que podem resultar conflictos serios.

Como não está presente o sr. ministro da fazenda, o me parece que este assumpto é da maior gravidade, peço que, sendo possivel, lhe sejam communicadas estas considerações que acabo de fazer, a fim de que s. ex.ª providencie de forma-a evitar uns e outros abusos, suspendendo no entretanto estas visitas, até que se resolva esta questão, como é de direito e na melhor conformidade das leis.

O sr. Aralla: — Mando para a mesa uma representação de 790 habitantes das freguezias de Esmoriz, Cortegaça o Macedo, em que pedem que seja approvada a proposta do lei, apresentada pelo governo, n.º 75-B.

Peço a v. ex.ª que se digne mandal-a á respectiva commissão, bem como que seja publicada no Diario do governo.

O sr. Scarnichia: — Mando para a mesa um projecto de lei tendente a garantir a reforma dos officiaes marinheiros; e mando igualmente para a mesa trinta requerimentos de mestres, contra mestres o guardiães, pedindo melhoria de situação,

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O projecto ficou para segunda leitura, e os requerimentos foram enviados ás commissões respectivas.

O sr. Presidente: — O sr. Aralla e Costa mandou para a mesa uma representação e pediu que ella fosse publicada no Diario do governo. Vou consultar a camara.

Resolveu-se afirmativamente.

O sr. Pires de Lima: — Mando para a mesa um requerimento de Manuel Baptista Machado, segundo tenente ajudante do praça de segunda classe, pedindo uma lei que conceda aos ajudantes de praça de segunda classe as garantias de que gosara os capitães quarteis mostres, veterinários o picadores do exercito.

Peço a v. ex.ª que se digne dar-lhe o competente destino.

O sr. Jeronymo Pimentel: — Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte declaração.

(Leu.)

Aproveito a occasião parai mandar para a mesa um requerimento, pedindo diversos esclarecimentos ao governo pelo ministerio do reino; o tambem duas representações, uma da mesa da real irmandade de Santa Cruz, e outra da irmandade de Nossa Senhora da Ajuda o S. Sebastião das Carvalheiras, da cidade de Braga, ambas as quaes pedem á prorogação do praso para o registo dos onus reaes.

O sr. ministro da justiça já satisfez em parte a este pedido, apresentando um projecto de lei, mas esse projecto não satisfaz completamente á pretensão d'essas corporações, nem ainda a do outras de que tambem aqui apresentei pedidos. Mas, como essa proposta do governo brevemente virá á discussão, quando vier terei occasião de apresentar quaesquer considerações que me occorram e manifestar a minha opinião a tal respeito.

Permitta-me agora v. ex.ª, sr. presidente, que eu me refira ao assumpto de que acaba de fallar o meu amigo e collega o sr. Rodrigo de Menezes, e para o qual eu tambem tinha pedido a palavra.

Apesar de não estar presente o sr. ministro da fazenda, a quem directamente pertence este negocio, está comtudo presente o sr. presidente do conselho, e a elle portanto me vou dirigir.

Refiro-me ás diligencias a que procedeu o inspector do sêllo do districto de Braga em relação aos bancos d'aquella cidade.

Este assumpto afigura-se-me urgente e momentoso, e póde ter graves consequencias.

Em poucas palavras eu direi como os factos se passaram.

O delegado do thesouro d'aquelle districto, um dos funccionarios mais dignos que eu conheço, que reune a uma elevada intelligencia, muita illustração e inexcedivel zêlo pelo serviço publico, cavalheiro que por muitos annos occupou uma cadeira n'esta casa, dando sempre provas do seu subido talento, do seu estudo das questões, o da independencia e nobreza do sou caracter, o sr. Eduardo Tavares, foi pelo juizo do direito da comarca de Braga nomeado perito para examinar: a escripturação do banco commercial, por isso que se achava instaurado um processo crime contra os ex-directores d'aquelle estabelecimento; e encontrou os livros e mais documentos sujeitos ao seu exame por sellar.

Como não podia separar a sua individualidade de perito da sua individualidade de funccionario publico o delegado do thesouro, julgou n'esta ultima qualidade que não podia continuar no exame d'aquelles documentos e livros sem primeiro se cumprirem as disposições da lei relativamente á falta de sellos que tinha encontrado; o havendo no districto, um empregado especialmente encarregado d'aquelle serviço como inspector do sêllo; deu-lhe parte para que elle procedesse ás diligencias legaes.

Effectivamente o inspector do sêllo daquelle districto, dirigiu-se ao banco commercial e fez. apprehensão dos livros e de todos os documentos que estavam por sellar; e creio que procedeu legalissimamente fazendo apprehensão nos livros e documentos d'aquelle banco que se achavam não só no juizo commercial, mas tambem no juizo criminal.

Mas o sr. inspector do sêllo não limitou a isto a sua acção dirigiu-se a todos os mais bancos, e fez tambem apprehensão dos livros e documentos que ahi encontrou por sellar.

Este facto causou graves preoccupações no espirito publico d'aquella cidade, e principalmente nos mais directamente interessados, e o estado em que se encontrou a cidade e o districto, muito bem o expoz o meu collega o amigo o sr. Rodrigo de Menezes, nas palavras que ha pouco pronunciou.

V. ex.ª sabe muito bem que da crise bancaria por que passámos em 187G, ainda estamos mal convalescentes, se é que o estamos, e n'este estado qualquer abalo, qualquer perturbação no credito póde ler funestissimas consequencias para o paiz.

Mas permitta-me v. ex.ª que eu pergunte ao governo se a interpretação que á lei do sêllo deu o inspector d'aquella, contribuição é legal e racional? Parece-me que não.

O meu collega o amigo o sr. Rodrigo de Menezes, com aquelle criterio e intelligencia que lhe é propria, apreciou as disposições legaes a este respeito, o mostrou, parece-me, clara e evidentemente, que no regulamento de 14 de novembro do 1878 não se encontrava disposição alguma que permittisse o varejo ou inspecção, ou o nome que se queira dar aos bancos de Braga, feito pelo inspector do sêllo.

O regulamento que estou citando diz no artigo 96.° que é permittido aos empregados fiscaes proceder pessoalmente ou por via dos seus subordinados, á fiscalisaçâo do imposta do sêllo nos logares, armazens, hospedarias e casas de, venda.

Vê-se, pois, que a lei especificando os estabelecimentos onde era permittido proceder a varejo, não incluiu n'estes os bancos ou estabelecimentos d'esta ordem.

O artigo 99.° do mesmo regulamento permitte ainda que o governo possa nomear visitadores especiaes para proceder ao varejo nos cartorios dos escrivães e tabelliães.

Mas como se vê n'estes dois artigos, unicos em que, se falla de estabelecimentos onde póde entrar o fisco para fiscalisar a imposição das multas ou a cobrança do sêllo, em nenhum d'elles se menciona bancos ou companhias d'esta ordem.

Como v. ex.ª sabe muito bem, as leis fiscaes interpretam-se sempre taxativamente.

Talvez se diga que se é permittido ao fisco entrar n'uma loja, n'um armazem, n'uma hospedaria e casa de venda, tambem será permittido entrar n'um estabelecimento bancario.

Como v. ex.ª sabe o toda a camara, na lei fiscal não se admittem argumentos de analogia, applica-se simplesmente a disposição estabelecida na mesma lei.

Diz o mesmo regulamento o seguinte.

(Leu.)

Não permitte portanto que os empregados fiscaes possam devassar o segredo da escripturação.

Não sei como seja possivel cumprir as disposições d'este artigo, permittindo ao mesmo tempo o varejo ou inspecções nos livros e mais documentos que constituem a contabilidade dos bancos.

Parece-me pois que, se andava legalmente o inspector do sêllo com relação ao banco commercial de Braga, não andou pelo que diz respeito aos outros.

Mas se a lei tem esta interpretação que lhe deu o inspector do sêllo, com a qual não me conformo de maneira alguma, pergunto, tem-se cumprido a lei com esta interpretação em todo o paiz aonde ha bancos d'esta ordem? Não me consta.

Chamo, pois, a attenção do governo sobre este assumpto que, como já disse, se me afigura de summa gravidade pelas circumstancias em que nós estamos, e espero que elle dará as providencias que julgar necessarias para satisfazer

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a esta necessidade do momento, socegando o espirito publico, e evitando as funestas consequencias que podem resultar d'aquelle estado do cousas. Tenho dito.

Declaração

Declaro que por motivo justificado faltei a algumas sessões d'esta camara. = Jeronymo da Cunha Pimentel.

Mandou-se lançar na acta.

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja pedida com urgencia, ao governador civil de Braga:

1.° Nota, por concelhos, do numero de mancebos que foram inspeccionados pela junta de revisão desde 18GG a 1877 inclusivè, de quantos foram por ella julgados incapazes, e das sessões da mesma junta a que não assistiram todos os vogaes, e quaes foram os que faltaram;

2.° Nota, por concelhos, do numero de reclamações que foram julgadas pela commissão districtal nos annos do 18C6 a 1878 inclusivè, do quantas foram attendidas, e dos motivos por que o foram;

3.° Nota das actas das sessões do conselho do districto, da commissão districtal, da junta de revisão e da commissão de viação do anno de 1877, que não foram assignadas pelo presidente, e quem era este;

4.° Nota do numero de reclamações ordinarias do anno de 1877, que foram resolvidas n'esse mesmo anno pela commissão districtal, de quantas sessões, ordinarias d'aquella commissão houve, desde o 1.° de maio a 31 de dezembro de 1877; e de quem n'esse periodo era o governador civil do districto;

5.° Nota do numero de mancebos que foram n’aquelle districto apurados para o serviço militar, pela junta de revisão, desde o 1.° de janeiro a 30 de abril de 1877, e desde esse dia a 31 de dezembro;

6.° Nota de parto da acta da sessão da commissão districtal, de 27" de outubro de 1877, que se refere ao deferimento da reclamação interposta por Thereza Fernandes, da freguezia de Pedra Finada, do concelho de Barcellos, a favor de seu irmão Antonio, e de parto da acta da mesma commisão de 2l de janeiro de 1876, que havia indeferido a mesma reclamação, e do quem foi o governador civil que, como presidente, assistiu á sessão em que foi attendida aquella reclamação. — Jeronymo Pimentel.

Enviado á secretaria, para expedir com urgencia.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira do Mello): — Ouvi com a devida attenção. as palavras que acaba de dirigir ao governo, de que tenho a honra de fazer parte, o sr. Jeronymo Pimentel sobre um assumpto importante, que merece de certo a attenção dos poderes publicos e que merece igualmente a attenção do governo.

O meu collega da fazenda, a quem incumbe mais especialmente este negocio, poderá dar ao illustre deputado mais amplas explicações; entretanto, creio poder dizer que o governo se está occupando d'este assumpto e que ha do examinar a questão de direito, nos termos em que ella deve ser tratada; isto é, se ha ou não direito de examinar os documentos que estão nos bancos, para se poder conhecer se se tem em relação a elles cumprido as disposições da lei do sêllo, tornando essas disposições effectivas, e não dando logar a que alguem se possa collocar acima da lei o impedir que ella seja cumprida.

N'estes termos, portanto, o governo procurará resolver o assumpto como for de justiça.

O sr. Hintze Ribeiro: — Vou mandar para a mesa um projecto de lei para a creação de uma comarca no concelho de Nordeste, da ilha de S. Miguel.

A lei de 16 de abril de 1874, auctorisando o governo a crear até trinta comarcas, deu margem, a que se promulgasse o decreto de 12 de novembro de 1875, que, desannexando da comarca do Villa Franca o concelho da Povoação

e da comarca da Ribeira Grande o concelho de Nordeste, formou com estes dois concelhos uma nova comarca com a sede na Povoação.

As reclamações appareceram para logo, o não podiam deixar de apparecer, porque a cooperação d'esses dois concelhos em assumptos judiciaes é do todo o ponto impossivel. Barreiras naturaes os separam e dividem, obstando assim á regularidade na administração da justiça.

Entre um e outro ergue-se uma elevada serra, cuja transposição é sempre difficil, no inverno extremo perigosa. Não ha ali estradas de communicação, e arrojado intento será o do as lançar.

Não ha ali meios faceis de conducção o transporte, nem tão breve é de esperar que os haja; pelo contrario, o ao revez d'isto densas névoas, rijas ventanias e copiosas chuvas, tornam frequentes vezes completamento intransitaveis as estreitas e sinuosas veredas que circundam as escarpadas ravinas e os fundos despenhadeiros que a natureza ali talhou.

N'estas circumstancias a administração da justiça é forçosamente irregular e onerosa para os povos. As funcções dos jurados são um verdadeiro vexame para os habitantes do Nordeste.

Nos processos de inventarios orphanologicos, que por lei são obrigatorios, não só os longos caminhos trazem comsigo avultadas despezas, com grave prejuizo para os proprios que a lei teve por fim proteger, mas ainda o comparecimento pessoal dos membros do conselho do familia, dos interessados e dos tutores, importam uma larga perda de tempo, um grave incommodo, jornadas que não são ermas de perigos, e sempre e sobretudo um subido dispêndio para as posses relativamente limitadas de quem o supporta.

A creação de uma comarca no Nordeste é, pois, uma urgente e impreterivel necessidade.

Não desejo alongar mais estas considerações, porque não quero antecipar o debate que porventura se possa travar quando este projecto entrar em discussão, e por isso direi apenas que, não só a camara municipal e os povos do concelho do norte, mas a propria junta geral do districto. de Ponta Delgada, instituição verdadeiramente imparcial o tutelar, pedem e reclamam que se adopte e promulgue a medida que proponho..

Termino pois, pedindo que, pelo ministerio da justiça, me sejam enviados alguns documentos que julgo necessarios para o inteiro esclarecimento d'esta questão.

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da justiça, me sejam enviados os seguintes documentos:

1.° Nota das representações feitas pela camara municipal do concelho do Nordeste, na ilha do S. Miguel, para a creação de uma comarca n'esse concelho;

2.º Copia da representação que em novembro do proximo passado anno de 1878 dirigiu a junta geral do districto de Ponta Delgada ao governo, para o mesmo fim. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Enviado á secretaria para expedir com urgencia.

O projecto ficou para segunda leitura.

O sr. Carvalho e Mello: — Mando para a mesa um requerimento dos escripturarios dos escrivães de fazenda do concelho de Baião, pedindo augmento do vencimento.

Peço que seja remettido A commissão competente.

ORDEM DO DIA

Continuação da interpellação do sr. Mariano de Carvalho ao sr. ministro da marinha, ácerca da concessão do terrenos na Zambezia ao capitão Paiva de Andrada.

O sr. Presidente: — Tem, a palavra o sr. presidente do conselho para continuar o seu discurso.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Chego tarde ao terreno do debate; e chego tardo do proposito.

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De proposito, sr. presidente, porque não tenho a pretensão nem á vaidade de suppor que as minhas palavras podem convencer a camara mais e melhor do que o fizeram as palavras dos illustres oradores que me precederam; de proposito ainda; por uma consideração de delicadeza parlamentar para com esses illustres deputados, porque não queria que a prioridade dos argumentos que tivesse a fortuna de apresentar, prejudicasse a sua argumentação.

Agora pouco mó resta, é verdade. Tenho apenas que seguir tanto quanto me for possivel o caminho que elles me deixaram traçado.

Muito feliz serei se poder acrescentar algumas considerações que esclareçam um pouco mais o debate, ou que pelo menos justifiquem ao meu proprio espirito, a concessão que se discuto.

Digo que justifiquem ao meu espirito, porque a primeira de todas as necessidades do homem publico, é estar satisfeito e tranquillo com a sua consciencia. (Apoiados.)

E, tendo a honra de pertencer ao ministerio que está á frente dos negocios publicos, julgar-me-ía indigno do logar que occupo, se n'um acto da importancia, que se lho tom querido dar a este, e não da que elle tem em si, eu o os meus collegas não estivessemos perfeitamente tranquillos e satisfeitos com a nossa consciencia. (Vozes: — Muito bom.)

Traz-mo aqui um dever de honra, um dever do politica, a que não posso nem devo faltar; traz-mo aqui o dever de defender a concessão feita pelo governo no decreto referendado por elle e de que tomo toda o inteira responsabilidade e que têm sido apresentado ao paiz como um escandalo, uma irregularidade, uma illegalidade, uma manifesta infracção da' lei vigente.

Não sou d'aquelles que pensam que uma questão da infracção de lei seja uma questão pequena, indifferente, ou assumpto que não mereça a attenção dos corpos legisladores; pelo contrario, entendo que a primeira necessidade do governo, como parto essencial do poder executivo, é fazer cumprir as leis, e o primeiro dever dos corpos parlamentares é examinar se o governo as tem cumprido, e tornar-lhe effectiva a responsabilidade no caso contrario.

Esta é a doutrina o estes são os factos constantemente observados n'esta casa do parlamento.

Para que servo exautorar todos os dias os poderes publicos, exautorar até a propria lei, como fez um illustre deputado, um dos ornamentos d'esta casa; que chegou a dizer que entre nós as leis duravam tanto como duram as rosas — l’espace d'un matin? Para que? Pois não temos todo o respeito pela legislação vigente? Não é esta discussão uma prova evidente, incontroversa, do respeito que a lei merece aos corpos legislativos e ao paiz? Não estamos aqui ¦ empenhados de um lado e outro em fazer convencer uns de que a lei foi infringida, outros de que a lei foi acatada? Pois que é isto senão o respeito pela lei? Não sei por que aberração incomprehensivel hão de os espiritos mais atilados o superiores amesquinhar ás vezes aquillo que é grande e nobre, e deprimir o que é digno do consideração e do respeito; não sei para que se ha de constantemente dizer que a lei não é observada, que a lei não se respeita, que a lei não é considerada, o que o governo tem á sua disposição uma maioria numerosa que elle proprio fabricou!

Esta maioria que me está ouvindo, que sabe, mettendo a mão na consciencia, que não é capaz do vender o sou voto ao governo; (Apoiados.) esta maioria que é todos os dias atacada como não sendo a representação genuina do paiz, porque parece que o paiz só é representado pela opposição parlamentar; esta maioria ha de julgar na sua imparcialidade o procedimento do governo, (Muitos apoiados) ha de proceder como entender nos fóros da sua consciencia. (Muitos apoiados.)

Não são as invectivas dos illustres deputados da opposição, nem os discursos que eu hei do proferir, nem as minhas blandícias, que hão de obrigar a maioria a proceder de um modo ou de outro; ha do proceder como entender em sua consciencia. (Muitos apoiados.)

Deploro que se esteja, como por..mais do, uma vez se tem estado, porque é velho isto n'esta casa do parlamento, procurando fazer acreditar ao paiz, que quem representa unicamente a nação são os illustres deputados da opposição. (Apoiados.)

Eu não, que reconheço que todos, maioria e opposição, representam devidamente o paiz. Mas se alguem houvesse d'este lado da camara que pretendesse pôr em duvida tambem a representação genuina da nação portugueza na pessoa do alguns srs. deputados da opposição, como hão levantariam elles a voz, como não procurariam suffocar casa manifestação de uma opinião que realmente não tinha rasão de ser, para dizerem todos nós somos representantes do paiz!..(Apoiados.)

Eu nunca usei d'estes meios; (Apoiados.) nunca empreguei este estratagema de guerra. (Apoiados.)

Fui deputado da opposição por muitas vezes; por muitos annos consecutivos militei n'esta casa á frente da opposição parlamentar, mas nunca usei d'este recurso; (Apoiados.) nunca neguei aos partidos politicos do paiz a representação nacional; (Apoiados) nunca quiz lançar sobre elles o odioso e o stygma que d'ahi resultam. (Apoiados: — Vozes: — Muito bem.)

Procuremos, portanto, ser justos, mas procuremos ser justos todos nós, maioria o opposição. Procuremos estudar as questões, procuremos examinal-as á luz imparcial da rasão e do direito, e não procuremos agitar as paixões politicas para tornar odiosa uma medida ou para tornar odioso um, governo, que póde não ter a fortuna de agradar aos illustres deputados, mas que tem á consciencia do ser util ao seu paiz. (Apoiados.),

Para tudo se atacar, até se atacou o governo por ter promulgado o decreto de 26 de dezembro de 1878, que fez as concessões ao sr. Paiva de Andrada, nas vesperas da abertura do parlamento, como dando n'este facto uma prova inequivoca da pouca consideração que elle tem pelos poderes publicos!

Como se póde deduzir do acto do governo que elle tenha pouca consideração poios poderes publicos?

Como se póde suppor que elle tenha pouca consideração pelos poderes publicos por ter promulgado o decreto de 26 de dezembro de 1878 nas vesperas da abertura do parlamento?

Para isso era necessario provar primeiro que o decreto era illegal; para isso era necessario provar primeiro que nós tinhamos infringido as leis; para isso eia necessario provar primeiro aquillo que ainda não está provado, isto é, que as leis que auctorisavam o governo a fazer as concessões não foram acatadas. (Apoiados.)

Se o governo exorbitou, os illustres deputados não só têem rasão, mas têem rasão do mais.

Para que vem a questão de serem feitas as concessões na vespera da abertura do parlamento?

Se o decreto é illegal, tanto importava que fosse promulgado nas vesperas da abertura do parlamento, como a um ou dois mezes de distancia. (Apoiados.) A questão era sempre a mesma; era sempre a questão da legalidade. (Apoiados.).

A que proposito se quer acrescentar mais este defeito, mais este crime politico aos que se imputam á administração?

Diz-se: «Para que fizestes isto nas vesperas da abertura do parlamento; porque não esperastes a reunião dos representantes do paiz, e porque não trouxestes aqui a lei que julgáveis indispensavel para se fazer a concessão das minas e dos terrenos na Zambezia?»

Porque o não fizemos? Porque o acto era regular, era do simples administração. Nem precisavamos recorrer ao parlamento, porque o governo, em virtude do artigo l5.°

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do acto addicional á carta, tinha a faculdade de o fazer. (Apoiados.)

Ninguem póde, pois, pôr em duvida a legalidade com que o governo procedeu.

Pôde-se dizer que o governo errou, que não apreciou. bem este negocio; mas pôr em duvida a legalidade do acto que praticou, mas dizer que o governo publicou um decreto que contraria as leis vigentes, sem esperar pela abertura do parlamento, isso é que se não póde dizer, porque o governo tinha auctorisação legal e constitucional para fazer taes concessões. (Apoiados.)

Senão, vejam quantos decretos de natureza legislativa têem sido promulgados em vesperas de abertura das côrtes, por esta e por outras administrações.

E nunca se estabeleceu na lei o limite, alem do qual o governo não podia usar d'esta faculdade. Usou-se d'ella tanto a um como a seis mezes de distancia da abertura das côrtes. (Apoiados.)

A faculdade é sempre a mesma, e o governo só tem a dar conta ás côrtes do uso que d'ella fez.

Portanto, o governo procedeu com legalidade, e, sinceramente o digo, estou convencido de que o acto praticado estava dentro dos limites das suas attribuições.

Mas se o acto não era de administração, como o governo pensa que é, o se o acto é de infracção do lei, como pensam os illustres deputados, o que resta é pôr a questão de confiança politica, e provar que se dá a infracção da lei no acto do que se trata.

As concessões a que me refiro, e que fazem objecto do decreto de 26 do dezembro de ] 878, comprehendem tres assumptos distinctos: minas, debaixo de diversos aspectos; terrenos para cultura, e arvoredos ou matas.

Logo tratarei d'estes assumptos, e procurarei demonstrar que o governo procedeu dentro dos limites das suas attribuições.

A primeira accusação que se fez ao governo, accusação que provocou, muitas considerações da parte do illustre deputado que abriu o debate, e que sendo meu adversario politico, implacavel, como creio que é, foi quem tratou a questão perfeitamente debaixo do seu ponto de vista; a primeira accusação que se fez ao governo, digo, foi que elle concedeu, não a uma companhia organisada, as minas da area designada no n.º 1 do artigo 1.° do decreto de 26 do dezembro de 1878, mas a um individuo, a uma pessoa certa e determinada, contrariando as disposições da lei.

Peço licença para indicar rapidamente á camara a legislação sobre minas que regula no ultramar, e que tem tratado de facilitar as concessões.

Em primeiro logar publicou-se a lei do 25 do julho do 1850, que regula o direito de pesquiza, de exploração e lavra das minas.

Foi discutida largamente n'esta camara, e já então eu tinha a honra de fazer parte d'esta assembléa.

Discutiu-se principalmente n'essa occasião o direito dos proprietarios do solo em relação aos direitos dos exploradores das minas.

A tendencia n'aquella epocha ora para manter intacto o direito de propriedade que pertencia aos proprietarios do solo,. que porventura podessem ser forçados a acceitar a exploração das minas nos seus terrenos.

Este foi o objecto principal da discussão, e a lei passou de accordo com a legislação adoptada em que todos os paizes da Europa, principalmente com a legislação franceza.

Forçoso é todavia confessar que aquella lei não satisfaça cabalmente ás necessidades do ultramar, ás necessidades das provincias ultramarinas, collocadas a grande distancia da metropole, e a esse tempo, a uma maior distancia, se me é permittido dizer assim, porque a falta de communicações tornava mais difficeis as relações entre a metropole e as colonias.

A lei de 25 de julho não satisfazia, nem dava ao menos a esperança de que se podesse desenvolver no ultramar a industria mineira, que era o pensamento da lei.

Em consequencia d'isso, quando tive a honra de entrar no ministerio em julho de 1851, pela primeira vez, e o governo usou de uma dictadura que foi julgada já ha muitos annos, e que deixou alguns traços de luz na nossa legislação, (Apoiados.) tive a honra de apresentar á soberana um decreto, que foi publicado em 22 de setembro do 1852, no qual se modificaram as disposições da carta de lei de 25 de julho de 1850 e adoptaram as disposições para as provincias ultramarinas, tanto quanto pareceu conveniente n'aquella. occasião ao governo de que tinha a honra do fazer parte.

Mas o tempo marcha, as circumstancias instam, a experiencia não passa debalde e as disposições que me pareciam convenientes n'aquella epocha para desenvolver a industria mineira nas provincias ultramarinas, tornaram-se letra morta, porque apesar de algumas concessões feitas, tanto do minas como de terrenos, a industria das minas não se desenvolveu nas provincias ultramarinas como seria para desejar.

Quando em 1869 o sr. Rebello da Silva, cuja perda todos deplorámos, e o paiz igualmente deplora, (Apoiados.) geria a pasta da marinha e ultramar, publicou-se o decreto de 4 de dezembro, que é a legislação que hoje, com as outras subsidiarias, rege o assumpto de que se trata, o foi em conformidade com esse decreto que se publicou o de 26 do dezembro de 1878.

O decreto de 4 de dezembro de 1869, depois de estabelecer diversas disposições para os casos ordinarios de mineração no ultramar, diz no artigo 45.°, que já tem sido citado mais de uma vez, o seguinte:

«Artigo 45.° São propriedade do estado:

«1.° As minas abandonadas;

«2.° As já conhecidas e não exploradas o situadas em terrenos do estado ou sujeitos á soberania portugueza.

«§ 1.° O governo publicará com a possivel brevidade no Diario do governo uma relação das minas a que se refere este artigo.

«§ 2.° Fica salvo ao governo o direito de fazer concessões directas d'estas minas a sociedades ou companhias para a exploração em grande de uma certa zona mineira.»

Mas diz-se: «Vós não podíeis fazer á um particular, a um individuo só, a concessão das minas já conhecidas e pertencentes ao estado, porquanto o § 2.° do artigo 45.° diz: que fica salvo ao governo o direito de fazer a concessão das minas a sociedades ou companhias; e não diz a individuos.»

Eu sustento que esta redacção de concessão á sociedades ou companhias, não póde excluir de modo algum a concessão a individuos particulares que vão organisar essas companhias. (Apoiados.)

E tratarei de mostrar á camara, com todos os precedentes e com todas as disposições correlativas da legislação vigente a este respeito, que o § do que se trata não póde ter uma interpretação differente da que eu lhe dou. (Apoiados.)

Para se ver isso basta uma rasão; basta a impossibilidade de se fazer o contrario. (Apoiados.)

Pois imaginam os nobres deputados que é possivel ir constituir uma companhia, organisal-a, subscrever todas as suas acções e registal-as, como manda a lei, para se pedir uma concessão, que não se sabe se o governo fará, (Apoiados.) que não se sabe com que condições ha do ser feita, que não se sabe com que regras ou com que preceitos ha de ser outorgada? (Apoiados.)

Isto é impossivel, isto não se faz, isto nunca se fez. (Apoiados.)

Tenho presente a lista das concessões feitas em Portugal; a lista das concessões de minas e de' terrenos, porque a questão é a mesma, em relação ás minas o em relação aos terrenos, debaixo do ponto de vista da organisação das

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companhias; tenho presente a lista do 39 concessões feitas de 1853 para cá, o fui procurar a data do 1853 para comprehender o decreto com força de lei de 22 de dezembro de 1862.

De 23 d'essas 39 concessões pertence a responsabilidade ao partido dos illustres deputados que combatem o actual governo, e não houve uma só que fosse feita a uma companhia. (Apoiados.) Engano-me; houve uma feita a uma companhia; mas sabe ex.ª como foi? Depois de ser feita a um particular, a um estrangeiro, o sr. John Beaton, uma concessão de 169:414 hectares na provincia de Angola foi essa concessão traspassada a uma companhia ingleza; quer dizer, foi traspassado aquillo que já existia, aquillo que já tinha sido concedido. (Apoiados.) Concessão nova não ha uma só que fosse feita a uma companhia. (Apoiados.)

Eu bem sei que os illustres deputados dizem que esta questão comprehende, não só as concessões de minas, mas tambem as concessões de terrenos. E verdade, mas a questão é a mesma. Em relação á difficuldade de formar companhias, a questão é a mesma tanto a respeito das concessões de minas como a respeito das concessões de terrenos. (Apoiados.) Eu não sou bastante ignorante para não perceber isto.

A questão não é a mesma em relação ás leis que auctorisam o governo a fazer as concessões; mas é a mesma em relação á difficuldade de formar companhias que vão explorar as minas ou os terrenos.

E note-se que em todas as concessões de terrenos se exige a condição de companhias; e comtudo são todas feitas quasi sempre a um ou dois individuos; mas obrigam sempre á formação e organisação de companhias.

Por consequencia a questão, debaixo d'este ponto de vista, é exactamente identica.

Se fosse possivel que uma companhia se organisasse antes do se saber se a concessão lhe era feita, então nós saberíamos que a companhia estava organisada e saberíamos que o governo, em logar de fazer a concessão a um certo e determinado individuo, fazia essa concessão a uma companhia.

Mas quer a camara uma auctoridade respeitabilissima que me occorre agora citar, auctoridade que não tenho o gosto de ver presente, mas é o mesmo, porque todos nós respeitamos o seu voto e a sua pessoa, para lhe provar como se entende a phrase consignada no decreto do 20 do dezembro de 1878, no qual se diz que as concessões são foi ta 3 ao sr. Paiva de Andrada e ás companhias que elle organisar?

O sr. Mello Gouveia, e quando cito o sr. Mello Gouveia, comprehende a camara, que não o cito para o combater, mas para me apoiar na sua esclarecida opinião, porque ninguem tem por s. ex.ª maior consideração do que eu; o sr. Mello Gouveia em 19 do setembro de 1877 publicou um decreto pelo qual concedeu ao sr. Henrique Luiz Carlos Alfredo Le Merre 18:000 hectares de terrenos baldios incultos na provincia do Angola; e diz no artigo 1.° do decreto:

«São concedidos a Henrique, Luiz Carlos Alfredo Le Aferre e á companhia que elle organisar 18:000 hectares baldios ou incultos pertencentes ao estado na provincia de Angola, para a cultura de algodão, café o outros generos coloniaes, e para os estabelecimentos respectivos, segundo o que dispõe sobre concessão de terrenos o decreto com força de lei de 4 de dezembro de 1861 o regulamento de 10 de outubro do 1865.»

Exactamente as mesmas palavras do decreto de 26 de dezembro de 1878, que estamos discutindo. (Apoiados.)

No artigo 4.° dizia o sr. Mello Gouveia:

«Os concessionarios deverão solicitar, dentro do praso de um anno, contado da data do seu deposito, a demarcação e medição de terrenos, tomar d'elles posse é dar começo á sua cultura, para os fins designados no artigo 4.º do citado decreto de 4 de dezembro de 1801. O deposito effectuado pelos concessionarios ser-lhes-ha restituído logo que tenham satisfeito a esta condição ou ficará em benefício do estado se a não cumprirem no praso declarado.»

O que quer isto dizer? Quer dizer que o sr. Mello Gouveia comprehendeu, e comprehendeu muito bem, que a indemnisação que dava ao sr. Alfredo Le Merre e ás companhias que elle organisasse, era o serem proprietarios d'essa concessão, e, portanto, as palavras que estão no decreto de 26 do dezembro de 1878 são copiadas textualmente do decreto do sr. Mello Gouveia.

Pois podiam ser permittidas as palavras contidas no decreto de 19 de setembro de 1877, e devem ser condemnadas as palavras contidas no decreto de 26 do dezembro de 1878? (Apoiados.)

Como é que em 1877 o sr. Alfredo Le Merre e as companhias que elle organisasse podiam ser concessionarios de uns dados terrenos, e agora o sr. Paiva de Andrada e as companhias que elle organisar não podem ser concessionarios de terrenos iguaes? (Apoiados.) Isto não se póde sustentar. Eu não condemno a concessão feita pelo sr. Mello Gouveia e julgo-a regular o nos termos das leis.

Pelo decreto do sr. Mello Gouveia, o individuo a quem se fez a concessão, e as companhias que elle organissasse, eram os concessionarios d'essa concessão; por consequencia o sr. Paiva de Andrada e as companhias que elle organisar são tambem os concessionarios da concessão que discutimos, e, portanto, não está infringida a lei de 1869.(Apoiados.)

Ainda tenho outras considerações a fazer, para provar que o governo não exorbitou da lei, quando fez a concessão a um individuo certo o determinado, e não a uma sociedade ou companhia.

O governo, no decreto de 26 de dezembro de 1878, pelo qual é feita esta concessão, diz que ella é feita nos termos das leis e conforme os decretos com força de lei do 4 de dezembro de 1861, 4 de dezembro de 1869 e outras disposições legislativas.

Ora as leis a que se refere este decreto são diversas, mas entre ellas não póde deixar de mencionar-se a lei de 22 de junho de 1867, que é a das sociedades anonymas, e que tem de ser observada quando se constituirem as companhias.

A lei das sociedades anonymas auctorisa a existencia dos fundadores das companhias, e diz quaes são os direitos e as faculdades que têem os fundadores d'essas companhias em relação ás mesmas companhias.

Por consequencia, quando o decreto faz a concessão em virtude das leis, comprehende fundadores de companhias e. tem necessariamente de comprehender n'essas disposições a lei das sociedades anonymas, não só do accordo com a legislação vigente, mas do accordo com os exemplos praticados até hoje.

Sendo assim, permitta-me a camara que rapidamente lhe, leia o que se diz no preambulo do decreto:

«Tomando em consideração o que me expoz Joaquim, Carlos Paiva de Andrada, capitão de artilheria e addido militar á legação portugueza em París, o qual pretende emprehender, pessoalmente, na Zambezia, as indicadas explorações e outras que as podem acompanhar o desenvolver, associando para esses fins capitalistas que se hão da constituir em companhias segundo a legislação portugueza.»

Qual é a legislação portugueza para que estes individuos se constituam em companhias? E a lei das sociedades anonymas, que no § 4.º do artigo 1.º diz o seguinte:

«Os fundadores de qualquer sociedade anonyma, antes de adoptarem uma denominação social, deverão verificar por certidão authentica, que nenhuma outra se acha registada com denominação identica, ou por tal fórma similhante que possa induzir a erro.»

E ainda no artigo l5.° esta lei diz o seguinte:

«Os fundadores de qualquer sociedade anonyma podem

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designar nos estatutos os mandatarios para a primeira administração da sociedade, a qual não durará mais de seis annos, sem prejuizo do principio da revogabilidade prescripta no artigo 13.°»

Já se vê, portanto, que o decreto de 26 de dezembro de 1868 manda constituir a companhia nos termos da lei vigente, que é a lei de 22 de junho de 1867. Mas precisamos ver, não sómente qual é a letra expressa da lei, mas qual é o espirito d'essa mesma lei. (Apoiados.)

Basta porventura para se examinar uma lei, ver qual é a disposição escripta de um artigo e não combinar esse artigo com outros da mesma lei? Não será preciso examinar qual é a tendencia d'ella e ver qual o espirito sobre que foi fundada? Não será necessario saber qual o pensamento do legislador, o que elle escreveu no relatorio que precede a lei e o que se provou na discussão se porventura a houve? Não será preciso examinar toda a legislação correlativa e o modo como as cousas se entendem? (Apoiados.)

Não será este um bom principio do hermeneutica juridica para se apreciar o modo de entender a disposição do artigo 45.°?

Se nós quizessemos examinar sómente a letra escripta, a letra inalteravel e implacavel, então quasi que não precisavamos de tribunaes, nem do jurisconsultos, nem de advogados. (Muitos apoiados.) Vae-se á letra escripta e não se precisa de mais nada.

N'uma lei, não basta só ver qual a sua letra expressa; é preciso examinar qual o seu espirito.

Nós temos como jurisconsultos, como. legisladores, de procurar descriminar se porventura as suas disposições estão perfeitamente claras ou não estão em harmonia com outras disposições da mesma lei, sobre qual a sua fonte remota; conhecer quaes as suas disposições correlativas e se tis disposições da lei têem correlação com ella, tudo isto é preciso examinar para se fazer juizo seguro sobre as disposições de uma lei. (Apoiados.)

Este decreto do 4 de dezembro do 1869 não era senão a manifestação de um espirito esclarecido para tratar do implantar nas provincias ultramarinas, o sobretudo nas provincias da Africa, afastadas o mais arredadas da civilisação europêa, uma grande industria, que podesse felicitar essas provincias o ser util á mãe patria. (Apoiados.)

Esse era o seu pensamento dominante, e o preambulo do decreto prova-o exuberantemente.

O que se pretendia então? Pois não existe legislação sobre minas? Não tinhamos o decreto de 22 do dezembro de 1852, que era a legislação vigente sobre minas ao tempo em que se publicou o decreto de 4 de dezembro do 1869?

Para que se tornou preciso este decreto? Foi para pear, para difficultar, para embaraçar as concessões das minas? Não. Foi para as facilitar, desenvolver, alargar e tornar accessiveis a toda a industria mineira; (Apoiados.) foi para desenvolver de um modo eficaz a industria mineira nas provincias ultramarinas. (Apoiados.)

E dizeis que se vae estabelecer um monopolio, que a provincia do Moçambique vae ficar dividida em dois districtos, um em que vigora o direito commum e o outro em que vigora o direito exclusivo. Mas d'onde vem este direito exclusivo, não vem da lei? (Apoiados.) Veiu porventura de nós? (Apoiados.) Fomos nós que inventámos os decretos de 4 de dezembro de 1867 e de 4 de dezembro do 1869? (Apoiados.) Desde que se fez uma concessão não se dá um exclusivo? (Apoiados.) Imagina alguem que se póde fazer uma concessão de terrenos para mineração, não se dando o exclusivo á companhia a que se faz essa concessão? (Apoiados.)

Começou-se por dizer que a provincia do Moçambique se entregou toda ao sr. Paiva de Andrada agora porém, já não se affirma tanto, diz-se apenas que ella está dividida, existindo n'uma parte o direito commum e na outra o direito do privilegio.

E que deu o direito commum que lá tem existido até agora? (Dirigindo se para a opposiçâo.) Note-se que estou defendendo agora um decreto que é vosso o não do governo de que tenho a honra do fazer parte. Em terrenos deu ainda alguma cousa, quasi nada, mas quanto a minas não deu nem a exploração de uma unica. (Apoiados.)

Eu adoro a liberdade civil e politica, mas quando se trata da liberdade applicada ás questões economicas é necessario não nos illudirmos com uma palavra sonora, que é grata ao coração, mas que é muitas vezes a condemnação e o prejuizo de grandes interesses do paiz. (Apoiados.)

E se não fosse essa necessidade o que teriamos nós ainda hoje? O que teriam os illustres deputados que vem das provincias mais afastadas, do Minho, do Traz os Montes o da Beira? Teriam o macho de arrieiria para vir a Lisboa. (Apoiados.)

Foi o monopolio, foi o exclusivo que vos deu os caminhos do ferro. Pois abençoado exclusivo que o é de tanta utilidade para o paiz. (Apoiados.)

Ainda não se inventou o meio de fazer essas grandes obras, de realisar esses melhoramentos publicos som se recorrer ao exclusivo. (Apoiados.)

O que diria um concessionario do caminhos de ferro se se lho desse a concessão para construir em certo o determinado caminho permittindo se a todo e qualquer cidadão a faculdade de construir outra linha ao lado d'essa? Diria ao governo que ficasse com a concessão, porque elle não construía o caminho n'essas condições, diria: «Ficae com o vosso burrinho, que ou não quero a concessão». (Apoiados.)

Não nos levantemos, portanto, em nome de uma palavra que por mais auctorisada, por mais bella que se nos afigure, e por mais grata que seja ao nosso coração, não póde ser sufficiente para destruir a natureza das cousas, para tornar bom o que é mau e para impedir os grandes melhoramentos publicos. (Apoiados.)

Pois o partido historico não fez a concessão de docas (ao sr. Debrousse) a um particular, para organisar uma companhia? (Apoiados.)

Não propoz o mesmo partido a concessão a sir Morton Petto, para organisar tambem uma companhia? (Apoiados.)

O partido regenerador não fez ao sr. Salamanca uma concessão, embora sujeita a concurso, mas isso é questão á parto, para organisar uma companhia? (Apoiados.).

Os grandes melhoramentos que existem no paiz não são devidos a concessões feitas a individuos, a pessoas certas o determinadas? (Apoiados.)

Pois o governo não está farto de fazer concessões para se construírem caminhos de ferro de via estreita a individuos certos e determinados?

Uma voz: — E para o caminho de ferro de Cacilhas.

O Orador: — Sim, senhor, para o de Cacilhas, para o da Povoa, para o do Bougado e para e do Torres Vedras. (Muitos apoiados.)

Pois é necessario que haja companhias organisadas para se fazerem estas concessões?

Estas concessões fazem-se a quem as pede, e dizia um illustre deputado, que parecia que tinha dominado a assembléa n'aquelle momento, que a concessão se fez dizendo-se «dá cá a Zambezia, toma lá a Zambezia».

Eu digo que se fez a concessão aquelle que a pedia dizendo-se «dá cá a concessão, toma lá a concessão»; mas que se fez isto em nome do direito, em nome dos principios escriptos, e em nome do uma lei que todos reconhecem, que é direito constituido, e que ninguem ainda contestou. Foi o que se fez. (Muitos apoiados.)

A tendencia da nossa legislação sobre concessões é esta, e esta é igualmente a tendencia da legislação de todos os paizes sobre concessões. Nem póde ser outra.

Ha paizes abençoados, que estão em taes condições do prosperidade, grandeza e civilisação, que podem deixar á industria particular unica e exclusivamente o emprehendi-

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mento de todos esses melhoramentos: entre nós não é possivel.

Não foi possivel em França e em Hespanha; não é possivel na Italia; não tem sido possivel na Belgica e na Allemanha.

Só a Inglaterra e os Estados Unidos principalmente, pela sua immensa iniciativa individual, podem realisar esses grandes melhoramentos sem pedirem concessões com favor especial do estado; mas nos paizes onde as concessões se fazem por interesso publico, que não póde ser realisado sem que ellas se façam a individuos, para que esses individuos organisem companhias, as concessões n'estes termos são indispensaveis, fataes e inevitaveis. (Apoiados.)

Não me refiro só ao caso especial de que se trata: refiro-me a todas as concessões tomadas debaixo d'este ponto de vista; e por consequencia digo que o decreto de 26 de dezembro de 1878 está absolutamente nos limites e considerações que têem presidido a toda a legislação vigente e a todos os factos consummados n'este sentido. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O artigo 45.° do decreto com força de lei de 4 de dezembro de 1869 tem uma fonte proxima no artigo 9.° do decreto com força de lei de 22 de dezembro de 1852. Tenho aqui este ultimo decreto, e permitta-me a camara que eu leia o artigo 9.° e seu §, que é muito pequeno.

Diz o seguinte:

«Os jazigos de minas já conhecidos no ultramar são propriedades nacionaes, cuja lavra será concedida pelo governo a quem offerecer, em concurso, mais garantias e vantagens ao estado.

«§ unico. O governo publicará com a possivel brevidade, uma relação de taes jazigos, para se saber qual é o terreno que fica livre para os pesquizadores.»

Aqui tem a camara a fonte proxima do artigo 45.° do decreto de 1869. E este artigo não passou desapercebido, porque o meu illustre contradictor ou auctor d'esta interpellação citou-o, mas citou-o unicamente para provar que devia existir o concurso, porque esse direito ficava salvo em virtude da disposição do artigo 45.°

Ponho de parte o concurso, de que tratarei logo, e passo a mostrar a rasão da harmonia e intelligencia que existem entre a disposição do artigo 45.° do decreto de 1869 e a disposição do artigo 9.° do decreto de 1852.

O que diz o artigo 9.° do decreto de 1852? Vê-se perfeitamente que é a fonte das disposições do artigo 45.° do decreto de 1869, porque trata do mesmo assumpto e diz que os jazigos de minas já conhecidas no ultramar são propriedade nacional, cuja lavra será concedida pelo governo a quem offerecer em concurso mais garantias e vantagens ao estado, e o § 1.° diz que o governo publicará com a possivel brevidade uma relação d'estas minas para resolver qual é o terreno que fica livre aos pesquizadores.

O que é este quem? Este quem é companhia? Deriva-se isso das disposições anteriores do decreto? Não, porque esse decreto falla sempre em individuos, sociedades ou companhias.

Que quer dizer este quem? Individuo, sociedade ou companhia, de que tratam os artigos anteriores.

Isto está de accordo com a estructura d'esta lei, que, como a lei de 4 de julho de 1869 não exclue ai disposição correspondente aos individuos, sociedades e companhias; e, se não exclue, e se é identica, qual é a rasão por que se ha de ir buscar interpretação, favoravel n'um artigo da lei, que é fonte d'esta, e não se ha de ir buscar ás mesmas fontes a interpretação do decreto de 26 de dezembro de 1878, que se póde entender como o governo entendeu?

Disse-se «porque não poz o governo a concurso a concessão?»

O governo não a poz a concurso, porque esta idéa está condemnada no decreto de 4 de dezembro de 1869, no preambulo ou relatorio que o precede, e porque o concurso tornava impossivel a concessão.

É por isso que se fez o decreto de 4 de dezembro de 1869.

Não se póde por consequencia insistir em que a lei tenha sido violada n'esta parte, e debaixo do ponto de vista de se ter feito esta concessão ao sr. Paiva de Andrada, e não a uma sociedade ou companhia.. E isto é tanto mais assim que, como disse ha pouco, não ha exemplo, nem o póde haver, de se organisarem companhias antes das concessões, quando essas concessões podem fazer-se ou deixar de se fazer, e variar segundo as circumstancias, o que é o mesmo que tolher completamente o desenvolvimento das minas.

Ouvi citar a um illustre deputado, ornamento d'esta camara, e esperança da geração nova, o sr. Laranjo, a idéa de que o paiz fica mais rico com as minas por explorar.

Debaixo de um certo ponto de vista não digo que não tenha rasão; mas se se entender como entendem todos os governos, todos os economistas e todos os homens que se têem occupado d'este assumpto, que a exploração de uma mina é uma riqueza incontestavel para o paiz, e é um emprego de braços e capital, creio que não se póde sustentar a doutrina do illustre deputado. (Apoiados.)

O trabalho póde ir aonde o chamem, uma vez que haja quem o remunere; mas o capital não se leva por ternuras do coração; o capital não vae aonde não ha remuneração; o capital não vae aonde não ha esperança de o remunerarem; e se não se lhe der essa esperança, ficaremos como estavamos ha mais de trezentos annos, sem ter cousa alguma nas provincias ultramarinas.

Não quero fatigar a camara, e desejo passar a outro assumpto, porque elles são tantos que, a dizer a verdade, o tempo é escasso para os tratar, e eu já não tenho o vigor nem a saude de outro tempo.

Mas o governo tem outro grande defeito! O decreto refere-se á disposição da lei de 1868, e o governo, usando da auctorisação concedida pelo decreto com força de lei de 4 de dezembro de 1869, fez a concessão para uma zona que se determina no mesmo decreto uma zona que se chamou mineira.

Mas o decreto não diz nada; não diz zona mineira; e apenas se póde deprehender que é zona mineira pela referencia que se faz ao artigo 45.° do decreto de 4 de dezembro de 1869, onde se diz que o governo em taes e taes condições fica auctorisado a fazer a concessão em larga escala para a exploração de uma grande zona mineira.

A proposito d'isto vem as definições do que é zona mineira. O que é zona mineira? A lei está clara, sobretudo no artigo 1.º Na segunda parte podia haver duvidas em relação á bacia hydrographica da Zambezia, porque se presta a mais difficuldades para a sua verdadeira interpretação ou definição; mas em relação á primeira parte em que está descripta a area, e o modo de a determinar, não comprehendo que se possa duvidar de qual foi a concessão que se fez.

Mas quem tem a culpa de que o decreto de 4 de dezembro de 1869 auctorise o governo a fazer a concessão para a exploração de uma zona mineira? Não fomos nós que inventámos a zona mineira; está n'esse decreto. (Apoiados.)

Mas diz-se: «A zona mineira deve ser determinada pelas condições scientificas, pelas fronteiras scientificas doa filões, que constituem as ramificações das diversas minas. A zona mineira não é traçada por uma linha qualquer, bem ou mal definida, mas que não póde representar o verdadeiro pensamento da lei».

Ora, eu peço licença ainda para n'este caso recorrer a uma auctoridade, que me parece que é incontestavel no assumpto de que se trata. Fallo do sr. Latino Coelho, lente de mineralogia na escola polytechnica, um dos homens mais illustrados que conheço n'este paiz, (Apoiados.) de quem me prezo de ser amigo, apesar de divergir profundamente das suas opiniões politicas, de quem sou amigo quasi desde a infancia, porque cursámos juntos as escolas, e que é in-

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contestavelmente um espirito esclarecido e uma intelligencia superior. (Apoiados.)

Peço licença para me referir á concessão feita pelo sr. Latino Coelho em 23 de dezembro de 1868. E de passagem permitta-me a camara que lhe observe que quasi todas as concessões são de dezembro. (Riso.)

Este defeito que nós temos de publicar um decreto em dezembro é um defeito que acommette todos os governos.

Em primeiro logar fez-se uma concessão ao sr. Flores e Prado & Toulson, que eram estrangeiros, mas que já se vê, declararam que desistiam d'essa qualidade para todos os effeitos da mesma concessão.

E note-se que eu não contesto a legalidade deste documento. Quero apenas, apoiar-me n'elle, e julgo até que o sr. Latino Coelho fez muito bem, eu faria o mesmo; o que não julgo é que seja muito bom o que faz o sr. Latino Coelho, e muito mau o que eu faço, quando ambos fazemos a mesma cousa! (Apoiados.)

Isso é que não posso comprehender. (Apoiados.)

Ora o decreto referendado pelo, sr. Latino Coelho, diz o seguinte:;

«Tendo-me sido, presente o, requerimento em que Francisco Antonio Flores, subdito, brazileiro, pede lhe seja feita a elle requerente e a Prado & Toulson, com quem se acha associado, a concessão definitiva das minas de piro aggregado a ferro e outros metaes, no districto de Golongo Alto, na provincia de Angola; r

«Havendo o supplicante Francisco Antonio Flores feito formal desistência, em conformidade do. § 1.º do artigo 2.° do decreto com força de lei de 22 de dezembro de 1852, de todos os seus direitos como estrangeiro em tudo que disser respeito com a dita concessão;

«Attendendo a que os associados satisfizeram ao disposto nos artigos 1.º e 5.º do referia o decreto, e a quê provaram ter os fundos, necessarios para a lavra das ditas minas:

«Hei por bem, conformando-me com o parecer, do conselheiro ajudante do procurador geral da corôa junto ao ministerio da marinha é ultramar, conceder a Francisco, Antonio Flores e a Prado & Toulson, por tempo illimitado as sobreditas minas dó oiro aggregado a ferro e outros metaes, no districto á Golungo Alto, na provincia de Angola, comprehendidas dentro de uma zona de 1:600 kilometros approximadamente.»

Note bem a camara que eram 1:600 kilometros approximadamente, não e uma bagatella!

E bom, é que quem tem jeito tanto admiração de uma concessão de 100:000 hectares na provincia, de Moçambique, que é muitissimo maior do que Angola, de terrenos muito mais despovoados é perseguidos pelo gentio do que são áquelles, veja esta concessão!

O Golungo Alto está ás portas de Loanda, é um dos terrenos mais cultivados d'aquella região, é um districto administrativo onde na concelhos, onde ha auctoridades administrativas. Na região em que se faz a concessão que se discute não ha nada d’isto, e comtudo o sr. Latino Coelho concedeu uma zona de 1:600 kilometros para ser, explorada!

Ora elle não diz uma zona mineira; mas tambem nós não o dizemos. Diz: « uma zona pára ser explorada»; nós tambem dizemos:«uma zona para ser explorada.»

Mas creio que esses 1:60D kilometros são quadrados, porque não quero fazer ao meu amigo, que não está presente, a injustiça de suppor que elle concedeu 1:600 kilometros, sem designar que eram quadrados.

São quadrados, nem podiam deixar de o ser; mas ainda assim são 160:000 hectares e não 100:000, como se fez agora para Moçambique. (Apoiados.).

Mas dir-me-hão que elle concedeu esses terrenos para essa mineração, não comprehendendo mais nada.

Mas examinemos a concessão e vejamos mais para baixo, se das disposições em que ella está concebida se póde admittir esta interpretação, ou se é unicamente para certas e determinadas minas que se fazia a concessão.

E a proposito d’isto peço licença para dizer agora, porque me esqueceu ha pouco, quando tratei da interpretação do artigo 45.° do decreto de 1869 que mais de uma vez tem sido citado, que, se se tratasse unicamente d'aquellas minas que são conhecidas, é claro que não tinham rasão de ser as palavras com que está escripto o mesmo artigo; não se dizia que era para exploração de uma grande zona mineira, que póde ter duas, quatro, dez ou cem minas.

Esta redacção não se póde admittir senão para o caso de poder fazer n'essa zona a exploração dos terrenos. E por isso que se diz que se demarcam os terrenos que o concessionario fica auctorisado a explorar'.

Pois o sr. Latino Coelho na concessão de 23 de dezembro de 1868 diz o seguinte:

«Que são concedidas a Francisco Antonio Flores e a Prado & Toulson por tempo illimitado as sobreditas minas de oiro, aggregado a ferro e outros metaes, no districto do Golungo Alto, na provincia de Angola, comprehendidas dentro de uma zona de 1:600 kilometros approximadamente, demarcada ao norte pelo rio Luaxo desde a sua confluência com Lombige na direcção de ESE. até ao encontro do rio Calumbo, a leste pelo rio Calumbo, ao sul pelo rio Cassulo e uma linha tirada a uns 13 kilometros da sua embocadura na sua direcção E. até ao encontro do rio Calumbo e a O. por uma linha tirada do ponto da confluência do mesmo rio Cassulo com o Lombige até ao ponto de confluência do riacho do Mayango com o rio Luaxe.»

Ora aqui está o limite!

Isto é uma zona mineira, pergunto eu a alguem?! Então onde estão as fronteiras, onde está a zona mineira scientificamente determinada! Onde está o inquerito, como me perguntou um illustre deputado, para saber como se foz esta concessão? Qual foi o inquerito que a precedeu?

Pois podem fazer-se concessões da extensão de 1:600 quilómetros quadrados na provincia de Angola, mais pequena do que a de Moçambique, mais povoada, mais agricultada, e não se podem fazer concessões em Moçambique, em terrenos inhospitos, que estão sujeitos constantemente á invasão, dos selvagens, onde as difficuldades são immensas, onde a companhia ou as companhias que se poderem organisar terão do luctar com gravissimos embaraços para realisarem a concessão?.

Pois póde fazer-se isto em Angola e não se póde fazer em Moçambique?

Onde está o inquerito a que se procedeu? Venha o inquerito. Ninguem m'o dá, nem m'o póde dar. Deus nos livre de que fosse preciso, para se fazer uma concessão em Angola, em Moçambique ou Timor, um inquerito na distancia em que estamos, quando os annos se succedem, quando os governos mudam e as opiniões variam. (Apoiados.)

Isso daria em resultado não se fazer concessão alguma. É necessario usar d'estes meios, embora fosse mais para desejar que quando se fazem estas concessões se conhecesse perfeitamente todo o alcance dellas.

Mas diz mais á concessão:

«Que a concessão não poderá considerar-se effectiva sem que os concessionarios apresentem perante o governador geral da provincia, dentro do praso de seis mezes da data d'este decreto, a publica fórma da sua escriptura social devidamente registada na secretaria do tribunal do commercio de Loanda, e bem assim sem que prestem fiança ao pagamento do imposto a que ficam obrigados pelos mineraes que explorarem.»

O que prova isto? Que a companhia não estava formada, que não havia escriptura commercial, que só seis mezes depois de feita a concessão se havia de apresentar no governo geral do Angola a escriptura da companhia, e comtudo dizia-se que a concessão era feita ao sr. Flores, asso-

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ciado com o sr. Prado e com o sr. Toulson; quem figura é o sr. Flores.

Mas no decreto da concessão ao sr. Flores ha ainda outras disposições, que convem citar.;

Os concessionarios devem entre outras cousas:

«Transportar para a provincia á sua custa um numero de pessoas brancas, naturaes de Portugal, ou da ilha da Madeira ou Açores, determinado segundo a importancia, das minas que lhes são concedidas e que não deverá ser menor que os correspondentes a uma decima parte do numero de individuos empregados nas ditas minas durante o segundo anno da sua exploração estes colonos não poderão ser obrigados á trabalhar nas minas;

«Permittir livre o commercio no campo da concessão e seus contornos; a quem n'elle se quizer occupar, porquanto á empreza só fica o direito exclusivo da mineração nos termos da. sua concessão.»

E termina o decreto do seguinte modo:

«Outrosim hei por bem determinar que, para a demarcação dos limites, do terreno cuja exploração: é concedida aos concessionarios, o engenheiro da provincial, passo a fazer essa demarcação, á custa dos mesmos concessionarios, em presença das confrontações n'este decreto já citadas, a fim de lhes poder ser dada posse com as precisas formalidades, cumprindo-lhes, seis mezes depois, submetter ao governador geral uma planta rubricada pelo dito engenheiro e por elles concessionarios ou seus agentes. devidamente auctorisados, do; terreno que assim lhes fica demarcado.»

Aqui têem um exclusivo concedido por um homem d'aquelles que não são suspeitos aos illustres deputados nem a mim, debaixo do ponto de vista da, intelligencia e da capacidade, um homem d'aquelles que entendem a lei. Sem este exclusivo não se fazem concessões.

Sei ou perfeitamente qual a rasão por que se pretende encontrar na legislação; citada a disposição de que só se podem fazer, concessões a companhias organisadas, e não a individuos determinados.

Estes, individuos determinados representam o que vulgarmente se chama o intermediario;, e o intermediario é suspeito de ser um homem (não me refiro a ninguem designadamente) que pretende realisar interesses pessoaes á sombra de uma concessão que pede. Mas não existe o intermediario em todas as concessões que têem sido feitas?

Pois para todos os negocios de natureza similhante a este, para, a concessão de terrenos que tem sido feita por, todos os governos, e em que só; depois é que se têem organisado as companhias como n'este caso, em que a concessão não é de terrenos mas de minas; para todas as concessões de caminhos de ferro, de obras publicas em geral, para tudo quanto se tem realisado no paiz e se ha de realisar ainda, não tem havido sempre o intermediario, que é quem se entende com a administração e, depois organisa as companhias?

Como havemos de nós condemnar esse intermediario só porque, póde tirar uma vantagem ou interesse pessoal?

Eu não pretendo defender o sr. Paiva de Andrada, creio que a sua probidade está acima de toda a suspeita e de tudo que se possa dizer contra elle; porém, se o sr. Paiva de Andrada ou qualquer outro quizer, como concessionario, tirar qualquer interesse que a concessão lhe dê, esse interesse é licito.

Não é permittido a ninguem envenenar as intenções de quem quer que seja, sobretudo de um compatriota nosso que pediu e. a quem se fez uma concessão como se tem feito á. estrangeiros. (Apoiados.)

Já toquei no ponto que se refere á zona da concessão, mas. provavelmente carece elle ainda de ser desenvolvido para convencer áquelles que quizerem convencer-se, porque eu de passagem já disse que não tenho a louca vaidade, nem a mais remota pretensão de convencer os meus adversarios; em primeiro logar porque me julgo com talentos muito inferiores aos que são necessarios para resolver este assumpto; em segundo logar, e não digo isto para fazer injustiça aos illustres deputados, e se lh'a faço peço perdão, porque me parece que estão tão mal dispostos contra a administração de que tenho a honra de lazer parte, que qualquer que seja a sua imparcialidade, hão de ver as cousas através de um prisma que faz parecer mau o que é bom, iniquo o que é justo, e illegal o que está de accordo com a legislação em vigor.

Não quero fazer injustiça, não quero invectivar, não quero injuriar ninguem. Nunca usei d'esses meios (Apoiados.) Não quero usar d'elles, porque entendo que a injuria e a invectiva não servem senão para provar a ausencia da rasão. (Apoiados.)

Quando um homem está seguro da sua consciencia, quando procedeu de accordo com ella e está convencido de que procedeu em virtude da lei; não precisa recorrer a esses meios. Deixo-os. para quem quizer usar d'elles. A experiencia parlamentar tem-me mostrado, que essas armas não ferem senão áquelles que as empregam; (Apoiados.)

Já disse que a concessão de uma zona mineira implicava necessariamente a exploração, d'esses terrenos, porque, se assim não; fosse, essa restricção, não podia ter explicação.

Se se tratasse de minas certas e determinadas como pretendem os illustres, deputados, e como interpretam o artigo 45.° do decreto de 4 de dezembro, o que se seguia d'ahi era que essas minas haviam de ser designadas, esses terrenos haviam de ser medidos, essas minas deviam ter um nome necessariamente, mas não é assim.;

N'esse caso dir-se-ía: «O governo concede á companhia tal e tal, ou aquelle individuo que a organisar, a posse de taes e taes minas determinadamente, na provincia de tal e no districto de tal». Mas desde o momento em que se diz: « Dá-se a exploração de uma grande zona mineira», essa zona está determinada por meios geométricos, e segue-se que dentro d'essa area os concessionarios ficam, com o direito de explorar as minas do estado.

Esta é que é a, explicação forçada da zona mineira.

Porque hão vinham d'antes na lei estas, palavras que têem uma significação determinada?

Pois o decreto de 1869 não é o desenvolvimento e o melhoramento do decreto de, 1852? Porque se acrescentou isto a este decreto? Porque não se deixou ficar o decreto como estava? Foi porque se quiz fazer alguma cousa, de certo.

Não posso crer de modo algum que p sr. Rebello da Silva, sem intuito algum, sem pensamento determinado, sem querer harmonisar. aquellas disposições. com as rasões expendidas no seu relatorio, inserisse aquellas palavras no decreto. (Apoiados.).Necessariamente queria alguma cousa. O que queria elle? A exploração das minas com toda a certeza....;

O que fez o governo? Fez a concessão d'essas minas.. Podia concedel-as por tempo illimitado; mas concedeu-as por vinte annos. (Apoiados.) Restringiu, não ampliou as faculdades que lhe concedia a lei; (Apoiados.) ficou áquem do ponto até onde podia ir segundo essa lei. (Apoiados.)

Disse-se: «mas é permittido fazer a exploração por machinas aperfeiçoadas». E o que são estas machinas aperfeiçoadas?

O illustre deputado, que conhece estes assumptos mais perfeita e mais intimamente do que eu, sabe de certo o que são estas machinas aperfeiçoadas.

São tudo o que não é empregado lá pelos indigenas; são tudo se que é differente dos meios, primitivos de, que se servem aquellas populações para a exploração que se faz, e que ha de continuar como tem sido até hoje.

O governo não quiz, por um acto seu, impedir as populações indigenas de continuarem as explorações a que se têem entregado até aqui, e por isso disse: «faça-se a concessão, por vinte annos, mas com a condição de machinas

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aperfeiçoadas»; isto é, tudo o que não sejam as machinas usadas pelos indigenas, tudo o que não sejam os meios primitivos que elles empregam.

Disse-se, não talvez como figura de rhetorica, mas como a apresentação de um facto, que os indigenas faziam as suas explorações por meio de uma gamellinha; mas, ou seja com uma gamella, ou seja como for, o que é certo é que elles fazem explorações e hão de continuar a fazel-as como até agora, (Apoiados.) com os seus recursos, com os seus meios primitivos. (Apoiados.)

Note a camara que o decreto de 1869 tinha uma expressão especial para estes casos; tinha a expressão de «estabelecimentos fixos». Dizia que os indigenas podiam continuar nas suas explorações, comtanto que não fosse com estabelecimentos fixos.

Estes estabelecimentos fixos é o que se exprime agora por machinas aperfeiçoadas.

Não póde ser outra a explicação d'esta phrase, e este pensamento representa um idéa que não póde ser condemnada pelos representantes do paiz, porque até certo ponto é uma idéa humanitária e está de accordo com as conveniencias de um paiz colonisador, que são não levantar contra si as populações dos paizes que colonisa. (Apoiados.)

Esta idéa está de accordo com essa conveniencia, e por consequencia facilita a continuação dos meios empregados já.

Não se diga, portanto, que o governo fez concessões de mais e ultrapassou as faculdades concedidas pelo decreto de 4 de dezembro de 1869. O governo n'uma parte concedeu até aos limites em que podia conceder; n'outra parte ficou áquem d'esses limites, e salvaguardou para, os indigenas a exploração das mesmas minas que tinham explorado até agora, e que continuarão a explorar. (Apoiados.)

Deixando agora a concessão das minas, devo dizer que ha outra concessão importante que se fez pelo decreto a que me tenho referido: é a concessão até 100:000 hectares de terreno para diversas culturas na bacia hydrographica da Zambezia.

Esta concessão tem sido pouco atacada; e tem sido pouco atacada, porque são tantas as concessões feitas por todos os ministerios, sem distincção de côr politica, baseando-se na auctorisação concedida pelo decreto de 4 de dezembro de 1861, que, a dizer a verdade, collocar-se-íam em condições desfavoraveis os illustres deputados que viessem condemnar o que se tem feito constantemente.

V. ex.ª, sr. presidente, sabe, e sabe-o melhor do que ninguem, porque é pessoa competente na materia, e porque a tem estudado pelo dever do seu cargo, que houve uma epocha em que os poderes publicos julgavam, e com rasão, que os Estados Unidos, que eram os fornecedores de algodão dos mercados europeus, não podiam continuar a fornecer do mesmo genero os grandes mercados; e como as provincias de Africa têem terrenos adaptados a essa cultura, e a qualidade que n'elles se produz é excellente, entendeu-se que convinha facilitar a concessão de terrenos, principalmente para a cultura do algodão, materia prima a mais generalisada no mundo, e para outras culturas, facultando premios áquelles que apresentassem mais consideravel cultura.

O conselho ultramarino, a que tive a honra de pertencer, foi consultado sobre o assumpto.

Pedirei a attenção dos illustres membros d'esta casa para a consulta que precede o decreto de 4 de dezembro de 1869, onde aquelle tribunal expendeu larga e desenvolvidamente algumas das rasões com que entendeu que devia fazer estas concessões e sobre as necessidades que tinham as provincias do ultramar para serem devidamente aproveitadas.

Publicou-se o decreto de 4 de dezembro de 1869 e fizeram-se diversas concessões a differentes individuos.

Agora o governo, tendo-lhe sido solicitada a concessão de 100:000 hectares de terrenos nos mesmos termos exactamente, para diversas culturas, como se fazia antigamente, fez a concessão até 100:000 hectares, como resa o decreto do 26 de dezembro de 1878, e este negocio tem sido combatido debaixo de diversos aspectos.

Diz-se que lá não ha 100:000 hectares de terrenos, e que portanto o governo concedeu o que não tinha; diz-se que ajunta consultiva foi contra a concessão; diz-se que se fez uma concessão de 100:000 hectares de terrenos e que se tinha negado outra de 50:000 ao sr. Walter Frederico Walker, e dizem-se ainda outras cousas.

Ponho de parte a consulta da junta consultiva do ultramar, embora podesse servir para apoio das minhas opiniões, se isso me conviesse, e seja um arsenal onde se encontram diversas rasões para diversas concessões.

Os illustres deputados da opposição vão lá procurar certos periodos que convem para a sua argumentação, eu podia procurar outros que seviam para a minha; mas diante do parlamento quem está é o governo, que não tem nada com a junta o que póde divergir da sua opinião, (Apoiados.) não ficando por isso nem mais nem menos responsavel.

A lei instituiu esse corpo para ser ouvido, mas a lei não obrigou o governo a conformar-se com elle, e portanto de que serve discutir o que disse a junta?

A junta consultiva do ultramar é composta de cavalheiros que possuem muita experiencia e muitos conhecimentos praticos, mas a junta não podia fazer obra senão pelos elementos que tinha á sua disposição.

E a proposito d'isto, convem agora, ainda que seja intercalar aqui outro assumpto, convem, digo, fallar da proposta Walker.

A proposta Walker foi objecto de dois requerimentos, um apresentado ao governo em 23 de abril e o outro em 28 de maio de 1877.

N'estes requerimentos pedia-se a concessão de terrenos para a cultura da canna do assucar, junto a Tete e margens do rio Zambeze na provincia de Moçambique.

O requerente, feita a concessão, propunha-se a formar companhia no praso de vinte e quatro mezes, dando-lhe o governo as madeiras dos terrenos concedidos, e a exploração de todas as minas n'elles encontradas, e pedia a faculdade de construir pontes e caes nas margens do rio e caminhos de ferro sobre os terrenos, isenção de direitos de machinas e diminuição da taxa de direitos no assucar, fabricado e poder trocar os terrenos concedidos por outros que fossem julgados mais proprios para a referida cultura.

A junta consultiva do ultramar foi ouvida sobre estes dois requerimentos. Note a camara que têem pouco tempo de intervallo. No primeiro requerimento pediam-se 500 hectares, e no segundo pediam-se 50:000 hectares! O salto era mortal, e denunciava falta de firmeza no assumpto de que se tratava. Foi esse o motivo, como se deprehende da respectiva consulta, que demoveu a junta consultiva do ultramar a informar contra, e o ministro que então geria a pasta do ultramar a não se conformar com a concessão pedida, mandando por isso ouvir o governador geral de Moçambique.

Em 30 de agosto de 1877 a junta consultiva do ultramar deu o seguinte parecer:

«A junta consultiva do ultramar, ouvida sobre esta pretensão, é de parecer que não se conhecendo se os terrenos pedidos pertencem ao estado, ignorando se os meios de que o supplicante dispõe, pelo que na falta d'estes e de outros esclarecimentos, se não póde mandar proceder á respectiva medição e confrontação, e havendo pedido no primeiro requerimento 500 hectares e no segundo 50:000, o que denuncia pouca firmeza no que se pede, entende que a pretensão não está instruida de fórma que possa ser tomada em consideração, concluindo por ponderar o perigo de, na actualidade, conceder terrenos a estrangeiros, e sobretudo inglezes, na provincia de Moçambique».

Este era o parecer da junta consultiva do ultramar, que entendia haver duas propostas distinctas em relação á im-

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portancia do objecto concedido, que era a concessão de terrenos ena Moçambique, nas margens do Zambeze, nas vizinhanças de Tete, não para qualquer cultura, mas para a cultura da canna de assucar, que exige terrenos muito especiaes, e era geral terrenos regadios.

O sr. Mello Gouveia deu o seguinte despacho ácerca d'esta concessão:

«Concordo com á apreciação da junta. O pretendente não sabe bem o que quer, visto que tão depressa mudou a base essencial da sua empreza. Ainda assim, se elle mantivesse o pedido do primeiro requerimento, poderia obter a concessão com as condições que entendessemos convenientes, mas o segundo não convem ser deferido sem informação do governo da provincia.

Aqui têem qual foi a opinião do ministro da marinha que então dirigia superiormente e dignamente aquella repartição; foi conforme com a da junta consultiva do ultramar; foi que o pedido era feito em termos inconvenientes, não se sabia o que se pedia; e concluia dizendo que não fazia a concessão.

Podia fazer-se a concessão, se o pedido viesse em termos convenientes, a uma companhia como a um intermediario; n'aquelle caso o sr. Walker, no caso actual o sr. Paiva de Andrada.

O sr. Walker havia de organisar mais tardo uma companhia, como a ha de organisar o sr. Paiva de Andrada, o pedia não só terrenos para cultura, mas a exploração de todas as minas que se encontrassem nos referidos terrenos.

Tenho mais essa opinião a corroborar a idéa de que se podem fazer concessões a um individuo determinado, a um intermediario que haja de mais tarde organisar as companhias.

O negocio foi a informar ao governador geral da, provincia do Angola, e este foi contrario á concessão nos termos em que era pedida.

Eu não me arvoro em defensor do sr. Mello Gouveia, em quaesquer accusações que se lhe dirijam; mas defendo-o da boa vontade com que s. ex.ª e o ministerio de que s. ex.ª fazia parte andaram n'este negocio, do qual se estranhou na camara que levasse tanto tempo para resolver, emquanto o pedido do sr. Paiva de Andrada se havia resolvido em poucas semanas.

A demora é justificada.

O negocio foi a informar á junta consultiva do ultramar, que deu o seu parecer immediatamente, e depois foi a informar ao governador geral de Angola, e do Angola primeiro que viessem as informações levou muito tempo; nem podia deixar de ser, se attendermos á distancia que nos separa d'aquella colonia o a que tinham de se obter informações das auctoridades locaes. As informações chegaram quando já não era ministro o sr. Mello Gouveia.

O governo conformou-se com o parecer da junta consultiva do ultramar o com o do governador geral, porque não havia juntos em Moçambique o numero de hectares do que se pedia na concessão.

Coina este assumpto foi objecto do discurso de um illustre deputado, como foi uma das concessões sobre que elle architectou a accusação de immoralidade, como vem discutir não uma concessão que se fez, mas uma concessão que não foi feita, eu, aproveitando-me do mesmo direito, discuto a concessão o declaro que era differente, que o governo não póde ser accusado de ferir a lei fazendo esta concessão e não aquella, porque n'aquella o que se podia eram terrenos em certa localidade para a cultura do assucar, o n'esta o que se pede são terrenos na bacia hydrographica do Zambeze, que é vastissima, sem se dizer qual a natureza da cultura.

Não se póde dizer, sem se faltar a certas praticas, que houve aqui um acto do immoralidade.

Eu sei que tudo tem resposta, ou sei que a tudo se póde dar resposta, e sei tambem mais, porque sou velho n'esta casa, que a tudo se póde apparentar que se lia do dar resposta. (Apoiados.)

Aos parlamentares antigos, embora inferiores em dotes e qualidades, não se occultam certos estratagemas de guerra, que são perfeitamente licitos nas assembléas parlamentares. Conhecemol-os todos. Esporámos sómente a resposta prompto,. que do certo não ha do faltar, porque a capacidade e a illustração dos meus illustres antagonistas não são para menos.

Já vêem que faço justiça aos meus adversarios, engrandeço-os, ainda que não carecem d'isso; mas engrandecel-os-ía mais se podesse, porque se fosse vencido, era vencido por gigantes, o a derrota a mim não me deshonrava, e se fosse vencedor, a gloria seria maior. (Vozes: — Muito bem.)

Nós temos a concessão dos 100.000 hectares, feita nos termos expressos no decreto do 4 de dezembro de 1868, a esta concessão tem inquestionavelmente o seu fundamento legal n'aquelle decreto; mas se precisasse, alem d'isso, fundamento legal, de precedentes para a justificar, esses precedentes existem ás duzias, porque ha duzias do concessões feitas nos mesmos termos em que se fez a do que se trata; concessões feitas a intermediarios para arranjarem companhias, e feitas em muito maior extensão do que a que foi feita pelo decreto de 26 de dezembro de 1878 ao sr. Paiva do Andrada. (Apoiados.)

Não posso comprehender, e digo deveras que por isso me sinto mesquinho, acanhado e pequeno do mais, como é que 03 meus adversarios tenham rasão para parecer convencidos quando fallam, o por mais que eu procuro indagar qual o fundamento com que asseveram que os principios foram aqui violados, não possa descriminal-o.

Em 21 de maio de 1862 fez-se uma concessão directa ao sr. John Beaton na extensão de 169:414 hectares e na provincia do Angola, com as mesmas condições com que foi feita esta de que se trata, em virtude do decreto de 4 do dezembro de 1861, que é a legislação que predomina n'este ponto, que é a legislação que invocámos agora, e de cuja auctorisação usámos para fazer a concessão ao sr. Paiva de Andrada, e a opposição d'esse tempo, que era eu e os meus amigos politicos, que oramos nós, os que estão hoje sendo maioria ou que fazem parte do partido que apoia o governo, e essa opposiçâo, digo, não veiu interpellar o governo por ter feito a concessão de cento e sessenta e tantos mil hectares na provincia de Angola a um estrangeiro! (Apoiados.)

Deixámos passar a concessão, porque nos pareceu que era licita, que estava do accordo com a legislação vigente, e que satisfazia as necessidades da provincia o as conveniencias do ultramar, e não dissemos uma unica palavra a esse respeito. (Apoiados.)

Veiu depois, mais tarde, em 1863 o sr. Bellegarde, que é muito conhecido no paiz, e pediu uma concessão, das que se póde dizer dá cá, toma lá. É a concessão de 4 do fevereiro de 1863.

Disse o sr. Bellegarde: dêem-me para cá 170:000 hectares de terreno, e responderam-lhe: toma lá 170:000 hectares.

E sabe a camara quem fez esta concessão? Foi o governo do partido historico, que então estava no poder. Nós eramos então a opposição, o não dissemos cousa alguma, não houve assignaturas; não houve meetings; (Apoiados.) nem pedimos aos habitantes das partes mais longiquas o mais afastadas todas do litoral, onde ha talvez muita gente que não conhece os nomos das cidades e das villas que compõem este reino, que viessem discutir com o governo, com os poderes publicos sobre concessões feitas na Zambezia, em Tete ou no Zumbo. (Apoiados.)

Não fizemos nada d'isso. Vimos a concessão publicada no Diario do governo; vimos que esse acto era perfeitamente legal, e ficámos tranquillos e socegados; o ficámos tranquillos o socegados, porque o governo tinha usado do uma faculdade que inquestionavelmente lhe pertencia. (Apoiados.)

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(Aparte que não se percebeu.)

E é verdade agora tambem, (Apoiados.) porque não basta dizer que não, ainda que os homens que o digam sejam os mais auctorisados, os mais cheios de sciencia e os mais illustrados (Apoiados.) Não basta, porque o magister dixit acabou ha muito tempo. (Apoiados.)

Agora são precisas as rasões; (Apoiados.) agora não é só vir discutir a Zambezia com as finanças; não é só vir discutir a Zambezia com a organisação do exercito, porque isso só serve para apaixonar as turbas, (Apoiados.) mas não serve para justificar cousa nenhuma; (Apoiados.) isso não basta. (Apoiados.)

Os homens mais eloquentes da tribuna parlamentar não dizem nada, alguns d'elles, sobre o assumpto do que se trata. Tratam do tudo, menos da Zambezia; tratam de tudo, menos das concessões; tratam de tudo, menos das leis que as auctorisam; tratam de tudo, menos dos precedentes que as justificam. (Apoiados.)

Tratam da organisação do exercito, tratam de um navio, a que se chama barca de banhos couraçada, e que, tendo sido discutido no parlamento inglez e na imprensa scientifica franceza, foi ali considerado como modelo no seu genero; (Apoiados.) de um navio que nós nos honramos do ter mandado vir para o, paiz, porque é um grande elemento de defeza para o porto de Lisboa. (Apoiados.)

E se os illustres deputados querem organisar o paiz para defeza, hão de tratar de defender principalmente o porto de Lisboa. (Apoiados.)

Debaixo do ponto de vista da defeza, quem não tiver defendido a capital não tem feito cousa alguma.

Tudo o mais são utopias, que podem existir na cabeça até do militares entendidos, mas que não têem nenhuma base, nenhum apoio serio.

Quem quizer defender Portugal ha de defender os pontos essenciaes; um dos pontos mais essenciaes, o ponto mais essencial de todos é a capital, é Lisboa; e quem quizer defender Lisboa ha de defender a barra do Tejo. (Apoiados.)

E o que tem feito o governo? Tem mandado vir torpedos, tem mandado vir artilheria poderosa, mandou vir o tal navio a que se chamou barca de banhos couraçada, e que é aliás um modelo no seu genero, tudo isto para defender a mesma Barra. (Apoiados.)

Diz-se: «não fazeis nada, não organisaes cousa alguma, o que quereis é o poder pelo poder, o que quereis é sentar-vos n'essas cadeiras e impedir os adversarios de se sentarem n'ellas!

Oxalá que podessem sentar-se n'ellas promptamente; oxalá que isso podesse ser comprehendido dentro dos limites dos deveres de honra que o governo tem obrigação de cumprir; (Apoiados.) oxalá, que isso podesse ser ámanhã, uma vez que o governo podesse retirar-se som faltar aos seus deveres para com o parlamento, para com os seus amigos, e para comsigo mesmo. (Muitos e repetidos apoiados)

Pois assim é que se ataca, assim é que se combate?

Eu não confundo todos os oradores. Está presente aquelle a que me refiro, e sabe que tenho por elle mais sympathia do que elle tem por mim. (Riso)

Tenho mais sympathia por elle do que elle tom por mim; porque tenho sympathia por todos os homens de talento superior e peregrino como elle tem, talento de escriptor o talento de orador. E a fallar a verdade, tive pena de ver um homem com os seus merecimentos gastar os seus recursos em declamações, em logar de tratar a questão, que aliás ninguem o obrigava a tratar, mas que podia discutir, se quizesse, e discutir perfeitamente, porque é um homem do alta capacidade. (Apoiados.)

Mas, como ía dizendo, fez se em 1863 a concessão de 170:000 hectares ao sr. Bellegarde, com as mesmas condições que o governo teve em vista, por occasião da concessão de 100:000 hectares na provincia de Moçambique; e

no mesmo dia d'esse concessão, 4 de fevereiro, fez-se igualmente aos srs. Fonseca, Santos & Vianna outra concessão de 170:000 hectares, alem de outras na provincia de Angola, com a mesma extensão. Não basta isso!

Depois, em 1868 — e note a camara que estou indicando as principaes concessões, porque ao todo são perto de quarenta mas depois, em 1868, o meu amigo o sr. Latino Coelho fez uma concessão para a exploração de oiro e ferro na provincia de Angola, no districto do Golungo Alto, na extensão de 1:600 kilometros quadrados! É a concessão a que já tive occasião de me referir, feita aos srs. Flores, Prado & Toulson.

Fez-se tudo isso; e agora diz-se «que em virtude do decreto do 4 de dezembro o nos limites da legislação em vigor, só dados certos e determinados termos o governo podia fazer esta concessão, e que portanto ella é uma illegalidade, um escandalo, um favoritismo que se vae fazer ao sr. Paiva de Andrada, em logar de se resolver a pretensão em favor do sr. Walker!»

Não me importo nem com um nem com o outro absolutamente nada; vejo sómente dois individuos que pretendem a mesma concessão. Não conheço as qualidades pessoaes do sr. Walker, mas respeito-as; conheço as do outro solicitante, que e um caracter honrado; supponho que tambem o é o sr. Walker, que não conheço nem de vista. O governo n'este caso decidiu-se como os governos anteriores se têem dicidido em identicas circumstancias, pela rasão e pela justiça. (Apoiados.)

Fica claramente demonstrado que esta concessão não foi um favor que se fez, não foi um escandalo que se commetteu, não foi um favoritismo que se praticou; foi unicamente o uso da faculdade legalissima, perfeitamente concedida ao governo pelas leis. (Muitos apoiados.)

Mas ainda falta uma concessão importante. Peço á camara que me releve, se me quer ouvir. Por muito que a camara se canse, eu canso-me muito mais.

Falta a concessão das matas e das florestas, do que se tem feito aqui uma grande questão. No dizer dos nobres deputados, e a olhar para uns certos ademanes que fazem crer em um convencimento profundo, fica-se em duvida se poderá haver resposta para tão solidos argumentos! Felizmente, creio que ha! (Riso.)

O governo fez a concessão da exploração das malas e das florestas na bacia hydrographica do Zambeze. Pergunta-se, em que lei se fundou o governo para fazer esta concessão?! Respondo, que se fundou na carta de lei do 21 de agosto de 1856. E resta-se proval-o, porque não me limito unicamente a dizer uma cousa, faço diligencia por proval-a, e, se não o consigo, a culpa não é minha, é da pequenez e fragilidade da minha intelligencia.

Concessões e alheações de terrenos, sempre de uma ou de outra fórma se fizeram em Portugal, desde tempos remotos; faziam-se no tempo da legislação do governo absoluto, e essas leis acham-se ainda nas ordenações do reino. Passaram depois para leis de epochas mais proximas, em que se fizeram concessões debaixo de diversos pontos de vista, com diversas formas. Por fim pela legislação moderna, que é aquella de que nos occupâmos, faziam-se de um modo incompleto e inharmonico, até que um governo do que eu tive a honra do fazer parte resolveu em 1856 propor ao conselho ultramarino a resolução d'este negocio e trazer á camara uma lei que regulasse a alheação dos terrenos no ultramar. Essa lei foi promulgada em 21 do julho de 1856 (já eu então não estava no ministerio), tendo sido organisada no conselho ultramarino pelo sr. marquez de Sá e por outros homens igualmente illustres que faziam então parto d'esse conselho.

A lei que é a base da nossa legislação sobre concessão de terrenos foi depois modificada pelo decreto do 4 de dezembro do 1861, o hoje em virtude d'este decreto é que se fazem as concessões de terrenos no ultramar. Mas este de-

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creto «Se revogou inteiramente a lei de 21 de agosto de 1856, e esta subsiste para todos os assumptos que não foram alterados nem modificados pelo decreto de 4 de dezembro.

Ora a lei de 21 de agosto de 1856 diz logo no começo o seguinte:

«Artigo 1.° Todos os terrenos baldios do ultramar pertencentes ao estado poderão ser alheados por algum dos modos estabelecidos no artigo 5.° d'esta lei.

«§ unico. São exceptuados:

«1.° Os terrenos que forem necessarios para logradouro dos povos do concelho, presidio ou outra sub-divisão territorial a que pertencerem;

«2.° Os terrenos, que sendo proximos de portos de mar, ou rios navegáveis, convier destinar á sementeira ou plantação de arvores para o estado;

«3.° As matas já existentes, especialmente as situadas na vizinhança da costa e portos de mar ou rios navegáveis, que pela qualidade e abundancia das suas madeiras devam ficar reservadas para dellas se cortarem e mais commodamente extrahirem as que forem precisas para o serviço, do estado.»

Na disposição; do n.º 3.° do § unico assentam os meus contradictores as suas arguições, e aqui assento eu precisamente a defeza do decreto; porque diz o artigo 1.° que podem ser alheados todos os terrenos baldios do ultramar pertencentes ao estado, por algum dos modos estabelecidos "no artigo 5.º da mesma lei.

Quaes são por consequencia os terrenos que podem ser alheados? Podem ser todos..

Mas esta concessão, que e amplíssima e que é generica, tem uma restricção, qual é a de que tratamos agora (ha outra mais abaixo que não vem para o caso e por isso não precisámos occuparmo-nos d'ella), e essa restricção é a que diz respeito ás matas já existentes nos termos que estão consignados no n.º 3.° do § unico. Essa restricção, porem, tem outra restricção, o é precisamente a mesma em que se funda ò decreto do governo para conceder a exploração das matas. (Apoiados.) T

O que diz a lei? Diz que póde conceder as matas. Mas, note-se bem, em todos estes numeros do artigo a que me refiro, apparece sempre a palavra terrenos menos n'este. (Apoiados.) Não ha aqui terrenos, ha maias, o que é uma cousa differente.

Emquanto. a terrenos que têem matas, em alguns vem regulado o modo por que o governo se ha de entender nas concessões que fizer.

Aqui trata-se sempre de terrenos, á excepção de um ponto em que se diz matas.

Mas a questão é outra, e eu peço á camara que reflicta bem no que vou dizer.

O meu argumento póde ser falso, posso enganar-me, mas estou convencido do que digo. Este § 4.° póde ler-se assim perfeitamente: «Fica prohibido conceder as matas já existentes, especialmente as situadas nas vizinhanças da costa e portos de mar ou rios navegáveis, que pela qualidade e abundancia das suas madeiras deverem ficar reservadas para dellas se cortarem o mais commodamente extrahirem as que forem precisas para o serviço do estado».

Este é que é o modo por que se lê o artigo (Apoiados.) e d'este modo por que se lê está precisamente estabelecido o direito do governo de fazer a concessão que fez, porque assenta nas disposições da lei de 21 de agosto de 1856, artigo 1.°

Aquellas virgulas que no artigo se vêem não estão lá por mero capricho do typographo que ali as poz, elle pol-as lá, mas com auctorisação de quem escreveu.

E porque é que estão lá aquellas virgulas e aquelle especialmente? Para separar das matas que se não podem alhear, não direi, porque aqui não se trata de terrenos, mas das matas que se não podem conceder para explorar, aquellas que não estiverem nos casos comprehendidos n'esta lei. Quer

dizer, ha uma excepção, e n'essa excepção é que se comprehende o que o governo concedeu.

Isto é claro, 6 obvio, é verdadeiro, tanto quanto a minha rasão o póde entender. Não tenho a honra de ser jurisconsulto, não sei interpretar leis, mas sei ler, o creio que, tenho entendido a lei como ella póde e deve ser entendida, e se a quizermos entender do outro modo, eu mostrarei os absurdos a que isso conduz. Que tambem é modo de entendoras leis o mostrar que interpretando-se de outro modo resultam absurdos. (Apoiados.)

Agora para provar que não se traia de terrenos em que as arvores têem certas qualidades, que estes não podem ser concedidos a particulares ou a companhias para exploração, encontrámos mais adianto o artigo 11.° da mesma lei e seu §.

Diz o artigo o seguinte:

«As arvores que existirem nos terrenos, quando estes forem vendidos ou emprazados, apropriados para as construcções navaes ou civis do estado, ficarão no pleno dominio da fazenda nacional, sendo para esse fim previamente marcados e arrolados.»

O que quer dizer isto?

É confirmar o que se disso ha pouco, que não se trata de terrenos, porque quando se trata do terrenos lá está o artigo 11.° determinando qual o principio que ha do regular a superintendencia do estado sobre as arvores que lá estiverem. Por consequencia não é de terrenos que se falla.

E diz-se mais abaixo:

«§ unico. E tambem reservado á fazenda nacional o direito de preferencia ao corto das arvores da mesma especie, que venham depois a crear-se nos ditos terrenos e sejam necessarias ao estado, não podendo os seus proprietarios em caso nenhum cortal-as, nem vendel-as, sem primeiro as offerecerem ao governo, da provincia, o qual, ouvido o respectivo conselho, as comprará pelo seu justo valor, ou, dará licença ao proprietario para as vender a outrem.»

Aqui está mais uma disposição que confirma o que acabo de dizer, e regula os preceitos que devem ser observados quando se fazem concessões de terrenos que contêem. matas; porque uma cousa é fazer concessões de terrenos que contêem matas, outra cousa é fazer concessões de exploração de matas.

Ora isto é o que está auctorisado no artigo 2.° da concessão. Nem póde ser outra cousa, porque não é para terrenos a concessão. Se fosse para terrenos havia de ter a mesma designação, a mesma determinação que rege, todo este artigo 11.° da lei do 21 de agosto do 1856.

E se a concessão não é para terrenos, e, se não é para matas, o que resta que não seja exploração?

De certo, o contrario não tem censo commum.

Diga-me alguem o que o estado póde conceder em relação a matas, não sendo terrenos onde ha essas malas, senão a exploração dellas? (Apoiados.)

Eu estou fazendo um discurso completamento descosido, mas para me não esquecer uma cousa que devia ter dito em relação ás minas, vou dizel-a agora em relação ás matas.

Nas matas não se concede senão a exploração, assim como nas minas não se concedo senão a exploração. (Apoiados.) Não se concede o terreno.

E desejo dizer isto alto e bom som, para que todos ouçam, não o digo para os illustres deputados, que são muito illustrados o que sabem perfeitamente o que se concedo; mas para que todo o paiz conheça a extensão e importancia da concessão que se faz.

O governo, fazendo esta concessão, não concede nem um palmo de terreno, a não ser o dos poços que se abrirem e as galerias de mineração.

Imagine-se que se fazia a concessão no districto de Leiria; imagine se que era possivel que a legislação do ultramar regesse para a Europa, o que em nome d'essa legis-

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lação se fazia uma concessão no districto de Leiria, como agora, se concedo um terreno na Zambezia, como o sr. Latino Coelho concedeu em Golungo Alto.

No districto do Leiria ha rios, ha estradas, ha castellos, ha propriedades, ha jardins, ha hortas, ha terras lavradias, e culturas de todo o genero, ha pinhaes, ha olivaes. Pensa alguem que se concedia alguma d'estas cousas? Tudo isto ficávamos seus donos; o que tinha um pinhal ficava com o pinhal; o que tinha um olival ficava com o olival; ás estradas ficavam; os caminhos do ferro ficavam: os castellos e fortalezas ficavam. O que é que se concedia? Concedia-se o que se faz por esse Alemtejo nos pontos em que se suppõe existir um jazigo metallurgico, que é cavar a terra e procurar tirar o mineral tanto quanto for possivel. E se é isto que se faz em relação a uma mina, porque se não ha de fazer era relação a muitas minas?

Ora, isto que se pretende fazer na Zambezia, em Zumbo e em Tete, não prejudica tambem em nada os direitos dos proprietarios. (Apoiados.)

Mas, diz-se unias vozes, deu-se Moçambique deu-se uma provincia inteira; outras vezes que sé dá metade! O que se deu foi um direito; o este direito não prejudica em cousa alguma a provincia; é um direito que, se produzir os seus resultados naturaes, vae enriquecel-a. (Apoiados:)

Aqui está o que se concedeu. E se a concessão não produzir os seus resultados, o que se perdeu? Nada. O que fica? Nada. O que sé explora? Nada.

Realmente não valia a pena sobresaltar o paiz com esta enorme concessão. Repito, não é para a camara que digo estas palavras;

N'esta tribuna falla-se para a camara b para o paiz; e eu n'este caso fallo para o paiz. Não posso imaginar por um momento que á camara não comprehenda todo o alcanço d'esta concessão.

Mas voltemos ás matas. Faz-se a concessão das inatas em nome do decreto a que me referi, em nome da excepção á excepção que vem designada no n.º 3.° do § unico do artigo 1.° da lei de 21 de agosto.

O governo, em virtude da lei é dos regulamentos, póde regularisar esta questão, póde por um' lado garantir ao concessionario a execução do seu contrato; por outro lado garantir ao estado a existencia e conservação das matas. Para isso ha os regulamentos.

E o illustre deputado e meu amigo sr. Julio de Vilhena no seu brilhante discurso, que todos ouvimos na sessão passada, um dos melhores discursos que tenho ouvido n'esta casa, tratou esta questão magistralmente. (Apoiados) É evidente que, fazendo se esta concessão de matas, é preciso que haja regulamento e lei. Isso está expresso no decreto.

Confesso á camara que só eu podesse fallar em particular e em publico, usava agora d'esse direito.

Não desejava muito que ouvissem o que digo; emfim, lá vae:

Se fosse concessionario não acceitava aquella concessão nós termos, em que está. Uma concessão que ha de ser regulada poios regulamentos que se fizerem depois! Repito, não acceitava, porque é acceitar o desconhecido; é pôr na mão dos meus illustres adversarios, que naturalmente hão de ser os que me hão de succeder no governo, e que terão por conseguinte de fazer esses regulamentos; a sorte da concessão.

Os regulamentos é provavel que os não façamos nós, porque não havemos de ser eternos.

Esses regulamentos feitos pelos meus adversarios hão de garantir as clausulas estabelecidas.

A concessão das matas faz-se segundo as condições marcadas nos regulamentos em vigor. Mas tem-se de fazer depois outros regulamentos. Quaes serão elles? Quaes serão as suas disposições? Ninguem sabe, o comtudo obriga-se o concessionario a acceitar o que não sabe, o que lhe é desconhecido.

Estou certo de que se estes regulamentos forem feitos pelos nossos adversarios, elles, homens illustrados, hão de fazer o que for justo; mas assim como se suspeita dos outros, podem os outros suspeitar d’elles, que eu não suspeito.

Se se tratasse do pinhal de Leiria, que tem; um certo rendimento, ou de outros quaesquer pinhaes importantes, cuja exploração podia cessar, por meio de uma alienação ou do um contrato feito a um individuo bit companhia particular, Comprehende-se que podia haver duvida, o podia julgar-se conveniente ou inconveniente fazer-se uma concessão larga a'

Um individuo ou companhia, e o estado ser prejudicado; más a respeito dás matas da Zambezia; de Moçambique, do interior do Africa, matas virgens, que ninguem viu, ou quasi ninguem viu, muitas inhospitas, não póde haver as mesmas apprehensões.

E aproveito agora a occasião para dar a noticia acamara de que o sr. Serpa Pinto, e dou-a com satisfação, porque é um valente o intelligente explorador, chegou ao Transwal e está proximo á entrar em Moçambique

Não me quero esquecer do que sou chefe de um gabinete, que estou fallando na camara dos senhores deputa dos, que não devo, nem posso criticar as leis, porque, se entendesse que ellas não eram boas, devia propor a sua revogação, podiam dizer-me isso; mas declaro francamente que imaginar que se ha do fazer, como aqui se imaginou; a Concessão de terrenos das matas no interior de Moçambique, o se lia de marcar um e outro pau; que ha de ficar á disposição do governo para as construcções navaes, é um perfeito romance. (Apoiados)

Está consignado na lei esse principio. Gosto d'elle como principio, mas uma cousa é o principio o outra cousa é a execução. Gosto' muito dos principios. Já na convenção franceza se dizia: á Salvem-se os principios e perdem-se as colonias ». E com effeito perderam-se as colonias. Não quero isto. Acho melhor salvar os principios e salvar as colonias. (Apoiados)

Quando se diz que n'estas matas hão do marcar-se todos os paus que pelas suas dimensões e qualidade forem proprios para construcções navaes, diz se uma cousa que é impossivel do realisar-se.

Tambem já estivo na Africa, n'um ponto mais perto do litoral o que não tem? comparação alguma com o interior da provincia de Moçambique o vi essas paragens, onde ás arvores irrompem até do alvo dos rios, onde as arvores seculares quasi que encobrem a atmosphera, onde em volta dellas basta tudo emmaranhado do mato da altura de um homem e mais; onde é impossivel abrir caminho sem grande difficuldade, onde só os prelos e os indigenas, saltando aqui e ali, podem chegar ao ponto que desejam, e atravessar de um lado um para o outro lado; sem serem devorados pelos reptis ou pelos leões e pelos tigres.

É d'isto que nos estamos occupando tão cuidadosamente, com receio de que seja; explorado, e que alguem se engrandeça com esta exploração! (Apoiados.)

Pois ha de ser muito difficil que lá vá alguem explorar o tenho d'isso bastante pena. (Apoiados.)

As matas de Bissau o Cacheu, já muitas vezes nós te», mos mandado navios nossos fazer côrtes para o arsenal da marinha, mas é resultado tem sido sempre ficarmos, convencidos de que o pau trazido das matas das nossas colonias, com salarios baratissimos transportado em navios do estado, fica muito mais caro do que o comprado no estrangeiro. E isto é aqui, póde dizer-se, ao pé da porta; imagiginem os illustres deputados o que será com relação ás matas virgens do interior da Zambezia, a dezenas e centenas do leguas, sem estradas, sem meios de transporto, som cousa alguma, e onde nunca se ouviu o som do machado cortando o tronco do uma arvore.

Quem é que vão lá exploral-as? Quem conduz as madeiras?! Por onde?! Quaes são os caminhos, as estradas, os rios?!

E note-se que nas margens dos rios os governadores não

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consentem que se façam côrtes; estes são sempre feitos para o interior.

Pois os illustres deputados, que moram, uns em Pinhel, outros em Trancoso, outros em Freixo do Espada á Cinta, e n’outras povoações, sabem as difficuldades que têem em conduzir o producto das suas propriedades aos centros do consumo, e isto n'um paiz onde ha estradas, onde ha caminhos de ferro e outros meios de transporte é communicação, não podemos imaginar o que será n'aquellas paragens inhospitas, n'aquelles climas mortíferos, cercados do selvagens e animaes ferozes, onde não ha estradas, nem viellas nem carreiros, onde não ha commodidades do qualidade alguma, é onde tudo são difficuldades enormes a vencer?! (Apoiados.) De certo que sim.

Por que preço viria um pau d'aquelles á Europa ou mesmo ao porto do Moçambique, quando ali o quizessem vender ou empregar na construcçâo? Por um preço fabuloso.

Eu vou já concluir, a respeito de matas, porque infelizmente tenho mais que dizer; direi só que esta concessão não ò senão uma concessão do exploração, e que esta concessão do exploração se firma, na excepção á excepção que já mencionei, que não é senão um verdadeiro usufructo, o qual está determinado o regulado pelo codigo civil nos artigos 2:202.° e 2:211.°

O codigo civil foi mandado executar nó ultramar pelo decreto de 18 de novembro do 1869, portanto o codigo civil é lei vigente no ultramar. Elle estabeleço as diversas disposições que dizem respeito ao usufructuarios do seguinte modo:

«Artigo 2:202.° O usufructuario tem o direito de perceber todos os fructos, que a cousa usufruída produzir, quer esses fructos sejam naturaes, quer industriaes, quer civis.

«§ unico..Os fructos naturaes industriaes e civis serão qualificados nos termos do artigo 495.° § 3.°

«Art. 2:211.° O usufructuario de devezas de talhadia, ou do quaesquer, matas ou arvores do corte, é obrigado a observar, a ordem o praxas usadas pelos proprietarios do sitio; mas, se nenhuma talhadia fizer, não ficará por' isso com direito a ser indemnisado, findo o usufructo.»

Esta é á legislação que regula o usufructo; o ò governo o que concede. (Apoiados.)

Mas eu creio, apesar de tudo isto, postas de parte as paixões que á questão levantou, posto de parte o azedume com que Uma ou outra voz foi tratada a questão, posto de parte tudo isto, creio, digo que no fim de tudo a discussão não tem sido esteril nem inutil. E não tem sido esteril, nem inutil, porque tem esclarecido o debate publico o parlamentar e porque terem trazido ao debate a questão colonial.

Esta questão precisa ser estudada, como precisam ser estudadas; quasi todas as questões; porque não attingimos a perfeição em todos os ramos dos conhecimentos humanos e a administração está sempre a experimentar modificações,

Não se póde alcançar ornais perfeito, sem primeiramente discutir o estudar.

A questão colonial chama hoje a attenção de toda a Europa.

Nós vemos que todas as nações têem os olhos fitos nas colonias.

Algumas, das nações mais importantes da Europa, e outras que não são tão importantes, têem 03 olhos fitos na Africa, onde julgam que podem encontrar remedio ao mal que hoje affecta todos os paizes — o desequilibrio entre a producção e o consumo.

Nós vemos que nações poderosas, como á Inglaterra, a Allemanha e a Belgica, umas poderosas pela grande extensão dá sua população, outras poderosas péla grandeza da sua industria, todas ellas estão passando por uma crise assustadora, que preoccupa todos os governos, e alem de todos os governos todos os homens pensadores.

Por consequencia, precisámos olhar para a questão colonial, não debaixo de um ponto de vista restricto, não cedendo, ao impulso das paixões politicas que a um ou outro possa arrastar; tratemos do contribuir com o nosso contingente para a resolução d'esse grande problema, que, prenhe de tempestades e cheio de difficuldades, ameaça a Europa.

Nós temos ainda um imperio colonial igual ou maior do que têem outras nações da Europa.

Na Africa talvez que a Inglaterra apesar da immensa colonia do Cabo, não possa comparar-se comnosco, digo debaixo do ponto de vista da extensão territorial e da riqueza que esses territorios encerram, nós temos um grande territorio na contra-costa de Moçambique, e na costa occidental, territorio que infelizmente não temos força para arrotear. Que havemos de fazer? Abandonal-o?

Vender as colonias que são descoberta dos nossos maiores, glorias e tradições da nossa patria? Não póde ser, (Apoiados.)

ror mais justificado que fosse o alvitro, por mais sinceras o justas que fossem as rasões do homem publico que se apresentasse perante o parlamento para pedir a alienação das nossas colonias, não havia camara que lhe votasse tal medida. (Apoiados.)

Não sei se era bom ou mau. Não discuto' agora este ponto. Digo que não era prudente. Se que algumas; nações têem trocado e vendido; e até a França 5 mas em Portugal o amor da patria, o sentimento que nós temos para conservar as nossas tradições; e, diga-se a verdade, o muito que temos baixado no meio do conjuncto das nações europêas, pelo atrazo da nossa civilisação é péla, diuturnidade do tempo, faz-nos amar com fervor e paixão o nosso passado, que é a nossa gloria. (Apoiados.)

Havemos de arrastarmo-nos como podermos; havemos de fazer os sacrificios que for possivel, mas havemos de sustentar as nossas colonias palmo a palmo. (Muitos e repetidos apoiados.)

Estudemos á questão colonial em toda a sua extensão, e debaixo de todos os pontos de vista e vejamos como ella se póde resolver; mas o que desde já digo é que não se resolve com palavras, nem com expansões patrioticas, mas sim com juizo, com dinheiro, com administração e com isenção de paixões partidarias. (Muitos apoiados.)

Não sei quanto tempo estafei á frente dós; negocios publicos já de mais tenho estado mas comprometto-me antecipadamente com os meus successo fés, que Mo sei quem serão, a apoiar quantos esforços fizerem para levantar as colonias da situação em que actualmente sé encontram. (Apoiados)

Esta questão não se póde tratar á luz dás paixões dos partidos, e nenhum ha que interesse com o abatimento da patria, nem com o abatimento das colonias, que são uma parte integrante d'ella. (Apoiados.)

Póde uma conveniencia de momento levar-nos a preferir certo caminho corta politica, e a discordar dos actos de certa administração; mas quando reflectirmos no seio do nosso gabinete, a sós com a nossa consciencia, porque a voz da consciencia todos a têem escutado, é muitas vezes é differente quando falíamos a sós com ella de quando falíamos em publico, por isso que a consciencia individual não tem galerias; quando, repito, fallarmos a sós com a nossa consciencia, havemos do reconhecer o que não 60 quer reconhecer em publico, e é que o governo tem preoccupado, quanto em si cabe; melhorar as condições das colonias; que são injustas as aquisições que se lhe fazem; o que o peior de tudo, e o que mais fere qualquer homem publico, é que se seja injusto com os sentimentos que elle manifesta em nome da sua lealdade. Com essa injustiça ninguem interessa nem utilisa. (Apoiados.)

Mas se temos que tratar das colonias o que devemos fazer? Arroteal-as por nossa conta? Explorar as minas por conta do estado? Cultivar os terrenos por conta d'elle? Nem nós, nem qualquer outra nação, por mais forte o poderosa que seja, poderá conseguir -esse resultado.' (Apoiados)

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O que poderemos fazer então? O que ê indispensavel fazer para que as colonias possam prosperar?

E já que estamos tratando da questão colonial, a camara desculpar-me-ia de eu tocar n'um assumpto que tem relação com ella.

Eu não acredito nas colonias artificiaes, n'aquellas que se afazem em virtude de concessões de favores, e de premios que -se dão áquelles que para lá vão exploral-as. (Apoiados.)

Creio na emigração espontanea que nasce da liberdade do homem, que vae procurar onde lhe convem o terreno pára estabelecer o seu trabalho e a, sua familia. N'essa é que eu creio, e é a que se faz para o Brazil.

A emigração para o Brazil, podem fazer o que quizerem, não se evita. Talvez não devesse dizer isto perante os poderes publicos do meu paiz, mas costumo dizer sempre a verdade. E, mesmo de nada servia, evital-a.

Essa emigração, se por um lado nos cerceia os braços á agricultura, por outro lado traz-nos capitães para desenvolver o trabalho nacional. (Apoiados.)

Agora mesmo estamos luctando com uma crise que em parte é devida á falta de possibilidade que têem os capitães do Brazil de virem para Portugal..

Não acredito senão n'estas colonias.

Mas o governo tem de fazer alguma cousa. Não podemos cruzar os braços; não podemos limitar-nos a dizer: venham as companhias, e ahi tendes as concessões. Dá cá, toma lá, não basta. O governo tom de fazer alguma cousa maia.

O governo tem, primeiro do que tudo, do dar segurança individual áquelles que forem para as colonias; (Apoiados.) tem de lhes garantir a boa e recta; administração da justiça, tem de organisar a força publica para os livrar das Correrias e das aggressões dos selvagens, tem n’uma palavra de satisfazer a todas as necessidades a que uma companhia, e muito" mais um particular, não póde satisfazer.

(Apoiados.)

Quando ha annos o, governo francez tomou posse da Algéria, procurou organisar ali colonias poderosas que satisfizessem ao seu duplo desejo.

O governo francez tinha determinado fazer da Algéria uma escola militar de gente aguerrida, porque a França é uma nação guerreira; tem muitas vezes de pôr a sua espada na balança dos destinos europeus, e por isso precisa de soldados promptos e de generaes instruídos; o governo francez, digo, tinha determinado fazer da Algéria uma escola guerreira, de praticas militares, e, alem d'isso, queria fazer outra, cousa, queria fazer ali colonias agricolas.

Foz todos os esforços para levar os colonos para lá; fez tudo quanto podia fazer. Instituiu premios, concedeu recompensas, mandou com licença soldados que faziam parte do exercito, dando-lhos terrenos para elles cultivarem, para elles desenvolverem a sua actividade...

Pois a par d'isto havia na Algéria umas colonias, as colonias mahonenses, que eram compostas quasi exclusivamente de gente das ilhas Baleares, que emigrava espontaneamente para ali, não sei por que condições das Baleares.

Não posso estar a discutir e a apreciar quaes eram as condições d’aquellas ilhas, mas, fosse qual fosse a rasão, aquella gente emigrava espontaneamente para a Algéria, e essas, colonias, para onde ninguem mandava colonos, que ninguem aconselhava, que ninguem recompensava para irem para aquella, terra, eram as que podiam servir de typo ás outras.

Tudo isto digo para provar que a colonisação organisada em virtude, do circumstancias artificiaes, nunca póde dar o resultado que nós desejámos.

Por consequencia, o que é preciso fazer?.

É preciso fazer estradas; (Apoiados.) é: preciso fazer caminhos de ferro, quando se poder, e como se poder (Apoiados.)

N'estas cousas nós temos difficuldades, mesmo no reino, e, portanto mais as devemos ter nas colonias; mas é preciso entrar n'este caminho, e seguil-o implacavelmente, (Apoiados.) para chegarmos ao resultado que queremos.

E preciso tratar da segurança, como disse, occupando diversos pontos estratégicos onde as nossas forças, ainda que pequenas, possam defender-se eficazmente de gentio numeroso e aguerrido, no sentido de defender tambem ás plantações dos colonos. (Apoiados.)

É preciso termos marinha, (Apoiados.) que nos dê força nas margens dos rios, e nas costas e portos, das differentes provincias ultramarinas; marinha, que é a principal força nas colonias e que é ali do immensa utilidade, porque se transporia facilmente e leva de um a outro ponto a força e a auctoridade, o que ainda é milito entre povos d'aquella natureza, entre povos barbaros e atrazadissimos; e com ella se póde impor a nossa vontade e o nosso direito.

E preciso fazer tudo isto e, quando tivermos feito tudo isto, teremos bem merecido da patria e teremos concorrido para o seu desenvolvimento. (Apoiados.)

Nós luctâmos ainda com os resultados de uma situação que não creámos, de uma situação que herdámos dos nossos maiores.

E não condemnemos aqui os nossos maiores, porque os nossos maiores eram tão patriotas como nós, somos, o sabiam tão bem quaes eram os seus interesses, como nós sabemos quaes são os nossos.

Mas n'aquelle tempo acontecia o que nos acontece a nós, aquillo de que, havemos de ser accusados d'aqui a cem ou duzentos annos. Respirava-se uma atmosphera em que se era, levado a praticar certos principios que se reputavam soberanos e que faziam da administração das colonias unia cousa que hoje, ninguem faz ou ninguem adopta;

D'aqui nasceu o trafico da escravatura que foi aqui tão bem descripto pelo sr. visconde da Arriaga, trafico que aniquilava e destruia completamente a força das colonias.

Eu estive na Africa, havia ainda o trafico da escravatura, e digo que hoje elle seria ainda grande, e que nem com todas as esquadras da Inglaterra, nem com, as nossas pequenas forças se acabaria, se houvesse ainda mercado para os negros. O que acabou com a escravatura foi a impossibilidade de vender os negros, porque uma só carregação a salvo, dava para dez carregações perdidas. (Apoiados.). Quando se comprava por 20$000 réis um escravo que se vendia por 1:000$000 réis, o que se ía vender ao Brazil ou a Havana, vejam quantas carregações se podiam perder para ainda se ganharem sommas fabulosas! Então todo o commercio licito era impossivel. (Apoiados.)

E aqui presto homenagem ao homem illustre que tomou em mão esta questão; fallo do sr. marquez de Sá da Bandeira. (Apoiados.) De nós, não quero dizer nada, mas todos sabem que faz parte d'este gabinete um cavalheiro que póde conseguir o resultado final d'esta questão (Apoiados.) e que este acto da sua vida publica ha de ficar ligado ao sou nome para o futuro com honra. (Apoiados.)

Não. quero fallar n'isso; fallo do sr. marquez de Sá, o fallaria d'elle do mesmo modo se estivesse aqui presente, porque nunca neguei os grandes serviços por elle prestados n'esta questão o porque era um homem de coração, um homem incapaz de se torcer ou vergar; quando entendia que estavam do seu lado a justiça e a rasão. (Apoiados.)

Esse homem do quem tive sempre a honra de ser amigo e cuja amisade ou tinha herdado dos meus maiores, tomou a questão da escravatura em mão o fez grandes serviços ao seu paiz.

Quando se entrava n'uma colonia e se via que ella existia no mesmo estado era que ha trezentos annos se encontrava, fazia doer o coração reconhecer que não haviamos podido andar um passo. Era a questão dá escravatura. Nem era a, exiguidade dos nossos recursos, nem a pequenez do nosso territorio, tudo isto alguma, cousa; mas o

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que impedia completamento o desenvolvimento das nossas colonias ora a escravatura.

Como queria alguem que os capitães que ganhavam 1:000 por cento e 2:000, fossem empregar-se no desenvolvimento das colonias? Os capitães, como já disse, não têem coração, não têem sentimento, não têem patria; vão buscar, quem lhes dá mais.

Desde que isso acabou, fomos vendo prosperar constantemente as colonias; fomos vendo prosperal-as gradualmente; assistimos a este levantamento do seu nivel moral, das «nas condições economicas e da sua riqueza publica.

E deu-se esse levantamento pelos esforços que todos os governos têem empregado, que esta lei tem conseguido realisar, o que devemos por todos os modos tratar de desenvolver.

Mas, depois da escravatura, e conjunctamente ainda com a escravatura, as nações que tinham colonias, empregavam as grandes companhias que tinham direitos magestaticos no desenvolvimento d'essas colonias. Era a economia politica do tempo. Não temos que nos queixar d'isso, porque essa doença affectou todas as nações que tinham colonias. Essa doença affectou a Inglaterra, a Hollanda, a França, que tinham companhias poderosas, que tinham força publica, que tinham navios, que tinham tudo.

Essas companhias, hoje, não podem existir, nem lêem rasão do ser; essas companhias não existem hoje na maior parte das nações que as tiveram antes de nós.

Nós não podemos ter companhias magestaticas para irem para Moçambique;.para Angola seria tambem impossivel, porque está em um grau de grandeza que diversifica muito do estado de Moçambique. Se nós não podemos cultivar por nossa conta, nem explorar, devemos necessariamente procurar a industria particular, e convidal-a por estes meios a que ella venha exercer a sua actividade e acção em favor do desenvolvimento publico. E se nos empenharmos n'essa questão, parece-me que bem mereceremos da patria. (Apoiados.)

Declaro que estou bastante fatigado. Teria muito que dizer ainda, porque esta questão é importante debaixo de todos os pontos de vista, e interessa altamente o paiz e sobretudo os representantes d'elle.

De bom grado continuaria a fazer mais considerações a este respeito; mas termino, porque não posso mais. E peço á camara que me releve e ter-me alongado tanto n'este assumpto.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados e alguns dignos pares que estavam na sala.)

(s. ex.ª como de costume, não reviu este discurso.)

O sr. Mariano de Carvalho (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª, como ha tempo requereu o meu collega o sr. Sousa Machado, a proposito da questão da Guine, que não haja preferencia na palavra sobre a ordem á palavra sobre a materia, e que portanto se mantenha a inscripção.

N'este sentido mando a seguinte

Proposta

Proponho que se mantenha a inscripção, não se distinguindo outra palavra sobre a materia e sobre a ordem, pelo que respeita a precedencia. = Mariano de Carvalho.

Foi admittida.

O sr. Freitas Oliveira (sobre o modo de propor): — Tinha pedido a palavra sobre o modo de propor, porque considerava o requerimento do sr. Mariano de Carvalho como um verdadeiro requerimento; porém, elle pede que v. ex.ª conserve a inscripção, não preferindo a palavra sobre a ordem á palavra sobre a materia, e como eu havia pedido tambem a palavra sobre a ordem, tinha de explicar-me antes de se votar o requerimento.

Não pedi a palavra sobre a ordem para preterir os meus collegas, como se fez na questão da Guiné, em que differentes deputados pediram a palavra sobre a ordem, para fallarem uns antes dos outros, e isto por um mero capricho.

Pedi á palavra sobre a ordem, porque tenho que mandar para a mesa uma moção, e dito isto respeitarei a, resolução da assembléa......

O sr. Adolpho Pimentel (sobre a ordem): — Mando para a mesa uma proposta, que tem por fim manterem-se as disposições do regulamento com respeito á inscripção dos, oradores n'esta discussão.

E a seguinte:

Proposta

Proponho que se mantenham as disposições do regimento na presente discussão. = O deputado, Adolpho Pimentel.

Foi admittida.

O sr. Barros e Cunha (sobre a ordem): — Declaro a v. ex.ª que não quero de maneira alguma perturbar a ordem do debate, nem preterir nenhum dos deputados que desejam fallar n'esta questão; mas pedi a palavra sobre a ordem, porque tinha uma moção para apresentar, o alem d'isso tinha obrigação de acudir em defeza do gabinete, de que tive a honra de fazer parto, o qual foi aqui citado ácerca de uma concessão que fizera; mas desisto completamente da palavra sobre a ordem, e fallarei, ou não, n'esta questão, sem que por isso, nem o publico, nem eu, percamos grande cousa.

O sr. Presidente: — Eu considero como proposta o que o sr. deputado apresentou como requerimento, e conside-ro-o assim, porque é para a alteração de uma disposição do regimento.

Os srs. deputados que approvam a proposta apresentada pelo sr. Mariano de Carvalho tenham a bondade de se levantar.

. Foi rejeitada a proposta.

O sr. Presidente: — Fica prejudicada a proposta mandada para a mesa pelo sr. Adolpho Pimentel. Mantem-se a ordem da inscripção.

Tem a palavra sobre a ordem o sr. Freitas Oliveira.

O sr. Freitas Oliveira (sobre a ordem): — Eu pedi a palavra sobre a ordem para apresentar uma moção o defendel-a, mas sendo eu favoravel á concessão feita ao sr. Paiva de Andrada, não me compete fallar em seguida ao sr. presidente do conselho.

Recuso, portanto, tomar agora a palavra, mas tomal-a-hei depois de fallar algum sr. deputado por parte da opposiçâo.

O sr. Presidente: — Por deliberação da camara mantem-se a inscripção.

Os srs. deputados que estavam inscriptos sobre a ordem oram os srs. Barros e Cunha, que cedeu d'ella, Freitas Oliveira, Manuel d'Assumpção e Rodrigues de Freitas.

O Orador: — Eu não estou fazendo censura a v. ex.ª, estou explicando um facto.

Quando estava faltando o sr. presidente do conselho pediu a palavra sobre a ordem o sr. Barros e Cunha, e eu inscrevi-me em seguida tambem sobre a ordem para apresentar uma moção; desde que o sr. Barros e Cunha desistiu, eu fallo depois de outro sr. deputado da opposiçâo.

Vozes: — Deu a hora. O sr. Presidente: — Peço ordem. Tem a palavra sobre a ordem o sr. Manuel d'Assumpção.

O sr. Manuel d'Assumpção: — Eu tinha podido a palavra sobre a ordem depois de se inscreverem os srs. Barros e Cunha e Freitas Oliveira, para alcançar ensejo do dizer alguma cousa que desejava, e combater idéas que fossem contrarias ao meu pensamento.

Não tenho que combater o que disse o sr. presidente do conselho; e n'este caso espero que outro orador o combata, para eu então me inscrever,

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O sr. Presidente: — Tem a palavra sobre a ordem o sr. Rodrigues de Freitas. -Vozes: — -Deu a hora.

O sr. Freitas Oliveira: — Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Manuel d'Assumpção: — Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Rodrigues de Freitas: — (Tendo este sr. deputado começado o seu discurso, e havendo ficado com a palavra para a sessão seguinte, publicar-se-ha então o seu discurso na integra.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

Rectificação

Declara-se que o sr. deputado Rodrigo de Menezes esteve presente á sessão de 3 do corrente.

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