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SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JUNHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barros Coelho de Campos (vice-presidente)

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado

SUMMARIO

Na ordem da noite continua em discussão o projecto de lei n.° 107, orçamento rectificado. - Usa da palavra o sr. Serpa Pinto, que começa por estranhar que não se tivesse cumprido a resolução da camara, em virtude da qual não deveria ter-se aberto a sessão. visto que às nove horas e um quarto não havia ainda na sala numero legal de srs. deputados. Em seguida faz algumas observações sobre o orçamento. - É rejeitada a moção do sr. Franco Castello Branco, e seguidamente approvado o projecto, tanto na generalidade, como na especialidade. - Entra em discussão o projecto de lei n.° 104, banco emissor, e usa da palavra largamente o sr. Julio de Vilhena, que apresenta duas propostas, sendo uma de adiamento. São ambas admittidas, ficando em discussão.-Deu-se conta da ultima redacção do orçamento rectificado.

Abertura da sessão - Ás nove horas e meia da noite.

Presentes á chamada 67 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Alves da Fonseca, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Pereira Borges, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Góes Pinto, Estevão de Oliveira, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Francisco de Barros, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Soares de Moura, Sá Nogueira, João Pina, Franco de Castello Branco, Santiago Gouveia, João Arroyo, Menezes Parreira, Rodrigues dos Santos, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Alves de Moura, Ferreira Galvão, Pereira e Matos, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, José de Nápoles, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, José Maria dos Santos, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Luiz José Dias, Manuel José Correia, Marcai Pacheco, Marianno de Carvalho, Vicente Monteiro e Estrella Braga.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alfredo Pereira, Tavares Crespo, Mazzioti, Fontes Ganhado, Jalles, Hintze Ribeiro, Lobo d1Ávila, Elizeu Serpa, Emygdio Júlio Navarro, Matoso Santos, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Guilherme de Abreu, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, Vieira Lisboa, Manuel dAs8umpção, Marianno Prezado, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Pedro Diniz, Pedro Victor, Tito de Carvalho, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Visconde de Silves.

Não compareceram á sessão os srs.: - Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Cândido, Antonio Centeno, Antonio da Fonseca, Antonio Ennes, Gomes Neto, Guimarães Pedrosa, Urbano de Castro, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Madeira Pinto, Firmino Lopes, Francisco Matoso, Fernandes Vaz, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Cândido da Silva, Baima de Bastos, Pires Villar, Cardoso Valente, Scarnichia, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Correia
Leal, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Jorge de Mello (D.), Avellar Machado, Barbosa Collen, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Alpoim, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Dantas Baracho, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 107, orçamento rectificado

O sr. Serpa Pinto: - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Ninguem mais está escripto; vae votar-se, começando-se pela proposta do sr. Franco Castello Branco.
Leu-se. É a seguinte

Moção de ordem

A camara, fazendo votos para que o credito do paiz se robusteça e affirme nas solidas bases de uma severa administração dos rendimentos e serviços publicos, unicamente inspirada na pratica dos bons principios economicos e financeiros, passa á ordem do dia. = Franco Castello Branco.
Foi rejeitada.
Leu-se na mesa o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° A avaliação das receitas totaes do estado no exercicio de 1886-1887 é rectificada em conformidade com o mappa junto n.° 1, e que desta lei faz parte, na somma de 44.055:127$655 réis, sendo proprias do thesouro: ordinarias 34.369:782$500 e extraordinarias 119:500$000 réis.
Art. 2.° As despezas totaes do estado, ordinárias e extraordinárias, são fixadas no mesmo exercicio: as ordinarias em 35.857:276$442 réis e as extraordinarias em réis 8.197:851$213, perfazendo aquellas e estas a somma de 44.055:127$655 réis, tudo de accordo com os mappas juntos n.ºs 2 e 3, que fazem parte d'esta lei.
§ 1.° O governo decretará nas tabeliãs de distribuição de despeza deste exercicio as rectificações conformes com a presente lei.
§ 2.° Fica o governo auctorisado a continuar a applicar às despezas legaes do ministerio das obras publicas do actual exercicio as sobras das diversas verbas das tabeliãs de despeza, não só do exercicio de 1885-1886, como do actual, não sendo esta disposição porém applicavel às verbas destinadas para caminhos de ferro, nesta lei, que não poderão ter outro destino.
§ 3.° É tambem applicavel às despezas ordinarias e extraordinarias do ministerio da fazenda deste exercicio a disposição do § 3.° do artigo 1.° da lei de 22 de março de 1886.
Art. 3.° Fica revogada a legislação contraria a esta,

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Sala da commissão do orçamento, 1 de junho de 1887. = Manuel Affonso Espregueira = Ernesto Madeira Pinto = A. J. Gomes Neto = J. Simões Ferreira = Joaquim Antonio da Silva Cordeiro = Antonio Lopes Guimarães Pedrosa = João Joaquim Izidro dos Reis = Alfredo Pereira = Eliseu Xavier de Sousa e Serpa = Antonio M. Pereira Carrilho, relator.
Foi approvado na generalidade.

Foram depois successivamente approvados o 1.°, 2.° e 3.° artigos.

O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o projecto do banco amissor.
Leu-se. É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 104

Senhores. - A vossa commissão de fazenda foi presente a proposta de lei n.º 73-D, auctorisando o governo a effectuar com o banco de Portugal, ou, no caso de recusa deste, com outro estabelecimento de credito, una contrato cujas bases fazem parte da mesma proposta.
Em primeiro logar, e como questão previa, a commissão entendeu que na redacção d'estas bases, elaboradas no presupposto do contrato se effectuar com o banco de Portugal, se devia supprimir esta designação, que poderia parecer restrictiva, ficando bem claro que a auctorisação para contratar abrange, não só o banco de Portugal, como outro qualquer estabelecimento de credito, no caso de recusa deste.
Em segundo logar, julgou tambem a commissão que o artigo 1.º da proposta de lei devia ser modificado, ampliando-se no sentido, não só de estender a todos os bancos actualmente emissores á possibilidade de negociação do accordo, pelo qual venha a desapparecer a faculdade de emissão que hoje toem, como tambem de prever a hypothese em que esse accordo não chegasse a ultimar-se, e isto no propósito de não fazer depender d'elle, até certo ponto, a creação de uma instituição urgentemente reclamada pela economia do paiz.
Estas modificações, senhores, não fizeram mais do que precisar e definir o pensamento expresso pelo governo na sua proposta de lei, dando-lhe aquella forma que á vossa commissão pareceu mais efficaz e consentânea com a situação em que hoje se encontra a circulação fiduciaria em Portugal.
É sem duvida preferível que o accordo projectado se realise para que a emissão de notas fique inteiramente unificada, uma vez celebrado o contrato com o banco de Portugal, se o projecto submettido á vossa apreciação for convertido em lei; mas a pequena importância da circulação fiduciária dos bancos emissores do norte do reino não prejudicará de um modo sensível a instituição projectada, ainda quando de futuro tenha de coexistir com ella. São por outro lado numerosos os exemplos de um similhante estado de cousas nas organisacões dos paizes cultos.
Passando agora ao exame das bases do contrato, que fazem parte da proposta de lei, a vossa commissão observou desde logo que no seu conjuncto se podiam distinguir duas partes: uma, a structura da circulação fiduciária portugueza; outra, a negociação de um empréstimo. Estas duas partes da operação acham-se intimamente ligadas de modo a fazerem reverter em beneficio do thesouro as vantagens inherentes a concessões d'esta ordem.
Nem admire que succeda assim, pois é certo que a instituição dos bancos nacionaes emissores em quasi todos, se não em todos os paizes, teve como causa immediata a urgencia dos thesouros. São bens que vem por males; porque é sabido como na administração dos estados frequentemente se torna necessario um motivo imperioso e grave para compellir a medidas, aliás reclamadas de ha muito pela economia publica.
Foi sob a pressão produzida pela crise bancaria de 1876 que o ministro da fazenda do gabinete regenerador, o sr. conselheiro Antonio de Serpa Pimentel, apresentou em 1877 um projecto de lei cujo principio é idêntico ao da proposta do actual governo, evidentemente suggerida, não só pela conveniência de dotar o paiz com uma instituição utilíssima, como pela urgência de acudir á situação melindrosa das finanças do estado. Como se vê, nesta questão, alheia á esphera da política, encontram-se de áccordo os dois partidos portuguezes; e entende a vossa commissão que as causas determinantes do mallogro da instituição em 1877 foram agora, com o fructo dessa triste experiencia, removidas.
«Por virtude dos contratos chamados das classes inactivas, diz o sr. ministro da fazenda no seu relatório, deve o governo ao banco de Portugal uma quantia que, em relação a 30 de julho do corrente anno, se avalia em réis 2.653:000$000, vencendo o juro de 6 por cento ao anno, que se paga por inteiro. Os encargos correspondentes estão computados no orçamento para 1887-1888 em réis 155:000$000.
«Por outro lado as despezas com vencimentos da inactividade nos diversos ministérios elevam-se a 1.800:000$000 réis e, portanto, são de 1.955:000$000 réis os encargos assim provenientes do serviço inactivo. Pelas bases que vos são apresentadas com a necessária proposta de lei, esses encargos reduzem-se para o anno futuro a 97:000$000 réis.»
Estas palavras presuppõem, e com toda a rasão que a emissão unificada venha a ser contratada com o banco de Portugal. Nestas palavras está a economia de uma das duas partes das bases juntas á proposta do governo. Alliviar o orçamento ordinário do estado de cerca de 1.000:000$000 réis de despeza aunual, é sem duvida um elevado beneficio, quando o déficit orçamentario chegou a attingir quasi o decuplo d'aquella quantia.
É incontestável que a rasão progressiva da mortalidade, diminuindo cada anno os encargos das classes inactivas, diminuiria progressivamente a verba actual de réis 1:955:000$000; é tambem incontestável que o encargo, calculado para o primeiro anno em 972.000$000 réis, irá augmentando com o serviço de juro e amortisação dos titulos emittidos pelo banco, até um período que, segundo a taxa da emissão, póde variar entre quinze a vinte annos e em um total que do mesmo modo osculará tambem entre 1.500:000$000 e 1.400:000$000 réis; mas não é menos certo que a operação projectada, nos termos em que estabelecem os artigos 20.°, 2l.° e 22.° (que na primitiva redacção do governo eram 21.°, 22.ü e 23.º) importa apenas um contrato firme de emissão, com juro variavel segundo a cotação dos fundos publicos.
Sem os embaraços e até o risco inherente a operações annuaes successivas de credito, num praso de quarenta annos, que tanto é necessario para a extincção total dos encargos das classes inactivas de hoje, partindo-se da hypothese, sem duvida desfavorável, de que todos os aposentados e reformados contem apenas cincoenta a cinco annos e adoptando-se as tábuas de mortalidade admittidas em Franca -para os funccionarios públicos; sem esses embaraços e riscos eventuaes, o thesouro consegue desde já collocar firme todos os futuros empréstimos que de outro modo teria de contratar, ao juro a que os contrataria em cada um desses annos successivos.
Eis-ahi a economia da operação financeira concebida pelo governo e preceituada nos artigos 21.°, 22.° e 23.° da primitiva redacção.
Entendeu a vossa commissão necessario refundil-os, conforme apparecem nos artigos 20.°, 21.° e 22.° das bases juntas ao projecto de lei. E refundiu-os, não só para tornar mais nítidos e precisos os seus termos, como para introduzir n'elles certas disposições subsidiarias tendentes a dissi-

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par duvidas que porventura surgissem ainda em alguns espíritos.
Garantiam as bases ao banco o juro mínimo de õ por cento equivalente á cotação de 60 para o nosso fundo de 3 por cento; e como se poderia suppor que em dadas condições o governo podesse contratar divida por menos d'aquelle juro, entendeu a commissão útil preceituar explicitamente o que, de resto, já estava implícito, isto é, o direito do governo rescindir o contrato a todo o momento que o entenda conveniente.
Marcava-se a cotação da bolsa de Londres na primeira quinzena de julho de cada anno, como aquella pela qual se devia regular a taxa de juro a applicar ao debito do thesouro, para reger até conclusão da operação. Entendeu tambem a commissão que dava mais garantias de segurança reciproca regular-se o juro pela media das duas primeiras liquidações.
Pensou, finalmente, a commissão que podendo o governo contratar com outro estabelecimento de credito, no caso de recusa por parte do banco de Portugal, só quando o contrato se effectuasse com este banco havia logar para reunir, á operação das classes inactivas de hoje, o saldo dos empréstimos contrahidos em virtude das leis de 1 de julho de 1867 e de 22 de marco de 1872.
Eis ahi tudo o que diz respeito a uma das faces da proposta de lei commettida ao estudo da vossa commissão de fazenda.
Foram mais graves as modificações introduzidas nas bases, pelo que diz respeito á sua outra face isto é, á organisação do banco emissor.
Não e aqui o logar para. fazer as largas considerações a que se prestaria esta instituição, porque seria injuria aos conhecimentos da camara o suppor que lhe são desconhecidas e portanto seria uma perda absoluta de tempo e trabalho reproduzir palavras ociosas.
No seu relatório, já dizia o sr. ministro da fazenda:
«É inútil repetir mal aqui tudo quanto excellentemente se tem escripto ácerca do regimen bancário e da circulação fiduciária. Fracciona se a escola económica em multiplicados alvitres e variadas opiniões ácerca destes pontos difficeis da sciencia social, mas os factos e a pratica dos paizes mais adiantados pronunciam-se pelo systemada unidade da emissão de notas realisada por bancos do estado. Este systema predominante em quasi toda a Europa é o que o governo propõe para o nosso paiz onde têem existido praticas não sonhadas em nenhum outro. Em parte do reino encontra se o monopólio da emissão de notas, noutra parte a multiplicidade de emissões feitas por diversos bancos 5 em todo elle a circulação fiduciária é evidentemente, inferior á que exigiria um racional organismo económico. Mais succede que, não tendo nunca a fazenda publica manifestado excesso de receitas, comtudo na capital e no seu districto o estado doou gratuitamente o exclusivo da circulação fiduciária, quasi como se fura direito sem valor, concessão sem importância.
«A idéa de uniformisar a circulação fiduciária, e da sua concessão a um só estabelecimento de credito tirar proventos para o thesouro, não é nova. Muitas vezes manifestada e discutida no parlamento chegou a ser assumpto de uma proposta de lei apresentada em janeiro de 1877 pelo sr. conselheiro d'estado, António de Serpa Pimentel.»
Estas palavras dizem tudo.
A vossa commissão limitar-se ha, pois, a registrar as principaes alterações que, a bem do melhor funccionamento da instituição, pensou conveniente introduzir nas bases annexas á proposta do governo, procedendo por ordem de artigos.
No artigo, 5.° estabeleceu-se que os lucros eventuaes que resultassem para o banco da comissão de acções, não podessem ser divididos, indo engrossar o fundo de reserva permanente instituido pelo artigo 11.° São obvias as vantagens d'esta modificação.
Ao artigo 9.° addicionou-se a disposição inserida na lei das sociedades anonymas, mandando que os titulos nominativos só possam transformar-se em titulos ao portador quando estejam integralmente pagos. Não carece tambem de commentarios esta alteração.
É mais grave a do artigo 12.° que se refere ao praso de duração do banco, fixado em quarenta annos. Pareceu á commissão acaso excessivamente longo este praso, comparando-o com o de outros bancos estrangeiros de natureza análoga, em que o praso não excede trinta annos; embora não deixasse de ponderar a differença que a muitos respeitos ha entre as condições económicas de Portugal e as das nações da Europa central.
Nem o praso de quarenta annos fora arbitrariamente fixado, porque se deduzia da duração provável da operação das classes inactivas.
Ponderando, pois, as duas considerações, a vossa commissão entendeu conveniente restringir a trinta annos o praso do contrato, quando o governo, por qualquer motivo, rescindisse ou liquidasse a referida operação, intimamente ligada á structura do banco.
O artigo 15.° dá ao banco a faculdade de emittir notas de prata pelo valor da moeda da mesma espécie recolhida nas suas caixas. Esta faculdade, sem importância nem alcance sob um ponto de vista fiduciário, porque as notas emittidas em taes condições não passam de conhecimentos ou uarrants de uma mercadoria em deposito, tem porém a vantagem de substituir ao curso de uma moeda pesada e incommoda o curso de um papel, curso livre, que nem chega a ser fiduciário, e em todo o caso sujeito sempre ao regime da circulação monetária conforme o estabeleceu a lei de 29 de julho de 1884.
Não se achava porém no mesmo caso a disposição do § único do artigo 15.º, dando ao banco a faculdade de emittir durante cinco ânuos o duplo do valor da sua reserva de prata.
Por isso a vossa commissão julgou necessario que a doutrina d'este paragrapho regesse apenas para o caso de ser o banco de Portugal o adjudicatário do contrato; e ainda nesta hypothese reduziu de cinco annos a um o praso da concessão, com o fim de liquidar a situação presente.
No artigo 17.° introduziu a vossa commissão de fazenda a modificação porventura a mais grave de todas as que enumeramos.
Refere-se ella á suppressão completa do regime de domicílios para as notas, isto é, de emissão visada por cada uma das filiaes ou agencias. Entendeu a commissão que uma organisação similhante, embaraçando gravemente a expansão do titulo, fiduciário, restringiria de um modo notável as vantagens que a economia do paiz, o thesouro publico e os próprios accionistas interessados hão de auferir desta instituição.
Quando se procura unificar a circulação fiduciária, crear notas domiciliadas seria o mesmo que multiplicar os typos ou sub-typos de nota, embaraçando a sua livre circulação mdistmctamente e por toda a parte, ferindo o próprio principio da unidade, e desfazendo, ate certo ponto, o que se pretendia crear num paiz que sem duvida alguma conta a escassez do numerário entre os males com que se debate.
A nota ha de ser uma, igual sempre, circulando por toda ;a parte: de outro modo a sua efficacia, como meio de circulação e substituto de moeda, é restricta por ser imperfeita.
Sempre que existe, porém, a unidade de uma emissão, (circulante por toda a parte e por toda a parte convertivel, existe ao mesmo tempo, nem se concebe que fosse de outro modo, a reserva necessária para garantir o banco emissor de corridas que um accidente imprevisto, ou até a maldade, podiam occasionar. E isso o que a vossa commissão estabeleceu no artigo 17.°
Determinou ainda que as notas domiciliadas e só convertiveis ao par nas filiaes ou agencias respectivas, se man-

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tivessem porém nas ilhas dos Açores emquanto ahi dura o actual systema monetário, nem outra cousa podia se quando a moeda insulana é fraca e as transferências está portanto sujeitas às oscillações cambiaes.
Não são talvez menos graves as modificações introduzi das no artigo 18.° que limitava a taxa normal uniforme d juro de descontos e empréstimos a 5 por cento, dividindo o producto do excesso, entre o juro- normal e o juro real em partes iguaes entre o banco e o estado.
Entendeu a vossa commissão que estas disposições podiam ser modificadas com vantagem.
A determinação da taxa normal obedece a principies sabidos de physiologia económica, e a partilha do excesso d productos de descontos e empréstimos, effectuados acima dessa taxa, não bastava para garantir o funccionamento e guiar do machinismo bancário no ponto de vista dos interesses da communidade. Foi por isso que a vossa commissão, tendo sempre em vista as differenças profundas que distinguem o nosso paiz e os paizes do centro da Europa estabeleceu o preceito de que o producto do excesso, sobre a taxa normal fosse dividido por metades entre o banco e o estado quando a taxa real do juro não excedesse 6 por cento, e pertencesse integralmente ao estado quando passasse alem d'esse limite.
Restava porém ainda um outro ponto a regular: era a uniformidade da taxa de juro real para empréstimos e descontos.
Quem alguma vez analysou os diversos elementos de que se compõe o juro do dinheiro, sabe que, alem do aluguer de um instrumento de producção e de outros factores que é ocioso enumerar agora, entram em combinação constante mas variavel o premio de risco e o preço da transferencia, ou cambio. Estes dois últimos elementos são tanto mais graves, quanto a economia de um paiz é mais atrazada.
Por isso temos em Portugal taxas de juro que, pondo de parte as operações de agiotagem usurária, vão desde um limite acaso não inferior a 15, 12 ou 10 por cento até ao limite extremo de 4 ou de 3 por cento. A maior ou menor riqueza dos habitantes, a maior ou menor abundância de capitães moveis, e até a maior ou menor abundância de numerário, fazem com que, segundo as regiões e as localidades, o juro real oscule entre limites de tal modo afastados.
N'estas condições que seria a uniformidade de taxa de juro? Seria o mesmo que restringir as operações do banco a Lisboa e Porto, onde as condições do mercado monetário são proximamente iguaes, privando-o de estender a sua acção benéfica às outras terras do paiz. Seria impedil-o de usar dos seus capitães com utilidade publica, ao próprio tempo que se lhe impunha a constituição de um capital de 13.500:000$000 réis e se lhe dava uma capacidade de emissão dupla, ou de 27.000:000$000 réis. Seria finalmente tornal-o pela força das cousas numa dependencia do thesouro, limitando a sua acção a Lisboa e Porto, isto é, precisamente aquellas terras que, pela multiplicidade de bancos e banqueiros concorrentes, menos carecem relativamente de novas instituições de credito.
Entende a vossa commissão que o banco emissor tem um vasto e grande papel a desempenhar na economia do paiz, independentemente dos serviços que póde e deve prestar ao thesouro publico; serviços estes que todavia nem podiam ser o exclusivo objecto da commissão, nem deverão ser o propósito exclusivo tambem das direcções a quem estiver confiada a gerencia d'este estabelecimento.
Foi por estes motivos que a vossa commissão de fazenda entendeu conveniente e necessario facultar ao banco o estabelecimento de uma sobre-taxa, cujo máximo não poderá todavia exceder 2 por cento, para os empréstimos e descontos effectuados nas filiaes e agencias, isto é, com exclusão de Lisboa e Porto.
Julgou tambem a vossa commissão de fazenda inútil o artigo 20.°, porque o estado actual do direito internacional e dos costumes das nações o tornam ocioso 5 e esta suppressão determinou a alteração numerica dos artigos subsequentes.
No n.° 12.° do artigo 26.° (que era 27.° nas primitivas bases) supprimiu-se a faculdade de negociar empréstimos com os districtos e municipalidades; e o n.º 5.° do artigo 27.° (que era 28.° nas primitivas bases) foi englobado no n.° 3.°
Ambas estas alterações obedeceram ao propósito de não distrahir as attenções, nem os capitães do banco, em primeiro logar das operações a curto praso que são as próprias de um banco emissor; em segundo logar dos empréstimos e descontos, principalmente dos últimos, que são o campo, sob o ponto de vista social, mais útil, a que póde estender-se a acção de um banco d'estado ou nacional.
Assim, ao passo que os n.05 3.° e 5.° do antigo artigo 28.° permittiam ao banco immobilisar até 83 por cento do seu capital em operações, não de certo estranhas á sua índole (porque essas estavam e estão vedadas) menos eficazes porém no ponto de vista da utilidade social, o n.° 3.° do artigo 27.°, nas bases juntas ao projecto de lei, restringe essa faculdade a 60 por cento.
No que respeita á administração do banco entendeu finalmente a vossa commissão de fazenda que convinha modificar dois pontos.
Um foram as attribuições do secretario geral que, de um simples funccionario, se tornou num commissario ou fiscal do governo junto do banco: é o que se observa comparando os artigos 36.° e 37.° das antigas bases, com os 35.° e 36.° da nova redacção.
Outro foi o que consta do additamento inserido no § único do artigo 38.°, preceituando certas incompatibilidades para o exercício do cargo de director do banco, ou de seu governador.
Outras modificações de menos tomo foram introduzidas nos vários artigos das bases. Dispensamo-nos de as mencionar por amor da brevidade; e porque a comparação dos textos esclarece assaz o assumpto.
No decurso deste parecer expozemos principalmente as vantagens que da instituição do banco emissor resultarão para a economia do paiz. Não são menos graves, a todos os pontos- de vista, as vantagens resultantes para as finanças publicas. E ainda por este lado, as segundas vantagens se incluem nas primeiras, porque sem boas finanças escusado é procurar restaurar as forças economizas de qualquer nação.
A operação para pagamento das classes inactivas, garantindo desde já por cerca de quarenta annos ao thesouro a collocação dos títulos que de outra forma poderia ser mais ou menos contingente; garantindo-a de um modo evidentemente vantajoso, e permittindo alliviar o orçamento da despeza ordinária no exercício próximo em uma verba de cerca de 1.000:000$000 réis, é sem duvida a primeira das vantagens financeiras da proposta do governo.
Pelo que diz respeito, porém, ou a receitas novas, ou a economias de despeza, é mister consignar varias verbas que sommadas representarão algumas centenas de contos de réis. Estão neste caso as contribuições geraes que o banco virá a pagar; as despezas com transferências de fundos do thesouro e os salários dos thesoureiros pagadores que ficam sendo de conta do banco; o beneficio nos saldos do credito de 2.000:000$000 réis, em conta corrente, a juro de 4 por cento, isto é, abaixo da taxa habitual em condições normaes; o rendimento de 3 por cento em
todos os saldos que agora jazem improductivos nas thesourarias; o producto do excesso de juro, alem do normal, nos emprestimos e descontos ; e finalmente a partilha nos juros líquidos annuaes superiores a 7 por cento.
Devemos consignar, por fim, o absoluto accordo que era

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todas as modificações encontrámos no governo; e por isso, concluindo, a vossa commissão de fazenda é de parecer que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo a celebrar com o banco de Portugal, um contrato conforme as bases juntas a esta lei e que fazem parte integrante d'ella.
§ 1.° No caso de recusa por parte do banco de Portugal, o governo poderá contratar nas mesmas condições com outro qualquer estabelecimento de credito.
§ 2.° O governo poderá negociar um accordo com os bancos que actualmente possuem a faculdade de emissão de notas, submettendo o mesmo accordo á sancção legislativa se elle exceder as attribuições do executivo.
§ 3.° Não podendo realisar-se o accordo, a faculdade de emissão conferida aos mesmos bancos manter-se ha conforme as leis respectivas, coexistindo com a emissão contratada nos termos desta lei.
Art. 2.° É igualmente auctorisado o governo a reformar o serviço da divida publica dentro e fora do paiz, por forma que, dada toda a necessária segurança aos credores do estado, se reduzam as despezas; e as condições do referido serviço se harmonisem com as disposições do contrato a que se refere, o artigo antecedente e com as do contrato de 9 de maio de 1879 ou de qualquer outro que o substitua.
Art. 3.° O governo fará todos os regulamentos precisos para a execução da presente lei.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Bases para a constituição do banco emissor

Da constituição, sede, duração e liquidação do banco

Artigo 1.° O banco reger-se-ha por estatutos elaborados sobre as bases em seguida prescriptas, sujeitas á approvação do governo; e terá a sua sede em Lisboa.
§ único. O banco entrará em actividade a partir do dia 1 de janeiro de 1888 para todas as suas operações, excepto para a das classes inactivas que principiará em 1 de julho de 1887.
Art. 2.° O banco terá caixas filiaes ou agencias em todas as capitães dos districtos administrativos do continente e ilhas adjacentes; e, com approvação do governo, poderá ter caixas filiaes, agencias ou correspondências em outras localidades do reino onde a sua utilidade for reconhecida. Poderá tambem ter correspondências em paiz estrangeiro, onde julgar conveniente, e delegações dos escriptorios da sede no município de Lisboa.
§ 1.° Regulamentos especiaes, sujeitos á approvação do governo, determinarão as operações de que devem encarregar-se as caixas filiaes e agencias, em harmonia com os artigos 26.°, 27.° e 28.°, e fixarão a sua organisação administrativa, sobre as bases dos artigos 39.° e 40.°
§ 2.° O banco deverá ter organisadas e em serviço as caixas filiaes ou agencias das capitães dos districtos administrativos do reino e ilhas adjacentes, no praso máximo de quatro annos, a contar de 1 de janeiro de 1888, não devendo o praso assim concedido prejudicar os serviços de que trata o artigo 24.°
§ 3.° A transformação das agencias em caixas filiaes, e reciprocamente, só póde fazer-se com previa approvação do governo.
Art. 3.° A duração do banco será de quarenta annos, contando-se o primeiro anno social desde o dia 1 de janeiro de 1888, e poderá ser prorogada por lei especial, sob pedido da assembléa geral dos accionistas.
Art. 4.° Se antes de terminar o praso mencionado no artigo antecedente, se verificarem perdas que reduzam a três quartas partes o valor do capital effectivo, e se a assembléa geral dos accionistas não completar immediatamente esse capital por novas subscripções, o banco será dissolvido. por decreto do governo, com voto affirmativo da procuradoria geral da coroa.
§ único. No caso de dissolução, antes ou na expiração do praso, a assembléa geral dos accionistas nomeará uma commissão liquidatária e o governo um commissario especial para procederem conjunctamente, e conforme a legislação então em vigor.

Do capital, das acções, dos accionistas e dos fundos de reserva do banco

Art. 5.° O capital social do banco será de 13.000:000$000 réis, effectivamente emittido e pago, dividido em 135:000 acções de 100$000 réis cada uma.

1.° A emissão necessária para a realisação do capital designado neste artigo, poderá ser feita a uma ou em mais de uma serie, de accordo com o governo.
§ 2.° O lucro que porventura venha a realisar-se nessa emissão será levado á conta do fundo de reserva permanente do banco.
Art. 6.º Cada acção dará direito a uma parto proporcional e igual na propriedade do fundo social e na partilha dos lucros.
Art. 7.° A posse de uma acção importa adhesão aos estatutos e às deliberações regular e legalmente tomadas pela assembléa geral.
Art. 8.° A responsabilidade dos accionistas do banco é limitada á importância das acções que possuirem.
Art. 9.º Poderá haver títulos de uma, de cinco e de dez acções, nominativas e ao portador, sendo permitida a inversão dos títulos nominativos em titulos ao portador e reciprocamente, á escolha dos accionistas, desde que as acções estejam integralmente pagas.
Art. 10.° A propriedade das acções nominativas transmitte-se por todos os modos de cessão admittidos em direito. A propriedade das acções ao portador transmitte-se pela simples tradição do titulo.
§ único. Pertencendo a propriedade de uma acção ou titulo a duas ou mais pessoas, poderão estas receber conjunctamente os dividendos; mas para exercerem os outros direitos de accionistas deverão designar e fazer inscrever sómente uma das ditas pessoas como accionista.
Art. 11.° O banco constituirá dois fundos de reserva: até o limite mínimo de 20 por cento do capital effectivo, formado com uma contribuição annual não inferior a 5 por cento dos lucros líquidos; e com os lucros na emissão de acções.
a) Permanente até o limite minimo de 10 por cento do capital effectivo, formado com uma contribuição annual não inferior a 7 por cento dos lucros líquidos, destinados a amortisar quaesquer prejuízos da massa geral dos valores do banco, e a completar, sendo necessário, um dividendo annual de 5 por cento aos accionistas.
§ 1 .° É obrigatória a reconstituição do fundo de reserva variável, até o limite designado, e facultativa a sua distribuição para complemento do dividendo annual das acções.
§ 2.º E obrigatório o emprego do fundo de reserva permanente em títulos de divida publica nacional. O rendimento destes títulos será levado ao fundo de reserva variável, emquanto esto não attingir o seu limite. Depois de completo este fundo, será o rendimento da reserva permanente levado á conta de ganhos e perdas.
Dos privilégios do banco, da partilha dos lucros e das obrigações do banco para com o estado
Art. 12.º O banco terá durante quarenta annos, no continente do reino e ilhas adjacentes, a faculdade exclusiva de emittir notas com curso legal, pagáveis á vista e ao portador e representativas de moeda de oiro.
§ 1.º O praso de quarenta annos ficará reduzido a trinta se o governo rescindir o contrato de que trata o artigo 20.°, sendo a reducção intimada por aviso prévio de cinco annos,

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§ 2.° Durante o período deste exclusivo não se poderá conceder a nenhum banco, ou outra instituição, a faculdade de emittir notas.
§ 3.° O curso legal só se tornará effectivo nas localidades onde o banco tiver agencias e n'um raio de 5 kilometros de distancia das mesmas localidades ; cessando desde o momento em que, por qualquer motivo, se interrompa a conversão das notas por oiro nas referidas agencias.
Art. 13.° A importância total das notas em circulação estará sempre representada por valores de realisação fácil num praso não superior a três mezes, e pela reserva metallica.
§ 1.° A reserva metallica em moedas ou barras de oiro será igual a um terço da importância total das notas em circulação e de outras quaesquer responsabilidades exigíveis á vista.
§ 2.° A reserva metallica só excepcionalmente poderá descer do limite designado no paragrapho antecedente, quando, em vista de exposição motivada do conselho geral do banco, o governo, por decisão tomada em conselho de ministros, assim o auctorise.
Art. 14.° A faculdade de emissão de notas, nos termos dos artigos 12.° e 13.°, será limitada ao duplo do capital effectivo do banco.
§ único. A circulação de notas excedente a este limite será representada por uma reserva igual em moeda ou barras de oiro nas caixas do banco.
Art. 15.° O banco terá durante praso igual ao fixado no artigo 12.° e seu § 1.° a faculdade de representar por notas, pagáveis á vista e ao portador, no continente do reino e ilhas adjacentes, a importância da moeda portugueza de prata que possuir em caixa.
§ único. Se for realisado com o banco de Portugal, o contrato a que estas bases se referem e a fim do mesmo banco liquidar a sua circulação actual de notas representativas de prata, o mesmo banco poderá, durante o praso de um anno da assignatura do contrato, manter em circulação notas pelo duplo da reserva de moedas portuguezas de prata, tendo porém somma igual á reserva representada em valores de fácil realisação, num praso não superior a três mezes.
Art. 16.° O banco poderá emittir os seguintes typos de notas representativas de moeda:
a) Oiro, no valor de 5$000, 10$000, 20$000, 50$000 e 100$000 réis;
b) Prata, no valor de 2$500 e 5$000 réis.
Art. 17.° As notas do banco serão pagáveis á vista, tanto nas caixas da sua sede em Lisboa, como nas filiaes ou agencias, indistinctamente.
§ 1 .° Nas filiaes ou agencias do continente do reino e do districto do Funchal não poderá todavia o banco ser obrigado a pagar á vista mais do que uma determinada somma de notas em cada dia, podendo o pagamento de quantia maior ser demorado até que as mesmas caixas ou agencias recebam a moeda necessária.
A tabella que regulará a somma máxima de notas e o praso das demoras, conforme as, condições dos transportes em referenciam cada uma das filiaes ou agencias, será elaborada .por accordo entre o banco e o governo; não podendo todavia, no continente do reino, esse praso exceder quatro dias, nem a somma ser inferior a 2:000$000 de réis.
§ 2.° Nos districtos açorianos haverá notas de typo ou carimbo especial com a obrigação do pagamento á vista nas filiaes ou agencias dos mesmos districtos.
O troco d'estas notas, por moeda ou notas, no continente ficará sujeito ao pagamento dos prémios correntes do transferencia de moeda.
§ 3.° Quando nos districtos dos Açores se estabelecer a circulação da moeda legal do continente do reino, terminará a disposição do § 2.°, subordinando-se a circulação de notas nos mesmos districtos ao regimen commum a toda a metrópole.
Art. 18.° Compete ao conselho geral do banco fixar a taxa do juro, reguladora das operações.
Essa taxa será uniforme na sede do banco em Lisboa e na sua filial do Porto; podendo variar nas outras filiaes ou agencias.
§ 1.° Os lucros das operações de desconto e de empréstimos, pela differença de juro entre õ por cento e a taxa estabelecida pelo conselho geral do banco, serão divididos por igual entre o banco e o estado quando essa taxa não exceda 6 por cento, e pertencerão integralmente ao estado pelo excesso alem de 6 por cento; sendo a importância destes lucros lançada mensalmente na conta corrente de que trata o artigo 25.°
§ 2.° Exceptuam-se, porém, das disposições do paragrapho anterior os lucros provenientes das taxas que, acima do juro vigente em Lisboa e Porto, seja necessario estabelecer nas outras filiaes e agencias do banco, a fim de lhes poder proporcionar capitães para descontos e empréstimos. Em todo o caso esta sobretaxa não poderá exceder 2 por cento.
Art. 19.° Deduzidos dos lucros liquides totaes annuaes do banco as contribuições dos fundos de reserva do artigo 11.° e um dividendo annual de 7 por cento aos accionistas, metade do saldo restante de lucros pertencerá ao estado.
§ unico. O banco será isento de todo e qualquer encargo relativo á parte dos lucros que o estado receber em virtude da repartição determinada neste artigo e nos §§ 1.° e 2.° do artigo 18.°

Das funcções do banco em relação ao thesouro

Art. 20.° O banco é obrigado a pagar os vencimentos das classes inactivas existentes no dia 1 de julho de 1887, comprehendendo-se n'estes vencimentos, tanto os que são satisfeitos por títulos de renda vitalícia, como por meio de folhas ou recibos iudividuaes, quer de reformados, quer de aposentados, quer de jubilados ou de veteranos, referindo-se estes vencimentos de inactividade, tanto á classe civil como á militar, de terra ou de mar.
§ 1.° Para o pagamento destes vencimentos o thesouro contribuirá com a quantia annual certa de 800:000$000 réis; alem dos juros e amortisação da operação.
§ 2.° Estes vencimentos continuarão a ser pagos com as formalidades legaes actualmente existentes pelas diversas estações publicas, mas de conta do banco; e em todos os trimestres se fará a liquidação do que o thesouro dever por esta proveniência, nos termos do contrato.
§ 3.° Nenhum augraento, seja de que natureza for, póde ser feito nos -vencimentos de que se trata. As sobrevivencias ou pensões, que porventura, nos termos das leis, tenham que ser pagas, bem como as novas pensões de monte pios, aposentações de professores de instrucção primaria, soldos de reformados, todos posteriores a 30 de junho de 1887, sel-o-hão por conta do thesouro, não fazendo parte do contrato.
Art. 21.° A divida ao, banco, proveniente da execução do artigo 20.°, será isenta de todo e qualquer imposto; e vencerá um juro aunual regulado pelo preço da divida externa na bolsa de Londres, e a amortisação de 1 por cento ao anno do que for devido.
Os exercícios annuaes para esta operação serão contados de 1 de julho de cada anno a 30 de junho do anno seguinte, realisando-se trimestralmente o pagamento do juro e da amortisação.
Quando o preço dos títulos da divida externa na bolsa de Londres for de 54 por cento, o juro annual da operação será de õ Vá por cento; quando for inferior, o mesmo juro será elevado de 6 centésimos por cada meio ponto de baixa; e quando for superior soffrerá a reducção de 6 centésimos por cada meio ponto de alta, até attingir o li-

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mite de 5 por cento, fixado como mínimo para esta operação.
A determinação do preço dos titulos de divida externa para o um dos pagamentos trimestraes ao banco, far-se-ha pela media da primeira liquidação da bolsa de Londres nos mezes de setembro, dezembro, março e junho de cada exercício.
No final de cada exercício se fará uma liquidação do movimento annual da operação, apurando-se o saldo devido pelo thesouro, e fixando-se o juro definitivo que este deverá pagar pelo referido saldo até sua, completa extincção. Este juro será fixado nos termos da escala acima estabelecida, e regulado pela media das duas primeiras liquidações de julho na bolsa de Londres.
A differença a mais entre a quantia annual de réis 800:000$000 do que trata o § 1.° do artigo 20.° e a importância dos vencimentos pagos em qualquer epocha às classes inactivas, a que se refere o mesmo artigo, será tambem applicada á amortisação da divida do thesouro ao banco até completa extincção da mesma divida.
§ único. Se for realisação este contrato com o banco de Portugal, a divida antiga ao mesmo banco, proveniente da operação das classes inactivas, será englobada na divida proveniente da execução de artigo 20.° e submettida ao regimen disposto no artigo 21.°
Art. 22.° O governo poderá distratar em qualquer epocha, no todo ou em parte, a operação de que tratam os artigos 20.° e 21.° pagando o capital e juros respectivos, sem que por parte do banco haja direito a reclamar indemnisações ou commissões de espécie alguma.
Art. 23.° O banco poderá emittir obrigações amortisáveis por sorteio, dentro do período d'esta operação, para a representação total da divida do thesouro, proveniente da mesma operação.
§ único. Se em qualquer epocha o governo distratar, no todo ou em parte, a divida do thesouro, o banco será obrigado a amortisar todas, ou a parte correspondente das obrigações emittidas.
Art. 24.° O banco será o banqueiro do estado e a caixa geral do thesouro na metrópole. N'esta qualidade é obrigado a ter caixas filiaes ou agencias em todas as capitães dos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes. Estas agencias ou caixas filiaes substituirão para todos os effeitos os cofres centraes dos mesmos districtos, e as entradas e saídas de fundos de conta do thesouro nas mesmas agencias e caixas filiaes ficam sujeitas a todos os preceitos do regulamento geral da contabilidade publica. As mesmas regras se applicarão às entradas e saídas de fundos na sede do banco por conta do thesouro.
§ 1.° Correrão por conta do banco as despezas com transferências de fundos para a execução do disposto neste artigo.
§ 2.° O banco pagará os vencimentos fixados na legislação vigente aos actuaes thesoureiros pagadores do ministerio da fazenda, da junta do credito publico e seus fieis e thesoureiros pagadores dos districtos, podendo estes ser os agentes do banco nas capitães dos mesmos ou de outros districtos. As reformas que porventura lhes competirem serão de conta do estado.
Estes empregados continuarão a ficar sujeitos às disposições penaes e disciplinares da legislação vigente e terão de se subordinar aos regulamentos do banco.
§ 3.° Os directores das repartições de fazenda nas capitães dos districtos fiscalisarão as caixas filiaes ou agencias na parte relativa às operações do estado.
§ 4.° Todas as contas da responsabilidade do banco serão processadas na direcção geral da thesouraria e julgadas pelo tribunal de contas.
§ 5.° Para o pagamento dos juros e coupons da divida publica haverá no banco os necessários livros duplicador dos que existirem na junta do credito publico ou em qualquer instituição que substitua esta.
§ 6.° Todos os serviços confiados ao banco em virtude do disposto neste artigo, serão regulados por convenções especiaes.
Art. 25.º O banco terá uma couta corrente com o governo, podendo o debito d'este elevar-se até á quantia de 2000:000$000 réis.
O movimento e mais condições desta conta corrente ficarão dependentes de accordo entre o governo e o banco.
§ único. As liquidações da responsabilidade mutua do banco referir-se-hão a cada mez e serão feitas todos os trimestres. Quando no movimento da conta, o banco for credor do estado, este lhe abonará o juro de 4 por cento ao anno; quando o banco for devedor pagará é juro de 3 por cento.

Das operações do banco e das publicações obrigatórias

Art. 26.° É da competência e faculdade do banco effectuar as seguintes operações:
1.° Descontar:
a) Letras de cambio e da terra, e quaesquer outros titulos de natureza idêntica, representativos de operações commerciaes;
b) Promissórias garantidas com valores;
c) Bilhetes, obrigações e letras do thesouro publico ou das estações navaes e das províncias ultramarinas, devidamente acceites pelo ministerio da marinha e ultramar;
d) Juros e coupons dos titulos de divida nacional e das obrigações emittidas pela companhia geral de credito predial portuguez ou garantidas pelo governo.
2.° Comprar e vender:
a) Letras de cambio:
b) Oiro e prata em moeda e em barra;
c) Titulos de divida publica nacional ou quaesquer titulos de credito do estado e obrigações emittidas pela companhia geral do credito predial portuguez ou garantidas pelo governo.
3.° Emprestar sobre penhores:
a) De oiro e prata e pedras preciosas, e titulos de divida publica portugueza;
b) De acções e obrigações liberadas de bancos, companhias e sociedades, e de corporações municipaes, districtaes e quaesquer outras corporações administrativas, de reconhecido credito, cotadas na bolsa de Lisboa;
c) De acções do próprio banco;
d) De titulos d'estado estrangeiro e de acções e obrigações de bancos, companhias e corporações publicas administrativas estrangeiras, garantidos pelo governo do paiz onde tiverem origem.
e) De certificados ou conhecimentos de mercadorias armazenadas nas alfândegas ou armazéns geraes.
4.º Abrir créditos em conta corrente e conceder supprimentos, uns e outros sob cauções de quaesquer titulos do estado, letras do thesouro e obrigações emittidas pela companhia geral de credito predial portuguez ou garantidas pelo governo.
5.° Conceder créditos em praças nacionaes e estrangeiras por meio de cartas circulatórias ou mandados especiaes.
6.° Auctorisar saques de bancos e casas bancarias estrangeiras de primeira ordem, para movimento de operações cambiaes.
7.° Fazer cobrança e pagamentos, e transferencia de fundos e numerário, e encarregar-se por conta alheia de quaesquer operações bancarias que não forem expressamente prohibidas nas presentes bases.
8.° Receber numerário em conta corrente.
9.° Receber e guardar em deposito jóias, metaes e objectos preciosos, papeis de credito e quaesquer outros titulos e documentos representativos do valor.
10.° Utilisar créditos em praças estrangeiras com applicação exclusiva á importação de oiro e prata, amoedados e

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em barra, e às operações cambiaes exigidas pela manutenção e defesa das reservas da thesouraria.
11.° Encarregar-se da arrecadação de rendimentos e do pagamento de encargos do estado e de corporações publicas administrativas, e de quaesquer operações do thesouro publico, fora e dentro do paiz.
12.° Contratar, negociar, garantir ou por qualquer outro modo intervir em empréstimos que o governo e estabelecimentos públicos, devidamente auctorisados, tenham de contrahir.
Art. 27.° No exercício das operações mencionadas no artigo antecedente, o banco attenderá às seguintes condições e restricções:
1.° As operações dos n.ºs 1.°, 3.° e 4.° deverão ser em regra, effectuadas por praso não superior a três mezes, e os títulos ou effeitos commerciaes do n.° 1.°, alínea a), com exclusão das letras de cambio, deverão ter, em regra, três e no mínimo duas firmas de inteiro credito e de solvabilidade reconhecida.
2.° Nas operações dos n.ºs 3.° e 4.°, o limite do máximo do valor das cauções será:
a) Em oiro e prata, 90 por cento do valor real, calculado sobre a avaliação do contraste do banco, excluindo qualquer valor estimativo;
b) Em pedras preciosas, 00 por cento da avaliação do referido contraste;
c) Em títulos de divida nacional, 90 por cento do valor cotado e realisado nas bolsas nacionaes ou estrangeiras;
d) Em obrigações emittidas pela companhia geral de credito predial portuguez ou garantidas pelo governo, 85 por cento do valor cotado e realisado nas bolsas nacionaes ou estrangeiras;
e) Em acções e obrigações de bancos, companhias, sociedades e corporações, 75 por cento do valor cotado e realisado nas bolsas nacionaes;
f) Em acções do próprio lanço, 75 por cento do valor nominal dos títulos;
g) Em títulos estrangeiros 75 por cento do valor cotado e realisado nas bolsas nacionaes ou estrangeiras.
h) Em mercadorias armazenadas, 50 por cento do valor da factura.
§ único. Quando qualquer titulo de credito tiver um valor cotado, e realisado em bolsa, superior ao nominal, os limites de avaliação estabelecidos, nunca excederão este ultimo.
3.° A importância total das operações dos n.ºs 3.° e 4.° e as do n.° 2.°, alínea c) não deverá exceder 60 por cento do capital effectivo do banco, salvo auctorisação especial do governo, baseada em exposição motivada do conselho geral.
4.° A importância total das operações caucionadas com acções do próprio banco não poderá exceder o limite máximo de 5 por cento do capital effectivo do banco.
Art. 28.° E expressamente prohibido ao banco effectuar as seguintes operações:
a) Comprar de conta própria acções do banco;
b) Redescontar letras da sua carteira;
c) Fazer operações de bolsa que não sejam de liquidação immediata, ainda que de conta alheia;
d) Abonar juros pelo recebimento de numerário em conta corrente, exigível á vista;
e) Promover ou tomar parte na creação de emprezas commerciaes, bancarias ou outras;
f) Emprehender negociações de risco ou de seguros;
g) Comprar e vender, por conta própria, géneros de commercio;
h) Possuir bens e direitos immobiliarios, alem dos prédios urbanos necessários para o desempenho de suas funcções, salvo por effeito de cessão ou de arrematação, ou para assegurar o reembolso de créditos, devendo proceder á liquidação desses bens no mais curto praso possível.
Art. 29.° O banco enviará ao governo para serem immediatamente publicados no Diario official:
a)Semanalmente, uma synopse resumida do activo e passivo do banco, com designação das espécies metallicas existentes nas caixas, da importância das notas em circulação, e bem assim de quaesquer obrigações á vista;
b) Annualmente, o relatório da administração, as contas e o balanço geral, depois de discutidos e approvados pela assembléa geral.

Da organisação administrativa e da assembléa geral do banco

Art. 30.° A administração e gerencia dos negócios do banco será confiada e exercida por:
a) Um governador, nomeado por seis annos pelo governo, podendo a nomeação ser renovada;
b) Uma direcção composta de dez membros, accionistas, portuguezes por nascimento ou naturalisação, eleita pela assembléa geral, e presidida pelo governador;
c) Um conselho fiscal composto de sete membros, accionistas, portuguezes por nascimento ou naturalisação, eleito pela assembléa geral.
§ 1.° Alem dos vogaes effectivos, haverá mais cinco vogaes substitutos na direcção e três no conselho fiscal, eleitos pela assembléa geral.
Art. 31.° O governador e os directores constituem o conselho de administração. Este e o conselho fiscal constituem o conselho geral do banco.
Art. 32.° O conselho de administração, para a direcção immediata do expediente do banco, dividir-se-ha em tantas secções, quantas forem necessárias para a fiscalisação e bom regimen, das operações.
As secções serão presididas pelo governador, e cada uma dellas constituída por três directores.
Considerar-se-hão obrigatórias as seguintes secções:
a) Descontos e operações diversas;
b) Thesouraria geral e operações com o estado;
c) Emissão de notas;
d) Caixas filiaes, agencias e correspondências;

) Contencioso.
Art. 33.° O conselho geral formará annualmente uma lista de três nomes de directores, para ser presente ao governo, o qual designará aquelle que deverá substituir, no caso de suspensão, impedimento ou por delegação de funcções, o governador do banco.
§ único. O director escolhido terá o nome de vice-governador do banco.
Art. 34.° O governador poderá suspendera execução das decisões das commissões e do conselho de administração para as submetter á deliberação do conselho geral, urgentemente convocado; e suspenderá, communicando ao governo, toda a decisão dos conselhos que for contraria às leis, aos estatutos e aos interesses do estado.
Art. 35.° Haverá um secretario geral nomeado pelo governo, competindo-lhe assistir a todas as sessões do conselho de administração, do conselho geral e das secções, podendo intervir nas discussões e tendo a faculdade de fazer propostas sobre qualquer assumpto de interesse para o banco ou para o estado, mas com voto apenas consultivo.
Nas actas das sessões das diversas secções do conselho de administração, será obrigatória a inserção motivada da opinião do secretario geral, se ella for divergente do voto da maioria, o que será levado ao conhecimento do conselho geral na sua reunião immediata.
O secretario geral para o bom desempenho das suas funcções poderá examinar todos os documentos e escripturação do banco. As copias e extractos de actas e certidões de documentos expedidos pelo banco, sob despacho do governador, bem como toda a correspondência com as repartições do estado e auctoridades administrativas, serão visadas pelo secretario geral.

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O secretario geral deverá elaborar annualmente, e alem disso quando julgue opportuno, relatórios ou exposições sobre os negócios do banco, para serem presentes ao governador, que immediatamente os remetterá ao governo.
Art. 36.° No caso de impedimento temporário do secretario geral, o governo nomeará interinamente pessoa que o substitua.
Art. 37.° Os vencimentos do governador e do secretario geral serão fixados pelo governo e pagos pelo banco. Art. 38.° Os estatutos do banco determinarão: a) As condições de elegibilidade e de incompatibilidade, duração, restricções e renovação do mandato, e vencimentos dos directores e membros do conselho fiscal;
b) As attribuições especiaes dos conselhos de administração e geral, que não estejam expressamente definidas nas presentes bases.
§ único. Em caso algum, porém, poderão ser eleitos ou nomeados governador ou directores, ainda que accionistas, quaesquer gerentes ou sócios de casas bancarias ou directores e gerentes de outros bancos e estabelecimentos de credito.
Art. 39.° A administrarão das caixas filiaes será confiada, sob responsabilidade do banco, a:
a) Um director nomeado pelo governador;
b) Uma gerência, nomeada pelo conselho geral do banco.
§ 1.° Poderá haver, junto das caixas filiaes ou agencias do banco, uma commissão local de descontos, nomeada pelo conselho geral e presidida pelo director ou por qualquer dos agentes.
§ 2.° Os regulamentos administrativos das caixas filiaes e agencias serão elaborados pelo conselho de administração e apresentados ao conselho geral.
Art. 40.° A administração das agencias será exercida, sob responsabilidade do banco, por dois agentes: um d'elles nomeado pelo governador, e o outro pelo conselho geral do banco.
Art. 41.° A responsabilidade do governador, dos directores e dos membros do conselho fiscal, será regulada pelas regras do contrato de mandato.
Art. 42.° A universalidade dos accionistas do banco será representada pela assembléa geral, e os seus trabalhos dirigidos por um presidente ou
vice-presidente, e por dois secretários ou vice-secretários, todos eleitos pela mesma assembléa.
§ 1.° Haverá reuniões de assembléa geral:
a) Ordinárias, periódicas ou especiaes;
b) Extraordinárias.
§ 2.° As assembléas geraes ordinárias serão compostas dos duzentos e quarenta maiores accionistas do banco, por acções nominativas ou ao portador.
§ 3.° As assembléas geraes extraordinárias serão compostas de todos os accionistas do banco, que tiverem cincoenta acções ou mais.
§ 4.° Os estatutos do banco determinarão a epocha de reunião das assembléas geraes ordinárias, praso e modo de convocação d'estas e das especiaes, sua competência e attribuições respectivas, numero de accionistas e quantidade de capital para validade das deliberações.
Art. 43.° A assembléa geral extraordinária reunir-se-ha sómente para deliberar sobre alteração de estatutos, praso de duração do banco, augmento de capital na hypothese do artigo 4.°, dissolução e liquidação do banco.
Art. 44.° Nenhum accionista terá mais de um voto, seja qual for o numero de acções que possuir, mas poderá ser representado por outro accionista que for membro da assembléa geral, com procuração bastante, apresentada três dias, pelo menos, antes do dia da reunião ; e nesse caso, o accionista procurador terá dois votos, um por si e outro pelo seu constituinte.
§ 1.° Os membros do conselho geral do banco fazem parte da assembléa geral, mas sem voto, quando não estejam comprehendidos no numero de accionistas designado nos §§ 2.° e 3.° do artigo 42.º
§ 2.° Os estatutos determinarão as condições de competência para tomar parte na assembléa geral como representantes de accionistas.
Art. 45.° Para se formar a lista dos accionistas que deverão compor a assembléa geral, observar-se-hão as seguintes disposições:
a) As acções nominativas deverão ser averbadas nos registos do banco, e as acções ao portador ser depositadas no mesmo banco, três mezes pelo menos antes do dia da reunião.
b) Quando as acções forem havidas por herança ou casamento, contar-se-ha, sendo necessario para perfazer o praso marcado na alínea anterior, o tempo que tiverem estado na posse do antigo proprietário.
Sala da commissão, 30 de maio de 1877. = José Dias Ferreira (vencido) = José Frederico Laranja = Vicente R. Monteiro = F. Matoso Santos = Carlos Lobo d'Ávila = António Eduardo Villaça = Marianno Prezado = António Cândido = A. Fonseca = António Maria de Carvalho = A. Carrilho = A. Baptista de Sousa = J. P. Oliveira Martins, relator.

N.° 73-D

Artigo 1.° É auctorisado o governo a celebrar com o banco de Portugal, ou, em caso de recusa deste, com outro qualquer estabelecimento de credito nacional ou estrangeiro, um contrato conforme as bases juntas a esta lei, e que fazem parte integrante della.
§ único. O governo poderá negociar com os bancos portuenses, que actualmente possuem e exercem o direito de emissão de notas, um accordo para que elles desistam d'esse direito, submettendo-o á approvação das cortes, quando resultem delle quaesquer encargos para o thesouro.
Art. 2.° E igualmente auctorisado o governo a reformar o serviço da divida publica dentro e fora do paiz, por forma que, dada toda a necessária segurança aos credores do estado, se reduzam as despezas, e as condições do referido serviço se harmonisem com as disposições do contrato, a que se refere o artigo antecedente, e com as do contrato de 9 de maio de 1879, ou de qualquer outro que o substitua.
Art. 3.° O governo fará todos os regulamentos precisos para a execução da presente lei.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministério dos negócios da fazenda, aos 9 de abril de 1886. = Marianno Cyrillo de Carvalho.

Bases para a reorganisação do banco de Portugal

Da constituição, sede, duração e liquidação do banco

Artigo 1.° O banco de Portugal, reorganisado, funccionará sob a mesma denominação; reger-se-ha por estatutos elaborados sob as bases em seguida prescriptas, sujeitos á approvação do governo, e terá a sua sede em Lisboa.
§ único. O banco entrará em actividade, na sua nova forma, a partir do dia 1 de janeiro de 1888, excepto para a operação das classes inactivas, que principiará em 1 de julho de 1887.
Art. 2.° O banco terá caixas filiaes ou agencias em todas as capitães dos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes, e em outras localidades, onde a sua utilidade for reconhecida e o governo julgar conveniente aos interesses do thesouro publico; poderá ter caixas fíliaes, agencias ou correspondências em outro qualquer ponto do reino; correspondências em paiz estrangeiro, onde julgar conveniente, e delegações dos escriptorios da sede no município de Lisboa.
§ 1.° Regulamentos especiaes, sujeitos á approvação do governo, determinarão as operações de que devem encarregar-se as caixas filiaes e agencias, em harmonia com os

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artigos 27.°, 28.° e 29.°, e fixarão a sua organisação administrativa sob as bases dos artigos 40.° e 41.°
§ 2.° O banco deverá ter organisadas e em serviço as caixas filiaes ou agencias das capitães dos districtos administrativos do reino e ilhas adjacentes, no praso máximo de quatro annos; a contar de 1 de janeiro de 1888, não devendo o praso assim concedido prejudicar os serviços de que trata o artigo 25.°
§ 3.° A transformação das agencias em caixas filiaes, o reciprocamente, só póde fazer-se com previa approvação do governo.
Art. 3.° A duração do banco será de quarenta annos, contando-se o primeiro anno social desde o dia 1 de janeiro de 1888, e poderá ser prorogada por lei especial, sob pedido da assembléa geral dos accionistas.
Art. 4.° Se antes de terminar o praso, mencionado no artigo antecedente, sé verificarem perdas que reduzam a três quartas partes o valor do capital effectivo, e se a assembléa geral dos accionistas não resolver completar imediatamente o capital primitivo por novas subscripções, o banco será dissolvido de pleno direito.
§ único. No caso de dissolução, antes ou na expiração do praso, a assembléa geral dos accionistas nomeará uma commissão liquidatária e o governo um commissario especial para procederem conjunctamente, e conforme o direito commum e a legislação então em vigor.
Do capital, das acções, dos accionistas e dos fundos de reserva do banco
Art. 5.° O capital social do banco de Portugal será de 13.500:000$000 réis, effectivamente emittido e pago, dividido em 130:000 acções de 100$000 réis cada uma.
§ único. A emissão necessária para complemento do capital designado neste artigo, poderá ser feita numa ou em mais de uma serie, segundo as circumstancias e as conveniências do banco.
Art. 6.° Cada acção dará direito a uma parte proporcional e igual na propriedade do fundo social e na partilha dos lucros.
Art. 7.° A posse de uma acção importa adhesão aos estatutos e às deliberações regular e legalmente tomadas pela assembléa geral.
Art. 8.° A responsabilidade dos accionistas do banco de Portugal é limitada á importância das acções que possuírem.
Art. 9.° Poderá haver títulos de uma, de cinco e de dez acções, nominativas e ao portador, sendo permittida a inversão dos títulos nominativos em títulos ao portador e reciprocamente, á escolha dos accionistas.
Art. 10.° A propriedade das acções nominativas transmitte-se por todos os modos de cessão admittidos em direito. A propriedade das acções ao portador transmitte-se pela simples tradição do titulo.
§ único. Pertencendo a propriedade de uma acção ou titulo a duas ou mais pessoas, poderão estas receber conjunctamente os dividendos; mas para exercerem os outros direitos de accionistas deverão designar e fazer inscrever somente uma das ditas pessoas como accionista.
Art. 11.° O banco constituirá dois fundos de reserva:
a) Permanente; até o limite mínimo de 20 por cento do capital effectivo, formado com uma contribuição annual não inferior a 3 por cento dos lucros liquidos;
b) Variável, até o limite mínimo do 10 por cento do capital effectivo, formado com uma contribuição annual uno inferior a 7 por cento dos lucros liquides, destinados a amortisar quaesquer prejuízos da massa geral dos valores do banco, e a completar, sendo necessário, um dividendo annual de 5 por cento aos accionistas.
& 1.° E obrigatória a reconstituirão do fundo de reserva variável, até o limite designado, e facultativa a sua distribuição.
§ 2.° É obrigatório o emprego do fundo de reserva permanente em títulos de divida publica nacional. O rendimento destes titulos será levado ao fundo de reserva variável emquanto este não attingir o limite designado na alínea b). Depois de completo este fundo, será o rendimento da reserva permanente levado á conta de ganhos e perdas.

Dos privilégios do banco, da partilha dos lucros e das obrigações do banco para com o estado

Art. 12.° O banco de Portugal terá a faculdade e o privilegio exclusivos, durante quarenta annos, para o continente do reino e ilhas adjacentes, de emittir notas pagáveis á vista e ao portador, com curso legal, representativas de moeda de oiro, em harmonia com os artigos da lei de 29 de julho dê 1854.
§ 1.° Emquanto o banco de Portugal gosar a faculdade e privilegio de que trata este artigo" não poderá o governo conceder a faculdade de emittir notas pagáveis á vista e ao portador a nenhum banco ou outra instituição, que actualmente não gose essa faculdade ou não a exerça.
§ 2.° O curso legal tornar-se ha effectivo nas localidades e num raio de 5 kilometros de distancia destas, onde o banco tiver caixas para a convertibilidade das notas em moeda.
§ 3.° O curso legal existirá somente, emquanto o banco mantiver convertibilidade das notas em moeda.
Art. 13.° O banco terá sempre representada a sua circulação de notas por valores de fácil realisação, num praso não superior a três mezes, e pela reserva metallica.
§. 1.° A reserva metallica, em moeda ou barras de oiro, será igual a um terço da importância total das notas em circulação e de outras quaesquer responsabilidades exigíveis á vista.
§ 2.° A reserva metallica poderá excepcionalmente descer do limite designado no paragrapho antecedente, com auctorisação expressa e especial do governo, baseada em exposição motivada do conselho geral do banco.
Art. 14.° A faculdade de emissão de notas, nos termos dos artigos 12.° e 13.° antecedentes, será limitada ao duplo do capital effectivo do banco,
§ único. A circulação de notas excedente a este limite, será representada por equivalente reserva metallica em oiro, moeda ou barras, nas caixas do banco.
Art. 15.° O banco de Portugal terá o privilegio, durante quarenta annos, para o continente do reino e ilhas adjacentes, de representar por notas, pagáveis á vista e ao portador, a importância de moedas de prata que possuir em caixa.
§ único. Será concedido ao banco representar, durante os cinco primeiros annos do seu privilegio, por valores de fácil realisação, n'um praso não superior a três mezes, metade da importância total da sua circulação de notas representativas de moeda de prata.
Art. 16.° O banco poderá emittir os seguintes typos de notas representativas de moeda de:
a) Oiro, no valor de 5$000, 10$000, 20$000, 50$000 e 100$000 réis;
b) Prata, no valor de 2$500 e 5$000 réis.
Art. 17.º O banco pagará á vista as suas notas, tanto nas caixas da sua sede, em Lisboa, como nas filiaes ou agencias.
§ 1.° O pagamento das notas, não domiciliadas na filial ou agencia onde forem apresentadas, poderá ser adiado pelo tempo necessario ao transporte da moeda.
§ 2.° As notas domiciliadas nas filiaes ou agencias das ilhas adjacentes, serão pagas á vista em todas as caixas do banco, no continente do reino, mediante a differença cambial de moeda, se a houver, e um prémio de transferencia regulado pela administração do banco; logo porém que haja unidade de moeda entre as ilhas e o continente do

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reino, não deve premio de transferencia exceder a 1 por cento.
Os prémios e transferencia a que este paragrapho se refere poderão tambem ser cobrados nas filiaes ou agencias das ilhas adjacentes, quando se apresentem ao troco notas que ali não estejam domiciliadas.
Art. 18.° Competirá ao conselho geral do banco estabelecer e, alterar a taxa de juro, reguladora das operações do banco, e uniforme na sede e nas caixas filiaes ou agencias.
§ único. Os lucros annuaes que advenham ao banco nas operações de desconto e de empréstimo, pela differença de juro entre 5 por cento e a taxa estabelecida pelo conselho geral do banco, superior áquelle limite, serão repartidos por igual entre o estado e o banco, o qual applicará a, sua parte ao fundo de reserva variável.
Art. 19.° Deduzidas dos lucros líquidos annuaes as contribuições dos fundos de reserva do artigo 11.° e um dividendo ,annual de 7 por cento aos accionistas, metade do saldo restante de lucros pertencerá ao estado.
§ único. O banco será isento de todo e qualquer encargo relativo á parte dos lucros que o estado receber em virtude da repartição determinada n'este artigo e no § único do artigo 18.°
Art. 20.° As acções, lucros ou fundos, que existirem no banco, pertencentes a estrangeiros, serão respeitados e invioláveis, em quaesquer casos, ainda mesmo de guerra.

Das funcções do banco em relação ao thesouro

Art. 21.° O banco e obrigado:
A pagar os vencimentos, das. classes inactivas existentes no dia 1 de julho de 1887, comprehendendo-se nestes vencimentos, tanto os que são satisfeitos por títulos de renda vitalicia, como por meio de folhas ou de recibos individuaes, quer de reformados, quer de aposentados, quer de jubilados ou de veteranos, referindo-se estes vencimentos de inactividade tanto á classe civil como á militar, de terra ou de mar.
§ unico. Para o pagamento d'estes vencimentos o thesouro contribuirá com a quantia annual certa de réis 800:000$000.
Art. 22.° Os vencimentos de que trata o artigo precedente continuarão, a ser pagos com as formalidades legaes actualmente, existentes, pelas diversas estacões publicas, mas de conta do banco de Portugal. Em todos os trimestres se fará a liquidação, do que o thesouro dever por esta proveniência e nos termos do presente contrato.
§. único. - Nenhum augmento, seja de que natureza for, póde ser feito nos vencimentos de que se trata. As sobrevivencias ou pensões, que porventura nos termos das leis tenham que ser pagas, bem como as novas pensões de monte pios, aposentações de professores de instrucção primaria, soldos de reformados, todos posteriores a 30 de junho de 1887, sel-o-hão por conta do thesouro não fazendo parte d'este contrato.
Art. 23.° A divida ao banco de Portugal, proveniente da execução do artigo 21.°, e bem assim a divida antiga ao mesmo banco, proveniente da operação das classes inactivas, serão isentas de todo e qualquer imposto, e vencerão o juro annual de 5 1/2 por cento, quando o preço dos títulos da divida publica externa não for. inferior á media de 54 por cento e para a sua amortisação o thesouro pagará mais 1 por cento ao anno, do que for devido.
Os exercícios annuaes para esta operação serão contados de 1 de julho de cada anno a 30 de junho do anno seguinte, fazendo-se trimestralmente as liquidações do juro e da amortisação.
Quando o preço dos títulos da divida externa for inferior a 54 por cento na media da primeira liquidação que se fizer na bolsa de Londres, nos mezes de setembro, dezembro, março e junho de cada exercicio; o juro da operação será elevado de 6 centésimos em cada meio ponto de baixa, fazendo-se nessa conformidade as liquidações trimestraes de juro do respectivo exercido; quando porém for superior á designada media de 54, o juro terá diminuído na mesma proporção, em cada meio ponto de augmento, até attingir o limite de 5 por cento, fixado como mínimo de juro para esta operação.
No final de cada exercício se fará uma liquidação do movimento annual da operação, fixando se então definitivamente o juro que o thesouro deverá continuar a pagar pelo debito do exercício anterior. Este juro será fixado nos termos da escala acima estabelecida, e regulado pela media da primeira liquidação de julho na bolsa de Londres.
A differença a mais entre a quantia annual de 800:000$000 réis de que trata o § único do artigo 21.°, e a importância dos vencimentos pagos em qualquer epocha às classes inactivas, a que se refere o mesmo artigo, será tambem applicada á amortisação da divida do thesouro ao banco até sua completa extincção.
Os mais, pormenores da operação serão regulados pelo governo e pelo banco, em contrato especial baseado nas disposições dos artigos 21.° a 24.°
Art. 24.° O banco. poderá emittir obrigações amortisaveis por sorteio dentro do período desta operação, para a representação total da divida do thesouro proveniente das operações de que tratam os artigos precedentes. Esta emissão só poderá ser feita á proporção que se realisarem os desembolsos de banco. As obrigações terão a garantia do estado.
§ único. Se em qualquer epocha o thesouro distratar, em todo ou em parte, a divida de que se trata, o banco será obrigado a amortisar todas ou a parte correspondente das obrigações que existirem na circulação.
Art. 25.° O banco de Portugal será o banqueiro, do estado e a caixa gerai do thesouro na metrópole. Nesta qualidade é obrigado a ter caixas filiaes ou agencias em todas as capitães dos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes. Estas agencias ou caixas filiaes substituirão, para todos os effeitos, os cofres centraes dos mesmos districtos, e as entradas e saídas de fundos de conta do thesouro nas mesmas agencias e caixas filias, ficam sujeitas a todos os preceitos do regulamento geral da contabilidade publica. As mesmas regras se applicarão às entradas e saídas de fundos na sede do banco por conta, do thesouro. § 1.° Correrão por conta do banco as despezas com transferências de fundos para a execução do disposto n'este artigo.
§ 2.° O banco pagará os vencimentos fixados na legislação vigente aos actuaes thesoureiros pagadores do ministerio da fazenda, da junta do credito, publico e seus fieis, e thesoureiros pagadores- dos districtos, podendo estes ser os agentes do banco nas capitães dos mesmos ou de outros districtos. As reformas que porventura lhes competirem serão de couta do estado.
Estes empregados continuarão a ficar sujeitos às disposições penaes e disciplinares da legislação vigente e terão de se subordinar aos regulamentos do banco.
§ 3.° Os inspectores de fazenda nas capitães dos districtos fiscalisarão as caixas filiaes ou agencias na parte relativa às operações do estado.
§ 4.° Todas as contas da responsabilidade, do banco serão processadas na direcção geral da thesouraria e julgadas pelo tribunal de contas.
§ 5.° Para o pagamento dos juros e coupons da divida publica haverá no banco os necessários livros duplicados dos que existirem na junta do credito publico ou em qualquer instituição que substitua esta.
§ 6.° Todos os serviços que ao banco se confiarem, em virtude do disposto neste artigo, serão regulados por convenções especiaes estabelecidas de accordo com o banco.
Art. 26.° O banco terá conta corrente com o governo,

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podendo o debito deste elevar-se até á quantia de réis 2.000:000$000.
A epocha da abertura desta conta corrente, e as mais condições â que o seu movimento tiver de se subordinar, ficarão dependentes de accordo entre o ministro e secretario d'estado dos negócios da fazenda é á administração do banco.
§ único. As liquidações da responsabilidade mutua do banco referir-se-hão a cada mez e serão feitas todos os trimestres; quando no movimento da conta o banco seja credor ao estado, este lhe abonará o juro de 4 por cento ao anno; quando o banco for devedor pagará o juro de 3 por cento.

Das operações do banco e das publicações obrigatórias

Art. 27.° E da competência e faculdade do banco de Portugal effectuar as seguintes operações:
1.° Descontar:
a) Letras de cambio e da terra, e quaesquer outros titulos de natureza idêntica, representativos de operações commerciaes;
b) Promissórias garantidas com valores;
c) Bilhetes, obrigações e letras do thesouro publico e do ministerio da marinha é ultramar;
d) Juros e coupons dos titulos de divida nacional e das obrigações emittidas pela companhia geral de credito predial portuguez ou garantidas peio governo.
2.° Comprar e vender:
a) Letras de cambio;
b) Oiro e prata em moeda e em barra;
c) Titulos de divida publica nacional ou quaesquer títulos de credito do estado, e obrigações emittidas pela companhia geral de credito predial portuguez ou garantidas pelo governo.
3.° Emprestar sobre penhor:
a) De oiro e prata e pedras preciosas e titulos de divida publica portuguesa;
b) De acções e obrigações liberadas de bancos, companhias e sociedades, e de corporações administrativas, municipaes e districtaes ou particulares, de reconhecido credito; cotadas na bolsa de Lisboa;
c) De acções do próprio banco;
d) De títulos de estado estrangeiro e de acções e obrigações de bancos, companhias e corporações publicas administrativas estrangeiras) garantidos pelo governo do paiz onde tiverem origem.
4.° Abrir créditos em conta corrente e conceder supprimentos sob cauções de quaesquer títulos do estado, letras do thesouro e obrigações emittidas pela companhia geral de credito predial portuguez ou garantidas pelo governo.
5.° Conceder créditos em praças nacionaes e estrangeiras por meio de cartas circulatórias ou mandados especiaes.
6.° Auctorisar saques de bancos e casas bancarias estrangeiras do primeira ordem, para movimento de operações cambiaes.
7.° Fazer cobrança e pagamentos, e transferências de fundos e numerário, e encarregar-se por conta alheia de quaesquer operações bancárias que não forem expressamente prohibidas nas presentes bases.
8.° Receber numerário em conta corrente.
9.° Receber e guardar em deposito jóias, metaes e objectos preciosos, papeis de credito e quaesquer outros títulos e documentos representativos de valor.
10.° Utilisar créditos em praças estrangeiras com applicacção exclusiva á importação de oiro e prata, amoedados e em barra, e às operações cambiaes exigidas pela manutenção e defeza das reservas de thesouraria.
11.° Encarregar-se da arrecadação de rendimentos e do pagamento de encargos do estado e do corporações publicas administrativas, e de quaesquer operações do thesouro publico, fora e dentro do paiz.
12.° Contratar, negociar, garantir ou por qualquer outro modo intervir em empréstimos que o governo, districtos, municipalidades, estabelecimentos, repartições publicas, devidamente auctorisadas, tenham de contrahir.
Art. 28.° No exercício das operações mencionadas no artigo antecedente, o banco attenderá às seguintes condições e restricções:
1.° As operações dos n.ºs 1.°, 3.° e 4.° deverão ser, em regra, effectuadas por praso não superior a três mezes, e os titulos ou effeitos commerciaes do n.° 1.°, alínea a) com exclusão das letras dê cambio, deverão ter, em regra, três e no mínimo duas firmas dê inteiro credito e de solvabilidade reconhecida.
2.° Nas operações dos n.ºs 3.° e 4.°, o limite do máximo do valor das cauções será:
a) Em oiro e prata, 90 por cento do valor real, calculado sobre a avaliação do contraste do banco, excluindo qualquer valor estimativo;
b) Em pedras preciosas, 50 por cento da avaliação do referido contraste;
c) Em títulos de divida nacional, 90 por cento do valor cotado e realisado nas bolsas nacionaes ou estrangeiras;
d) Em obrigações emittidas pela companhia geral de credito predial portuguez ou garantidas pelo governo, 85 por cento do valor cotado e realisado nas bolsas nacionaes ou estrangeiras;
e) Em acções e obrigações de bancos, companhias, sociedades e corporações, 75 por cento do valor cotado e realisado nas bolsas nacionaes;
f) Em acções do próprio banco, 90 por cento do valor nominal dos titulas;
g) Em títulos estrangeiros, 75 por cento do valor cotado e realisado nas bolsas nacionaes e estrangeiras.
§ único. Quando qualquer titulo de credito tiver um valor cotado e realisado em bolsa, superior ao nominal os limites de avaliação estabelecidos nunca excederão este ultimo.
3.° A importância total das operações dos n.ºs 3.° e 4.º não deverá exceder metade do capital effectivo do banco, salvo auctorisação especial do ministro e secretario distado dos negócios da fazenda, baseada em exposição motivada do conselho geral.
4.° A importância total das operações caucionadas com acções do próprio banco não poderá exceder o limite máximo de 5 por cento do capital effectivo do banco.
5.° A importância total das operações do n.° 2.°, alínea c), não deverá, em regra, exceder em collocação um terço do capital effectivo do banco.
Art. 29.° É expressamente prohibido ao banco effectuar as seguintes operações:
a) Comprar de conta própria acções do banco;
b) Redescontar letras da sua carteira;
c) Fazer operações de bolsa que não sejam de liquidação immediata, ainda que de conta alheia;
d) Abonar juros pelo recebimento de numerário em conta corrente, exigível á vista;
e) Promover ou tomar parte na creação de empregos commerciaes, bancários ou outros;
f) Emprehender negociações de risco ou de seguros;
g) Comprar e vender por conta própria géneros de commercio.
h) Possuir bens de raiz, alem dos prédios urbanos necessários para o desempenho de suas funcções, podendo comtudo acceitar bens de raiz, em garantia ou hypotheca por effeito de cessão ou de arrematação, para assegurar o reembolso de créditos duvidosos,- e dividas em mora, devendo proceder á liquidação desses bens no mais curto praso possível.
Art. 30.° O banco enviará ao governo para serem immediatamente publicados no Diario official:
a) Quinzenalmente, uma synopse resumida do activo e passivo do banco, com designação das espécies metallicas

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SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JUNHO DE 1887 1101

existentes nas caixas, da importância das notas em circulação, e bem assim de quaesquer obrigações á vista;
b) Annualmente, o relatório da administração, as contas e o balanço geral, depois dê discutidos e approvados pela assembléa geral.

Da organisação administrativa e da assembléa geral do banco

Art. 31.° A administração: e gerencia dos negócios do banco de Portugal será confiada e exercida por:
a) Um governador, nomeado por seis annos pelo governo, podendo a nomeação ser renovada;
b) Uma direcção composta de dez membros, accionistas, portuguezes por nascimento ou naturalisação, eleita pela assembléa geral, e presidida pelo governador;
c) Um conselho fiscal composto de cinco membros, accionistas, portuguezes por nascimento ou naturalisação, eleito pela assembléa geral.
§ único. Alem dos vogaes effectivos, haverá mais cinco vogaes substitutos na direcção e três no conselho fiscal, eleitos pela assembléa geral.
Art. 32.° O governador, os directores e o secretario geral constituem o conselho de administração. Este e o conselho fiscal constituem o conselho geral do banco.
Art. 33.° O conselho de administração para á direcção immediata do expediente do banco dividir-se-ha em tantas secções, quantas forem necessárias para á fiscalisação é bom regimen das operações.
As secções serão presididas pelo governador, e cada uma d'ellas constituída, por três directores, tendo por secretario ò secretario geral.
Considerar-se-hão obrigatórias as seguintes secções:
a) Descontos e operações diversas;
b) Thesouraria geral e operações com o estado;
c) Emissão de notas;
d) Caixas filiaes, agencias é correspondências;
e) Contencioso.
Art. 34.° O conselho geral formará annualmente uma lista de três nomes de directores, para ser presente ao governo, o qual designará aquelle que deverá substituir, no caso de suspensão, impedimento ou por delegação de funcções, o governador do banco.
§ único. O director escolhido terá O nome de vice-governador do banco.
Art. 35.;° O governador poderá suspender á execução das decisões das commissões ë dó conselho de administração para as submetter á deliberação do conselho geral; urgentemente convocado; e suspenderá? communicando ao governo, toda a decisão dos conselhos que for contraria às leis, aos estatutos e aos interesses do estado.
Art. 36.° Haverá um secretario geral nomeado pelo governo, competindo-lhe assistir a todas as sessões do conselho de administração, do conselho geral e das secções, e fazer todo o expediente do secretariado relativo aos trabalhos especiaes da administração. Poderá intervir nas discussões, mas só terá voto consultivo.
Será tambem obrigado a inserir e motivar nas actas a sua opinião sobre qualquer negocio discutido, se for divergente do voto da maioria de qualquer commissão do conselho de administração, o que será levado ao "conhecimento do conselho gerai na sua mais próxima reunião.
Art. 37.° No caso de impedimento temporário do secretario geral, o governo formará uma lista de dois annos de directores para ser presente ao governo, o qual designará aquelle que deverá substituir o secretario geral.
§ único. O director escolhido tomará o nome de secretario interino do banco.
Art. 38.° Os honorários do governador e do secretario geral serão fixados pelo governo e pagos pelo banco.
Art. 39.° Os estatutos do banco determinarão:
a) As condições de elegibilidade e de incompatibilidade, duração, restricções e revogação do mandato, e honorários dos directores e membros do conselho fiscal;
b) As attribuições especiaes dos conselhos de administração e geral, que não estejam expressamente definidas nas presentes bases.
Art. 40.° A administração das caixas filiaes será confiada sob responsabilidade do banco, a:
a) Um director nomeado pelo governador;
b) Uma gerência, nomeada pelo conselho geral do banco.
§ 1.° Poderá haver, junto das caixas filiaes ou agencias do banco, uma commissão local de descontos, nomeada pelo conselho geral e presidida pelo director ou por qualquer dos agentes.
§ 2.° Os regulamentos administrativos das caixas filiaes e agencias serão elaborados pelo conselho de administração e apresentados ao conselho geral.
Art. 41.° A administração das agencias será exercida, será responsabilidade do banco, por dois agentes: um d'elles nomeado pelo governador; e o outro pelo conselho geral do banco.
Art. 42.° A responsabilidade do governador, dos directores e dos membros, do conselho fiscal, será regulada pelas regras do contrato dê mandato.
Art. 43.º A universalidade dos accionistas do banco de Portugal será representada pela assembléa geral, e os seus trabalhos dirigidos por um presidente ou vice-presidente, e por dois secretários ou vice secretários, todos eleitos pela mesma assembléa.
§ 1.° Haverá reuniões de assembléa geral:
a) Ordinárias, periódicas ou especiaes;
b) Extraordinárias.
§ 2.° As assembléas geraes ordinárias serão compostas dos duzentos e quarenta maiores accionistas do banco, por acções nominativas ou ao portador.
§ 3.° As assembléas geraes extraordinárias serão compostas de todos os accionistas do banco, que tiverem cincoenta acções ou mais.
§ 4.° Os estatutos do banco determinarão a epocha de reunião das assembléas geraes ordinárias, praso e modo de convocação destas e das especiaes, sua competência de discussão e attribuições, respectivas, numero de accionistas e quantidade de capital para validade das deliberações.
Art. 44.° A assembléa geral extraordinária reunir-se-ha sómente para deliberar sobre alteração de estatutos; praso de duração do banco, augmento de capital na hypothese do artigo 4.°, dissolução e liquidação do banco.
Art. 45.° Nenhum accionista terá mais de um voto, seja qual for o numero de acções que possuir, mas poderá ser representado por outro accionista que for membro da assembléa geral, com procuração bastante, apresentada três dias, pelo menos, antes do dia da reunião; e n'esse caso, o accionista, procurador terá dois votos, um por si e outro pelo seu constituinte.
§ 1.° Os membros do conselho geral do banco fazem parte da assembléa geral, mas sem voto quando não estejam comprehendidos no numero de accionistas designado nos §§ 2.° e 3.° do artigo 43.°
§ 2.° Os estatutos determinarão as condições de competência para tomar parte na assembléa geral como representantes de accionistas.
Art. 46.° Para se formar á lista dos accionistas que deverão compor a assembléa geral, observar-se-hão as seguintes disposições:
a) As acções nominativas deverão ser averbadas nos registos do banco e as acções ao portador ser depositadas no mesmo banco, seis mezes pelo menos antes do dia da reunião.
b) Quando as acções forem havidas por herança ou casamento, contar-se-ha, sendo necessario para perfazer o praso marcado na alinea anterior, o tempo que tiverem estado na posse do antigo proprietário.

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Ministério dos negócios da fazenda, aos 9 de abril de 1887. = Marianno Cyrillo de Carvalho.

O sr. Júlio de Vilhena: - Por um simples acaso trouxe os meus apontamentos para discutir este projecto, porque, fallando francamente, estava longe de suppor que elle entrasse esta noite em discussão, e estava longe de o suppor porque, mesmo aqui, um illustre membro da maioria me disse ha pouco, que depois da votação do orçamento rectificado, entraria em discussão o parecer sobre as emendas offerecidas ao projecto das estradas.
Felizmente como estou munido com os elementos indispensáveis para discutir esta questão, não tenho que mostrar-me resentido por esse facto, e acceito a discussão como agrada á presidência e á assembléa.
Quando começou a discutir-se o projecto de resposta ao discurso da coroa, disse eu que o banco emissor, com as bases apresentadas pelo illustre ministro da fazenda se devia reputar uma fabrica de moeda falsa disse tambem que o banco de emissão, admittida a liberdade da taxa de juro para as operações realisadas por esse estabelecimento, envolveria a eliminação da inscripção que tem actualmente de banco de Portugal, e a sua substituição por uma nova legenda que dissesse: o «grande usurário nacional.»
Desde o momento em que fiz esta declaração no parlamento, v. exa. comprehende que eu estava, e estou, moralmente obrigado a justificar todo o pensamento que esta declaração possa encerrar.
Prometto não fugir do assumpto em discussão. Prometto não entrar em divagações politicas. Asseguro a v. exa. e á assembléa que tratarei unicamente da questão económica, que é uma questão importantíssima, porque entendo que o projecto do governo é sem duvida o mais importante que trouxe este anno á sancção parlamentar.
A minha proposta é a seguinte: Que se adie este projecto até que se proceda a um inquérito, tendente a assegurar qual o systema que mais convém á situação
economica do paiz e até que seja convenientemente regulada a circulação monetária.
Como v. exa. vê, a minha proposta é uma proposta de adiamento, mas, como segundo a disposição do regimento, tem de ficar em discussão conjunctamente com o projecto, justificarei essa proposta e ao mesmo tempo entrarei na analyse do projecto.
Quando em 1874 se discutiu nesta casa a lei de 14 de abril, o partido reformista e o partido histórico, que hoje estão representados no actual gabinete, entenderam conveniente que, antes de tratar-se da reorganisação do banco de Portugal, se procedesse previamente a um inquérito a fim de se averiguar se effectivamente o systema do monopólio da emissão de notas era o que mais convinha às necessidades do paiz. O illustre deputado o sr. Pereira de Miranda que representava nesta casa do parlamento o partido reformista, mandou para a mesa uma proposta que dizia o seguinte:
«A camara dos deputados convida o governo a dedicar-se com toda a solicitude ao estudo de tão grave questão, abrindo um largo inquérito de modo que, esclarecido pelas pessoas e corporações competentes, possa apresentar na proxima sessão legislativa, uma proposta de lei resolvendo a questão da emissão fiduciária em todo o paiz.»
Por consequência, o partido reformista a que v. exa. tambem pertenceu, era de opinião em 1874 que não se podia proceder a uma reforma do banco de Portugal sem previamente se proceder a um inquérito a fim de se averiguar o melhor meio de regular a circulação fiduciária. Mas, não era só o partido reformista que apreciava a questão do modo que deixo exposto, era tambem o partido histórico. Falia o sr. Braamcamp cuja auctoridade ninguém pode negar:
«Porém, como deve ser alterado? Quaes os meios a empregar? Qual a organisação que deve ser adoptada? Esta é a questão e é o objecto para o qual chamo a attenção do illustre ministro, e para o qual peço que seja nomeada uma commissão de inquérito que habilite o governo e as camarás a tomar uma resolução definitiva, a remover as dificuldades contra as quaes luctâmos n'este ponto.»
O sr. Luciano de Castro fallava assim:
«Eu entendo que os poderes públicos não podem nem devem tomar uma deliberação decisiva a este respeito, precipitada e tumultuariamente, sem que procedam a um largo inquérito, para convencer todas as opiniões, despersuadir todos os erros, desfazer todas as illusões, e levar a convicção ao animo dos mais incrédulos.»
Se nós estivéssemos a discutir com lealdade, se houvesse no procedimento do governo a máxima correcção, era evidente que o illustre ministro da fazenda devia respeitar a palavra do sr. Braamcamp, do sr. Luciano de Castro e do sr. Pereira de Miranda, e não devia apresentar a reforma do banco de Portugal sem ter procedido a um inquérito. (Apoiados.)
Sinto que não esteja presente o chefe do gabinete, por que havia de perguntar a s. exa. qual a rasão por que abdicou mais uma vez da sua opinião manifestada no parlamento, não numa questão política, porque ahi a tolerância tem permittido que se mude de Opinião, mas numa questão económica onde se não póde mudar de opinião sem grave transtorno real e effectivo para a economia do paiz. (Apoiados.)
Não está presente o sr. presidente do conselho, mas está presente o sr. ministro da fazenda; pergunto a s. exa. e peço-lhe que me dê uma resposta: Quaes são as rasões que o governo teve para reorganisar o banco de Portugal, tendo abandonado as idéas que tinha sustentado da necessidade do inquérito pelos órgãos mais importantes dos dois partidos representados no poder?
Se quizesse fazer, política nesta questão, eu traria a propósito della as contradicções do partido representado no poder, a historia de todas as suas vacillações e incertezas, mas é escusado. Infelizmente estamos atravessando uma epocha em que a falta de pudor político é tão manifesta, que é tempo perdido descobrir uma contradicção da parte dos membros do gabinete. Fique, porém, claramente assentado que o procedimento do governo demonstra desde já manifesta contradicção, porque proclamou em 1874 a necessidade de um inquérito como base indispensável para a regulamentação da circulação fiduciária, e alguns annos mais tarde apresenta a proposta de uma reforma do primeiro estabelecimento bancário do paiz, falseando completamente o que tinha reconhecido então como uma necessidade inadiável.
Julgo altamente inconveniente para a situação económica da nação que se proceda á reorganisação do banco de Portugal, sem ter sido previamente regulada a circulação monetária do paiz.
A circulação monetária em Portugal está completamente fora de todos os princípios geralmente recebidos pelos congressos e pelos homens mais eminentes na sciencia económica ácerca deste importante assumpto.
Como v. exa. sabe, a lei fundamental da nossa circulação monetária, é a lei de 29 de julho de 1804. Essa lei na epocha em que foi promulgada era um monumento. Essa lei deu logar a um vigoroso debate nesta assembléa em que tomaram parte os estadistas mais notáveis daquelle tempo, Casal Ribeiro, Lobo d'Avila, Fontes, então ministro da fazenda, Júlio Pimentel, emfim, o que havia de mais distincto na sociedade política portugueza. Mas essa lei, que em 1854 era reclamada pelas circumstancias do momento, essa lei não satisfaz actualmente às necessidades do mercado, às suas transações, em uma palavra às necessidades do mundo económico.
A lei assenta no seguinte principio: uma moeda de réis 10$000, vale 17g,735 de 916 2/3 millesimas de toque. Sendo conveniente fixar o valor da libra, que foi tambem

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admittida como moeda legal em Portugal, chegou-se por um calculo muito simples a aquilatar o valor della em 4$500 réis, visto que, tendo a libra o mesmo toque que tinha a moeda de 10$000 réis, a relação de equivalência que existe entre o valor da moeda de 10$000 réis e o, da libra, que pesa 79,981, dá para esta o valor de 4$500 réis. Mas era necessario tambem fixar o valor da moeda subsidiaria de prata, e a lei de 29, de julho de 1854 estabeleceu que 123,5 de prata são iguaes a 500 réis. Desta maneira, estabelecida a relação de equivalência entre a unidade de oiro e a unidade de prata, a prata tem um valor de 14,08 menos que o valor do oiro. Quer dizer que segundo o systema monetário da lei de 1854 a relação para o effeito da apreciação da moeda de oiro e prata era de 1:14,08.
Em 1854 comprehendia-se perfeitamente que a lei estabelecesse esta relação de equivalência entre a unidade de oiro e a unidade de prata, porque isto representava a, situação do mercado e o valor, segundo essa situação, de equivalência entre oiro e a prata.
Mas v. exa. sabe que, conforme as, circumstancias do mercado actualmente, não as circumstancias de momento, porque não se deve attender a ellas numa boa organisação da circulação monetária, mas sim as circumstancias que apresentam um certo caracter de estabilidade e de permanência, a relação de equivalência entre o valor do oiro e o, da prata não é precisamente a que está fixada naquella lei.
Actualmente é mercado que, abunda em prata dá ao oiro em relação á prata um valor muito superior áquelle que tem pela lei de 1854.
Torna-se, creio eu, necessario estabelecer a equivalência entre o valor do oiro e o valor da prata representado na moeda, de maneira que esta equivalência, seja o mais possível approximada do valor que esses dois metaes têem no mercado.
Mas não é só isso, é que a moeda subsidiaria que está no mercado portuguez, tanto de prata como de cobre, uma e outra, estão na relação entre si, completamente fora dos principies geralmente seguidos sobre este assumpto.
Nós possuíamos em 1882 em moeda de prata, os seguintes valores:

Moedas de 50 réis.... 88:522$200
Moedas de 100 réis.... 375:270$200
Moedas de 200 réis.... 794:049$000
Moedas de 500 réis.... 7.736:595$000

Total.... 8.995:436$200

Tinhamos, pois, em circulação em prata, 8.995:436$200 réis, parece-me que não é exagerado o calcular no momento actual, que o valor da moeda de prata em circulação seja de 9.000:000$000 réis.
Ora, 9.000:000$000 réis com relação a 4.500:000 habitantes, tomando esta base para o calculo, equivale a uma percentagem, por habitante, de 2$000 réis de moeda subsidiaria. Isto é inteiramente condemnado por todas as convenções monetárias.
As convenções monetárias têem estabelecido, que não póde nem deve haver mais de 6 francos por habitante de moeda subsidiaria; 6 francos por habitante são 1$080 réis, e nós temos 2$000 réis por habitante; por consequência a nossa organisação monetária falta completamente ao requisito exigido, não só pela sciencia, mas pela pratica de todos os paizes.
Somos, o paiz da Europa em que a moeda de prata representa por habitante uma percentagem mais elevada.
Assim, por exemplo, emquanto que a França tem por habitante 1$166 réis; emquanto que a Bélgica tem 1$389 réis; emquanto que a Suissa tem 1$080 réis, precisamente nos termos da convenção monetária; emquanto que a Italia tem 955 réis por habitante, nós temos 2$000 réis! Quero dizer, nós temos no mercado uma abundância de prata muito superior às necessidades das transacções, ou muito superior áquillo que rasoavelmente se, deve adoptar n'uma boa organisação monetária, e em harmonia com os princípios e regras geralmente seguidos.
Mas não é só isto, é que a moeda de cobre, cuja cunhagem foi auctorisada pela lei de 31 de maio de 1882 na importância de 2.000.000$000 réis, não representa a percentagem que tambem é recommendada pela sciencia, e pela pratica económica das nações.
As mesmas convenções monetárias estabelecem que a moeda de cobre não deve exceder a um terço da moeda de prata, e nós temos apenas 2.000:000$000 réis de moeda de cobre. É claro que esta quantia seria sufficiente para réis 6.000:000$000 de moeda de prata nos termos das convenções; mas 2.000:000$000 réis de moeda de cobre representam uma porção cúprica demasiadamente pequena em relação á moeda de prata em circulação.
Por consequência, sr. presidente, julgo indispensável que seja modificado o nosso systema monetário; que se dê a percentagem de moeda subsidiaria que se deve dar por habitante e que se fixe a existência do cobre em um terço com relação á prata, regulando convenientemente as condições monetárias do paiz.
Eu sei que o illustre ministro da fazenda, se seguir o habito, que tem seguido até agora nas discussões, vae dizer já quem tem a culpa de haver em circulação réis 9.000:000$000 de moeda de prata; vae referir-se às medidas e projectos de lei dos ministros regeneradores que deram auctorisação para se cunhar nova moeda de prata; mas permitta-me s. exa. que lhe diga que se seguir esse systema na sua argumentação, não responde às minhas objecções.
Na minha opinião, o erro existe, e quaesquer que tenham sido os homens d'estado que hajam contribuído para elle, isso é indifferente, quando se trata de uma questão, sob o ponto de vista económico, como eu quero tratar esta.
S. exa. póde refutar a minha argumentação, demonstrando que estou em erro, que sou inexacto, que não estão em circulação 9.000:000$000 réis de prata e que ainda que estejam, as condições monetárias a que me refiro, assentam numa base falsa; o que eu não admitto é que s. exa. para responder á minha argumentação vá esquadrinhar os archivos da camara para me dizer simplesmente quem tem contribuído para esta situação económica, realmente defeituosa.
Dir-se-ha: O que tem a circulação monetária com. a circulação fiduciária?
Não se trata neste momento da circulação monetária, trata-se da circulação fiduciária.
Creio que a camara comprehende perfeitamente que entre uma e outra ha uma completa e intima ligação.
Não ha economista nenhum que não mencione esta ligação que existe entre estas duas espécies de circulação, e os factos económicos têem provado exuberantemente, que a mais pequena alteração com relação á circulação monetária se reflecte immediatamente na circulação fiduciária.
Se em abono da minha opinião, quizesse citar auctoridades, citaria, por exemplo, o sr. Frère Orban, que quando em 1865, discutiu a questão da liberdade do juro nos empréstimos na Bélgica, mostrou claramente que logo que houve uma alteração na circulação monetária da Bélgica, immediatamente a circulação fiduciária, que era de 120 milhões, desceu a no milhões.
Creio ter justificado a minha proposta de adiamento, mas a minha proposta está em discussão conjunctamente com o projecto, e por consequência vou entrar na discussão do projecto.
O projecto do sr. ministro da fazenda é complexo; póde desdobrar-se era quatro projectos; o primeiro pede aucto-

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risação ao parlamento para organisar os serviços da divida publica tanto interna, como externa, em harmonia com as bases deste contrato e com o contrato de 9 de maio de 1879, ou de qualquer outro que ,o substitua; o segundo pede auctorisação ao parlamento para fazer um accordo com os bancos que têem faculdade de emissão de notas; o terceiro comprehende as disposições regulamentares do contrato com o banco de Portugal para o pagamento das classes inactivas; e o quarto, é o que diz respeito á reorganisação do banco de Portugal.
Eu comprehendo, com relação ao primeiro projecto, que o sr. ministro da fazenda pedisse auctorisação á camara para reformar os serviços da divida publica interna, por isso mesmo que uma grande parte destes serviços que têem sido desempenhados por agentes do governo, passam agora a serem desempenhados pelo banco ou por agentes d'este estabelecimento; mas o, que não comprehendo é que venha pedir uma auctorisação para reformar os serviços da divida publica externa que não têem relação próxima com a nova organisação que s. exa. dá ao banco de Portugal.
Mas pergunto: quaes são as bases e os princípios a que o governo deve obedecer na organisação dos serviços da divida publica externa?
Diz o illustre ministro que é o contrato de 9 de maio de 1879, ou outro qualquer que o substitua.
O contrato, de 9 de maio de 1879 é o contrato feito entre o governo e ,o Comptoir d'escompte, abrindo ao governo um credito permanente até 5.000:000 francos, mediante pagamento de juro, que não deve ser inferior á taxa do desconto do banco de França.
Quaes são as idéas do governo ácerca da organisação dos serviços da divida publica externa?
Procurei em todos os artigos do projecto, mas não encontrei cousa alguma por onde possamos apreciar esta questão.
O illustre ministro quer estabelecer uma agencia financial em Paris? Quer estabelecer uma delegação da agencia financial de Londres? O que pretende s. exa.?
O que vejo é uma auctorisação illimitada para a organisação dos serviços da divida publica externa.
Se o governo, ,ao lado deste projecto, trouxesse as bases para a organisação d'estes serviços, indicando o numero de agencias, se são agencias; se soubéssemos, numa palavra, o modo como o governo: quer organisar estes serviços, ainda eu podia comprehende r este pedido; mas uma auctorisação indefinida, tendo por base o contrato de 9 de maio de 1879, mas não dizendo uma única palavra ácerca da organisação destes serviços, não comprehendo.
Mas ha mais. O illustre ministro pede auctorisação para organisar os serviços da divida publica externa, em harmonia com qualquer contrato que substitua o de 9 de maio de 1879.
S. exa., ainda não fez o contrato, não sabe como o contrato de 9 de maio ha de ser substituído, ignora completamente as condições do contrato que ha de fazer, e vem pedir auctorisação para organisar os serviços em harmonia com o contrato que ha de fazer, que fará ou não fará!
O contrato de 9 de maio termina em 1889 e o sr. ministro da fazenda póde já não ser ministro n'essa epocha; e por conseguinte é esta uma auctorisação phantastica e como nunca ministro nenhum pediu ao parlamento.
O governo pede auctorisação para reformar o serviço da divida publica .dentro e, fora do paiz, em conformidade com um contrato que ainda não existe; logo o governo pede uma auctorisação para reformar o serviço da divida publica externa, para depois de 1889. Quero dizer, é uma auctorisação ^de que só póde usar daqui a dois annos. (Apoiados.)
E sem querer fazer política, não posso deixar de extranhar as praticas que o governo está introduzindo no nosso systema parlamentar.
Nós já temos a extraordinária theoria de que uma simples moção política votada por uma camara, serve para relevar o governo de quaesqujer ataques á liberdade, temos a theoria de que, a apresentação de uma proposta póde ser uma espécie nova de bill de indemnidade. Refiro-me á questão dos títulos falsos.
E sr. presidente, eu dou a denominação de títulos falsos, sem que com isso queira declarar que os títulos são falsos, sem que esta expressão tenha a mais pequena idéa de offensa para ninguém. É a chamada questão dos títulos falsos.
Quem ler os documentos que acompanham o relatório do sr. ministro da fazenda não sabe qual o numero de obrigações nominativas que a junta tinha de inverter em titulos ao portador. Eram 12:000? Eram 11:250? Eram 11:110? Não se sabe.
Mas o que ninguém ignora, é que s. exa. fez uma inversão contra as disposições da lei. S. exa. mandou inverter obrigações nominativas em titulos ao portador depois de ter decorrido o tempo marcado nos decretos de 1881 para essa inversão; não havia disposição legal que auctorisasse a inversão de títulos nominativos em titulos ao portador.
E o governo apresenta agora uma proposta que é a censura do seu próprio acto, uma proposta em que se estabelece uma doutrina que já se observou, de maneira que é uma lei de effeito retroativo, uma nova espécie de bill de indemnidade.
Se a inversão estivesse dentro das faculdades do poder executivo, não precisava apresentar uma proposta de lei para estabelecer essa doutrina, porque já estava convenientemente regulado o assumpto.
Seria correcto que viesse pedir um bill de indemnidade e apresentar um projecto para regular a questão para o futuro. Quando vier á discussão esse projecto, hei de propor que elle tenha effeito retroactivo, porque é a maneira de comprehender nas suas disposições o acto praticado illegalmente pelo sr. ministro da fazenda. (Apoiados.)
E por isso que eu digo que as praticas que no systema representativo está introduzindo o governo são praticas abusivas dos princípios que devem determinar a existência do systema, e contra as quaes eu protesto. (Apoiados.)
Agora vem outra theoria nova, vem um pedido de auctorisação, illimitado, absurdo, porque vem a auctorisação para organisar os serviços da divida publica externa sob as bases de um contrato que só terá existência depois de 1889. Isto é impossível.
Eu espero que o sr. ministro da fazenda nos diga ao menos quaes as bases em que vae ser organisado o serviço da divida publica externa, porque só assim é que póde ser discutida a auctorisação que pede.
Vamos a outro ponto. Trata-se de uma auctorisação para contratar com os bancos que têem a faculdade de emissão.
O sr. ministro da fazenda tinha pedido uma auctorisação á camara para contratar com os bancos do Porto. Essa auctorisação envolvia poderes para s. exa. fazer o accordo com esses bancos, accordo que deveria vir ao parlamento, se porventura trouxesse algum encargo para o estado.
A doutrina do sr. ministro da fazenda é inadmissível, e o illustre relator da commissão sabe isto muito bem, porque a primeira cousa que fez, foi emendar o artigo 1.° da proposta do sr. ministro da fazenda; mas aconteceu com este artigo o mesmo que aconteceu com quasi todos os outros artigos da proposta, e é que se o sr. ministro da fazenda tinha redigido mal os artigos, onde o sr. Oliveira Martins poz o dedo, ficou tudo peior do que estava, e v. exa. vae ver a situação em que o illustre relator da commissão deixou este artigo da proposta do governo.
S. exa. entendeu, e muito bem, que no paiz não eram simplesmente os bancos do Porto que tinham a faculdade de emissão ; que havia o banco do Minho e o banco de Guimarães que gosavam d'essa faculdade, e que portanto não se devia attender só aos bancos do Porto.

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E como redigiu s. exa. o artigo?
D'este modo:
«No caso de recusa por parte do banco de Portugal, o governo poderá contratar nas mesmas condições com outro qualquer estabelecimento de credito.
«Não podendo realisar-se o accordo, a faculdade de emissão conferida aos mesmos bancos manter-se-ha conforme as leis respectivas, coexistindo com a emissão contratada nos termos d'esta lei.»
Quer dizer, são respeitados os privilégios dos bancos do Porto, são respeitados os privilégios dos outros bancos do norte do paiz, mas fica tambem respeitado o privilegio do banco de Portugal para o caso em que este estabelecimento se recuse a fazer o contrato com o governo.
Figuremos a hypothese: o banco de Portugal recusa-se a fazer o contrato, mas segundo a doutrina do sr. Oliveira Martins mantem-se o privilegio que actualmente têem todos os bancos...
Logo, fica nos termos das leis respectivas, o privilegio do banco de Portugal de emittir notas no districto de Lisboa; fica, nos termos das leis, a liberdade dos bancos do Porto; e fica, nos termos das leis, a liberdade dos outros bancos do norte do reino.
Se isto é assim, como é que o governo ha de contratar com outro banco que não seja o de Portugal?
O sr. Oliveira Martins: - Tenho a dizer ao illustre deputado que a emenda é da commissão; não é minha; não me cabe essa honra.
O Orador: - Eu referi-me ao sr. Oliveira Martins, porque é o relator, e portanto o representante da commissão, e porque é um economista distincto, ainda que não deixo de considerar tambem como economistas todos os outros membros da commissão.
A interrupção de s. exa. tem a consequência de me fazer repetir o meu argumento.
Fica subsistindo o privilegio do banco de Portugal, e ficam subsistindo, tanto os privilégios dos bancos do Porto como os dos outros bancos do norte. Se isto é assim, como é que se ha de realisar a hypothese do § 1.° do artigo 1.°, isto é, a hypothese do governo contratar com outro que não seja o banco de Portugal?
É completamente impossível.
Nas, bases diz-se que o banco que fizer o contrato terá a emissão de notas no continente do reino. Sé tem a emissão de notas no continente, tem-na em Lisboa. Se a tem em Lisboa não póde coexistir com o banco de Portugal, porque o banco de Portugal, nos termos das leis, tem o monopólio da emissão neste districto.
O novo banco, diz-se, tem o privilegio, e tem agencias.
O novo banco tem agencias, é verdade, mas a sua sede é em Lisboa, e em Lisboa terá de fazer pagamentos. Logo, não póde coexistir com o banco de Portugal uma entidade que tenha a faculdade da emissão de notas, porque o banco de Portugal, nos termos das leis, tem o monopólio dessa emissão.
Isto é claro. (Apoiados.)
Se n'esta discussão houvesse toda a lealdade e franqueza, se não houvesse a obediência aos princípios políticos, o illustre relator seria o primeiro a dizer que era necessario que o projecto voltasse á commissão, porque, nos termos em que está, é impossível conseguir-se que o governo faça um contrato com um banco, que não seja o banco de Portugal, e, se o fizer, a lei é inapplicavel, pois se oppõem a isso as bases.
Não sei se me expressei com clareza, mas parece-me ter evidenciado que a coexistência de um banco com a faculdade da emissão de notas ao lado do banco de Portugal, que tem o monopólio dessa emissão no districto de Lisboa, é completamente impossível, e que portanto se deve eliminar esta parte do artigo 1.°
Não preciso entrar em outras considerações, pois o illustre relator e o sr. ministro da fazenda sabem perfeitamente que não se póde crear outro banco com a faculdade da emissão de notas em Lisboa, porque, para haver um banco com essas condições, sem ser o banco de Portugal, se tinha de dar a este uma indemnisação tão larga, que o próprio governo não teria a coragem de assumir a responsabilidade d'ella.
Por consequência n'este ponto, se a disposição da proposta no sr. ministro da fazenda, referindo-se aos bancos portuenses e não a outros bancos, era má, a emenda da commissão deixou-a em muito peior estado.
Mas não foi só n'este ponto que este facto se deu.
Por necessidade da discussão, vejo-me na obrigação de defender o sr. Marianno de Carvalho contra o sr. relator da commissão.
O sr. ministro da fazenda tinha pedido auctorisação para fazer um accordo com o banco de Portugal, com a clausula de que, se esse accordo importasse augmento de despeza, o traria ao parlamento.
N'esta parte, ao menos, respeitava os preceitos constitucionaes e parlamentares.
O que imagina v. exa., que fez o sr. Oliveira Martins, ou a commissão?
Deu á idéa do sr. Marianno de Carvalho esta curiosissima redacção:
«O governo poderá negociar um accordo com os bancos que actualmente possuem a faculdade de emissão de notas, submettendo o mesmo accordo á sancção legislativa se elle exceder as attribuições do executivo.»
Quer dizer, o governo, na opinião da commissão, pede auctorisação para fazer um accordo, o qual accordo póde estar nas attribuições do poder executivo, ou nas attribuições do poder legislativo.
Mas, se o accordo está nas attribuições do poder executivo, para que vem o governo pedir auctorisação á camara para celebrar esse accordo?
O artigo do projecto do sr. ministro da fazenda comprehende-se perfeitamente, porque s. exa. entendia que não estava nas suas attribuições fazer o accordo com os bancos, e por isso é que pedia á camara auctorisação para o fazer; com a condição de que, se houvesse encargo para o estado, havia de trazer esse accordo ao parlamento.
Mas o sr. Oliveira Martins figurou duas hypotheses. Ou estava nas attribuições do poder executivo, ou não estava; em todo o caso, vinha pedir auctorisação á camara.
A primeira hypothese é escusada; porque, se está nas attribuições do poder executivo, o poder legislativo não tem necessidade alguma de dar ao governo uma faculdade, que está na lei orgânica do paiz.
Mas o que eu desejava é que o illustre relator da commissão me dissesse onde terminam e onde começam as attribuições do poder executivo, e as attribuições do poder legislativo, com relação a accordos celebrados com os bancos.
Isto é muito importante, porque marca a funcção futura do parlamento a respeito de taes accordos.
Qualquer que seja o accordo, virá á camara, se exceder as faculdades do poder executivo, e se, por consequência, estiver nos limites e nas attribuições do poder legislativo.
Ora, eu pergunto ao illustre relator da commissão, e espero que s. exa. me dará resposta, porque é muito capaz de dal-a, quaes são as attribuições do poder executivo, com relação a accordos.
Qual é a disposição da carta, ou qualquer das suas leis complementares que diz até onde chegam as attribuições do poder executivo a respeito de accordos com os bancos, para que nós possamos saber até que ponto se devem exercer as nossas attribuições de fiscalisação, sobre futuros contratos do governo com os bancos que têem a faculdade de emissão.
Mas, sr. presidente, segundo o projecto do sr. ministro da fazenda, s. exa. figurava a hypothese de fazer um ac-

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cordo com os bancos portuenses; e no caso de produzir esse accordo um encargo para o estado, s. exa. trazia o accordo á sancção parlamentar.
Parece-me que esta idéa está tambem envolvida na redacção do projecto, conforme saiu do seio da commissão.
Ora, eu preciso declarar muito terminantemente, que não reconheço no governo a obrigação de fazer accordos com os bancos que têem a faculdade da emissão, trazendo um encargo para o estado.
Como v. exa. vê, este ponto é muito importante. Porque, se effectivamente se reconhecer que o governo póde fazer um accordo com os bancos, com encargo para o estado, o sr. ministro da fazenda Uca habilitado a negociar com os bancos, á sua vontade, embora depois venha pedir a confirmação da camara.
Em todo o caso, a camara desde já reconhece, que o governo tem obrigação de dar uma indemnisação aos bancos, que têem a faculdade da emissão.
Os bancos, que toam a faculdade de emissão de notas no paiz são, os cinco bancos do Porto, o banco commercial do Porto, o banco mercantil, o banco união, o banco alliança e a nova companhia utilidade publica; têem a faculdade da emissão no norte do paiz, alem dos bancos do Porto, o banco de Guimarães e o banco do Minho.
Mas nenhum destes bancos tem direito a que se faça com elle qualquer accordo, que de em resultado um encargo para o paiz.
Parece-me que esta questão não póde ser devidamente tratada senão examinando os títulos constitutivos dessas instituições bancarias; porque precisamente desses títulos constitutivos dessas instituições é que provém os direitos e obrigações que elles porventura possam ter com relação ao estado.
O banco commercial do Porto foi creado em 1835.
O decreto que creou o banco commercial é de 13 de agosto de 1835, e é referendado por José da Silva Carvalho.
E o banco mais antigo do Porto.
O artigo 37.° d'esse decreto diz o seguinte:

«Poderá para effectuar o seu giro emittir uma quantidade de notas, pagáveis ao portador, em letras á ordem, com alguns dias precisos de vista, para commodidade dos viajantes; e esta emissão tanto de notas como de letras, será feita em proporção tal que nunca exponha o banco a diferir os seus pagamentos e nunca excederá três quartos do importe do fundo que tiver entrado em caixa.»
Aqui tem v. exa. qual é o primeiro tittilo da organisação dessa instituição chamada banco commercial do Porto; é o decreto de 13 de agosto de 1835.
Este decreto dava ao banco a, faculdade da emissão de
jactas durante vinte annos; de maneira que esse privilegio do banco terminava em 1855.
O decreto de 17 de julho de 1855 renovou o privilegio desse banco por mais vinte annos; e por consequência em 1875 estava terminado o privilegio, que fôra concedido ao banco commercial do Porto.
Era esta a situação do banco commercial do Porto em 31 de dezembro de 1875; quer dizer, em 31 de dezembro de 1875 caducava, desapparecia, a faculdade da emissão de notas, que tinha sido concedida áquelle banco. E eu logo explicarei porque fixo bem esta data de fins de 1875 e principies de 1876.
O banco mercantil foi fundado por lei do 1 de maio de 1858, e o seu privilegio acabava tambem em 1875.
A situação do banco mercantil, era, para o effeito dos direitos e obrigações, que possam existir entre elle e o governo, identicamente, precisamente, a mesma do banco commercial.
Não acontece o mesmo com relação ao banco união, nem com relação ao banco alliança, porque o banco união, creado pela lei de 20 de agosto de 1861 tem o privilegio illimitado da emissão de notas; da mesma maneira o banco alliança,, creado por lei de 13 de julho de 1863, tinha igualmente por tempo illimitado a faculdade de emissão de notas.
Resta a nova companhia utilidade publica, que foi reor-ganisada conforme a lei de 13 de julho de 18ü3.
Tem uma organisação especial esta companhia.
Não é um banco como o banco mercantil ou o banco commercial, nem como o banco união ou como o banco alliança; é um banco ou companhia propriamente agrícola, fundada nos termos da lei de 1863, que permittiu aos bancos agrícolas a emissão de notas.
Esta é a situação legal, a situação de onde derivam os direitos e obrigações que porventura possam ter estas instituições bancarias do Porto, cujos privilégios podem ser mantidos, e o são na realidade, pelo artigo 2.º do projecto que se discute.
Agora pergunto eu:
Nos termos deste titulo orgânico, desta instituição bancaria, qualquer destes bancos, e em especial os dois cuja faculdade de emissão terminava em fins de 1875, póde ter direito a uma indemnisação no caso de ser da parte do governo privado da faculdade da emissão de notas?
Responde a lei de 14 de abril de 1874, que teve uma larga discussão nesta casa e cujas disposições são terminantes a este respeito.
Diz o artigo 3.º dessa lei:
«O privilegio e faculdade da emissão de notas não poderá ser retirado ao banco de Portugal nem aos mais estabelecimentos a que haja sido ou de futuro for concedido senão por disposição de lei que regule de outro modo a circulação fiduciária.»
Segundo essa lei o governo póde alterar a faculdade da emissão e nenhum banco tem por isso direito a indemnisação, se o governo constituído julgar conveniente expropriar, por assim dizer, os bancos da faculdade da emissão de notas, faculdade que têem pela sua instituição orgânica, nem por isso o governo fica obrigado a indemnisal-os, e a lançar no orçamento do estado o encargo respectivo.
Que esta é a verdadeira intelligencia da lei não deve restar a mínima duvida.
No relatório da commissão de fazenda que precede a lei de 1874, diz-se:
«E isto era tanto mais equitativo, quanto é certo que similhante faculdade e privilegio de emissão, equivalente em parte ao direito da emissão da própria moeda, nem é susceptível de ser comprado ou vendido, nem póde ser conferido a qualquer banco para interesse dos seus accionistas unicamente, nem para o interesse exclusivo do thesouro, mas sim para vantagem do commercio, da industria e do publico em geral.»
Quer isto dizer que ficou perfeitamente estabelecido no parecer da illustre commissão de fazenda, que precedeu o projecto de onde saiu aquella lei, que a faculdade da emissão de que gosavam os bancos, dictada por utilidade publica, era uma mera concessão da parte do poder legislativo, concessão que podia ser retirada todas as vezes que o interesse do paiz assim o exigisse.
Continuava a illustre commissão:
«E attendendo a que a concessão do privilegio da emissão no districto de Lisboa por um espaço de tempo determinado e tão largo como o de vinte e quatro annos poderia ser considerado como abdicação da liberdade dos poderes públicos para por este modo regularem a emissão e a circulação fiduciária em todo o paiz, ou mesmo para só alterarem a forma e as condições do seu exercício, collocando-se estes na impossibilidade legal de introduzir na constituição das instituições de credito, entre nós ainda pouco desenvolvidas e aproveitadas, as reformas úteis que podem ser reclamadas pelas vicissitudes commerciaes e financeiras, ou aconselhadas pela experiência.»
Era conveniente não se suppor que os poderes públicos

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abdicavam do direito que tinham de regular convenientemente a circulação fiduciária do paiz.
Por consequência, a idéa do encargo para o estado, que transluz do projecto da illustre commissão e da proposta do sr. ministro da fazenda, está completamente fora das disposições legaes, e o governo não tem obrigação nenhuma de inserir no orçamento do estado o encargo, que póde sor importante, desde o momento em que organise em novas bases o banco de Portugal.
Inisto neste ponto, porque leio, tanto no relatório do sr. Oliveira Martins, como no do governo, que a circulação fiduciária dos bancos do Porto é insignificante, fazendo suppor assim ao parlamento que a indemnisação por virtude da eliminação d'esse direito será uma indemnização muito moderada.
Peço licença a s. exas. para lhes observar que não é tão insignificante como á primeira vista parece. E insignificante em relação a cada banco, mas não o é com relação á totalidade d'elles. (Apoiados.)
Em 31 de outubro de 1886 os bancos do Porto tinham esta circulação:

Commercial .... 168:960$000 réis
Mercantil.... 316:234$000 »
União.... 371:000$000 »
Alliança .... 674:700$000 »
Utilidade publica .... 479:090$000 »

Total......... 2.010:034$000 »

Uma circulação de 2.010:034$000 réis pôde-se julgar uma circulação fiduciária insignificante? Não é. Compare v. exa. a cifra dessa circulação, na sua totalidade, com a circulação do banco de Portugal, e verá com certeza que a circulação dos bancos do Porto é quas-i metade da circulação fiduciária do banco de Portugal.
É necessario estabelecer bem este ponto, para que não venham o illustre relator da commissão e o sr. ministro da fazenda, com modos muito suaves, com maneiras muito mansas, insinuar que é insignificantissima, a circulação fiduciaria dos bancos do Porto para lançar no espirito da camara a idéa de que a indemnisação será insignificante!
A circulação fiduciária do Porto, em 31 de dezembro, era de 2.000:000$000 réis e a do banco de Portugal era de 5.000:000.0000 réis na mesma data; não ha portanto relação insignificante, como parece deduzir-se tanto das palavras da commissão, como do relatório do sr. ministro da fazenda. (Apoiados.)
Não quero prejudicar os bancos do Porto, nem os outros bancos do norte do paiz, mas não quero tambem no orçamento um encargo com relação a este assumpto. Acho perfeitamente coherente, acho acceitavel que na occasião em que o governo faz uma concessão ao banco de Portugal, numa das bases d'esta concessão trate de regular a questão com relação aos bancos do Porto e a quaesquer outros nas mesmas circumstancias. Comprehendo que se approximasse do systema alleinào, comprehendo que o governo inscrevesse entre as bases reguladoras do futuro accordo com o banco de Portugal uma clausula, uma base que fizesse recair sobre o banco o resultado da expropriação da circulação fiduciária do norte do paiz. Acho natural que isso se faça: e visto que nos bancos do Porto póde cessar a circulação, parece-me de equidade que se dê uma indemnisação a esses bancos, que não represente um encargo para o paiz, mas que se deva considerar como encargo do banco de Portugal, proveniente da concessão que o sr. ministro da fazenda lhe vae fazer.
Por consequência, fique perfeitamente accentuado o meu pensamento. Não quero prejudicar as instituições bancarias do norte do paiz, como não quero sobrecarregar o orçamento com um novo encargo; regule-se o direito de emissão convenientemente com relação a estes bancos, ou limitando a sua circulação, ou recebendo o novo banco as notas dos outros pelo seu valor nominal, em summa por qualquer d'aquelles expedientes que a experiência bancaria tem aconselhado; fixe s. exa. uma nova base no seu projecto, com relação a este assumpto, mas exclua-se completamente a idéa de que se ha de sobrecarregar o orça mento do estado com um novo encargo. (Apoiados.)
Passo ao terceiro ponto, que é o contrato feito entre o governo e o banco de Portugal para pagamento das classes inactivas.
Declarou o sr. ministro da fazenda no seu relatório que julga esta operação altamente vantajosa, por isso que reduz no anno seguinte e nos subsequentes os encargos do orçamento.
Diz s. exa. que a divida ao banco até 30 de julho ultimo era de 2.653:000$000, réis, sendo os encargos correspondentes no orçamento de 155:000$000 réis e as despezas por outros ministérios para pagamento das, classes inactivas de 1.800:000$000 réis.
D'este modo a despeza de 1.955:000$000 réis fica reduzida no anno seguinte a 972:000$000 réis, e, portanto, ha uma reducção de 983:000$000 réis.
O que se observa neste ponto do projecto?
A continuação da applicação do expediente do sr. ministro da fazenda. (Apoiados.)
Isto não é senão a applicação do mesmo principio que s. exa. tinha realisado com relação às estradas, em que em vez de gastar 1.200:000$000 réis, passou a gastar réis 1.600:000$000, inscrevendo apenas no orçamento a annuidade correspondente que são 93:000$600 réis.
D'esta maneira ,o illustre ministro realisou, no dizer de s. exa. e no do seu coadjuctor o sr. Carrilho, uma economia na importância de mais de 1.000:000$000 réis, que, conjunctamente com esta nova economia, póde perfazer a cifra de 2.000:000$000 réis, o que será no orçamento do anno seguinte o bastante para equilibrar a receita com a despeza.
Ora isto não é senão uma habilidade orçamental, (Apoiados.) e o que sinto é que o illustre ministro e o sr. Carrilho não levem mais longe este systema; porque eu com este systema inaugurado por s. exa. embora não seja financeiro nem nunca tivesse dedicado para ahi as minhas attenções, obrigo me a fazer um orçamento em que figure apenas uma decima milésima de real no orçamento de despeza ; em vez de contratar um empréstimo para pagamento das classes inactivas, contrato tambem um empréstimo para pagamento das classes activas com qualquer estabelecimento bancário, elimino os encargos actuaes a respeito das classes activas e insiro no orçamento a annuidade correspondente, e apresento o orçamento com grande saldo. (Apoiados.)
Quando se entra n'este caminho vae-se até ao fim.(Apoiados.)
Mas este systema do illustre ministro, elevado ao mais alto grau, póde fazer desapparecer inteiramente a despeza do orçamento. (Apoiados.)
As vantagens financeiras d'este empréstimo não são tão grandes como á primeira vista parece: porque observo, segundo as condições d'este empréstimo, que quando os fundos em Londres estiverem a 54, o governo paga 5 1/2 por cento, quer dizer, paga exactamente o mesmo juro que o banco receberia se em vez de emprestar o seu dinheiro ao governo, o tivesse empregado em fundos a 54 com uma pequeníssima differença de 0,05.
Quando os fundos externos estiverem a 50, o banco recebe 5,98, quer dizer, dá de presente ao estado 2 centésimos, porque o juro será então de 6 por cento e o governo paga 5,98.
Sei que o illustre ministro da fazenda, talento mathematico da primeira ordem, é capaz de me demonstrar n'esta hypothese que os 2 centésimos a juros compostos durante um numero de annos igual áquelle que tem decorrido desde

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a creacão do mundo até hoje, é capaz de produzir um capital tão grande que chegue para a amortisação da divida de todos os estados.
Mas effectivamente os 2 centésimos que ao governo dá de presente o banco de Portugal, não me parece que sejam um favor, um presente tão grande, especialmente quando recebe por este projecto uma concessão tão valiosa.
O illustre ministro da fazenda, para justificar o contrato com o banco, não carece de ir buscar os empréstimos anteriores, contrahidos com o banco de Portugal, para o pagamento às classes inactivas. Sabe v. exa. porquê? Porque as condições em que contratou com o banco de Portugal são diversas d'aquellas que predominavam quando se contrataram os empréstimos anteriores, porque o banco de Portugal vem agora contratar com o governo, precisamente na occasião em que d'elle recebe um alto favor, qual é o que resulta das bases deste contrato. Portanto, o governo contrata com o banco de Portugal em circumstancias perfeitamente excepcionaes, e, apreciadas ellas, o contrato do governo com o banco de Portugal para o pagamento às classes inactivas não se póde dizer que seja tão favorável e tão útil para o paiz que possa considerar-se como um padrão de gloria para o sr. ministro da fazenda.
O assumpto, porém, que eu me proponho principalmente tratar, é o relativo á organisação do banco de Portugal. Até agora tenho fallado em disposições secundarias do projecto do governo, mas aquillo que eu supponho fundamental, preeminente, o que em meu pensar mais deve attrahir a attenção da camara é o que diz respeito á organisação, á estructura, como lhe chamou muito bem o sr. relator da commissão, do estabelecimento chamado banco de Portugal, ou qualquer outro estabelecimento com que o governo possa contratar.
Eu não quero entrar na discussão theorica de qual dos dois systemas é preferível, se o systema do monopólio da emissão de notas, se o systema da completa liberdade de emissão e de circulação fiduciária, se o systema mixto, quer dizer, nem o monopólio, nem a illimitada liberdade da circulação fiduciária, o systema seguido e defendido por um economista notável, Michel Chevalier, que é a pluralidade dos bancos de emissão; nem é o monopólio que dá unicamente a um banco a liberdade de emissão, nem é a liberdade completa a todos os bancos, é um certo e determinado numero de bancos, aos quaes o governo concede a faculdade da emissão fiduciária.
Eu sigo a theoria de que é indispensável organisar o banco com a faculdade exclusiva da emissão de notas. Por consequência acceito o pensamento fundamental do projecto. Não me seduzem as theorias económicas que deixam á. livre concorrência o resolver as crises e desastres provenientes dessas crises; o que desejo é que esse estabelecimento esteja de tal maneira organisado, tenha uma base tão solida; que a sua medula seja tão forte, tenha tanta resistência que não possa haver abusos, nem possa haver convulsão económica que lhe cause a ruína. Toda a questão assenta nestes dois principios. É conveniente organisar o banco de Portugal ou qualquer banco que tenha o privilegio, o monopólio de notas, de maneira que esse banco, em vez de fabricar moeda falsa, lance no mercado titulos que tenham representação e valor real. Ha dois pontos a estudar na organisação proposta pelo sr. ministro da fazenda para o banco de Portugal: é a questão da reserva metallica e a questão da taxa do juro.

Se o sr. ministro da fazenda reorganisasse o banco de Portugal de maneira que as notas em circulação representassem um valor real, effectivo nas posses do banco, se a faculdade dá" emissão de notas não fosse tão larga, como é, eu daria o meu apoio, a minha completa approvação ao projecto do illustre ministro; mas o que acontece? O banco tem um capital de 13.500:000$000 réis e póde emittir notas na importância do dobro do seu capital effectivo; quer dizer, póde emittir notas na importância de 27.000:000$000 réis. Um banco com o capital de 13.500:000$000 réis póde ter em circulação 27.000:000$000 réis em notas?
É completamente impossível dar esta faculdade illimitada a um banco sem que uma parte dessas notas não seja o que se chama = moeda falsa = (Apoiados.)
Supponhamos que o capital do banco está subscripto é completamente pago; por consequência tem um capital de 13.500:000$000 réis, tem em circulacção 2 7.000:000$000 réis em notas: pergunto, o que é que garante esses réis 27.000:OOO$OOO.
Responde o projecto do governo, é o terço constituído em reserva metallica.
Por consequência, 9.000:000$000 réis é o real, alem do fundo de reserva de 30 por cento do seu capital.
Por consequência, o banco não tem em valor real e effectivo senão 13.050:000$000 réis para 27.000:000$000 réis de notas; quer dizer ha um déficit, isto é, em circulação, uma grande importância de notas sem possibilidade de reembolso immediato.
É evidente que não conto nem posso contar com os valores em deposito, nem com as obrigações exigíveis a praso. Aquelles porque são passivo e não activo do banco e estas porque são valores immobilisados durante o praso do vencimento.
Desejo que o illustre ministro ou o sr. relator organisem um projecto de balanço nestas condições capital réis 13.500:000$000, notas em circulação o dobro, réis 27.000:000$000, fundo de reserva 30 por cento.
O sr. Oliveira Martins: 4.050:000$000 réis.
O Orador: - Peço que me apresentem um balanço nesta situação, em que haja uma representação real e effectiva e immediata para estes 27.000:000$000 réis de notas, e eu depois discutirei esse balanço.
Qual é a reserva metallica que o banco deve ter?
A reserva metallica é marcada no projecto do sr. Marianno de Carvalho da seguinte forma:
«A reserva metallica em moedas ou barras de oiro será igual a um terço da importância total das notas em circulação e de outras quaesquer responsabilidades exigíveis á vista.»
Primeira questão. O terço das notas em circulação e dos valores exigíveis á vista dará toda a garantia, apresentará para o paiz toda a segurança de que o banco não possa desapparecer á primeira crise, e que á primeira aragem de pânico na praça não possa desabar? A garantia do terço será uma garantia solida e estável para um estabelecimento desta ordem?
Eu, se fosse ministro da fazenda, não organisava um banco nestas circumstancias como s. exa. organisa, assumindo uma grande responsabilidade no futuro perante o paiz ; organisava-o segundo os princípios da legislação hollandeza, pelo que respeita á reserva metallica para garantia das notas em circulação e dos valores exigíveis á vista. Se nós tivéssemos procedido a um inquérito, talvez dos depoimentos d'esse inquérito podessem resultar alguns elementos de apreciação relativamente a este ponto, que é fundamental numa boa organisação; mas não temos esse inquérito.
Em França fez-se o inquérito em 1865. Depozeram n'elle capitalistas, directores de bancos, operários, industriaes, economistas, numa palavra, todos os homens que podiam ter conhecimento deste assumpto. Por consequência é-me licito recorrer a estes depoimentos, porque não tenho em Portugal um inquérito que me possa habilitar a apresentar, fundada em elementos sólidos, a minha opinião ácerca desse assumpto.
Vou portanto recorrer á opinião desses homens que figuram no inquérito que se fez ao banco de França, porque elles têem um inteiro e cabal conhecimento deste assumpto.
Refiro-me em primeiro logar á opinião do distincto economista o sr. Wolouski. Dizia elle:
«O limite necessario da reserva é cousa variável; mas

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na situação presente a necessidade de uma forte reserva metallica torna-se cada vez mais urgente. A organisação do banco de Inglaterra deixa, sob esse ponto de vista, menos a fazer á previdência humana, emquanto que a organisação do banco de França exige, entre os que governam, uma grande prudência, augmenta a responsabilidade dos que se arriscassem a deixar descer a reserva, se não elevassem a tempo a taxa do desconto.»
E depois, referindo a phrase de Napoleão, que dizia que a única operação permittida aos bancos eram os descontos, acrescenta: «Com effeito as notas não devem circular senão quando estão garantidas por metal ou por boas letras de cambio a curto praso, emittidas em representação de productos creados e proximamente consumiveis».
Aqui tem v. exa. qual era a opinião de um homem que depunha nesse inquérito, feito ao banco de França. Não podia admittir que houvesse instituições bancarias, que não fossem apoiadas em uma forte reserva metallica. E logo mostrarei a s. exa. com exemplos de casa, com o exemplo do banco de Portugal, que o terço nunca se póde reputar entre nós, uma forte reserva bancaria.
Falla depois o sr. Pinard, director do Comptoir de escompte: «A emissão de notas deve ser proporcionada por um lado á reserva, por outro á carteira e a tudo o que é valor activo e essencialmente realisavel. Dada uma reserva de trezentos milhões, se o activo é bem realisavel as notas podem chegar a novecentos milhões.
«Por outros termos, o limite que a prudência indica para a emissão de bilhetes é o triplo da reserva metallica. Esta proporção não é, bem entendido, uma lei absoluta. Ella póde variar numa certa medida, conforme se estiver em presença de uma crise que leve o stock metallico para longe, ou de uma crise que o traga para o interior.»
Falla por fim o sr. Lavenay.
Este economista fez o seu relatório, depois de apurada a opinião de todos os depoentes ácerca deste assumpto, e terminou, com relação á reserva metallica, nos seguintes termos:
«Um certo numero de depoentes indicaram a proporção do terço, como a mais geralmente acreditada; alguns pensaram que a proporção da metade daria uma base mais segura á moeda fiduciária e conteria melhor o seu desenvolvimento exaggerado.
«Outros têem entendido que uma regra geral não devia ser adoptada. Todavia nós pensamos que a opinião geral é ver a emissão apoiada sobre uma forte reserva. As opiniões pareceram não deferir senão nos meios.»
Por consequência o inquérito não differe senão nos meios, e dá como resultado a consagração de um principio, e este principio é, que nunca se póde admittir instituição bancaria, que não seja fundada numa forte reserva metallica. E qual é a forte reserva metallica? Será o terço ?!
Vou mostrar a v. exa. que nunca o banco de Portugal se julgou sufficientemente garantido com o terço, como reserva metallica.»
A crise de 1876 é para nós uma lição, e uma lição que deve aproveitar-se.
Pois o relatório apresentado pelo banco de Portugal em agosto de 1876 ácerca da crise vem mostrar perfeitamente, que a reserva metallica do terço não é sufficiente para assegurar a direcção do banco contra a hypothese do desmoronamento d'aquella instituição.
Disse a direcção do banco de Portugal:
«Achava-se então (22 de maio) a reserva metallica em oiro e prata elevada á cifra de 1.795:740$000 réis, sendo a circulação representativa do primeiro d'aquelles metaes na mesma data de 2.745:540$000 réis.»
Por consequência a reserva metallica era muito superior ao terço, porque era de 1.700:000$000 réis em relação a 2.700:000$000 réis.
Pois qual é a opinião da direcção?
É esta:
«Não desconhecia a direcção comtudo os perigos da situação e a necessidade de defender tão forte reserva, adquirida á custa de um avultado sacrifficio?.»
Aqui tem v. exa. para que havemos de interrogar as opiniões dos estrangeiros, se temos uma lição fecunda na crise de 1876?! Pois não é o banco de Portugal que está dizendo que em 22 de maio de 1876 tinha em circulação 2.745:000$000 réis e na reserva 1.700:000$000 réis, por consequência muito superior ao terço, e não é ella que diz; que não desconhecia comtudo os perigos da situação, e a necessidade de contar com fortes reservas adquiridas á custa de um avultado sacrifício?
Mas ha mais, sr. presidente. Continua a direcção:
«Como meio de defender a reserva adquirida, solicitava por isso a direcção, baseando-se em rasões económicas, muitas vezes produzidas, a elevação da taxa de juro a 6 por cento, pelo governo promptamente concedida por decreto já citado de 18 de maio.»
A reserva era superior a um terço e note-se bem que a direcção pedia ao governo que lhe desse licença para augmentar a taxa do juro. Entendia que mesmo com aquella reserva era necessario levantar o juro a 6 por cento.
Por consequência a reserva do terço não dá o juro baixo, e a própria direcção está demonstrando a necessidade de levantar o juro, embora a reserva metallica seja superior a um terço.
Continua a direcção do banco:
«As reservas baixavam gradualmente ; mas, á parte a exportação, era similhante facto normal neste período do anno; e por outro lado a circulação diminuíra tambem a principio. Em 30 de junho era a reserva, sempre com exclusão do cobre, 1.074:891$000 réis e a circulação réis 2.490:450$000.»
Por consequência ainda a reserva estava muito acima do terço porque era de 1.074:000$000 réis para uma circulação de 2.495:000$000 réis.
A direcção do banco de Portugal foi protegendo a reserva emquanto póde e nunca se julgou segura tendo uma reserva superior a um terço; até que chegou o dia fatal, que como toda a gente sabe foi de luto para a praça de Lisboa, e o banco de Portugal teve de fechar as suas portas.
Chegara a crise que ella temia.
É necessario ler a historia do banco de Portugal, ver o que se passou, ler os relatórios e tirar as consequências.
São fáceis de tirar; na situação normal e regular do nosso mercado, a reserva metallica do terço é mais que sufficiente e nisso estou de accordo com o sr. ministro da fazenda; mas em occasião de crise não basta e é necessario que o governo organise e prepare esta instituição para poder salvar-se d'ella.
Estou de accordo com o sr. ministro da fazenda em que a reserva do terço nas circumstancias regulares das transacções, na normalidade do mundo económico é mais que sufficiente para garantir o triplo da circulação fiduciária, mas é necessario que o banco de Portugal fique sendo em occasião de crise o dispensador do credito para os outros bancos; é necessario que s. exa. o organise de maneira que elle, dando-se amanhã uma crise, não seja o primeiro a fechar as suas portas.
E bom saber-se que até n'aquelles paizes onde está fixado o terço de reserva metallica, é ella quasi sempre muito superior, embora esteja fixado o terço na lei orgânica dos bancos e embora se lhes dê a faculdade de harmonisarem a sua reserva de accordo com o governo. Ainda mesmo nos bancos mais importantes, nesses mesmos, a reserva metallica excede muito um terço das notas em circulação.
Vou ler o que se está passando em Inglaterra e em França.

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No balancete do banco inglez de 26 de maio vê-se o seguinte :

Caixa, oiro e prata .... f 23.069:100
Carteira.... » 18.660:929
Depósitos públicos .... » 4.984:893
Ditos particulares .... 26.110:343
Circulação .... » 24.532:270
Reserva em notas .... » 13.446:990

Ha poucos dias ainda tinha 50 milhões de libras em notas e depósitos particulares, e comtudo a sua reserva metallica era de 23 milhões dê libras; quer dizer tinha uma reserva metallica que podia garantir uma circulação de notas e depósitos na importância do 70 milhões de libras.
Vejamos a situação do banco de França em 26 de maio, e por consequência ha bem poucos dias ainda:

Caixa, oiro .... 1.201.425:674
Caixa, prata .... 1.172.844:178

arteira ....2.374.269:857
Conta corrente do thesouro.... 237.
Ditas particulares .... 366.476:270
Circulação .... 2.698.691:295

Tinha em circulação notas no valor de 2.698.691:295 francos, f a existência em metal, para garantir estas notas era de mais de dois milhares de francos, quer dizer, a que reserva metálica serviria, para cobrir uma circulação de obrigações á vista na importância, não de dois, mas de sete milhares de franco?. Isto num estabelecimento solidamente organisado.
Mas ha mais alguma cousa. V. exa. imagina que o valor das notas em circulação o dos depósitos é garantido pelo terço? Póde ser ou não ser.
Pois o illustre ministro tem n'este artigo o seguinte:
«§ 2.º A reserva metallica só excepcionalmente poderá descer do limite designado no paragrapho antecedente quando, em vista de exposição motivada do conselho geral do banco, o governo, por decisão tomada em conselho de ministros, assim o auctorise.»
Quer dizer que pode descer a reserva metallica alem do terço ; quer dizer que o terço não ú nunca obrigatório. Segundo a lei, a direcção do banco, conjunctamente com o governo, póde resolver, que em vez de ser um terço das notas em circulação, seja simplesmente um quinto, um sexto, uma percentagem sem fixação.
Ora eu pergunto ao sr. ministro qual é o banco que s. exa. conhece onde haja esta liberdade de fixar o governo, de accordo com o banco, a reserva metallica que deve garantir as notas e depósitos S. exa. tem a organisação da Bélgica, que é aquella que mais se accommoda á organisação do seu projecto. K o que encontra o illustre ministro com relação á Bélgica? Effectivamente está fixado o terço para a reserva metallica, e ha a faculdade de descer esta reserva; mas, para acautelar o banco, a lei estabeleceu um limite que é um quarto das notas em circulação e dos depósitos á vista.
E note o illustre ministro que a organisação do banco da Bélgica é uma d'aquellas que menos garantias deixa á circulação fiduciária; mas não chega a este estado, verdadeiramente infeliz em que o illustre ministro vae deixar o banco de Portugal, porque vae deixar-se na mão d'elle o ter uma reserva metallica que póde ser numa importância tal que não garanta senão uma pequeníssima importância das notas em circulação. Isto é serio? Creio que não.
É um banco que empresta dinheiro ao governo, um banco que têm o governo na mão um banco, que da forma por que se pretende organisar, póde muitas vezes hão ficar com a reserva metallica necessária para garantir a mais pequena, quantia de notas em circulação.
Portanto, peço que se deixe ficar no projecto um limite para o caso de descida da reserva, que se deixe ficar ao menos uma disposição que não permitia que a reserva desça alem do quarto.
A circulação fiduciária exagerada póde, por si só, occasionar uma crise? De certo que póde.
Ha muita gente que imagina que uma crise económica nunca póde ser motivada por demasiada circulação fiduciaria ; mas se eu quizesse apresentar exemplos em contrario, citaria a crise dos bancos da Escócia, em 1760, que não foi mais do que o exagero da circulação fiduciária, e a crise americana que deu origem á reforma de 1863, que teve por fim garantir a emissão das notas, por meio de depósitos de títulos de divida publica nas mãos do estado.
Desde que o banco de Portugal tem de pagar aos empregados, tem de pagar os salários dos servidores do estado de toda a espécie, comprehende-se perfeitamente que possamos chegar a um ponto em que as notas estejam de tal sorte derramadas por todo o paiz, que ao primeiro systema de pânico o banco tenha de cessar pagamentos.
Está apurado que nunca houve crises senão quando a circulação monetária escaceia: este facto foi sempre a causa principal da crise.
Desde que se dê esse desequilíbrio, desde que a moeda não seja sufficiente para satisfazer a porção de notas em circulação a crise é inevitável.
Desejo muito que não se realise uma crise em Portugal, mas receio que o sr. ministro da fazenda, organisando esta instituição com as mais elevadas intenções, receio, digo, que as consequências sejam desastrosas para o paiz.
Passarei agora ao ultimo ponto, que se refere á taxa do juro.
A taxa de juro alem de por cento é dividida em Lisboa entre o governo e o banco, e a taxa das succursaes nas províncias, que póde ser augmentada em 2 por cento, pertence exclusivamente ao banco.
Em primeiro Jogar pergunto ao sr. ministro da fazenda porque ú que s. exa. entende conveniente que haja uma taxa de juro para Lisboa e outra para as províncias. Admiro-me que s. exa. subscrevesse este projecto, deixando ao banco a liberdade da fixação da taxa do juro.
V. exa. sabe que o banco de Portugal trabalhou constantemente para tirar ao ministerio transacto o direito que o governo tinha de auctorisar ou não a elevação da taxa.
A direcção do banco de Portugal e o conselho fiscal, nos seus pareceres, sustentavam que o banco catava em péssimo estado, e que era preciso que o governo lhe desse a máxima faculdade da fixação da taxa de juro. Este foi
sempre o ideal da direcção do banco, e percebe-se a rasão porque. De maneira que ha de haver a taxa de 6 e 7 por cento e a que mais agradar á direcção do banco, e como o governo tem interesse na elevação da taxa, o governo ha de sempre applaudir a elevação da taxa. Isto é organisar a usura. (Apoiados.)
É por isso que eu digo que o banco, tal qual se acha organisado, é o grande usurário nacional. (Apoiados.)
Mas qual é a consequência económica d'este facto? A consequência será que quando o banco levantar a sua taxa, os outros negociantes hão de também levantar a sua. E o que aconteceu em França, e o que acontece em toda a parte, quando tem logar uma elevação da taxa do juro.
V. exa. quer ver o que pede a direcção do banco de Portugal ácerca deste ponto? Diz a direcção do banco de Portugal no seu relatório respectivo á gerencia de 1883:
«Não póde este banco, em virtude da lei que lhe concedeu o privilegio exclusivo da emissão de notas, elevar a taxa do juro sem prévia auctorisação do governo. Os sacrifícios que o banco annualmente faz em beneficio do paiz, embora tenha este privilegio, parece que lhe devem dar o direito de esperar que a lei seja n'esta parte modificada, dei-

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SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JUNHO DE 1887 1111

xando ao prudente arbítrio das direcções o regularem a taxa do juro, como acontece nos outros paizes.»
O ideal da direcção do banco de Portugal é augmentar os seus dividendos, é augmentar os lucros dos accionistas. O que a direcção do banco pede é precisamente aquillo que lhe concede o sr. ministro da fazenda
Diz o conselho fiscal:
«A pratica aconselha a liberdade da taxa de juro e a lei do banco aconselha o contrario. Ao conselho fiscal cumpre neste ponto associar-se às idéas formuladas no relatório da direcção, para que ao prudente arbítrio desta seja facultado fixar livremente a taxa do juro, conciliando as conveniências do mercado com as do banco.»
Quer attender às conveniências do mercado, mas sempre descobre a sua idéa fixa; não se esquece das conveniências do banco.
N'este assumpto eu tenho muitas duvidas ácerca da interpretação do artigo que está no projecto da illustre commisão porque em 1884 o concelho fiscal de banco de portugal dizia o seguinte:
«Este encargo, que colloca o nosso banco nas condições mais desfavoráveis do que as dos outros estabelecimentos de igual natureza, os quaes podem de prompto taxar o juro conforme as situações da praça e condições da operação nem sempre é compensado com as vantagens da emissão, sujeita alem d'isso, a despezas e encargos, que de vós são conhecidos.»
O conselho fiscal desejava, a liberdade da taxa do juro, mas desejava mais alguma cousa ainda; desejava fixar a taxa do juro conforme as condições da operação.
Ora, o artigo do projecto falla em taxa uniforme reguladora das operações; e eu não sei se nesta expressão: reguladora das operares, está envolvida a idéa de para os empréstimos sobre penhores poder haver uma taxa, para descontos outra, e para quaesquer outras operações do banco outra.
Eu desejava que o illustre relator da commissão me esclaresse a este respeito.
O pensamento do banco era ficar com a máxima liberdade da taxa, quer dizer, os empréstimos sobre penhores haviam de ser feitos, conforme as condições dos iudividuos, segundo a taxa que ao banco agradasse.
Mas isto é banco, ou é casa do penhores, como muitas dessas que por ahi existem pelas travessas de Lisboa?
O governo quer organisar uma instituição séria, ou quer organisar uma casa de penhores unicamente para explorar as classes que tiverem de recorrer a ella?
E tudo extraordinário aqui.
O governo dá as mãos á direcção do banco, e estende a cabeça por cima dessa direcção para espiar os lucros que ella aufere dos negócios que faz, a fim de ir buscar uma parte do que o banco recebe!
Isto é moral ?!...
Pois ha nada mais immoral do que haver um governo que tira ao pobre alguma cousa do que elle vae lançar na caixa do banco, porque tira uma parte dos lucros d'esse banco? (Apoiados.)
Não é esta a missão dos estados. (Apoiados.)
Por isso eu mando para a mesa uma proposta, que espero que seja acceita pelo sr. ministro da fazenda.
Ao menos que este projecto seja redimido, e a redempção d'elle está na minha proposta.
A minha proposta é para que o banco possa elevar a taxa do juro, sendo um terço d'essa elevação para o banco e os outros dois terços para uma instituição destinada ao melhoramento das classes operarias.
Acceito o sr. ministro da fazenda esta proposta, que realisa um grande principio.
Esta idéa não é nova. A applicação que eu lhe dou é que é nova.
Quando na Bélgica se discutiu em 1860 a liberdade da taxa de juro, discutiu-se tambem a quem havia de pertencer o excesso da taxa de 5 por cento.
Houve então um commerciante, que propoz que esse excesso pertencesse ao pequeno commercio.
Era a classe dos commerciantes salvaguardando os seus pequenos interesses contra os grandes interesses do banco.
Pois entre nós applique-se esse excesso para uma instituição que sirva para melhoramento das classes operarias.
Estou ouvindo o sr. ministro da fazenda dizer que isto é socialismo.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Peço perdão ao illustre deputado, mas eu estou calado.
O Orador: - Isto é uma simples figura de rhetorica. Está calado e muito calado. (Riso) Mas é capaz de fallar e até de acceitar a minha proposta, porque é muito
Sr. presidente, talvez que o sr. ministro da fazenda me diga que isto é socialismo.
Pois não é socialismo o governo organisar um banco, em que tem parte? Faz-se socialismo para o capital, para os bancos para a rua dos Capitalistas, mas não para as classes operarias. Eu respeito muito o capital, mas o que não quero que repute perfeitamente justificada essa indignação, quero dar á classe operaria um quinhão no banquete que o sr. ministro da fazenda vae dar aos accionistas do banco de Portugal. (Apoiados.)
Faça isto o sr. ministro da fazenda. Vejo s. exa. sorrir-se, mas esse sorriso não é da minha phrase - classe operaria. Estou convencido de que s. exa. acceita esta idéa. Estou convencido de que s. exa. vae dar uma manifestação do seu excellente coração, e do seu espirito verdadeiramente liberal e democrático. (Riso.) Nós estamos, sr. presidente, em um tempo em que toda a gente faz elogios ao capital.
O capital é um heroe, que já tem no parlamento o seu Plutarcho. E eu acho que são perfeitamente justificados os elogios que se fazem ao capital. A epocha actual é a epocha do imperador Milhão. Portanto não ha nada mais natural, do que fazer elogios ao rei da epocha.
Mas lembre-se o nobre ministro da fazenda de que a coroação d'esse imperador, o seu fausto, a sua riqueza é muitas vezes tirada do sangue de uma classe, da qual é necessario não se esquecerem. É a classe operaria.
É preciso, sr. presidente, que quando os operários passarem diante do banco do estado, não considerem esse banco como um inimigo. É necessario fazer as pazes entre o capital e o trabalho, que tambem tem direito a ser recompensado. E preciso notar áquelles que luctam contra os monopolios, que não se lhes dá única e simplesmente um navio de guerra ou as cadeias do Porto, por castigo, quando saudam a liberdade contra o monopólio. (Apoiados.)
É preciso que os poderes públicos mostrem, que têem pela classe operaria toda a consideração que ella merece. E, por consequência, venha tambem n'este projecto una quinhão para a classe operaria.
Tenho concluído.
Leram-se as seguintes:
Vozes: - Muito bem, muito bem.
Propostas

Proponho que seja adiado o projecto em discussão até que se proceda a um inquérito tendente a assegurar qual o systema que mais convém á situação económica do paiz e até que seja convenientemente organisada a circulação monetária. = Júlio de Vilhena.

Dos recursos das operações do desconto e de empréstimo para differença do juro entre õ por cento e a taxa estabelecida pelo conselho geral do banco, pertencerá um terço ao banco e dois terços serão destinados á creação de

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uma instituição para melhoramento das classes operarias. = Júlio de Vilhena.
Foram admittidas ficando em discussão.
O sr. Primeiro Secretario (Francisco de Medeiros):- A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto de lei n.º 107.
Vae ser expedido para a outra camara.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Oliveira Martins.
O sr. Oliveira Martins: - Ouço dizer que está quasi a dar a hora. Portanto, se v. exa. concorda, parece-me melhor que eu reserve a palavra para amanhã. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Sim, senhor.
Agora peço a attenção da camara .
A sessão d'esta noite foi aberta depois dá o mesmo succedeu na sessão do dia.
A camara sabe que ha muitos trabalhos pendentes, e que a sessão legislativa vae muito adiantada; peço por isso aos srs. deputados que compareçam amanhã mais cedo do que costumam, na certeza de que, se não houver numero às duas horas e um quarto, da tarde, não haverá sessão.
(Vozes: - Muito bem.)
A ordem do dia para amanhã é a continuação da que está dada.
Está levantada a sessão.
Era quasi meia noite.

Redactor = S. Rego.

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