SESSÃO DE 19 DE MARÇO DE 1888 833
nem irritaram a opposição regeneradora, apesar de s. exa. os ter trazido como uma explendida arma de defeza.
Só tiveram o condão de o enleiar a tal ponto, que o obrigaram a defender manifestos erros juridicos.
O illustre deputado sabe a muita consideração que lhe tributo pelo seu talento, pelo seu caracter e porque é um parlamentar dos mais distinctos d'esta casa; (Apoiados.) mas, apesar d'isto, e da erudição que lhe reconheço, não posso deixar de afirmar que s. exa. sustentou doutrina em diametral opposição com a lei vigente, o que eu explico pela ruindade da causa que se propoz defender.
S. exa. sustentou que a prisão correccional não faz parte do regimen penitenciario. Ouvi isto no seu discurso e leio-o agora no extracto official. Podia ser esta uma affirmativa ligeira, podia ser uma phrase dita incidentalmente, e n'esse caso não merecia grande importancia, porque todos sabem que no calor da discussão se pronunciam palavras e phrases improprias e inexactas, cujas consequencias logicas se não acceitam, quando se pensa e reflecte bem n'ellas. Mas não succedeu isto. Esta asserção foi feita por s. exa. de caso pensado; foi como uma these, que se propoz demonstrar.
Pois, sr. presidente, se formos consultar a lei de l de julho de 1867, encontrâmos, não era um artigo, mas em muitos, que a prisão correccional está sujeita ao regimen penitenciario.
Eu aponto desde já o artigo 34.°, que diz.
«O condemnado definitivamente á pena de prisão correccional será encerrado em um quarto ou cella, com absoluta e completa separação de quaesquer outros presos, com os quaes não poderá ter communicação alguma.»
Este artigo refere-se evidentemente á prisão correccional. Quando depois a lei trata das cadeias comarcas, diz que terão tambem cellas sujeitas ao isolamento, da mesma fórma que as cadeias districtaes e centraes. D'esta sorte não percebo como o illustre deputado, lendo a lei de l de julho de 1867, póde affirmar que a prisão correccional não está sujeita ao regimen penitenciario.
O sr. Eduardo José Coelho: - É a minha opinião.
O Orador: - Eu respeito muito a opinião do illustre deputado, quando é baseada em argumentos ou deduzida da lei; mas não quando se acha em completa opposição com os textos legaes e vem desacompanhada de quaesquer considerações.
Pois não diz o artigo 34.° que o condemnado a pena correccional será encerrado n'uma cella com absoluto isolamento?
É isto o regimen penitenciario ou não é?
Se é alguma cousa differente d'isto, eu não conheço entre nós este regimen.
O regimen do isolamento dá-se tanto nas prisões comarcas, como nas districtaes o como nas centraes.
(Áparte.)
Não ha duvida alguma a este respeito, diz-me aqui o sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, subdirector da penitenciaria de Lisboa, e por isso mesmo pessoa muito auctorisada n'este assumpto.
Não ha duvida alguma n'este ponto, repito eu tambem.
Sr. presidente, por estas ligeiras considerações evidenceia-se a enorme confusão que lavra entre a maioria e o governo, porque não só se combatem uns aos outros, mas insurgem-se todos contra as leis vigentes, querendo revogal-as sem o perceberem ou pelo menos sem o declararem ao parlamento.
No relatorio da commissão de legislação criminal falla-se sómente da alteração da lei de l de julho de 1867, emquanto á extincção das prisões districtaes e á creação de mais penitenciarias centraes.
No entretanto, não é só n'estes pontos que aquella lei é modificada. Diz-se no artigo 32.°:
«O quadro dos empregados das cadeias penitenciarias, geraes, districtaes e comarcas, será fixado por lei especial.»
Ora se este artigo, determina que o pessoal das penitenciarias será fixado por leis especiaes, como é que o governo vem apresentar n'este projecto o artigo 3.°, em que fica auctorisado a fixar o pessoal das cadeias geraes por decretos? (Apoiados.)
Não modificará este artigo do projecto aquella lei?
Este artigo, não só offende a carta constitucional, como mostraram já alguns oradores d'este lado da camara, mas tambem revoga o artigo 32.° da lei de l de julho de 1867. (Apoiados.)
E o peior é que se fazem alterações sem o dizer, o peior é que passa este projecto como um cousa muito simples e insignificante, quando a final traz modificações importantissimas no regimen penitenciario. (Apoiados.)
Por estas ligeiras considerações que apresentei, parece-me que se evidenceia claramente a falta de estudo do projecto em discussão e a maneira confusa e contradictoria, como foi defendido.
Vou entrar agora na analyse do artigo 1.°
O sr. conselheiro Julio de Vilhena, discutindo a generalidade do projecto, fez notar como as idéas do sr. ministro da justiça estavam em completa opposição com as de alguns membros do ministerio, por isso mesmo que o sr. Emygdio Navarro, e não sei se tambem o sr. Mariano de Carvalho, em 1884, quando se pediu á camara a creação do pessoal da penitenciaria de Lisboa, atacaram vivamente o regimen penitenciario, mostrando-o como a causa directa de loucuras o outras modestias importantes.
Apesar do respeito que tenho pelo sr. Julio de Vilhena, permitta-me s. exa. que lhe diga que n'este ponto não sou da sua opinião.
Parece-me que o governo não está n'este projecto em desaccordo com as opiniões anteriormente emittidas por alguns dos seus membros.
Se o sr. Emygdio Navarro e creio que o sr. Marianno de Carvalho combateram o regimen penitenciario, o sr. Francisco Beirão não o combateu menos vivamente, apesar de parecer defendel-o pelo facto de crear novas penitenciarias, pois que taes modificações introduz na lei de l de julho de 1867, que desorganisa completamente o seu systema de prisão.
No artigo 1.° do projecto extinguem-se as cadeias districtaes, sendo a pena correccional cumprida nas cadeias comarcas. Parece uma cousa simples, mas na economia do systema penitenciario vigente produz uma grandissima alteração.
Já tratou d'este assumpto o sr. Antonio de Azevedo Castello Branco com a sua costumada proficiencia, e eu vou hoje dizer tambem duas palavras sobre elle, visto estar em discussão o artigo 1.°
Antes, porém, de começar, seja me permittido assentar uns principios de sciencia criminal, conhecidos de toda a camara, mas que é indispensavel lembrar para bem se comprehender os inconvenientes que acarreta a modificação feita pelo sr. ministro da justiça.
Sr. presidente, o direito penal tem modernamente merecido as attenções dos homens mais eminentes e tem soffrido importantissimas transformações, devidas principalmente aos trabalhos anthropologicos applicados á jurisprudencia.
Desappareceram muitas das velhas concepções metaphysicas, fundamentadas sómente na casuistica das escolas, e foram substituidas por outras deduzidas de um estado serio e profundo da natureza humana.
A Italia é sem duvida um dos paizes em que a criminalogia mais tem progredido.
Segundo os principies da moderna sciencia penal, os fundamentos do direito de punir são a correcção, intimidação ou exemplaridade e a defeza social. Não desenvolvo cada um d'elles, não trato de os justificar, porque os supponho conhecidos de todos, e simplesmente procurarei investigar quaes os crimes em que a penalidade produz mais proficuos resultados.
47 *