SESSÃO DE 19 DE MARÇO DE 1888 837
vello a lei deve exigir da parte, de quem superintenda na sua applicação.
Só assim se póde esperar a cura ou regeneração do delinquente. Dizia o sr. Barros e Sá em sessão do conselho geral penitenciario:
«A pena correccional faz parte do systema penitenciario, é mesmo a que mais cuidados exige. Os criminalistas mais auctorisados fazem consistir todo o effeito da pena cellular nos pequenos crimes; nos grandes criminosos o seu effeito é diminuto.»
Parece-me que têem estas palavras servido de lemma á argumentação dos illustres deputados que têem combatido o projecto.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Para intimidar estou de accordo com a pena menor; com relação á regeneração quero pena mais longa. Como intimidação quero matar o germen no principio.
O Orador: - É um processo abortivo, quasi. Mas seja ou não sómente para intimidação, isso já é um dos effeitos beneficos da pena. Em todo o caso fica de pé o argumento de que para se conseguir este benefico resultado social, como se deseja, é mais facil obtel-o na applicação das pequenas penas do que nas grandes.
Se nas cadeias comarcas, segundo a lei de 1867, é que se deve cumprir a pena correccional até tres mezes, nas cadeias districtaes até dois annos, e d'ahi para cima, ou as penas chamadas maiores, nas cadeias centraes, é claro que onde a applicação da pena exige maior disvelo e cuidado é nas cadeias comarcas.
Se isto é assim, se ahi se têem de cumprir as penas minimas, as penas insignificantes, ahi é que se exige toda a cautela para que no fim do cumprimento da pena não saia de lá, em vez de um delinquente regenerado, um criminoso ainda mais endurecido no crime.
Por isso, ou o argumento é verdadeiro, e n'este caso as cadeias comarcas têem a desempenhar um serviço social muito maior do que o das cadeias districtaes, ou o argumento não procede, e d'isso não tem culpa nem o governo nem a maioria, porque não foram quem o trouxe para o debate. (Apoiados.)
Mas a lealdade, que me preso de ler nas discussões, obriga-me a declarar que o argumento e verdadeiro.
A cadeia comarca, onde se cumprem penas até de simples contravenções, é, conforme a sua organisação, ou o hospital que curando leves doenças obsta á sua degeneração em gravissimas enfermidades ou uma verdadeira fabrica do criminosos. (Apoiados.)
Bem vejo, sr. presidente, que é mais facil obter boa administração para uma cadeia districtal, do que para muitas comarcas que a substituam, e assim tenho de encarar a questão tambem por este aspecto, que já foi motivo de arguições durante a discussão.
Occorre-me, porém, já ponderar que se fosse impossivel ou muito difficil um bom regimen penitenciario nas cadeias comarcas, o que era indispensavel fazer immediatamente era a reforma n'esta parte da lei de l de julho de 1867, que, aliás, faz honra ao sr. Barjona de Freitas e ao partido regenerador, e com a qual em todo este debate tanto e tão legitimamente se têem ufanado os illustres deputados da opposição. (Apoiados.)
Concebe-se a existencia de cadeias districtaes para cumprimento de penas correccionaes; comprehendo-se a existencia de cadeias comarcas para o mesmo fim; mas a coexistencia das duas, se as primeiras têem de ser necessariamente melhor dirigidas do que as segundas, pecca contra a boa administração e unidade do systema penitenciario. (Apoiados )
O condemnado a prisão de tres mezes e um dia teria melhor remedio para a sua regeneração do que o condemnado a prisão de tres mezes exactos! (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, não é má, ou não deve ser má, a administração das cadeias comarcas, e parece que todos estão esquecidos das disposições da lei de 1867.
Sou eu que a vou defender a este respeito nos seus salutares preceitos.
Essa lei não confiou, como se tem supposto, a direcção das cadeias penitenciarias comarcas a um carcereiro qualquer, ignorante e inhabil.
Acima d'elle tem de haver um conselho administrativo, que a lei sabiamente creou, e ao qual deu largas e fecundas attribuições. (Apoiados.)
Diz o artigo 50.° da lei de 1867 :
«Na capital de cada comarca é creada uma commissão administrativa da cadeia comarca.
«§ 1.° Esta commissão será composta:
«1.° Do presidente da camara municipal, que será o presidente da commissão;
«2 ° Do administrador do concelho;
«3.° Do provedor da misericordia, havendo-a;
«4.° Do parocho da freguezia mais populosa da cabeça do concelho;
5.º Do medico do partido da camara, ou não o tendo esta, de outro medico, que a mesma camara nomear, residente na cabeça do concelho;
«6.° De dois cidadãos nomeados de dois em dois annos pela camara municipal d'entre os quarenta maiores contribuintes.»
A importancia das funcções d'essa commissão não é preciso encarecel-a.
Basta reparar n'ellas, que se encontram no artigo 51.°, pela referencia que lhe faz o artigo 58.° d'aquella lei.
Ora, sr. presidente, da illustração e zêlo do presidente da camara, do medico e do parocho, não fallando nos outros vogaes da commissão, do exemplo e instrucções emanadas da direcção da penitenciaria central; da visita official dos governadores civis, etc.; ha seguramente que esperar bom e até excellente serviço. (Apoiados.)
O que falta é o cumprimento da lei ha quasi vinte e um annos que ella tem de existencia (Apoiados.)
Falta-nos a parte pratica das nossas instituições criminaes, que é, todavia, a mais importante. (Apoiados.)
Não quero lançar desfavor para a reforma, que para o nosso codigo penal de 1852 propoz em 1884, e conseguiu, o distincto estadista e meu amigo o sr. Lopo Vaz, antes muitissimo o louvo pelo seu notavel trabalho; mas, desde que o jury por essa reforma, alem do que já podia pela lei de 18 de julho de 1855, póde até declarar que as circumstancias que a lei reputa aggravantes estão provadas, mas são ao contrario attenuantes, o assim, e ainda por se pronunciar sobre circumstancias attenuantes ou aggravantes nascidas da discussão, corrige todos os defeitos da lei, que é uma these fallivel para bem resolver a hypothese, quer na medida, quer na graduação do crime; o que reclama todos os cuidados é a parte pratica ou a execução das penas, porque ahi não ha mais jury para ir procedendo pelo criterio só da consciencia. (Apoiados.)
O direito penal substantivo até faz parte da sciencia juridica talvez só por vaidade dos jurisconsultos. As questões de criminalidade são da sciencia politica para se prohibirem certos actos em sacrificio á ordem social, e da medicina e da administração judicial para o destino a dar aos delinquentes. (Apoiados.)
Mas, voltando sr. presidente, a fallar das cadeias comarcas, do que me desviei irreflectidamente, direi que estando o seu conselho administrativo, organisado com elementos de tanta segurança, e tendo as attribuições que lhe dá a lei de 1867, não ha receio de que seja má a administração d'estas cadeias, e o unico inconveniente apontado para que ellas substituam totalmente as cadeias districtaes desapparece á face d'esta simples indicação (Apoiados.)
Vou terminar, apesar do artigo 1.° ser de bastante elasticidade para poder dar logar a grandes dissertações, pois julgo que está dito o suficiente para justificar a convenien-