SESSÃO DE 19 DE MARÇO DE 1888 843
cas que são cumpridas nas penitenciarias centraes, para sabermos se a actual cadeia é ou não sufficiente para recolher todos os delinquentes, a que é destinada.
Precisamos tambem de ser esclarecidos ácerca dos resultados colhidos da execução do systema de prisão cellular, cumprida na penitenciaria de Lisboa, que funcciona ha tres annos, para sabermos se é preciso modificar n'alguma cousa o regimen penitenciario vigente, ou se havemos de seguir absoluta e exactamente na base da lei de 1867.
Pois ácerca da experiencia do systema penitenciario entre nós, nem palavra se diz tambem á camara. (Apoiados.)
Votar o projecto sem estes elementos é approvar despezas sem rasão sufficiente, ou antes sobrecarregar o thesouro para crear mais uma legião de funccionarios; e nós não estamos a tratar de penitenciarias para empregados, mas sim de penitenciarias para condemnados.
Não nos pertence discutir quem ha de ser director, subdirector, capellão, medico ou chefe de guardas. O que nós precisâmos de saber são as vantagens ou desvantagens do systema penitenciario, entre nós estabelecido, na experiencia de tres annos, e alem d'isso o numero de condemnações a pena maior em cada anno depois da execução da nova reforma penal, para decidirmos, se basta por ora a penitenciaria central de Lisboa, ou se é preciso construir ou adquirir novas penitenciarias, e se é necessario alterar a instituição vigente.
Mas a respeito d'estes factos, que são fundamentos no projecto, não se encontra palavra, nem no relatorio do governo, nem no parecer da commissão!
E esses mesmos dados estatisticos, que constam do relatorio do governo, ou das actas das sessões do conselho geral penitenciario, que são complemento ou commentario áquelle relatorio, são inteiramente contradictorios.
Dizia o sr. ministro da justiça n'uma das sessões do conselho:
«É justo, e é conveniente, que se trate de construir as outras (cadeias) o n'esta parte deve manter-se o systema da de 1867.
«Serão porém, sufficientes estas tres cadeias para o movimento dos condemnados á pena de prisão maior cellular em todo o reino?
«Eis o que cumpre, autos de tudo, verificar.
«As estatisticas da administração da justiça criminal no reino indicam que o numero dos condemnados a penas maiores, que correspondem á de prisão mais cellular por dois a oito annos, foram em 1878, 1879 e 1880 os seguintes:
Homens Mulheres Total
1878 321 22 339
1879 291 21 312
1880 276 34 310
O que dá a media seguinte:
Homens. 294
Mulheres. 25
Total. 319
Portanto a media dos condemnados por anno a penas maiores, segundo os calculos do sr. ministro da justiça, fundados nos seus dados estatisticos, comprehendendo homens e mulheres, andava por 319; e ainda fico na duvida se esta media se referia só aos condemnados á pena correspondente a prisão maior cellular por dois a oito annos, ou se abrangia tambem as, condemnações ás outras penas maiores, quer temporarias, quer perpetuas.
Mas continuando na leitura das actas do conselho geral penitenciario, deparo na mesma sessão com o seguinte:
«O sr. Mendonça Cortez diz que os assumptos que se discutem assentam sobre dados estatisticos. Pelos que são offerecidos sabe que a media das condemnações por anno a pena de prisão maior é de 183, e sendo seis annos a media da duração das condemnações temos assim uma população de 1:098 condemnações.»
Ora como é que o sr. ministro da justiça pelos seus dados estatisticos encontrava uma media de condemnações a pena maior de 319 por anno, e o sr. dr. Mendonça Cortez uma media de 183!
Não percebo. Como é que no congresso penitenciario, sobre os mesmos dados estatisticos, a media dos condemnados a pena maior tirada pelo sr. ministro da justiça era de 319, e a media de iguaes condemnações tirada pelo sr. dr. Mendonça Cortez era de 183?
Eram outros os dados sobre que o sr. Mendonça Cortez calculava a sua media?
Mas então porque não vieram esses esclarecimentos para a camara?
Eram porventura mais precisos no conselho penitenciario, que apenas aconselha, do que na camara que ha de resolver, e ficar com a responsabilidade da approvação do projecto? (Apoiados.)
Outros factos encontro eu narrados nas respostas do conselho geral penitenciarão, que não podem passar desapercebidos, desde que o projecto se refere só aos condemnados nos tribunaes communs.
Na acta da sessão de 14 de janeiro de 1867 lê-se o seguinte:
«Refere-se o orador (era o sr. Barros e Sá) aos trabalhos de uma commissão para modificar o codigo de justiça militar, e á necessidade urgente de crear penitenciarias para o cumprimento das penas applicadas a réus militares, ou ao alargamento das prisões centraes para esse fim.
«A uniformidade no comprimento das penas parece-lhe um bom principio na administração da justiça. Calcula em 3:000 o numero de cellas que será necessario reservar para os réus militares, e entende que o conselho deve ter em vista este ponto na resolução das questões pendentes.
«O sr. presidente (que era o sr. ministro da justiça) respondendo ao sr. Barros e Sá, diz que a prisão correccional não faz parte integrante do systema cellular.
«A lei diz: «continua em vigor a pena de prisão correccional», e a reforma de 1884 confirma esta asserção.
«O governo está auctorisado a recolher na cadeia penitenciaria, quando o julgar conveniente, os réus militares.
«Presentemente existem na penitenciaria central muitos d'estes réus, que pelo facto de serem exauctorados foram entregues ao poder civil.
«Conclue dizendo que não lhe parece que o conselho tenha a occupar-se dos réus militares; qualquer que seja a opinião da commissão a que se referira o sr. Barros e Sá, facilmente chegará a um accordo com o seu collega da guerra, que não prejudicaria em cousa alguma as deliberações tomadas.»
Estas declarações não são indifferentes na apreciação do projecto. Pelo contrario, carecem de explicação por parte do governo.
A penitenciaria já construida, e as penitenciarias a adquirir, são tambem destinadas para os crimes dos militares, ou sómente para os crimes julgados nos tribunaes communs? A camara precisa de todas estas informações, para se determinar na votação do projecto.
Se as cadeias, objecto do debate, são unicamente destinadas para os condemnados nas justiças ordinarias, é muito menor o numero de cellas precisas, do que sendo destinadas tambem aos condemnados militares, pois, segundo se disse nas sessões do conselho geral penitenciario, só para os crimes militares é precisa uma cadeia com 3:000 cellas.
É pois indispensavel saber qual o numero, por anno, das condemnações a penas maiores, e se as penitenciarias de que nos occupâmos, são tambem destinadas para réus militares. Será commodo para uma camara votar despezas sem conta, nem peso, nem medida, mas não é de certo