SESSÃO DE 19 DE MARÇO DE 1888 845
mente tem sido já tratado esse assumpto pelos illustres oradores, que me precederam no debate.
Mas não posso concluir sem mais uma vez dizer á camara, que não acredito na efficacia da prisão cellular com isolamento absoluto do condemnado, durante o dia e a noite, para regenerar os criminosos.
Para me convencer de que este systema não póde em regra produzir cidadãos uteis e morigerados, não preciso de recorrer nem aos philosophos, nem aos metaphysicos, nem aos platonicos. Basta-me consultar o bom senso.
Não acredito no isolamento absoluto para a regeneração do delinquente, como não acredito nos systemas de medicina que, em vez do auxiliarem os elementos fundamentaes da natureza humana, tratam de pôr em lucta aberta todos os elementos do organismo do doente.
Um systema que tem por base isolar completamente o delinquente do mundo exterior, quando uma das condições fundamentaes da existencia do homem é a sociabilidade, e quando a primeira necessidade do ser humano é communicar as suas impressões ao seu similhante, longe de conduzir á educação e á moralisação, ha de levar o individuo ás aberrações da loucura ou do suicidio.
Não podem ser efficazes os remedios contra naturam.
Não póde ser sequestrado o homem, sem perigo para as suas faculdades, ás influencias e ás impressões do mundo exterior. Cada homem faz parte integrante da humanidade. Homo sum, nihil a me alienam puto, diziam os artigos philosophos, que não conheciam o moderno regimen penitenciario, que é regimen profundamente inquisitória!
É ás providencias da curia romana, e não á excentricidade dos americanos, que se deve ir procurar a origem do systema penitenciario.
Que esta invenção é de origem ecclesiastica attesta-o ainda a lithurgia usada no regimen penitenciario, lithurgia que se manifesta no regulamento da penitenciaria central de Lisboa, que n'alguns artigos foi de certo copiado de regulamentos estrangeiros, tão incompativeis são alguns dos seus preceitos com os principios por que se rege a sociedade portugueza.
Não é de certo portugueza a disposição que impede o condemnado, que está na enfermaria ou na cella, em caso de molestia grave, de ser visitado pelo avô, pelo neto, ou pelo irmão! É tão monstruosa, e tão repugnante a todos os sentimentos da natureza, esta prohibição, que de mais estende a pena alem da pessoa do delinquente, que só por importação do estrangeiro podia encontrar se nas paginas da legislação nacional.
Mas com todos estes rigores draconianos, com todos estas violencias e deshumanidades, que fructos tem produzido a actual penitenciaria central de Lisboa para induzir os poderes publicos á acquisição de mais penitenciarias?
Desde que começou a execução d'esta jaula para gente viva, tenho sempre procurado saber as consequencias d'esta innovação judiciaria.
Mas a imprensa, decerto por falta de esclarecimentos, tem guardado a este respeito o mais religioso silencio.
Sei agora, porque o ouvi n'esta casa, que já alguns presos tem ido da penitenciaria para Rilhafolles. Sei tambem, porque o diz o relatorio da direcção da penitenciaria, relativo ao anno de 1886, que varias dos presos, que ali se acham, estão padecendo de desequilibrio mental; e sei pelo mesmo documento, na parte que é mais da responsabilidade do medico que, de sete presos que ali morreram no anno de 1886, quatro succumbiram á molestia da tuberculose!
O que estes factos nos estavam aconselhando, mesmo quando não tivessemos diante dos olhos os exemplos de nações estrangeiras, era a adopção das providencias necessarias para transportar, ao menos temporariamente, para uma prisão com trabalho em commum os presos, quando as faculdades mentaes se lhes exacerbassem com o isolamento demorado dentro da prisão.
Mas n'essas providencias, que são sensatas e rasoaveis, não pensa o governo.
No que pensa é em alargar as prisões penitenciarias, que podem servir, em regia, para desorganisar as faculdades do condemnado, que ainda possuir bons sentimentos, e que não podem regenerar o preso, dotado de instinctos perversos e fermos.
Manifestam-se aberrações tão monstruosas na natureza humana, apparecem caracteres tão prevertidos na vida social, que se torna absolutamente indispensavel, no interesse da humanidade, atastal-os, não só de todas as relações exteriores, mas inclusivamente de todo o convivio com o seu similhante, e para esses a prisão rigorosa é um dever indeclinavel, para salvar os direitos alheios, porque eu não quero a liberdade de uns com prejuizo da liberdade dos outros.
Aquelles que, pelas condições da sua natureza, pela sua educação, pelos seus habitos não pudera viver em commum sem perigo para os outros, devem soffrer, pela força das cousas, a pena do isolamento absoluto.
Mas para o geral dos delinquentes himilhante pena poderá representar a vingança ou a intimidação, mas não representa o pensamento, altamente humanitario, da regeneração moral do criminoso.
N'estas condições mal se colloca o governo, que vem pedir auctorisação para crear mais duas penitenciarias, sem nos dar a mais pequena indicação ácerca dos beneficos resultados, colhidos da penitenciaria central de Lisboa, pela adopção do systema penitenciario em Portugal. E o governo, desde que procura ampliar e alargar as condições do regimen da prisão cellular, ha de ficar com a responsabilidade inteira e plena do nosso systema penitenciario, que plenamente adopta n'este projecto.
Não é acceitavel a argumentação do sr. ministro da justiça, em resposta a um orador d'este lado da camara, de que as queixas contra o systema penitenciario são contra o parlamento de 1867 e não contra o actual governo.
Nós não podemos queixar-nos do parlamento do 1867, que procedeu, como entendeu, na plenitude das suas funcções constitucionaes (Apoiados)
As queixas são, e não podem deixar de ser, contra o parlamento de 1888, se votar este projecto, por que sem uma critica fundamentada e sem uma experiencia larga de systema penitenciario, creado pela lei de l de julho de 1867, vem aggravar a situação, sem querer saber be o regimen da prisão cellular, que entre nós funcciona, tem dado resultado uteis, ou se carece de reforma e de modificações.
Não podem os parlamentos posteriores censurar os anteriores, e sobretudo quando vão sanccionar ás cégas as resoluções d'estes.
Cada parlamento procede como entende, na sua epocha, sem poder censurar as côrtes anteriores, nem ter que dar contas ás côrtes que se lhe seguirem, porque os membros das cortes geraes não respondem pelos actos praticados no exercicio de suas funcções senão perante a sua consciencia. (Apoiados.)
Nós não somos aqui os executores da alta justiça dos nossos predecessores
Mas quaes têem sido os resultados colhidos na prisão penitenciaria?
Já sabemos que tem ido d'ali para Rilhafolles alguns presos, e que se accentua ali a tisica pulmonar, e n'uma proporção notavel.
De pele mortos no anno de 1886 quatro foram victimas de tisica pulmonar!
Vejamos agora a outra face da medalha.
Apreciemos os resultados beneficios d'aquelle estabelecimento. Infelizmente não os temos para os apreciar.
Vejo no relatorio de 1886, a que me tenho referido, que a direcção de penitenciaria apenas pôde propor á benevolencia do poder moderador um dos condemnados, em con-