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SESSÃO DE 19 DE MARÇO DE 1888

Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barras Coelho e Campos (vice-presidente)

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Tem segunda leitura e é admittido um projecto de lei do sr. Abreu Castello Branco, relativo aos exames de instrucção secundaria feitos nos seminarios -Representações da camara, municipal, classe commercial e sociedade artistica e commercial de Chaves, apresentadas pelo sr. Moraes Sarmento - Requerimentos de interesse publico mandados para a mesa pelos srs. João Arroyo e Consiglieri Pedroso. - Requerimento de interesse particular apresentado pelo sr. vice-presidente, Coelho de Campos. - Justificações de faltas dos srs. dr. Joaquim José de Oliveira Valle, Menezes Parreira e Alpoim. - A pedido do sr. Moraes Sarmento resolve-se que sejam publicadas no Diario do governo as tres representações que o mesmo sr. deputado mandou para a mesa. - O sr Pina manifesta-se em favor da conservação da collegiada de Guimarães e de quaesquer outras em identicas circumstancias. - O sr. Serpa Pinto justifica as suas faltas as sessões e insta pela comparencia dos srs. ministros antes da ordem do dia Responde o sr. ministro da justiça. - O sr. Arroyo dirige diversas perguntas aos srs. ministros do reino e dos negocios estrangeiros, que respondem em seguida ao orador - Por concessão especial da camara usa novamente da palavra sobre os mesmos assumptos o sr. Arroyo.- O sr. Sousa e Silva estranha que o sr. ministro da marinha anula não se tenha dado por habilitado para responder á interpellação que annunciou ha tempo. Refere-se em seguida á nomeação do pessoal para os dois julgados creados ultimamente no districto de Ponta Delgada Responde-lhe o sr. ministro da justiça - Explicações trocadas entre o sr. presidente e o sr. José de Azevedo Castello Branco ácerca da inscripção dos srs. deputados que pedem a palavra. - O sr Consiglieri Pedroso dirige algumas perguntas aos srs ministro das obras publicas, dos negocios estrangeiros e da justiça, que lhe respondem em seguida - Por concessão da camara usa segunda vez da palavra o sr. Consiglieri para replicar aos srs. ministros. - O sr. Ribeiro Ferreira participa achar-se constituiria a commissão de commercio e artes.
Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n ° 12, penitenciarias - É rejeitada uma moção apresentada pelo sr Arouca em uma das sessões anteriores - Approva-se em seguida a generalidade do projecto e entra em discussão o artigo 1.º - Usa em primeiro logar da palavra, combatendo-o, o sr. João Pinto dos Santos. Responde-lhe, por parte da maioria, o sr. Baptista de Sousa - Apresenta um parecer da commissão de administração publica o sr. Barbosa de Magalhães - Impugna o artigo em discussão, e apresenta diversas emendas, o sr. Ruivo Godinho. - A requerimento do sr. Madeira Pinto julga-se discutido o artigo 1.º que é em seguida approvado, sendo rejeitado as propostas do sr. Ruivo Godinho. - Entra em discussão o artigo 2.º e apresenta uma substituição o sr, relator Eduardo José Coelho. É combatida largamente pelo sr. Dias Ferreira - Por ter dado a hora fica o sr. ministro da justiça com a palavra reservada para a sessão seguinte.

Sendo duas horas da tarde procedeu-se á chamada, verificando-se não haver numero sufficiente de srs. deputados para se abrir a sessão.

Feita a segunda chamada ás duas horas e um quarto, e achando se presentes 50 srs. deputados, foi aberta a sessão.

Estavam presentes os srs: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Barão de Combarjua, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Francisco de Medeiros, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Correia Leal, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), José Castello Branco, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Alpoim, José Maria de Andrade, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Martinho Tenreiro, Miguel Dantas, Pedro Victor e Vicente Monteiro.

Entraram durante a sessão os srs.: - Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Antonio Maria de Carvalho, Augusto Pimentel, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Mattoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Sant'Anna e Vasconcellos, Izidro dos Reis, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Alfredo Ribeiro, Alves de Moura, Avellar Machado, Barbosa Colen, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, Simões Dias, Abreu e Sousa, Julio Pires, Manuel d'Assumpção, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Matheus do Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Estrella Braga, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Alfredo Brandão, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Victor dos Santos, Conde de Fonte Bella, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Feliciano Teixeira, Freitas Branco, Firmino Lopes, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Franco de Castello Branco, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Menezes Parreira, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Ferreira Galvão, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José Maria dos Santos, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Manuel José Vieira, Pinheiro Chagas, Pedro de Lencastre (D.), Dantas Baracho, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Segunda leitura

Projecto de lei

Artigo l ° Os exames de instrucção secundaria feitos nos seminarios do reino e ilhas adjacentes são considerados, para todos os effeitos, equivalentes aos que são feitos, nos lyceus.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario = J. F. Abreu Castello Branco
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de instrucção primaria e secundaria.

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REPRESENTAÇÕES

Da camara municipal, classe commercial e sociedade artistica e commercial de Chaves, pedindo a construcção dos caminhos de Chaves a Villa Franca das Naves, a Marco de Canavezes e a Guimarães.
Apresentadas pelo sr. deputado Moraes Sarmento, enviadas á commissão de obras publicas e mandadas publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pela direcção geral de contabilidade, seja enviada com urgencia a esta camara nota das despezas feitas e orçamento das despezas a fazer com a illuminação electrica do real theatro de S. Carlos. = João M. Arroyo

Requeiro que, pelo ministerio competente, seja enviada com urgencia a esta camara copia da correspondencia trocada entre a estação de saude de Belem e o governo a proposito da concessão do cabo telegraphico do Tejo á companhia English portuguese telephone company. = O deputado, Consiglieri Pedroso
Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De José Francisco da Rosa, sargento ajudante do batalhão n.° 4 da guarda fiscal, pedindo que não seja approvado o projecto de lei apresentado pelo sr. Francisco José Machado na sessão de 18 de fevereiro findo.
Apresentado pelo sr. vice-presidente da camara e enviado á commissão de guerra.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Participo a v. exa. que o sr. deputado Joaquim José de Oliveira Valle não tem comparecido ás ultimas sessões, por motivo de doença, e não poderá comparecer a mais algumas. = Vicente Monteiro.

Participo a v. exa. e á camara que o nosso collega Menezes Parteira tem faltado a algumas sessões, e faltará ainda a mais algumas por incommodo de saude. = O deputado por Braga, Alves de Moura.

Participo a v. exa. e á camara, que o nosso collega o sr. dr. Oliveira Valle tem faltado a algumas sessões por falta de saude, e que pelo mesmo motivo continuará a faltar ainda a mais algumas.
Participo igualmente que o nosso secretario, o sr. Alpoim, tem faltado a algumas sessões por motivo justificado.
Peço, portanto, a v. exa. se digne determinar que estas declarações sejam paradas na acta. = F. J. Machado.
Para a secretaria.

O sr. Presidente (Francisco de Campos) - Recebi um requerimento do sr. José Francisco Rosa, sargento-ajudante do batalhão n.° 4 da guarda fiscal, pedindo para que não seja approvado o projecto apresentado pelo illustre deputado sr. Francisco José Machado, relativamente á promoção ao posto de sargento ajudante.
Vae ser enviado á commissão de guerra.
O sr. Moraes Sarmento: - Pedi a palavra para mandar para a mesa tres representações: a primeira da camara municipal de Chaves, a segunda da associação commercial e a terceira da sociedade artistica da mesma villa.
Pedem os signatarios que o parlamento inste com o governo para que elle apresente uma proposta de lei relativa á rede ferroviaria ao norte do Mondego.
O que especialmente pretendem é a continuação da linha do Tamega a Chaves e a Marco de Canavezes, a linha de Vallongo a Villa Pouca de Aguiar e o prolongamento da linha de Guimarães.
Reservo as minhas considerações em favor d'esta pretensão, para quando seja apresentada a respectiva proposta de lei, e limito-me por agora a pedir a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que estas representações sejam publicadas no Diario do governo.
Consultada a camara, resolveu-se affirmativamente.
O sr. João Pina: - Sr. presidente, quando sabbado pedi a palavra foi para juntar a minha humilde voz á dos illustres deputados, que n'esta casa fallaram em favor da conservação da real collegiada de Guimarães.
Como ecclesiastico, não posso deixar de juntar a minha voz é de tão illustres oradores parlamentares, pugnando tambem pela conservação da veneranda collegiada de Guimarães, por tres rasões: primeira, por ser uma instituição religiosa ecclesiastica, que eu não posso deixar de defender pelo esplendor que ella dá ao culto, e por consequencia á religião; segunda, porque a sua conservação não faz despeza ao estado, porque vive de bens proprios que lhe doaram almas pras, crentes e devotas; terceira, porque é um padrão de gloria a que andam ligados muitos factos honrosos, não só para a nobre cidade de Guimarães, mas para todo o reino. (Apoiados.)
Sr. presidente, quando se está dando importancia e valor ás cousas antigas, ainda as mais insignificantes, vemos ao mesmo tempo destruir instituições que são historicas e ricas e tradições de factos heroicos e gloriosos que honram quem os praticou e ennobrecem a patria que lhe foi berço. (Apoiados )
Está n'este caso a veneranda collegiada de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães, coeva com a fundação da monarchia, depositaria de factos muito honrosos, como já disse, enriquecida com dadivas e privilegios pelos nossos Reis, e que ainda hoje faz o orgulho dos habitantes d'aquella nobre cidade; tem atravessado tantos seculos sendo respeitada por todos, e por isso é justo que o seja tambem pelos presentes e para o futuro. (Apoiados.)
Talvez alguem diga, que as collegiadas não são d'esta epocha, que são instituições improductivas e inuteis, por isso devem acabar; ao que eu respondo que, não fallando já no explendor que ellas dão ao culto e á religião, o que se não póde negar, restituam as á sua instituição primitiva e então as teremos agradaveis a Deus e uteis a Cesar. (Apoiados.)
Sr. presidente, não devemos avaliar as collegiadas pelo estado em que ellas hoje estão; porque para pouco mais servem do que para resar no coro; mas examinando o seu estado primitivo, vemos as alhadas á instrucção e ensino, prestando assim grande serviço á Igreja, á religião e á sociedade.
As dignidades de chanfre, mestre escola e os conegos magistraes são prova do que digo; porque taes dignidades não eram, como hoje, quasi que, só titulos honorificos, eram mais alguma cousa; porque tinham annexa a obrigação de ensino, e o decreto de 1859, orçando nos cabidos os conegos com onus de ensino nos seminarios vem corroborar o que acabâmos de dizer.
Finalmente, sr. presidente, repondo nós as collegiadas na sua instituição primitiva, teremos resolvida a questão da sua conservação, e ellas serão agradaveis a Deus e uteis aos homens, e n'este supposto sou a favor da conservação das collegiadas de Guimarães. Valença do Minho, Barcellos, Santarem, Coruche e outras. (Apoiados.)
Visto estar com a palavra, permuta v. exa. que eu falle agora sobre outro assumpto muito diverso, mas tambem importante.
Agitando se ha dias n'esta casa a questão sobre industrias, e ainda que ou não sou negociante, mas representando um circulo onde ha quatorze fabricas de lanificios, por certo que a camara não levará a mal que eu levante a

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a minha fraca voz em favor das industrias nacionaes, principalmente da de lanificios.
Sr. presidente, eu entendo que se não póde nem deve prohibir a importação das industrias estrangeiras, por tres rasões: primeira, pela necessidade, porque nós não temos muitos artigos do commercio, que devem vir de fóra; segunda, porque é necessario que nós recebamos os productos da sua industria, para que elles levem tambem os nossos; terceira, porque é um estimulo á perfeição e progresso das nossas industrias, porque os nossos industriaes sem as industrias estrangeiras podiam abusar, produzindo peior e mais caro. (Apoiados.)
Delenda est Carthago - dizia Catão no senado romano; preposição que foi muito combatida por outros senadores, porque diziam elles, emquanto existir Carthago, posto que inimiga, os romanos estarão sempre promptos para a guerra com as armas na mão, activos e vigilantes para se defender, mas logo que ella seja destruida, os romanos cairão no ocio porque já não têem a temer inimigos tão poderosos: esto facto póde muito bem applicar-se para as primitivas industrias nacionaes e estrangeiras.
Sr. presidente eu quero que se protejam as industrias nacionaes; mas esta protecção não consiste só em pedir ao governo que tribute as industrias estrangeiras, mas todos nós podemos protegel-as e concorrer para o progresso d'ellas, usando em nossa casa e corpo só de cousas e objectos nacionaes.
Diz a historia que El-Rei D. Diniz sómente se servia e usava de cousas nacionaes com o fim de conservar as industrias. (Apoiados.)
D. José mandou edificar a fabrica de lanificios da Covilhã com o fim de fabricar panno para o exercito, o que deu grande impulso a tal industria.
D. João VI, segundo dizem, vestiu-se de briche nacional, no que foi imitado pela côrte, com o fim de animar tambem esta industria.
E assim que nós todos podemos proteger as industrias, devendo o exemplo vir do alto. (Apoiados.)
O patriotismo não falta aos industriaes de lanificios da Covilhã, Gouveia, Manteigas, Ceia, S. Romão, Loriga e Alvo da Serra; porque a lã que consomem nas suas fabricas é toda nacional, vinda geralmente do Alemtejo, com grande difficuldade atravessando serras intransitaveis; e se elles não fossem dotados do tanta força de vontade certamente a industria de lanificios terá acabado n'aquelles sitios.
Peço, pois, ao governo protecção para as nossas industrias, principalmente para a de lanificios, mandando-lhe construir boas entradas porque elles ha tantos annos esperam, por onde possam conduzir as materias primas e transportar os productos das fabricas seja o governo generoso para com aquellas industrial, visto que ellas pagam grande contribuição industrial ao estado, e que são patriotas, consumindo nas suas fabricas só lãs nacionaes.
Disse.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Serpa Pinto: - Communico a v. exa. e á camara que não tenho comparecido ás ultimas sessões por incommodo de saude.
Não foi sómente para isto que eu pedi a palavra; desejava tambem conversar com alguns dos srs ministros; mas só um vejo presente; é o sr. Beirão, que não póde supprir a falta de todos os seus collegas e que, tendo em discussão na ordem do dia, um projecto da sua iniciativa, não póde estar a fatigar-se, respondendo pelos seus collegas.
Antes de me ver forçado a faltar ás sessões, já eu tinha pedido a palavra algumas vezes para dirigir umas perguntas aos srs. ministros do reino e dos estrangeiros; mas s. ex.ªs nunca compareciam. Agora succede o mesmo isto não deve continuar assim.
Peço por isso a v exa., sr. presidente, que insto com srs. ministros que faltam, para que se resolvam a apresentar-se n'esta casa antes da ordem do dia, como é seu dever.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Pedi a palavra unicamente para declarar ao illustre deputado, que espero que alguns dos meus collegas compareçam n'esta sessão, ainda antes da ordem do dia.
O sr. Arroyo: - Tendo sido informado por pessoa: competente de que os esclarecimentos que pediu, relativamente á illuminação electrica do theatro de S. Carlos, não he podiam ser enviados pelo ministerio das obras publicas, mas sim pela direcção geral de contabilidade, manda por isso um novo requerimento para a mesa, solicitando-os d'aquella direcção.
Estranha que ainda hoje não estejam presentes todos os srs. ministros. Esta ausencia continuada de s. ex.ªs deve ser um termo; porque de outre modo nunca poderão realisar as perguntas que desejam dirigir-lhes diversos membros da camara. O sr. ministro da justiça espera, como disse ha pouco, que alguns dos seus collegas ainda compareçam hoje antes da ordem do dia; mas elle, orador a julgar pelos precedentes, nenhuma esperança tem d'isso.
Aproveita agora a presença do sr. presidente do conselho para lhe dirigir algumas perguntas.
Referiu-se em tempo ao facto de se terem feito fornecimentos para a guarda municipal sem ser por concurso, ao contrario do que se fazia em relação ao exercito e marinha. Equivalia isto a derogar-se o regulamento de contabilidade.
Os resultados do concurso em relação ao exercito e marinha têem sido excellentes, ao passo que os resultados do systema usado para os fornecimentos da guarda municipal têem sido pessimos.
Pergunta, portanto, ao sr. ministro do reino se, como prometteu, tratou de colher informações sobre este ponto e se já adoptou algumas providencias.
Refere-se em seguida á necessidade de reformar o ensino de pharmacia.
Este curso está, entre nós, deficientissimo e muito longe do grau de esplendor a que tem chegado n'outros paizes, resultando que os serviços pharmaceuticos se acham pessimamente organisados em alguns pontos do paiz, principalmente nos pequenos centros, villas e aldeias.
É importantissimo o exercido da profissão de pharmaceutico pela influencia que póde ter na hygiene; e todavia, segundo lhe consta, existem n'algumas localidades pharmacias onde as drogas se acham em tal estado de deterioração, que de modo algum podem ser applicadas.
Pergunta, por isso, ao sr. ministro se pensa ou está disposto a apresentar alguma reforma dos estudos e serviços pharmaceuticos. E tambem deseja, saber se s. exa. está disposto a usar da faculdade que lhe concede o codigo administrativo, mandando proceder a um varejo em todas as pharmacias para se conhecer se existem n'ellas drogas em estado de não poderem servir.
Por ultimo, o orador, referindo-se a uma correspondencia que leu no jornal O economista, de 9 do corrente, pergunta ao sr. ministro dos negocios estrangeiros se tem algum vislumbre de veracidade a noticia que ali se dá, de que se pensa na fusão da linha ferrea portugueza com uma linha estabelecida em territorio inglez, ficando a policia da linha portugueza dependente da policia ingleza e exercida por inglezes.
É preciso que s. exa. declare se está disposto a empregar todos os esforços para que não se estabeleça um estado de cousas que não póde deixar de ser prejudicial para o nosso paiz.
Aguarda, as respostas de s. ex.ªs
(O discurso será publicado na integra e em appendice, quando s. exa. o restituir.)
O requerimento vae publicado na secção competente a pag. 826.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Lu-

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ciano de Castro): - Desejo declarar ao illustre deputado o sr. Arroyo, que as suas indicações, feitas ha poucos dias n'esta camara, relativamente aos fornecimentos para as guardas municipaes, já foram attendidas.
Depois que s. exa. chamou a minha attenção para este assumpto, procurei informar-me do que havia, e verifiquei que effectivamente não se tinham feito os fornecimentos por concurso, por se ter entendido que era mais vantajoso fazel-os por contrato directo.
Quando se abriu concurso para o fornecimento da guarda municipal do Porto, appareceu um unico concorrente, e este não apresentou as tabellas exigidas antes do praso marcado.
Foi em virtude d'este facto que se fez o contrato directo com o antigo fornecedor.
Em todo o caso, como me pareceram procedentes as observações do illustre deputado, ordenei logo que de futuro todos os fornecimentos ás guardas municipaes de Lisboa e Porto sejam feitos em harmonia com o regulamento da contabilidade.
N'esta parte estão, pois, satisfeitas, creio eu, as indicações de s. exa.
Quanto ao ensino pharmaceutico, tomei nota das observações de s. exa., e não terei duvida alguma em tomar a iniciativa de uma proposta tendente a reformar esse ensino, parecendo-me bem fundadas as considerações do illustre deputado, quanto ao estado em que se acha esse ramo de administração entre nós.
Com relação á inspecção que s. exa. deseja que se faça nas pharmacias do reino, tambem não tenho duvida nenhuma em ordenar que, no uso das attribuições que aos governadores civis confere o codigo administrativo, seja feita essa inspecção com todo o rigor, a fim de evitar que se forneçam ao publico drogas medicinaes, que porventura não estejam em estado de servirem para o uso a que são destinadas.
Parece-me que d'esta maneira tenho satisfeito a todas as indicações do sr. Arroyo, provando-lhe assim, que não me preoccupo com a procedencia de quaesquer indicações feitas ao governo, em pontos de administração, sempre que ellas sejam justas. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomos): - Sr. presidente, a pergunta ou perguntas, que o illustre deputado o sr. Arroyo me formulou seriam mais bem dirigidas ao meu collega ministro da marinha. Referem se ellas a pontos do administração ultramarina, e não me parece que o meu ministerio tivesse de intervir, pelo menos no começo, em cousa, alguma na sua resolução.
Ignoro por minha parte absolutamente, e acredito que não ha nada ácerca da projectada fusão entre a nova linha de Mormugão e a linha ingleza do sul Maratha. Entretanto, se esse projecto existisse, conservando se dentro dos limites em que foi feita a concessão, e nos termos das leis portuguezas, não poderiamos estranhar que duas companhias se entendessem para defender do melhor modo os seus interesses. E então, na parte em que o governo tivesse de intervir, havia de o fazer por fórma a zelar a dignidade e a independencia nacional, não permittindo que em territorio nosso viessem ter ingerencia auctoridades estranhas; a menos que, por um convenio internacional como succedeu com a fiscalisação do sal, se não chegasse a esse accordo; mas para isso seria preciso uma negociação entre os dois governos, negociação ácerca da qual não tenho o menor idéa que haja da parte do governo inglez intento de a propor.
Creio que tenho satisfeito aos desejos do illustre deputado.
O sr. Presidente: - Pretende o sr. Arroyo usar novamente da palavra para responder aos srs. ministros; mas eu não lh'a posso conceder sem permissão da camara. Consulto-a por isso.
Permittiu-se que usasse da palavra.
O sr. Arroyo: - Agradece as respostas dos srs. ministros, e acrescenta algumas considerações.
(O discurso será publicado em appendice, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Sousa e Silva: - Sr. presidente, rogo a v. exa. me diga se o sr. ministro da marinha já se deu por habilitado para responder a uma interpellação que em sessão de 18 de janeiro lhe annunciei a respeito do regulamento de pilotagem da doca de Ponta Delgada e da maneira por que elle está sendo interpretado.
O sr. Presidente: - Na mesa não ha participação de que o sr. ministro da marinha se tenha dado por habilitado para responder a essa interpellação.
O sr. Sousa e Silva: - É simplesmente extraordinario!
Se se fazem perguntas aos srs. ministros sobre quaesquer questões, s. exa. vem dizer: «os srs. deputados querem tomar-nos de surpreza; os ministros não podem responder a exames vagos; mandem para a mesa as suas notas de interpellação, que nós estudaremos o assumpto e viremos depois responder satisfactoriamente».
Se nós seguimos o processo aconselhado n'essas occasiões e annuncâmos interpellações, ou s. ex.ªs não se dão por habilitados para responder, ou, no caso contrario, nunca são dadas para ordem do dia.
Annunciei a minha interpellação n'um dos primeiros dias da sessão do anno passado, e não instei desde logo pela realisação d'ella, porque, em consequencia de acontecimentos que todos conhecem, largava pouco depois a pasta da marinha o sr. conselheiro Henrique de Macedo.
Estava eu dando tempo para que o seu successor estudasse a questão, quando o sr. presidente do conselho veiu aqui avançar a peregrina opinião de que os deputados que não instavam continuadamente pelas suas interpellações não tinham desejo de que ellas se reelisassem.
Disse-o s. exa. em resposta ao sr. Pinheiro Chagas, por occasião d'este nosso distincto collega se referir a uma interpellação que lhe annunciára.
Aproveitando com a lição, instei immediatamente pela minha interpellação; mas foi trabalho baldado, porque o sr. Barros Gomes nunca se declarou habilitado para me responder.
Este anno, logo no principio da sessão, mandei novamente para a mesa a mesma nota de interpellação, já instei pela realisação, mas o sr. ministro da marinha continua a não querer dar-se por habilitado para responder.
Isto não póde continuar assim.
De mais a mais o negocio é muito serio, porque, como já tenho tido occasião de dizer por varias vezes, e agora repito, estão sendo cobrados illegalmente impostos em virtude do regulamento de pilotagem do porto de Ponta Delgada.
Tenho declarado mais de uma vez que esta questão não é politica, pois foram os meus amigos que decretaram o regulamento de que trato; mas tendo lhes eu feito ver a illegalidade em que haviam caído, nomeou o sr. conselheiro Pinheiro Chagas uma commissão para examinar quaes as alterações que conviria introduzir n'aquelle documento, em ordem a obviar aos inconvenientes que se lhe encontrava.
Pouco depois de dado pela commissão o seu parecer, caiu o ministerio regenerador e entraram para o governo os cavalheiros que actualmente se sentam n'aquellas cadeiras. São passados mais de dois annos e, nem o regulamento foi modificado, nem pelo menos o sr. ministro da marinha se declarou habilitado dar as rasões por que ainda o não alterou.
Rogo, portanto, a v. exa. que mais uma vez previna o sr. ministro da marinha de que desejo interpellal-o com urgencia sobre este assumpto, que é de alta conveniencia que não continue a ser protellado.
Visto que está presente o sr. ministro da justiça, vou

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dirigir-me a s. exa. para repetir uma pergunta que ha dias annunciei que desejava fazer lhe logo que aqui apparecesse antes da ordem do dia e me coubesse a palavra.
S. exa. creou no districto de Ponta Delgada dois julgados municipaes: um no concelho de Lagoa, e outro no concelho de Nordeste.
Eu já aqui disse que era de opinião contraria á creação de taça julgados, pelo menos nas condições marcadas no decreto de 29 de julho de 1886, porque se ia obrigar os povos mais pobres das comarcas a um augmento de contribuições com que elles não podiam, ao passo que eram grandemente reduzidos os emolumentos dos empregados e magistrados judiciaes da cabeça da comarca.
Entretanto o sr. ministro da justiça, que tem ácerca do assumpto idéas differentes das minhas, creou os dois julgados, e mandou abrir concurso para o provimento dos logares de juiz, concurso que não ficou deserto para nenhum d'elles e em agosto do anno passado fez os despachos apenas do pessoal que dizia respeito ao julgado da Lagoa, deixando até hoje sem provimento os logares do de Nordeste.
Eu pergunto, portanto, a s. exa. qual foi a rasão especial que teve para assim proceder.
Encarando as cousas debaixo do meu ponto de vista, folgo com que, não esteja ainda nomeado pessoal para este julgado, e mais folgaria se tambem o mesmo succedesse com o de Lagoa, visto que, como disse, sou contrario á creação d'elles pela fórma por que foi feita; rasão que não comprehendo é que o sr. ministro da justiça, que vê estas cousas por prisma muito differente do meu, vá crear um julgado para o deixar sem pessoal.
Espero as explicações do sr. ministro, e a v. exa. que me conceda de novo a palavra para depois do s. exa. no caso em que eu julgue necessario acrescentar mais algumas considerações.
O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Responde ao orador precedente.
(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, guando o restituir)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Consiglieri Pedroso.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Eu tinha-me inscripto antes do sr. Sousa e Silva.
O sr. Presidente: - Note v. exa. que a inscripção é dupla, isto é...
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - V. exa. póde conservar a inscripção que quizer, mas eu tinha a palavra antes do cavalheiro que acaba de fallar. Dava-se a circumstancia de já estar presente o sr. ministro a quem desejo referir-me e portanto cabia-me naturalmente a palavra.
O sr. Presidente: - Ha duas inscripções, uma segundo a ordem porque a palavra é pedida, e a outra para os srs. deputados, que querem fallar quando esteja presente algum dos srs. ministros.
Até aqui tenho concedido a palavra pela ordem da inscripção geral, e agora vou dal-a aos srs deputados que a pediram exclusivamente pare quando estivessem presentes os srs. ministros, a quem desejam dirigir-se.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Declara que, se estivesse presente na sessão de sabbado, teria votado contra o requerimento para ser dada como sufficientemente discutida a materia do projecto de lei n.° 12.
Apresenta em seguida um requerimento, pedindo ao governo copia da correspondencia trocada entre a estação de saude de Belem e o governo a proposito da concessão do cabo telegraphico do Tejo á companhia English portuguese telephone company.
Referindo se depois á legação portugueza em Berne, creada ha anno e meio, e que, como n'essa occasião disse, lhe pareceu e parece inopportuna e esteril, porque o paiz não tem com a Suissa senão escassissimas relações commerciaes, estranha que o governo da republica helvetica não tenha tambem orçado uma legação d'aquelle paiz em Lisboa, como se devia esperar, em vista dos principios de direito internacional.
Pergunta, portanto, o que tem feito o governo em presença d'esta falta de reciprocidade da parte da Suissa, e o que conta fazer se aquelle paiz persistir em não nomear um seu representante para Portugal.
Precisa referir-se ainda a outro ponto. Apresentou em tempo alguns projectos relativos ao melhoramento das classes laboriosas, alguns projectos relativos á maneira do governo intervir nas relações entre o capital e o trabalho.
O partido progressista não estava então no poder e o sr. Emygdio Navarro apoiara a idéa de se tratar a fundo dos problemas sociaes; o logo que s. exa. entrou no governo prometteu que do seu ministerio sairiam algumas propostas a este respeito.
Até hoje, porém, s. exa. não deu força ás idéas que por mais de uma vez manifestara.
Ha sobretudo dois projectos que se referem a questões, importantissimas. São os que tratam dos tribunaes de arbitros e do trabalho dos menores.
Estes assumptos são momentosos, e sente por isso que o governo não lhes tenha dado a attenção que elles merecem.
Pede mais uma vez ao sr. ministro das obras publicas que tome, pois, em consideração esses projectos que estão affectos ás respectivas commissões, se não tiver tempo, de formular propostas suas.
Referindo, por ultimo, á resposta dada no sabbado pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros ao sr. Avellar Machado a respeito da tentativa de se arvorar a igreja de S. Luiz em parochia de toda a colonia franceza em Lisboa, declara que essa resposta não o tranquillisou.
Foi resposta muito vaga, e o sr. ministro da justiça entendeu dever guardar silencio.
Depois da declaração feita na camara, um jornal insuspeito para o governo, O Dia, affirmou que a tentativa existia e que estava mais bem organisada do que se imaginava.
Espera, por consequencia, que o governo lhe diga se é ou não exacto o que no jornal se lê, e em todo o caso se está, disposto a fazer cumprir as leis.
Conclue, pedindo que seja prevenido o sr. ministro da marinha, de que deseja chamar a sua attenção para um assumpto grave, sendo por isso conveniente que s. exa. compareça n'uma das proximas sessões antes da ordem do dia.
O requerimento vem publicado a pag. 826.
(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o devolver.)
O sr. Presidente: - Os srs. ministros pediram a palavra, mas não a posso conceder, porque está quasi a dar a hora para se entrar na ordem do dia. Preciso, por isso, consultar a camara.
Vozes: - Fallem, fallem.
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, tem a palavra o sr. ministro das obras publicas.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Duas palavras apenas em resposta ao illustre deputado que acabou de fallar.
As criticas do s. exa. são absolutamente infundadas, porque elaborou n'um equivoco.
O governo já no anno passado trouxe a esta camara duas proposta de lei, uma sobre tribunaes avindores, e outra sobre o trabalho de menores.
A primeira d'estas propostas já tem parecer, e isto mostra que nem eu puz de parte as idéas que sustentei quando opposição, nem a commissão deixou de trabalhar.
Acrescento ainda que se tiver tempo apresentarei mais algumas propostas sobre o assumpto.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Bar-

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ros Gomes): - O governo, ao estabelecer a legação em Berne, não teve outro pensamento que não fosse o de satisfazer ao que reputava uma conveniencia publica, tendo n'um centro onde se tratam muitos negocios de caracter internacional um agente que tomasse parte nas conferencias e congressos que ali a miudo se realisam, e que informasse o governo do andamento de certos negocios que nos podessem interessar.
Não tive outro pensamento, se o tivesse tido, entraria tambem um pouco n'essa nomeação o desejo de ser agradavel ao illustre deputado, visto que se tratava de acreditar um agente nosso junto de um governo que representa e exemplifica a fórma de constituição politica que o illustre deputado advoga n'esta casa; mas infelizmente se tivesse nutrido essa idéa, que não nutri, tinha-me enganado redondamente, porquanto é esse um dos actos da minha gerencia que mais têem preoccupado e merecido as criticas do illustre deputado.
Direi ao sr. Pedroso, respondendo precisamente a s. exa., que estranhou o facto de reciprocidade por parte do governo da republica helvetica, que não acreditou nenhum representante junto da nossa côrte, que esse facto não é tanto para estranhar como s. exa. quer; e se o fosse, o illustre deputado devia já ha muito tempo ter chamado a attenção do governo com respeito a outras faltas de reciprocidade por parte de governos de paizes onde nós temos representantes acreditados.
Ha muito tempo que tinhamos um representante nosso em Buenos Ayres, e só ha muito poucos mezes é que foi acreditado junto da nossa côrte um representante d'aquella republica. Temos um ministro nosso em Tanger, o sr. Collaço, que ainda ultimamente esteve entre nós para informar o governo sobre certos factos importantes que a camara não desconhece, e não consta que o sultão de Marrocos tenha até hoje representante acreditado em Lisboa.
Outros factos de reciprocidade podia citar; na Hollanda, por exemplo, temos nós um ministro acreditado e apenas está em Lisboa um simples encarregado de negocios, representando aquelle paiz.
Nenhuma d'estas faltas suscitou reparos da parte de s. ex.ª; é unicamente a falta de reciprocidade por parte do governo da republica suissa que tem merecido estes seus reparos aliás sempre cortezes e formulados por uma fórma tão digna como s. exa. os apresenta na camara.
Alludiu s. exa. a outro assumpto. Estimo ter esta occasião de me referir a elle, porque desejava, não direi rectificar, porque não tenho que rectificar, mas completar a informação, que ácerca d'elle dei o outro dia á camara.
Interpellado pelo sr. Avellar Machado sobre projectos attribuidos ao governo, e sobretudo ao ministro dos negocios estrangeiros, de favorecer a instituição de uma nova parochia em Lisboa, eu declarei n'essa occasião que tal pensamento nunca me tinha passado pela mente, e quo nem official nem officiosamente, com qualquer individuo tinha tido occasião de trocar qualquer palavra a esse respeito. Escuso de dizer á camara que quando affirmei isto affirmei a verdade inteira; nem eu era capaz de faltar a ella. (Apoiados.) Mas, chegando n'esse mesmo dia a casa encontrei uma nota diplomatica sobre este assumpto; essa nota era do sr. ministro da França n'esta capital. S. exa. chamava a attenção do governo, do ministerio dos negocios estrangeiros, sobre o facto da exigencia por parte do patriarchado de Lisboa de um sêllo de 25$000 nos documentos que se tornavam necessarios para a celebração de um casamento na igreja de S. Luiz. O sr. Billot dizia que aquella igreja devia ser, em virtude de um breve pontificio de 1561, considerada, não como capella publica, mas sim como freguezia; que já em tempo ao sr. ministro da justiça tinha tido occasião de fazer reparo identico, a proposito de uma exigencia identica de outro sêllo de 25$000 réis, que agora fôra tambem exigido para o casamento do filho do sr. consul de França, mr. Silva.
S. exa. entendia que tal exigencia era injusta e tinha reclamado para o patriarchado; do patriarchado remetteram este negocio para o ministerio da fazenda, que resolveu considerar a igreja de S. Luiz como capella publica mantendo a exigencia do culto.
O sr. ministro da França mandou-me copia de parte do breve pontificio, e bem assim dos officios trocados com o ministerio da fazenda, e que haviam dado o resultado e assignalado a conclusão contra a qual mr Billot reclama.
O sr. ministro de França declara que tem nas instrucções que recebeu ao vir para este paiz a recommendação de zelar cautelosamente todos os direitos e privilégios d'aquella igreja.
N'estes termos, o que me cumpre fazer é pedir ao meu collega da justiça a sua auctoridade de opinião sobre o caminho a seguir, por isso que s. exa. já começara a tratar a questão na sua secretaria, onde depois de formulado o parecer sobre o assumpto se remetteu todo o processo para a procuradoria geral da corôa, para a qual naturalmente será tambem enviado agora este novo recurso do sr. ministro de França; aquelle tribunal o examinará e habilitará o governo a resolver, ou de accordo com o sr. ministro de França, caso o permittam as leis do reino, ou dando as rasões por que essa reclamação não póde ser attendida pelo governo se for contraria ás disposições legaes.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Responde tambem ao sr. Consiglieri Pedroso sobre a questão relativa á igreja de S. Luiz.
(O discurso será publicado, em appendice, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: - Consulto a camara sobre se permitte que seja concedida a palavra ao sr. Consiglieri, que assim o requereu para replicar aos srs ministros.
Resolveu-se afirmativamente.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Observa ao sr. ministro que, quando trata de assumptos internacionaes, não se preoccupa com a fórma do governo que tenham os outros paizes; olha sómente aos interesses publicos.
Põe acima de tudo o brio e a dignidade nacional.
Fallára mais especialmente na legação em Berne, porque a sua creação é da responsabilidade do sr. ministro dos negocios estrangeiros.
Quando se discutir o orçamento fallará das legações em outros paizes.
Conhece os dois documentos a que se referira o sr. ministro das obras publicas, mas todos sabem que uma cousa é um ministro apresentar uma proposta com o intuito de que ella se discuta e outra cousa é apresental-a para que não se discuta.
As suas considerações, portanto, ficaram no fundo com o mesmo valor.
Quanto á igreja de S. Luiz, visto que se espera o voto de um tribunal e ha negociações diplomaticas, nada mais dirá por agora, mesmo porque lhe faltam os documentos necessarios para tratar mais largamente o assumpto.
(O discurso será publicado em appendice, quando o orador o restituir.)
O sr. Ribeiro Ferreira: - Desejava chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para um facto que julgo importante; mas, como s. exa. não está presente, reservo-me para o fazer n'outra occasião.
Mando para a mesa a seguinte:

Participação

Participo a v. exa. e á camara, que está constituida a commissão de commercio e artes, tendo nomeado para presidente o sr. Madeira Pinto e a mim para secretario. = Ribeiro Ferreira.
Para acta.

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ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n° 12, penitenciarias

O sr. Presidente: - Na ultima sessão já fui considerada pela camara, como sufficientemente discutida a generalidade do projecto; mas antes d'este, tem de ser votada uma moção apresentada pelo sr. Arouca, porque ella importa um adiamento. Vae ler-se.
Leu-se a seguinte:

Moção

A camara convida o governo a apresentar uma conta detalhada em que se fixe o custo da acquisição dos edificios que o governo quer comprar, o orçamento das despezas a fazer n'esses edificios, e bem assim a competente tabella mencionando o pessoal necessario e seus vencimentos; creando-se desde logo, para occorrer a estas despezas, a dotação correspondente. = Frederico Arouca.
Foi rejeitada.
O sr. Presidente: - Vae agora ler-se o projecto para ser votado na generalidade.
Leu-se o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 12

Artigo 1.° A pena de prisão correccional será cumprida, em conformidade com as disposições da lei de l de julho de 1867, nas cadeias comarcas construidas de novo ou adaptadas para esse fim.
Art. 2 ° O numero de cadeias geraes penitenciarias poderá exceder o fixado no artigo 28 ° da referida lei, se as necessidades da repressão criminal o exigirem.
§ 1.° O governo fixará os logares em que hão de ficar as cadeias geraes penitenciarias, devendo, porém, uma d'ellas ser nas proximidades da cidade do Porto, bem como o numero de cellas que cada uma devo ter, comtanto que se não exceda em todas ellas construidas e a construir o numero total de 1:700 cellas.
§ 2.° Se uma cadeia geral penitenciaria satisfizer á condição prevista no artigo 44.° da mesma lei, poderá servir tambem, emquanto houver cellas disponiveis, para prisão de condemnados dos dois sexos.
§ 3.° O governo póde desde já adquirir, e aproprial-os aos fins de que trata esta lei, até dois edificios construidos para prisão de criminosos, nos termos da lei de l de julho de 1867, não podendo o encargo annual d'essa acquisição e apropriação exceder a 33:000$000 réis.
Art. 3.° O pessoal das cadeias geraes penitenciarias será fixado em decreto especial á medida que cada uma se for estabelecendo.
§ unico. O pessoal não poderá exceder o fixado na carta de lei de 29 de maio de 1884 para a cadeia geral penitenciaria do districto da relação de Lisboa, e deverá ser proporcional para as que tiverem menor numero de cellas.
Art. 4.° Fica assim alterada a carta de lei de l de julho de 1867, e revogada toda a legislação em contraria.
Foi approvado na generalidade.

O sr. Presidente: - Passa se á discussão da especialidade.
Leu se o seguinte:
Artigo 1.° A pena de prisão correccional será cumprida, em conformidade com as disposições da lei de l de julho de 1867, nas cadeias comarcas construidas de novo ou adaptadas para esse fim.
O sr. Presidente: - Está em discussão.
O sr. João Pinto dos Santos: - Este projecto tem sido largamente discutido pela opposição parlamentar. Parecendo a principio de pouca importancia, pois que tão pouco cuidado mereceu ao governo, evidenciou-se pela discussão que representava uma alteração profunda no systema penitenciario da lei de l de julho de 1867, e custava ao paiz uma boa somma de contos de réis.
Os oradores que se inscreveram por parte da maioria, apesar de muito distinctos, de tal maneira baralharam e confundiram a questão que, se quizessemos dar-nos ao trabalho de comparar os seus discursos, encontravamos de sobra elementos para combatel-os. Basta simplesmente notar a base que para fazer os seus calculos tomaram os srs. Eça de Azevedo e Eduardo José Coelho. O sr. Eça fez os seus calculos, reputando o custo de cada cella em réis 1:700$000, e o sr. Eduardo José Coelho em 1:023$000 réis. Que confiança podemos ter em calculos feitos por esta fórma?
O sr. Eça de Azevedo: - O meu calculo referia-se ao custo da penitenciaria de Lisboa.
O Orador: - Pois bem. Se não existe contradição n'este ponto, como eu suppunha, dá-se em o sr. Eça reputar o custo de cada cella da penitenciaria de Lisboa em 1:700$000 e o sr. Eduardo José Coelho em mais de réis 2:000$000.
Desloca-se a contradição de um ponto, para existir n'outro. (Apoiados.)
O sr. Eça de Azevedo: - Eu calculei a despeza da penitenciaria só até 1878.
O Orador: - Eu julgava que s. exa. tinha dito que o custo de cada uma das cellas novas que se hão de comprar era de 1:700$000 réis, emquanto que o sr. Eduardo José Coelho tinha affirmado que o custo de cada uma d'essas cellas era de l:023$000 réis! S. exa. agora interrompe-me e vejo que a contradição se desloca de um ponto para apparecer n'outro; porque s. exa. calculou que cada ella da penitenciaria central custa 1:700$000 réis, e o sr. Eduardo José Coelho calculou o custo de cada uma das mesmas cellas em 2:600$000 réis! O que concluo d'aqui é que um de s. ex.ªs calculou muito mal, por isso que os numero differem muito um do outro.
O sr. Eduardo José Coelho: - Permitta-me v. exa. que o interrompa para dizer-lhe que me parece que está n'um equivoco. O sr. Eça de Azevedo calculou a despeza feita com a penitenciaria de Campolide, só até 1878, e eu, no meu calculo, addicionei a despeza feita até á conclusão da obra.
O Orador: - S. exa. ha de permittir-me que lhe responda primeiramente que o sr. Eça de Azevedo, no seu discurso, não disse até que anno fizera os seus calculos, e, em segundo logar, que me parece que não é licito a ninguem fazer calculos incompletos para argumentar com elles! (Apoiados.)
Pois então, quando se faz um calculo para uma obra, não se leva até ao fim?! Que calculo é esse? Então s. ex.ªs levam os calculos até onde lhes convém, param onde querem, e nós havemos de dar credito aos cálculos de ambos?! Não póde ser! (Apoiados) Qual é então o verdadeiro calculo?
O que se conclue de tudo isto é que o projecto veiu á camara de tal modo estudado, que ainda agora, nos proprios apartes de s. exa., se está demonstrando quanto procederam de leve na sua apresentação; e só tenho pena de não ter podido examinar os documentos que me foram ba pouco distribuidos, para notar as contradicções que se hão de encontrar entre os elementos que se apresentam agora o os adduzidos já na discussão pelo governo e seus defensores. O que se vê em tudo isto é uma embrulhada enorme, em que se metteram governo e maioria, sem ter conhecimento dos factos que haviam de servir de base ao projecto em discussão, sem que nem uns nem outros medissem, bem o alcance da medida que propunham.
Sr. presidente, o sr. Eduardo José Coelho é um distincto parlamentar, e reparou bem na maneira confusa, contradictoria e superficial, como tinha corrido a discussão por parte do governo, e levantou uma bandeira que julgou muito importante, para animar os seus correligionarios e abater o espirito dos seus adversarios.
Protestando não querer fazer politica retrospectiva, lem-

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brou-se, comtudo, que as obras da penitenciaria de Campolide tinham dado ensejo para diversos ataques aos regeneradores, e tinham sido uma das melhores armas do partido progressista para subir ao poder.
Hasteou de novo esta bandeira e procurou com ella conservar os seus correligionarios no poder, calculando todas as despezas feitas com a penitenciaria, de Lisboa, comparando-as com o custo das que se iam comprar agora e demonstrando a differença entre essas e outras, com grande desfavor para o partido regenerador, que fez a primeira penitenciaria.
D'esta sorte, entendia que os regeneradores se calavam, visto que se evidenciava que cada cella da penitenciaria central custara 2:600$000 réis, emquanto que agora importava cada uma em l:623$000 réis.
Era enorme a differença e o partido progressista era um explendido administrador!
S. exa., porém, conheceu logo que essa arma de combate lhe não deu os resultados esperados, porque nem a maioria o apoiou, nem a opposição regeneradora levantou protestos ou contestações.
Os calculos eram de tal maneira ligeiros e feitos por tão grosso modo, que verdade, verdade, não satisfizeram a maioria nem irritaram os regeneradores.
Vou proval-o ao illustre deputado. S. exa., tomando para base dos seus calculos os resultados de inquerito parlamentar de 1878, viu que até então a penitenciaria central de Lisboa custara l.000:000$000 réis. Não querendo parar aqui, como o sr. Eça de Azevedo, foi encontrar n'um documento qualquer uma despeza.
O sr. Eduardo José Coelho: - Foi na conta geral do estado.
O Orador: - ... juntou essa despeza que encontrara na conta geral do estado, no valor de 3.330:000$000 réis, aos l.000.000$000 réis gastos até 1878.
Depois, não sei por que processos de subtracção, achou que as obras da penitenciaria tinham importado em réis 1:800:000$000.
Depois, não sei ainda por que processos, reduziu o custo das obras a 1.500:000$000 réis!
S. exa. passou de l.000.000$000 réis a 1.800:000$000 réis e desceu em seguida para 1.000:000$000 réis, sem se saber bem com que fundamentos.
É por isso que eu não tenho grande fé n'estes calculos. Permitta-me s. exa. que eu hesite um pouco sobre a orçamentologia que nos apresentou.
Pois passa-se de l 800:000$000 réis para l.500:000$000 réis, com a mesma facilidade com que se passaria de 2 tostões para l tostão?
Quaes foram os fundamentos que teve para fazer a diminuição de 300.000$000 réis?
Eu, com franqueza o digo, não tenho grande consideração pela orçamentologia. Ao entrar n'esta casa o anno passado, assisti logo a um episodio orçamentologico que me deixou uma impressão tão profunda no meu espirito, que difficilmente se apagará da minha lembrança.
Perguntava o sr Consiglieri Pedroso em que verba do orçamento figuravam as despezas que se fizeram com o casamento do Principe Real, pois que tinha lido e relido o orçamento e não encontrara lá nada a esse respeito. Levantou se o sr Carrilho e declarou que figuravam na mesma verba em que figuravam as despezas feitas com as festas ao Rei de Hespanha, e que... Em fim, sr. presidente, de tal maneira respondeu o sr. Carrilho, que deprehendi que se tinham feito despezas, mas que não figuravam em nenhuma verba especial do orçamento.
Ora, se essas despezas montaram a mais de l.000:000$000 réis segundo a opinião geral, e não figuram em nenhuma verba do orçamento, é porque se acham diluidas por processos orçamentologicos pelas differentes verbas ali descriptas. Quem me provou a mim, pois, que nas despezas da penitenciaria constantes da conta geral do estado só não teriam incluido outras despezas d'aquellas que se não descrevera em verbas especiaes?!
Sr. presidente, os calculos do illustre deputado o sr. Eduardo José Coelho não têem para mim grande valor ainda por outra rasão. Admittindo mesmo a sua veracidade, as despezas que se comparam não sei ao da mesma natureza. Com respeito á penitenciaria de Lisboa, apresentam-se despezas já realisadas, emquanto que em relação ás outras penitenciarias que se vão comprar, as despezas são apenas as que se esperam fazer.
V exa. não sabe a differença que existe entre um orçamento de previsão e um orçamento rectificado?
Entre despezas já feitas e despezas a effectuar?
Demais, como não estão ainda realisados os contratos com as juntas geraes dos districtos de Coimbra e Santarem para a compra das suas penitenciarias, não se póde saber ao certo os encargos que trarão para o estado taes contratos. Não se póde, pois, fazer um calculo exacto com dados desconhecidos.
É verdade que no relatorio do projecto se faz menção das condições com que a junta geral de Coimbra contrata com o governo a venda da sua penitenciaria, sendo uma d'ellas a transferencia para o estado dos encargos provenientes dos emprestimos levantados pelo districto para a construcção d'aquelle estabelecimento.
E é verdade tambem que, no mesmo relatorio, se affirma que, «com relação ás penitenciarias de Santarem, conta poder contratar nas mesmas, se não melhores condições.»
Ora, lendo este periodo, convenci-me de que, apesar de o governo não ter feito ainda contrato definitivo com a junta geral de Coimbra, em todo o caso por sua parte estava disposto a acceitar as condições impostas por essa corporação; porque, de outra maneira, não podia dizer que «com relação á penitenciaria de Santarem conta poder contratar nas mesmas condições». Dizendo isto, parece que se conformava com as condições apresentadas anteriormente pela junta geral de Coimbra.
Pois foi um puro engano da minha parte!
As condições dos contratos continuam a ser desconhecidas, porque as propostas pela junta geral de Coimbra não podem, em parte, ser acceitas pelo governo.
Lê-se esta declaração no extrato que aqui tenho do ultimo discurso do sr. Eduardo José Coelho.
«E uma tal suspeita desapparecia desde que se soubesse que o governo não podia acceitar a proposta da junta geral de Coimbra com as condições, n'ella impostas, de passarem para o estudo os encargos que a junta contrairá com a companhia do credito predial.»
O illustre deputado declarou terminantemente que o governo não póde acceitar as transferencias dos encargos dos emprestimos levantados pelo diminuto, porque os estatutos do banco hypothecario só permittem contratos com os districto, municipios e parochias, e nunca com o estado. No entretanto, o governo no seu relatorio diz que «com respeito á penitenciaria de Santarem, conta contratar nas mesmas condições», com que contrata com a junta geral de Coimbra, sendo uma d'essas a transferencia dos encargos dos emprestimos.
Se esta condição apresentada pela junta geral de Coimbra não podia ser acceita, porque se oppunha ao regimen do banco hypothecario, como é que havia de fazer-se com a junta geral de Santarem um contrato nas mesmas condições?!
As contradições entre as palavras do relatorio e as declarações do sr. Eduardo José Coelho são de tal maneira evidentes, que não me parece que alguem as possa desfazer.
Já vê, pois, s. exa. a fallibilidade dos seus calculos com respeito ao custo da penitenciaria de Lisboa e das outras que se hão de comprar em virtude do projecto que se discute.
Foi por isso que elles não enthusiasmaram a maioria,

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nem irritaram a opposição regeneradora, apesar de s. exa. os ter trazido como uma explendida arma de defeza.
Só tiveram o condão de o enleiar a tal ponto, que o obrigaram a defender manifestos erros juridicos.
O illustre deputado sabe a muita consideração que lhe tributo pelo seu talento, pelo seu caracter e porque é um parlamentar dos mais distinctos d'esta casa; (Apoiados.) mas, apesar d'isto, e da erudição que lhe reconheço, não posso deixar de afirmar que s. exa. sustentou doutrina em diametral opposição com a lei vigente, o que eu explico pela ruindade da causa que se propoz defender.
S. exa. sustentou que a prisão correccional não faz parte do regimen penitenciario. Ouvi isto no seu discurso e leio-o agora no extracto official. Podia ser esta uma affirmativa ligeira, podia ser uma phrase dita incidentalmente, e n'esse caso não merecia grande importancia, porque todos sabem que no calor da discussão se pronunciam palavras e phrases improprias e inexactas, cujas consequencias logicas se não acceitam, quando se pensa e reflecte bem n'ellas. Mas não succedeu isto. Esta asserção foi feita por s. exa. de caso pensado; foi como uma these, que se propoz demonstrar.
Pois, sr. presidente, se formos consultar a lei de l de julho de 1867, encontrâmos, não era um artigo, mas em muitos, que a prisão correccional está sujeita ao regimen penitenciario.
Eu aponto desde já o artigo 34.°, que diz.
«O condemnado definitivamente á pena de prisão correccional será encerrado em um quarto ou cella, com absoluta e completa separação de quaesquer outros presos, com os quaes não poderá ter communicação alguma.»
Este artigo refere-se evidentemente á prisão correccional. Quando depois a lei trata das cadeias comarcas, diz que terão tambem cellas sujeitas ao isolamento, da mesma fórma que as cadeias districtaes e centraes. D'esta sorte não percebo como o illustre deputado, lendo a lei de l de julho de 1867, póde affirmar que a prisão correccional não está sujeita ao regimen penitenciario.
O sr. Eduardo José Coelho: - É a minha opinião.
O Orador: - Eu respeito muito a opinião do illustre deputado, quando é baseada em argumentos ou deduzida da lei; mas não quando se acha em completa opposição com os textos legaes e vem desacompanhada de quaesquer considerações.
Pois não diz o artigo 34.° que o condemnado a pena correccional será encerrado n'uma cella com absoluto isolamento?
É isto o regimen penitenciario ou não é?
Se é alguma cousa differente d'isto, eu não conheço entre nós este regimen.
O regimen do isolamento dá-se tanto nas prisões comarcas, como nas districtaes o como nas centraes.
(Áparte.)
Não ha duvida alguma a este respeito, diz-me aqui o sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, subdirector da penitenciaria de Lisboa, e por isso mesmo pessoa muito auctorisada n'este assumpto.
Não ha duvida alguma n'este ponto, repito eu tambem.
Sr. presidente, por estas ligeiras considerações evidenceia-se a enorme confusão que lavra entre a maioria e o governo, porque não só se combatem uns aos outros, mas insurgem-se todos contra as leis vigentes, querendo revogal-as sem o perceberem ou pelo menos sem o declararem ao parlamento.
No relatorio da commissão de legislação criminal falla-se sómente da alteração da lei de l de julho de 1867, emquanto á extincção das prisões districtaes e á creação de mais penitenciarias centraes.
No entretanto, não é só n'estes pontos que aquella lei é modificada. Diz-se no artigo 32.°:
«O quadro dos empregados das cadeias penitenciarias, geraes, districtaes e comarcas, será fixado por lei especial.»
Ora se este artigo, determina que o pessoal das penitenciarias será fixado por leis especiaes, como é que o governo vem apresentar n'este projecto o artigo 3.°, em que fica auctorisado a fixar o pessoal das cadeias geraes por decretos? (Apoiados.)
Não modificará este artigo do projecto aquella lei?
Este artigo, não só offende a carta constitucional, como mostraram já alguns oradores d'este lado da camara, mas tambem revoga o artigo 32.° da lei de l de julho de 1867. (Apoiados.)
E o peior é que se fazem alterações sem o dizer, o peior é que passa este projecto como um cousa muito simples e insignificante, quando a final traz modificações importantissimas no regimen penitenciario. (Apoiados.)
Por estas ligeiras considerações que apresentei, parece-me que se evidenceia claramente a falta de estudo do projecto em discussão e a maneira confusa e contradictoria, como foi defendido.
Vou entrar agora na analyse do artigo 1.°
O sr. conselheiro Julio de Vilhena, discutindo a generalidade do projecto, fez notar como as idéas do sr. ministro da justiça estavam em completa opposição com as de alguns membros do ministerio, por isso mesmo que o sr. Emygdio Navarro, e não sei se tambem o sr. Mariano de Carvalho, em 1884, quando se pediu á camara a creação do pessoal da penitenciaria de Lisboa, atacaram vivamente o regimen penitenciario, mostrando-o como a causa directa de loucuras o outras modestias importantes.
Apesar do respeito que tenho pelo sr. Julio de Vilhena, permitta-me s. exa. que lhe diga que n'este ponto não sou da sua opinião.
Parece-me que o governo não está n'este projecto em desaccordo com as opiniões anteriormente emittidas por alguns dos seus membros.
Se o sr. Emygdio Navarro e creio que o sr. Marianno de Carvalho combateram o regimen penitenciario, o sr. Francisco Beirão não o combateu menos vivamente, apesar de parecer defendel-o pelo facto de crear novas penitenciarias, pois que taes modificações introduz na lei de l de julho de 1867, que desorganisa completamente o seu systema de prisão.
No artigo 1.° do projecto extinguem-se as cadeias districtaes, sendo a pena correccional cumprida nas cadeias comarcas. Parece uma cousa simples, mas na economia do systema penitenciario vigente produz uma grandissima alteração.
Já tratou d'este assumpto o sr. Antonio de Azevedo Castello Branco com a sua costumada proficiencia, e eu vou hoje dizer tambem duas palavras sobre elle, visto estar em discussão o artigo 1.°
Antes, porém, de começar, seja me permittido assentar uns principios de sciencia criminal, conhecidos de toda a camara, mas que é indispensavel lembrar para bem se comprehender os inconvenientes que acarreta a modificação feita pelo sr. ministro da justiça.
Sr. presidente, o direito penal tem modernamente merecido as attenções dos homens mais eminentes e tem soffrido importantissimas transformações, devidas principalmente aos trabalhos anthropologicos applicados á jurisprudencia.
Desappareceram muitas das velhas concepções metaphysicas, fundamentadas sómente na casuistica das escolas, e foram substituidas por outras deduzidas de um estado serio e profundo da natureza humana.
A Italia é sem duvida um dos paizes em que a criminalogia mais tem progredido.
Segundo os principies da moderna sciencia penal, os fundamentos do direito de punir são a correcção, intimidação ou exemplaridade e a defeza social. Não desenvolvo cada um d'elles, não trato de os justificar, porque os supponho conhecidos de todos, e simplesmente procurarei investigar quaes os crimes em que a penalidade produz mais proficuos resultados.

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Nos pequenos crimes, a que se applicam penas medias é que a correcção exerce mais beneficos effeitos. A privação da liberdade, o vexame resultante da prisão, são outros tantos motivos que actuam no criminoso, modificando-lhe a organisação, moralisando-o. Nos grandes crimes, que denotam barbaridade e selvagoria, a correcção é quasi nulla, porque esses criminosos são uns degenerados ou seres primitivos, cuja organisação viciosa se não modifica, como infelizmente nos demonstram as estatisticas das prisões.
São organismos inferiores, propensos para o crime, para quem criminalistas distinctos como Lombroso, estão reclamando asylos perpetuos, e para quem outros pedem instantemente a pena de morte.
Nos pequenos crimes, a intimidação ou exemplaridade tem uma grande influencia, já porque são os que mais frequentemente se dão na sociedade, já porque os individuos que os podem praticar são mais susceptiveis de corrigir se pelo exemplo, do que os que podem praticar crimes maiores, que denunciam organisações viciosas e inferiores.
Se o exemplo actua em condições iguaes ou similhantes, as grandes penas poucos resultados beneficos poderão produzir, visto que a sua acção recairá em seres incapazes de se modificarem.
As grandes penas, n'estes casos, não visam a corrigir o criminoso, nem a servir de exemplo; procuram sómente o outro fim da pena: a defeza social.
Se estes criminosos são uns seres propensos ao crime, a sociedade encarcera-os ou mata-os para se defender d'estes elementos perturbadores.
D'estas considerações succintamente expostas concluo eu que dois fins da pena - correcção e intimidação - produzem melhores resultados nos pequenos crimes, a que são applicadas penas denominadas geralmente correccionaes.
Postos estes principios, vou com elles estudar a lei de l de julho de 1867 e a modificação que lhe foi introduzida pelo artigo 1.° do projecto.
Segundo esta lei, havia prisões comarcas, districtaes e geraes, cumprindo-se nas primeiras todas as penas até tres mezes, nas segundas as penas de tres mezes a dois annos, e nas outras as penas de dois annos para cima.
Estes tres typos de penitenciarias têem a sua justificação scientifica. Se o regimen penitenciario corrige os criminosos, principalmente pelo trabalho em que os emprega, não os deixando viver uma vida ociosa e domesticando-lhes a vontade pelo ensino profissional, era indispensavel haver umas prisões em que se encerrassem os condemnados a prisões curtas, durante as quaes era absolutamente impossivel aprender qualquer officio.
Estes presos, que entram para se demorar pouco tempo, não póde a lei ter a pretensão de querer regeneral-os pelo trabalho. Andou, pois, muito bem o legislador em lhes fazer umas prisões especiaes - as comarcas - para não crer complicar a administração das prisões districtaes, em que se enclausuram já individuos pelo tempo bastante para se lhes poder applicar um regimen de trabalho que os moraliso e os habilite para viverem na sociedade.
Como nas prisões comarcas se mettem os presos condemnados até tres mezes, ainda que a administração das prisões seja menos rigorosa e menos bem posto em pratica o systema penitenciario do isolamento, não traz isso comsigo grandes inconvenientes, já porque os presos estão sempre a entrar e a sair, já porque os crimes são no geral ligeiros. A simples detenção que os priva da sua liberdade e que os vexa na opinião publica, constituo um motivo bastante forte para os corrigir e para actuar nos outros que se acham em condições similhantes.
Não succede já o mesmo com as prisões districtaes, em que se deviam encerrar todos os condemnados de tres mezes a dois annos.
Como os crimes que se punem ahi são já mais importantes, e como a penalidade que se applica aos criminosos é mais duradoura, torna se indispensavel uma rigorosa administração, a fim de conseguir que os presos se morigerem pelo trabalho, instruindo-se e aprendendo um officio qualquer.
Nas penitenciarias geraes, mettem-se criminosos mais importantes, para quem é necessaria uma rigorissima administração, visto que os seus crimes denunciam uma organisação viciosa.
Era inconvementissimo conservar no mesmo estabelecimento os grandes criminosos, e aquelles que praticam crimes menos importantes.
Vem agora o sr. Beirão e altera este systema racional da lei de l de julho de 1867, extinguindo as prisões districtaes, e determinando que as penas correccionaes se cumpram nas cadeias comarcas.
Suppondo mesmo que se construiam as cadeias comarcas, a medida do sr. ministro da justiça dá um grande golpe no systema penitenciario. Como estas cadeias são muitissimas, a administração não poderá ser muito boa, porque demandava um pessoal habilitado, com o qual se havia de gastar uma quantia fabulosa, e de certo não se faz isso, visto que os municipios não podem com essas despezas extraordinarias.
Existindo as prisões districtaes, era mais facil fazel-as administrar bem, porque eram em muito menor numero. Comprehende se que se arrange bom pessoal administrativo para as cadeias dos districtos; não se acredita facilmente que se arrange bom pessoal para as cadeias comarcas.
D'esta sorte, se o regimen penitenciario influo na diminuição da criminalidade, corrigindo os criminosos e intimidando os outros que ainda o não são, os seus effeitos ficam destruidos na parte mais importante, nos crimes mais frequentes, porque os criminosos mettidos nas cadeias comarcas, que hão de ser mal administradas, hão de viver como nas actuaes cadeias communs, sem ter instrucção moral, nem profissional.
Note-se que ponderei estas desvantagens, partindo da hypothese que se construiam as prisões comarcas, o que é inacreditavel.
Se se lucta com enormes difficuldades para fazer as prisões districtaes, que são em muito menor numero; se desde 1867 até hoje só dois districtos construiram as suas penitenciarias, o que havemos de dizer com respeito ás cadeias comarcas?!
Eu comprehendo que, se o governo tivesse verdadeiro empenho em executar a lei de l de julho de 1867, podia tomar sobre si o encargo de construir as penitenciarias districtaes á similhança do que se fez em França. O que não acho facil é que se construam as cadeias comarcas, ainda que o governo queira auxiliar os municipios.
São muitas, e eram precisas quantias fabulosas.
D'esta sorte, estamos e estaremos sem cadeias comarcas, emquanto que era mais facil construir as districtaes por serem em menor numero.
Ainda que se não podessem fazer a pouco e pouco as prisões comarcas, não havia n'isso grande inconveniente, visto que estas prisões eram destinadas sómente para pequenos crimes.
Agora, sendo as cadeias comarcas destinadas para encerrar todos os condemnados a prisão correccional, o systema penitenciário fica em execução sómente para as penas maiores, contra o disposto na lei de l de julho de 1867.
A pena correccional ha de continuar a ser cumprida nas prisões comarcas. Foi por isso que eu já disse que o sr. ministro da justiça não está em desaccordo com os seus collegas que impugnaram a utilidade do regimen penitenciario, porque o artigo 1.° do projecto é a desorganisação d'esse regimen.
Como já demonstrei, os effeitos da pena fazem-se sentir principalmente nos criminosos condemnados a pena correccional. Se o regimen penitenciario e util, como o suppõe o projecto que cria penitenciarias, e como poderiamos de-

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monstral-o, as suas principaes vantagens fazem-se sentir com respeito a penas de curta duração.
Criminalistas importantes que defendem o regimen penitenciario põem em duvida a sua utilidade, quando applicado a penas de longa duração, considerando o isolamento por muito tempo como uma tortura que póde conduzir ao suicidio, á alienação mental, e produzir outras muitas molestias.
No entretanto, esses mesmos criminalistas consideram explendido o regimen penitenciario, quando applicado a penas de curta duração.
De accordo com isto está o procedimento de muitos directores de prisões nos paizes em que vigora o regimen penitenciario, e em que o numero de prisões não chega para as necessidades criminaes.
Não podendo admittir todos os presos, fazem entrar de preferencia nas penitenciarias os que foram condemnados a penas de pequena duração, deixando os outros criminosos nas cadeias communs.
Se elles assim procedem, é porque a experiencia lhes tem demonstrado a maior influencia das prisões cellulares nas penas de curta duração.
E, no entretanto, em Portugal o sr. ministro da justiça toma providencias para que o regimen penitenciario seja inapplicavel á repressão dos pequenos crimes!
Mas não precisâmos, sr. presidente, auctorisar-nos com as opiniões de estrangeiros distinctos: temos cá, no documento que acompanha o relatorio do sr. ministro, elementos para se provar que o conselho penitenciario, consultado sobre a extincção das prisões districtaes, manifestou muitas duvidas e fez muitas ponderações tendentes a conservar essas prisões. E o sr. Beirão não reparou n'essas advertencias salutares.
Vamos a ver a opinião de alguns vogaes do conselho penitenciario.
O sr. Mendonça Cortez, consultado sobre este ponto, declara que «não possue elementos indispensaveis para se pronunciar ácerca do assumpto em discussão. Ouviria entretanto os seus collegas, e votaria, se a discussão o habilitasse a fazel-o convenientemente».
O sr. Mendonça Cortez assistiu ás discussões do conselho e absteve se de votar, de certo porque lhe não forneceram elementos que esclarecessem o seu espirito. (Apoiados.)
O sr. Barros e Sá, depois de ponderar os inconvenientes que havia em se acabar com as cadeias districtaes, votou a proposta em discussão «mais como consequencia necessaria da promulgação do novo codigo administrativo, que allivia os districtos do encargo da construcção das penitenciarias districtaes, de que por outro qualquer motivou.
Outro membro do conselho, o sr. dr. Tavares de Medeiros, declarou que votava pela extincção das penitenciarias districtaes. Julga, porém, que a penalidade, alem de um anno, deve ser cumprida nas penitenciarias centraes.
O voto do sr. Medeiros equivale á condemnação do principio apresentado pelo governo.
Se elle entende que nas cadeias comarcas se não podem cumprir penas de mais de um anno, devendo as que excederem esse praso ser cumpridas nas penitenciarias centraes, e se o governo extingue as penitenciarias districtaes sem adoptar o alvitre do sr. Medeiros, é claro que ficam subsistindo todos os inconvenientes que notava na prisão nas cadeias comarcas por mais de um anno, sem se conseguirem os beneficios que esperava obter do alvitre que propunha e que não foi acceito.
Parece-me, pois, que o conselho penitenciario, convocado para deliberar sobre a extincção das cadeias districtaes, manifestou uma opinião que não foi unanime em favor d'essa proposta, visto que um dos seus membros se absteve de votar, outro votou por julgar já extinctas essas cadeias pelo codigo administrativo, e outro expoz principios que condemnam as cadeias comarcas como ficam pelo projecto.
Sr. presidente, em vista das considerações que ligeiramente deixo expendidas, póde concluir-se que o sr. ministro da justiça, extinguindo as cadeias districtaes, veiu acabar com o systema penitenciario da lei de l de julho de 1867, no que respeita á punição dos criminosos sujeitos a pena correccional.
Agora compram-se as penitenciarias de Coimbra e Santarem para as transformar em prisões geraes. Quando se começarão a construir as prisões comarcas? Ninguem acredita na realisação d'esse plano, porque envolve uma despeza extraordinaria, visto que são muitissimas as comarcas do reino.
Ainda se podia, crer na construcção das penitenciarias districtaes. Se houvesse um governo animado do sincero desejo de pôr em pratica o regimen penitenciario, tomava sobre si o encargo da construcção d'essas vinte e uma prisões.
O que não se admitte como plausivel é a construcção das penitenciarias comarcas.
Suppunhamos, porém, que se realisa essa hypothese.
Que administração poderá ser a de tantas penitenciarias? Que pessoal ha de pôr-se á testa d'estes estabelecimentos?
A consequencia fatal de tudo isto é que os crimes mais frequentes, os sujeitos a penas correccionaes, continuarão a ser punidos nas cadeias comarcas.
E quem desconheço as pessimas condições d'estas casas?
Debaixo do ponto de vista hygienico, são uns antros em que vive uma população superior á que comporta a extensão das divisões, estando todos os presos n'uma promiscuidade que necessariamente affecta a saude.
Debaixo do ponto de vista moral, são uma escola de desmoralisação, uma verdadeira aprendizagem para novos crimes.
Estão de mistura criminosos de differentes especies, os quaes trocam entre si o seu saber da especialidade, de maneira que ao sair da prisão, vem habilitados muitos presos para crimes para que ainda não tinham revelado tendencias até entrarem na prisão.
Quem tem pratica do fôro sabe que ha criminosos que, antes de entrar na prisão, confessam ao advogado o crime, e estão dispostos a confessal-o ao juiz para lhes aproveitar a attenuante da confissão, que é importantissima para muitos magistrados.
Mas depois de algum tempo de prisão, não ha ninguem que os resolva a confessar o crime, porque aprenderam n'essa escola que o crime negado não é provado.
E é n'estas casas insalubres e immoraes que o sr. ministro da justiça deixa ficar todos os condemnados a penas correccionaes!
Parecia-me que este projecto devia ter merecido mais importancia ao governo, que necessitava de pensar sobre este assumpto maduramente antes de extinguir as cadeias penitenciarias districtaes.
São estas as considerações que tinha a fazer ao artigo 1.° do projecto.
Valem pouco pela minha competencia, que não é nenhuma, mas são dignas de attenção por serem o echo das opiniões de distinctos criminalistas estrangeiros, e o desenvolvimento das que manifestaram no conselho penitenciario alguns dos seus distinctos vogaes, e aqui na camara o meu illustre amigo o sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, cuja superior competencia n'este assumpto ninguem contesta.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Baptista de Sousa: - Sr. presidente, quando estava em discussão a generalidade d'este projecto, eu tinha pedido a palavra, por ver que os illustres deputados da opposição regeneradora, que o combateram, trataram principalmente da parte financeira do mesmo projecto, e me parecer que a mim, ou a algum dos meus collegas da

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commissão de fazenda, corria o dever de contra taes reparos e impugnação acudir em defeza do voto que emittiramos, havendo concordado com a illustre commissão do legislação criminal.
Não me coube então a palavra, e agora para não tornar tumultuaria a discussão sou obrigado a discutir o artigo 1.°, visto que o debate está já restricto á especialidade e versa por emquanto sómente sobre esse artigo.
E vem a proposito dizer que se eu rejeitei o requerimento, que o sr. visconde de Silves fez para se julgar discutida a materia na generalidade, foi por uma rasão de melindre pessoal. (Apoiados.)
Eu estava inscripto; cumpria-me responder ao sr. Arouca; e não devia ser eu que entendesse que a materia estava suficientemente discutida, porque seria o mesmo que eximir-me a cumprir o dever, aliás grato, que sobre mim impendia. (Apoiados.)
Tratando-se agora do artigo 1.°, tenho visto que durante a discussão tanto na generalidade como na especialidade todos os oradores, que o combateram, têem partido do presupposto que o codigo administrativo de 1886 extinguira as cadeias districtaes, e que, portanto, não tinhamos hoje para cumprimento da lei de 1867 outras cadeias reconhecidas pela nossa legislação que não fossem as centraes, ou geraes, e as comarcas.
Eu confesso francamente, e tanto mais que este projecto não é d'aquelles de que o governo e a maioria possam fazer questão politica, (Apoiados) porque é um projecto de simples administração de justiça, e nada mais; (Apoiados) eu confesso, digo, que tenho duvidas que me parecem fundadissimas, sobre se não se incorporando na nossa legislação o que o artigo 1.° do projecto significa, se deverão considerar existentes ou não as cadeias districtaes, ou antes sobre se subsistiria a obrigação das juntas geraes as construirem e manterem.
(Interrupção.)
Pois eu me explico, e assim melhor justificarei o uso da palavra em defeza da especialidade do projecto, particularmente com respeito á disposição do artigo 1.°, porque me parece indispensavel consignar na nossa legislação um preceito do qual se derive, se não directamente, para o que seria melhor outra redacção, ao menos virtualmente como está n'este artigo, que as cadeias districtaes são extinctas.
Tem todos dito que o codigo administrativo de 1886 acabará com as cadeias districtaes, porque não se refere a ellas ou não as especifica, como fazia o codigo de 1878; mas parece-me que a omissão do codigo de 1886 não póde ter essa explicação, não póde traduzir o pensamento de exinguir as cadeias districtaes.
Vozes: - Ouçam, ouçam.
O Orador: - Dizia o codigo de 1878 no artigo 60.°
«As despezas do districto são obrigatórias ou facultativas.
«§ 1.° São facultativas.
«1.° As despezas com estabelecimentos districtaes de beneficencia, instrucção e educação.
«5.° As despezas de construcção e conservação das cadeias e mais edificios districtaes e d'aquelles em que funccionam as secretarias dos governos civis.»
Mas no codigo de 1886 a redacção é completamente differente.
O artigo 62.° tratando tambem, das despezas obrigatorias do districto diz assim:
«§ 1.° São obrigatorias:
«1.° As dos estabelecimentos e institutos districtaes.
«5.° As da reparação e conservação ou arrendamento dos edificios dos governos civis e mais estabelecimentos districtaes e acquisição da mobilia que lhes for necessaria.»
Como v. exa. vê, sr. presidente, e vê a camara, o n.° 1.° do § 1.º do artigo 62.° d'este codigo que veiu corresponder ao n.° 1.° do § 1.° do artigo 60.° do de 1878, fallando das despezas obrigatorias com estabelecimentos districtaes nem os especifica nem sequer os classifica.
Na sua generalidade abrange todos os estabelecimentos districtaes, ou que qualquer lei do paiz ponha a cargo das juntas geraes. Não ha uma unica restricção nas palavras do codigo.
Estando todos os estabelecimentos districtaes comprehendidos na generalidade d'aquelle paragrapho, não era preciso mencionar de um modo especial ou referir directamente as cadeias districtaes como no codigo de 1878.
Este codigo, pelo contrario, classificando os estabelecimentos, cujas despezas eram obrigatorias para os districtos, denominava-os de beneficencia, instrucção o educação, como expressamente dizia o n.° 1.° do § 1.° do artigo 60.°
Não tornava assim obrigatoria ahi a despeza com a construcção das cadeias districtaes.
Era, portanto, indispensavel completar a disposição d'esse paragrapho com um outro dizendo que as despezas com taes cadeias tambem eram obrigatorias.
A differente contextura dos dois codigos n'esta parte não auctorisa, pois, a concluir que o de 1886 extinguira as cadeias districtaes.
Seria, pelo menos, conclusão arriscada, tanto mais que, como é sabido, a lei legal posterior não deroga a especial anterior, que n'este caso era a de l julho de 1867, d'onde vinha terminantemente para os districtos o dever de construir prisões penitenciarias.
Vozes: - Ouçam, ouçam.
O Orador: - Ouçam, sim, e agradeço o pedido dos illustres deputados da minoria, porque, embora o que deixo dito traduza sómente a minha opinião individual n'uma questão aberta, como se usa dizer das alheias á politica partidaria, com essa opinião defendo o artigo 1.° do projecto. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Arouca.)
Parece-me que a disposição do artigo l,° é indispensavel para ficar legislado aquillo em que até v. ex.ªs estão de accordo.
Dizem v. ex.ªs como argumento principal em toda a discussão, e até invocaram a auctoridade do sr. Barros e Sá, servindo-se do motivo do seu voto no conselho geral penitenciario, que as cadeias districtaes estavam extinctas pelo codigo de 1886, e então que não havia remedio senão votar este artigo.
Pois por ellas não estarem ou não poderem com juizo seguro considerar-se extinctas, é que é precisa a disposição do artigo 1.° do projecto, ou outra que até mais terminantemente obedeça a esse pensamento. (Apoiados.)
Se o codigo administrativo tivesse já feito tal cousa, o que seria para censurar, era haver-se proposto ao parlamento uma providencia já existente, já legislada. (Apoiados.)
Como lei interpretativa, que fosse, o artigo 1.° era indispensavel, em vista das fundadas duvidas que expuz. (Apoiados.)
Era preciso que a interpretação da legislação existente não levasse alguma junta geral de districto a querer construir uma prisão penitenciaria. (Apoiados.)
Resta, porém, mostrar que não merece censura a extincção das cadeias districtaes.
Ora, sr. presidente, com os proprios argumentos trazidos para a discussão parlamentar pelos illustres deputados da opposição regeneradora é que me parece que se justifica a extincção d'essas cadeias.
Seguindo tambem a auctoridade do sr. Barros e Sá têem os illustres deputados da opposição, a começar pelo sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, especialmente conhecedor d'esta materia, sustentado que quanto menor for a pena correccional a empregar mais cuidado e dis-

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vello a lei deve exigir da parte, de quem superintenda na sua applicação.
Só assim se póde esperar a cura ou regeneração do delinquente. Dizia o sr. Barros e Sá em sessão do conselho geral penitenciario:
«A pena correccional faz parte do systema penitenciario, é mesmo a que mais cuidados exige. Os criminalistas mais auctorisados fazem consistir todo o effeito da pena cellular nos pequenos crimes; nos grandes criminosos o seu effeito é diminuto.»
Parece-me que têem estas palavras servido de lemma á argumentação dos illustres deputados que têem combatido o projecto.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Para intimidar estou de accordo com a pena menor; com relação á regeneração quero pena mais longa. Como intimidação quero matar o germen no principio.
O Orador: - É um processo abortivo, quasi. Mas seja ou não sómente para intimidação, isso já é um dos effeitos beneficos da pena. Em todo o caso fica de pé o argumento de que para se conseguir este benefico resultado social, como se deseja, é mais facil obtel-o na applicação das pequenas penas do que nas grandes.
Se nas cadeias comarcas, segundo a lei de 1867, é que se deve cumprir a pena correccional até tres mezes, nas cadeias districtaes até dois annos, e d'ahi para cima, ou as penas chamadas maiores, nas cadeias centraes, é claro que onde a applicação da pena exige maior disvelo e cuidado é nas cadeias comarcas.
Se isto é assim, se ahi se têem de cumprir as penas minimas, as penas insignificantes, ahi é que se exige toda a cautela para que no fim do cumprimento da pena não saia de lá, em vez de um delinquente regenerado, um criminoso ainda mais endurecido no crime.
Por isso, ou o argumento é verdadeiro, e n'este caso as cadeias comarcas têem a desempenhar um serviço social muito maior do que o das cadeias districtaes, ou o argumento não procede, e d'isso não tem culpa nem o governo nem a maioria, porque não foram quem o trouxe para o debate. (Apoiados.)
Mas a lealdade, que me preso de ler nas discussões, obriga-me a declarar que o argumento e verdadeiro.
A cadeia comarca, onde se cumprem penas até de simples contravenções, é, conforme a sua organisação, ou o hospital que curando leves doenças obsta á sua degeneração em gravissimas enfermidades ou uma verdadeira fabrica do criminosos. (Apoiados.)
Bem vejo, sr. presidente, que é mais facil obter boa administração para uma cadeia districtal, do que para muitas comarcas que a substituam, e assim tenho de encarar a questão tambem por este aspecto, que já foi motivo de arguições durante a discussão.
Occorre-me, porém, já ponderar que se fosse impossivel ou muito difficil um bom regimen penitenciario nas cadeias comarcas, o que era indispensavel fazer immediatamente era a reforma n'esta parte da lei de l de julho de 1867, que, aliás, faz honra ao sr. Barjona de Freitas e ao partido regenerador, e com a qual em todo este debate tanto e tão legitimamente se têem ufanado os illustres deputados da opposição. (Apoiados.)
Concebe-se a existencia de cadeias districtaes para cumprimento de penas correccionaes; comprehendo-se a existencia de cadeias comarcas para o mesmo fim; mas a coexistencia das duas, se as primeiras têem de ser necessariamente melhor dirigidas do que as segundas, pecca contra a boa administração e unidade do systema penitenciario. (Apoiados )
O condemnado a prisão de tres mezes e um dia teria melhor remedio para a sua regeneração do que o condemnado a prisão de tres mezes exactos! (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, não é má, ou não deve ser má, a administração das cadeias comarcas, e parece que todos estão esquecidos das disposições da lei de 1867.
Sou eu que a vou defender a este respeito nos seus salutares preceitos.
Essa lei não confiou, como se tem supposto, a direcção das cadeias penitenciarias comarcas a um carcereiro qualquer, ignorante e inhabil.
Acima d'elle tem de haver um conselho administrativo, que a lei sabiamente creou, e ao qual deu largas e fecundas attribuições. (Apoiados.)
Diz o artigo 50.° da lei de 1867 :
«Na capital de cada comarca é creada uma commissão administrativa da cadeia comarca.
«§ 1.° Esta commissão será composta:
«1.° Do presidente da camara municipal, que será o presidente da commissão;
«2 ° Do administrador do concelho;
«3.° Do provedor da misericordia, havendo-a;
«4.° Do parocho da freguezia mais populosa da cabeça do concelho;
5.º Do medico do partido da camara, ou não o tendo esta, de outro medico, que a mesma camara nomear, residente na cabeça do concelho;
«6.° De dois cidadãos nomeados de dois em dois annos pela camara municipal d'entre os quarenta maiores contribuintes.»
A importancia das funcções d'essa commissão não é preciso encarecel-a.
Basta reparar n'ellas, que se encontram no artigo 51.°, pela referencia que lhe faz o artigo 58.° d'aquella lei.
Ora, sr. presidente, da illustração e zêlo do presidente da camara, do medico e do parocho, não fallando nos outros vogaes da commissão, do exemplo e instrucções emanadas da direcção da penitenciaria central; da visita official dos governadores civis, etc.; ha seguramente que esperar bom e até excellente serviço. (Apoiados.)
O que falta é o cumprimento da lei ha quasi vinte e um annos que ella tem de existencia (Apoiados.)
Falta-nos a parte pratica das nossas instituições criminaes, que é, todavia, a mais importante. (Apoiados.)
Não quero lançar desfavor para a reforma, que para o nosso codigo penal de 1852 propoz em 1884, e conseguiu, o distincto estadista e meu amigo o sr. Lopo Vaz, antes muitissimo o louvo pelo seu notavel trabalho; mas, desde que o jury por essa reforma, alem do que já podia pela lei de 18 de julho de 1855, póde até declarar que as circumstancias que a lei reputa aggravantes estão provadas, mas são ao contrario attenuantes, o assim, e ainda por se pronunciar sobre circumstancias attenuantes ou aggravantes nascidas da discussão, corrige todos os defeitos da lei, que é uma these fallivel para bem resolver a hypothese, quer na medida, quer na graduação do crime; o que reclama todos os cuidados é a parte pratica ou a execução das penas, porque ahi não ha mais jury para ir procedendo pelo criterio só da consciencia. (Apoiados.)
O direito penal substantivo até faz parte da sciencia juridica talvez só por vaidade dos jurisconsultos. As questões de criminalidade são da sciencia politica para se prohibirem certos actos em sacrificio á ordem social, e da medicina e da administração judicial para o destino a dar aos delinquentes. (Apoiados.)
Mas, voltando sr. presidente, a fallar das cadeias comarcas, do que me desviei irreflectidamente, direi que estando o seu conselho administrativo, organisado com elementos de tanta segurança, e tendo as attribuições que lhe dá a lei de 1867, não ha receio de que seja má a administração d'estas cadeias, e o unico inconveniente apontado para que ellas substituam totalmente as cadeias districtaes desapparece á face d'esta simples indicação (Apoiados.)
Vou terminar, apesar do artigo 1.° ser de bastante elasticidade para poder dar logar a grandes dissertações, pois julgo que está dito o suficiente para justificar a convenien-

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cia de ser convertida em lei esta disposição. (Vozes: - Muito bem.)
Faço, porém, parte da commissão de fazenda, de cujos membros sou o mais ou o unico obscuro, e se v. exa. e a camara m'o permittem, (Vozes: - falle, falle) para não usar novamente da palavra, porque demasiadamente tem sido gasto tempo com esta discussão, direi que não me arrependo de ter dado o meu voto á parte financeira d'este projecto, porque, não intercalando aqui aquillo a que o projecto é alheio, a base respectiva consiste apenas em auctorisar o governo a gastar até 33:000$000 réis por anno com a compra e adaptação a cadeias geraes penitenciarias de edificios, que são necessariamente, e bem se podia dizer no projecto, as cadeias construidas pelos districtos de Santarem e Coimbra, ficando esta despeza fazendo parte dos encargos geraes do estado.
Parece-me que as necessidades de uma boa administração da justiça criminal, a que attende o projecto, justificam sobejamente esta despeza (Apoiados.)
É amesquinhar tão elevado fim regatear esta verba de despeza. (Apoiados.)
E para o proposito da opposição, seria inutil discutir se o projecto vem com a dotação precisa ou não; porque, desde que não haja uma verba disponivel dentro da receita geral para ella se dispender, necessariamente nada se gasta. O governo não póde usar da auctorisação não tendo o dinheiro. Como não fica auctorisado para contrair algum emprestimo, ha de encontrar meios para isso na receita geral. (Apoiados.)
Se os não tem não ha perigo em só ter permissão para gastar. (Apoiados.)
O que seria comtudo escusado era fallar-se na despeza, a não ser para a restringir como fez a commissão de legislação, pois que a lei de l de julho de 1867 no artigo 31.º já mandava que no orçamento do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça se fossem successivamente consignando em cada anno economico, em harmonia com as circumstancias do thesouro, as verbas necessarias para a construcção e custeamente annual das cadeias geraes penitenciarias. (Apoiados.) Aqui está uma rasão por que não tive duvida em dar o meu voto ao parecer da illustre commissão de legislação criminal. (Apoiados.)
Alem d'isso ha tambem que attender, o que ainda me parece não ter lembrado, a uma receita importante. A propria discussão parlamentar tem mostrado que a receita da penitenciaria central de Lisboa ascende a cerca de 40.000$000 réis, receita proveniente da parte que ao estado pertence no producto do trabalho dos presos.
O sr. Antonio de Azevedo Castello Branco: - A receita que se suppõe que ha de produzir no futuro anno é de 39:000$000 réis.
O Orador: - Que ha de produzir no anno futuro direi então, e mais conto menos conto não invalida em absoluto as minhas considerações, que respeitam a penitenciarias, que hão de tambem começar a servir. (Apoiados.)
O sr. Arouca: - Produziu 16:000$000 réis; no futuro é que se calcula que produzirá 39:000$000 réis.
O Orador: - Perfeitamente, e vão já ver, que é o que me basta que acceitem.
O sr. Azevedo Castello Branco dá-me assim uma informação muito mais segura n'este assumpto, do que o proprio orçamento rectificado. Diz que a receita andará por 39:000$0000 réis, e eu confio absolutamente na affirmação do illustre subdirector da penitenciaria central.
Ora só a penitenciaria central de Lisboa rendo cerca de 40:000$000 réis, as de Santarem e Coimbra não luto do render cousa alguma?!
Com igual numero do cellas o rendimento proveniente do trabalho dos presos não deve ser inferior, (Apoiados.) e d'este modo haverá ainda um saldo de receita na importancia de 7:000$000 réis, (Apoiados.) alem da sessação de varias despezas com cadeias districtaes, degredados, etc. (Apoiados.)
Dirão s. ex.ªs, que ha a acrescentar a despeza do pessoal; mas s. exa., visto que não offerecem quem queira servir gratuitamente, só podem combater a legitimidade d'essa despeza com o fundamento de que o regimen penitenciario é dispensavel; que a administração da justiça criminal nada periga com a sua falta; que nada importa que se cumpram ou não as penas conforme estão decretadas nas leis, quer dizer, que nada importa que se executem ou não as providencias adoptadas pelo poder legislativo! (Apoiados )
Pois eu concluirei dizendo, que tendo de completar-se, segundo a lei, o regimen penitenciario, carece-se para esse fim do respectivo material, que consiste em cadeias penitenciarias; o não comprehende como essas cadeias possam funccionar sem a indispensavel dotação do pessoal que as administre. (Apoiados.)
Este projecto, portanto, cuja redacção poderá ser em geral modificada, obdece a uma necessidade indeclinavel, qual é a da administração da justiça criminal, e julgo, por isso, que merece a approvação do parlamento. (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Barbosa de Magalhães: - Por parte da commissão de administração publica, mando para a mesa o parecer sobre o projecto de lei apresentado na sessão passada pelo sr. deputado Simões Ferreira com relação á divisão das assembléas eleitoraes do concelho de Sabugal.
A imprimir.
O sr. Ruivo Godinho: - Sr. presidente, não tencionava entrar na discussão d'este projecto; mas não pude deixar de pedir a palavra ao ouvir as declarações perfeitamente notaveis, que acaba de fazer o illustre deputado que me precedeu (Apoiados.)
Por parte de toda a opposição, e ultimamente por parte do meu illustre amigo o sr. João Pinto, tinha-se dito, que este projecto está mal estudado, que foi apresentado aqui precipitadamente, e que reina a seu respeito grande confusão e contradicção entre os differentes oradores, que têem pretendido defendel-o, e entre s. ex.ªs e os membros do gabinete. (Apoiados.)
Ao dizer-se isto pela ultima vez pede a palavra, o illustre deputado o sr. Baptista de Sousa; e quando eu julgava que iria com a sua palavra auctorisada mostrar que não havia tal confusão e contradicção, não veiu, ao contrario, se não augmental-a, (Apoiados.) e por tal fórma que, tendo s. exa. pedido a palavra a favor do projecto, e dizendo que o ia defender, não fez senão atacal-o, e por tal fórma, que é absolutamente impossivel approval-o sem profunda alteração. E para provar isto basta apresentar um argumento tirado das palavras do illustre deputado, ao qual, julgo, s. exa. não poderá dar uma resposta cabal.
O projecto tem por fim, como se tem dito claramente, auctorisar o governo a comprar duas cadeias districtaes, que são as de Coimbra o Santarem, e vem o sr. Baptista de Sousa e diz que os districtos ainda conservam a obrigação de ter ou construir as cadeias districtaes; ora se os districtos ainda têem esta obrigação, como é que os do Coimbra e Santarem podem vender as suas cadeias, que têem obrigação de conservar. (Apoiados.)
A conclusão é que não as podem vender: parece-me isto clarissimo. (Apoiados.)
E se os districtos não ao podem vender, tambem o governo não as póde comprar.
O sr. Baptista de Sousa: - É para as converter em cadeias centraes.
O Orador: - Mas se os districtos têem obrigação de as conservar, e se o governo não as póde comprar, porque lhe não podem ser vendidas, como é que as ha de mudar em cadeias centraes?

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O sr. Baptista de Sousa: - Depois de approvado o projecto desapparece essa obrigação.
O Orador: - Mas qual é a disposição do projecto que faz desapparecer essa obrigação, que o illustre deputado diz terem os districtos de conservarem as suas cadeias districtaes?
Leio e torno a ler o projecto e não encontro cá similhante disposição! (Apoiados.)
O que eu vejo então é que é preciso introduzir-se-lhe tal disposição, e, alterando os nossos papeis, venho eu em auxilio do projecto, e vou mandar para a mesa uma emenda, que sem duvida alguma isente os districtos da obrigação de terem cadeias districtaes, e torne o projecto viavel.
O sr. Baptista de Sousa: - Isso deduz-se virtualmente do artigo 1.° Em todo o caso desejava que ficasse o artigo mais claro n'esse sentido.
O Orador: - Pois é justamente o que vou fazer. Vou tornar o artigo 1.° mais claro; completar o que s. exa. não quiz, ou não póde completar, apesar de reconhecer que está omisso, e desejar que fique claro (Apoiados.); N'este sentido e com este fim, mando para a mesa a seguinte emenda ao artigo 1.°: «São extinctas as cadeias districtaes, e a pena de prisão...».
Introduzidas as primeiras palavras, segue o artigo como está no projecto.
D'esta maneira é que o projecto fica viavel.
Não digo que fique capaz de ter boa vida; mas póde viver.
Depois de se acabar com a obrigação aos districtos de conservarem as suas cadeias, já os de Coimbra e Santarem podem vender as suas ao governo; antes d'isso não era possivel.
Accusou o illustre deputado a opposição de estar a discutir no presuposto errado de que as cadeias districtaes catavam extinctas, o que aliás não era exacto; e ha umas poucas de disposições do codigo administrativo para provar o que dizia.
Parece-me que s. exa. tem rasão, e tanto, que mandei para a mesa a emenda ao artigo 1.°, que já tive a honra de ler á camara; mas esta accusação não devia ter sido feita á opposição, mas ao sr. ministro da justiça, que no seu relatorio diz expressa e claramente que as cadeias districtaes estão extinctas, como se vê n'este periodo que vou ler á camara: «Acresce que hoje os districtos se acham exonerados da obrigação de construirem as suas cadeias».
Portanto, a accusação não procede contra a opposição, mas contra o sr. ministro da justiça, ou, se procede contra a opposição, procede primeiro contra o sr. ministro, que escreveu aquelle periodo no relatorio, e contra o proprio illustre deputado que deu parecer sobre o projecto, e que no seio da commissão podia e devia esclarecer este ponto e desfazer a contradicção em que está com o sr. ministro da justiça.
E era mais bonito que o illustre deputado fizesse o reparo lá no seio da commissão, do que vir aqui fazel-o agora. (Riso.)
Mas, sr. presidente, não é só o sr. Baptista de Sousa que está em opposição com o sr. ministro da justiça sobre a extincção das cadeias districtaes; é tambem o sr. ministro do reino, E quer v. exa. ver como?
No relatorio que precede o codigo administrativo de 1886 diz o sr. ministro do reino o seguinte: «Tambem não ameaçarão a fazenda districtal as despezas de construcção de cadeias, porque o governo ou por meio de resoluções adoptadas dentro das suas attribuições, ou por providencias legislativas, espera alliviar os districtos d'aquelle encargo».
Ora, se o sr. ministro do reino diz no relatorio do codigo administrativo que espera alliviar os districtos do encargo da construcção de cadeias districtaes, por meio de disposições dependentes do poder executivo, ou por meio de disposições dependentes do poder legislativo, é claro que entendia que tal allivio não provinha do codigo administrativo.
E aqui tem v. exa. e a camara mais uma contradicção flagrantissima sobre o assumpto entre o sr. ministro do reino e o sr. ministro da justiça.

m diz que os districtos já estão exonerados da obrigação de construir as cadeias districtaes, e o outro diz, que espera ainda exoneral-os de tal obrigação.
A contradicção entre os varios membros da maioria, que defendem o projecto tem já aqui sido bem assente, por isso parece-me que tinhamos rasão de mais para dizer que o projecto não está bem estudado, e para pedir que voltasse á commissão para ser devidamente estudado.
Não conseguimos isso e o projecto está em discussão na especialidade; e provavelmente vae ser votado, e já que não podemos evitar que elle fosse votado na generalidade, vejamos se podemos conseguir melhoral-o um pouco na especialidade.
Não sei se o projecto, sob o pretexto, de completar o systema penitenciario entre nós, tem realmente por unico fim habilitar o governo a comprar as penitenciarias de Santarem e Coimbra, e a nomear mais alguns empregados.
Se tem só este fim, era melhor dizel-o francamente o governo teria da mesma maneira a approvação da maioria e o paiz pouparia ao menos as despezas da discussão.
Mas o relatorio diz que o fim do projecto é dar inteiro cumprimento ao regimen penitenciario entre nós; n'este caso é preciso começar pelo principio; e como o systema penitenciario começa segundo o proprio projecto, a ter execução nas cadeias comarcas, é preciso começar por adaptar estes ao systema, e para isso eu proponho os seguintes paragraphos ao artigo 2.° em discussão:
§ 1.° As camaras das capitães de comarca são obrigadas a construir cadeias comarcas adaptadas ao regimen penitenciario, ou a adaptarem a este systema as que já tiverem construidas.
§ 2.° O governo dará um subsidio ás referidas camaras para o fim mencionado no § 1.° igual á metade da despeza que se fizer.
Se o projecto tem tambem o intuito de dar inteiro cumprimento ao regimen penitenciario entre nós, é indispensavel acceitar-se esta emenda ou outra qualquer no mesmo sentido.
Sem isso é impossivel executar-se o regimen penitenciario, porque elle não se executa só nas cadeias penitenciarias centraes, começa a executar-se nas cadeias comarcas, e é impossivel executar-se n'estas cadeias taes como ellas existem actualmente, todas ou quasi todas.
E note v. exa., sr. presidente, e a camara, que precisamente com os réus que têem de cumprir sentença nas cadeias comarcas é que é preciso muito cuidado e circumspecção, porque, correspondendo essas penas a crimes de menos gravidade, áquelles por onde primeiro começa o criminoso, podem fazer com que elle se regenere e não prosiga na senda do crime, se a pena for applicada em circumstancias de produzir o effeito salutar de regenerar o delinquente.
O contrario d'isto acontecerá se o criminoso for introduzido nas cadeias comarcas, como estão agora, e obrigado a cumprir ahi a sentença era commum com outros presos, que o animarão á pratica de novos crimes, como muitas vozes succede.
Por isso, sr. presidente, eu espero que sejam adoptadas pela propria commissão as emendas que tenho a honra de mandar para a mesa e que têem por fim acabar com as duvidas sobre a extincção das cadeias districtaes o satisfazer ao fim ou a um dos fins, que devia ser o principal do projecto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.

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840 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Artigo 1.° São extinctas as cadeias districtaes e a pena de prisão... - Ruivo Godinho.
Foi admittida.
Leu-se na mesa o seguinte:

Additamento

§ 1.° As camaras das capitães de comarca são obrigadas a construir cadeias comarcas adaptadas ao regimen penitenciario, ou a adaptar a este regimen as que já estiverem construidas.
§ 2.° O governo dará um subsidio ás referidas camaras para o fim referido no § 1.°, igual á metade da despeza que se fizer. = Ruivo Godinho.
Foi admittida.
O sr. Madeira Pinto (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga suficientemente discutida a materia do artigo 1.°
Assim se resolveu.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 4.° para se votar.
Leu-se e foi approvado.
Leram se em seguida as propostas do sr. Ruivo Godinho e foram rejeitadas.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 2.° do projecto.
É o seguinte:

Artigo 2 ° O numero de cadeias geraes penitenciarias poderá exceder o fixado no artigo 28 ° da referida lei, se as necessidades da repressão criminal o exigirem.
§ 1.° O governo fixará os logares em que hão de ficar as cadeia geraes penitenciarias, devendo, porém, uma d'ellas ser nas proximidades da cidade do Porto, bem como o numero de cellas que cada uma deve ter, comtanto que se não exceda em todas ellas construidas e a construir o numero total de l:700 cellas.
§ 2.° Se uma cadeia geral penitenciaria satisfizer á condição prevista no artigo 44.° da mesma lei, poderá servir tambem, emquanto houver cellas disponiveis, para, prisão do condemnados dos dois sexos.
§ 3.° A governo póde desde já adquirir, e aproprial os aos fins de que trata esta lei, até dois edificios construidos para prisão do criminosos, nos termos da lei de l de julho de 1867, não podendo o encargo annual d'essa acquisição e apropriação exceder a 33:000$000 réis.

O sr. Presidente: - Está em discussão.
O sr. Eduardo José Coelho (relator): - Mando para a mesa uma proposta de substituição ao artigo 2.°
É a seguinte:

Proposta

Artigo 2.° O numero de cadeias geraes penitenciarias, fixado no artigo 28.° da referida lei, é elevado de tres a cinco comtanto que não exceda em todas ellas, construidas ou a construir, o numero total de 1:700 cellas.
§ 1.° O governo fixará o numero de cellas de cada uma das cadeias geraes penitenciarias, e os logares em que hão de ficar, devendo uma d'ellas ser construida nas proximidades da cidade do Porto.
§ 2.º O do projecto.
§ 3.° O do projecto, acrescentando o seguinte - dando contas ás côrtes dos actos praticados dentro dos termos d'este paragrapho. = O deputado, Eduardo J. Coelho.
Foi admittida.

O sr. Dias Ferreira: - Não pedi a palavra sobre a generalidade do projecto, querendo aliás discutir o seu pensamento geral, porque a verdadeira generalidade encontra-se nos artigos 2.° e 3.°
Começo por declarar a v. exa. que não tenho motivo para modificar a opinião, que sempre sustentei de que o regimen penitenciario, nos termos em que se encontra na nossa legislação, é absolutamente incompativel com a natureza humana, e especialmente com a natureza particular do povo portuguez
Tenho combatido sempre o systema penitenciario da prisão com isolamento absoluto, e não será com o meu voto que, sem uma necessidade impreterivel de salvação publica, que se ha de emparedarem vida qualquer cidadão, por mais graves que sejam os seus attentados contra a magestade da lei!
Respeito, porém, como me cumpre, as opiniões era contrario.
Na discussão da proposta, depois convertida na lei de l de julho de 1867, ouvi eu a oradores, philosophos e homens de sciencia, discursos tão explendidos, tão brilhantes e tão enthusiastas, ácerca dos beneficios do regimen penitenciario, que pareciam denunciar a convicção de que era indispensavel um passeio pela penitenciaria, para possuir uma morigeração completa, solida, e duradoura.
Feliz ou infelizmente para o paiz tem vindo os factos desmentir tão lisongeiras previsões
Estas aberrações, que se encontram nas nossas instituições modernas, tanto judiciaes, como administrativas, tem uma triste, mas facil explicação.
É que nós abandonámos lia muito o systema de fazer leis, escriptas sobre os costumes da nação, e inspiradas unica e simplesmente nas nossas necessidades publicas e nos principios de direito.
Hoje os ministros não podem ganhar uma grande fama, nem ver doirado o seu nome pelas gazetas, sem se preoccuparem principalmente com a nacionalização das leis estrangeiras, de modo que as nossas instituições modernas são quasi todas francezas, ou belgas, e até já as temos allemãs!
Mas eu ainda comprehendia os platonismos do legislador de 1867, quando propunha o systema penitenciario de prisão cellular com isolamento absoluto.
Regulando se apenas pelas theorias e pelos principios scientificos, sem ter em conta os costumes do paiz, nem o caracter d'este povo meridional, julgou absolutamente necessario, para a repressão penal, o systema penitenciario, porque a lição dos factos em Portugal o não tinha ainda posto de sobreaviso ácerca das vantagens ou desvantagens d'este regimen.
Alem d'isso introduzia se o systema de prisão cellular até certo ponto, como substituição tambem da pena de morte, comquanto em face dos costumes portuguezes podesse dizer-se acabada esta pena.
Creio que a ultima execução no patibulo teve logar em Lisboa em 1844. Havia, portanto, muitos annos que a pena de morte já se não executava, e até se tinha abolido por occasião da discussão do orçamento a verba destinada para o carrasco.
Mas havia ainda muita gente no nosso paiz que reputava absolutamente necessaria a conservação da pena de morto, pelo menos nas paginas da legislação nacional, para manter a ordem publica e a segurança individual, e eu respeito esta opinião, como respeito todas as opiniões sinceras, por mais que destoem dos meus principios.
A pena de morte existe ainda hoje nas leis dos paizes mais adiantados na carreira da civilisação, e até na Suissa alguns cantões a restabeleceram, depois de ter sido abolida.
A circumstancia de eu ser adversario intransigente da pena de morte não me impede de prestar homenagem ás convicções sinceras dos que a julgam absolutamente indispensavel para a segurança individual para a manutenção da ordem social.

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SESSÃO DE 19 DE MARÇO DE 1888 841

Dezeseis ou dezesete annos depois da promulgação da lei de l de julho de 1867 apresentou outro governo ás côrtes a proposta para a execução verdadeira da lei, que entre nós creára o systema de prisão cellular, isto é, a proposta da organisação do pessoal da penitenciaria de Lisboa, e eu combati tambem a execução do systema penitenciario, como tinha combatida a sua creação, pronunciando-me ao mesmo tempo contra o estado maior e contra o estado menor da penitenciaria.
Mantenho hoje os mesmos principios e as mesmas opiniões; e espero não escandalisar com isso os srs. ministros, que se queixam de eu não mudar de opinião ao sabor das circumstancias.
Ainda ha poucos dias o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da fazenda me lançavam em rosto, como grande peccado, o estar constantemente sustentando as mesmas doutrinas nas questões financeiras.
Ora o facto é verdadeiro.
Mas quem tem a culpa?
Quem tem a culpa de eu me ver na necessidade de todos os annos estar clamando contra a má gerencia da fazenda publica?
Entrem os governos no verdadeiro caminho, cumpram o seu dever, e poderão então dispensar-me de os combater.
Entende talvez o governo que eu devia proceder como alguns dos srs. ministros, que atacando conjunctamente comigo em 1883 o systema penitenciario, que consideravam um systema selvagem, que não podia conduzir senão ao suicidio e á loucura, vem hoje propor a consolidação alargamento e ampliação d'esse monstruoso systema
Nunca procedi assim, e espero em Deus, que jamais seguirei por esse caminho.
Entrando propriamente na analyse do projecto em discussão, começo por declarar que no meu entender o ponto capital d'esta providencia não é a compra das duas penitenciarias de Sanearem e Coimbra.
A compra das penitenciarias não póde ser o fim do projecto. Parece-me que é apenas meio para realizar o preceituado no artigo 8.º, e para fazer a nomeação do pessoal.
A compra das duas penitenciarias tem por fim, menos recolher presos, do que fazer um largo fornecimento de funccionalismo!
Aquelle estado maior e menor, que o governo regenerador propunha para a penitenciaria de Campolide em 1884, e que eu então condemnava com tanto applauso do partido progressista, é o mesmo que os srs. ministros agora propõem para as duas novas penitenciarias!
Nem ao menos guardaram as apparencias, propondo outra base para o fornecimento de funccionarios! Pelo contrario, querem povoar de pessoal as duas penitenciarias na mesma proporção do actual estado maior e menor da penitenciaria de Lisboa!
Porque não haviam de os srs. ministros ao menos de guardar as apparencias, tomando uma base que não fosse a proporção do pessoal estabelecido para a penitenciaria de Campolide? (Apoiados.)
Esta semcerimonia com que se sustenta hoje uma cousa e ámanhã a opposta, é a principal causa de se achar actualmente abatido o parlamento e enfraquecidos os poderes publicos.
Não ha nada que desprestigie mais os homens d'estado, do que, segundo as circumstancias ou os interesses politicos, manifestarem opiniões differentes no seio da representação nacional. (Apoiados.)
Comprehendo a posição do governo que, abraçando com toda força da sua convicção o systema penitenciario, queira dar-lhe todo o desenvolvimento possivel, e mesmo dotal-o com um estado maior esplendido e brilhante.
Mas quem tão acremente combateu o grande excesso de luxo e as despezas deslumbrantes com esse estado maior e estado menor, não tem direito de vir haje pedir ás côrtes que lhe approvem o mesmo luxo, e que lhe votem as mesmas despezas. (Apoiados.)
Sr. presidente, desculpa-se o systema dos que reputam conveniente e mesmo necessario á causa publica marchar desassombradamente no caminho das despezas da civilisação, como marcharam os districtos de Santarem e de Coimbra, aos quaes o governo, como pae commum, compra agora as penitenciarias para não darem á costa.
Poderá explicar-se o systema dos governos, ou dos partidos, que fazem depender o adiantamento da civilisação de um povo de largos dispendios, que hão de sair do bolso do contribuinte, quer á vista quer a praso, pois que os emprestimos representam letras do credito para serem pagas a praso.
Mas quem, fóra do governo, passa a sua vida a proclamar economias, e a combater os desperdicios e esbanjamentos ministeriaes, ás vezes sabe Deus por que meios, para nas cadeiras do poder fazer peior e muito peior, do que anteriormente censurara, não póde estranhar que lhe faltem as forças e o prestigio para governar. (Apoiados.)
Os districtos de Coimbra e de Santarem tinham construido as duas penitenciarias, porque tiveram igualmente vontade de entrar no caminho largo das despezas da civilisação, e desejavam tambem administrar á grande. (Riso.) Chegaram a certa altura, e não tinham já dinheiro para concluir as obras; e por isso quer agora acudir-lhes o governo.
Mas quaes seriam as circumstancias, felizes ou infelizes, que determinaram o governo a fazer esta compra por conta do estado? Seria unicamente o desejo de nomear o pessoal, ou entrariam como causas determinantes do contrato alguns outros arranjos?
Por ora o unico movel do procedimento do governo, que eu descubro, é a nomeação de pessoal, e não de pessoal modesto, mas de pessoal proporcional ao estabelecido para a penitenciaria de Lisboa, que tinha sido condemnado por alguns dos actuaes ministros, como verdadeiro luxo e desperdicio!
Na verdade, a nossa administração caminha esplendidamente no sentido da ruina do contribuinte, e não se encontra um acto governativo, que não vá de conformidade!
Nos jornaes de hoje vi eu um telegramma da Madeira annunciando que se tinha reunido na capital da ilha um grande meeting contra o regulamento, que creava pessoal demasiado e inutil para a administração do hospital. Creio que com o regulamento era tão povoado de funccionarios o hospital que não ficava logar para os doentes. (Riso.) E unico na nossa vida constitucional este facto contra os impostos tenho eu visto fazer meetings; e mesmo a favor dos impostos tambem já se fazem meetings; pois que nos ultimos comicios do Porto quem gostava do augmento do imposto ia para o meeting progressista, e quem não era apaixonado do augmento de contribuições ia para o meeting da opposição. (Riso.) Nas meetings contraia creação de pessoal excessivo cabe a gloria a este governo de se terem inventado por causa d'elle!
Já é furor de crear funccionalismo! Nem os hospitaes escapam aos srs. ministros! Nem tiveram a caridade de deixar no hospital o sufficiente espaço para accommodar os doentes, tão largo quinhão quizeram dar ao funccionalismo. (Riso.) E novo e inaudito similhante procedimento! (Apoiados.)
Para justificar o bom negocio, que o governo faz com a compra das penitenciarias de Coimbra e de Santarem, já tenho ouvido a alguns dos meus collegas, comparar a despeza orçada com aquellas duas penitenciarias, para serem accommodadas ao fim a que são destinadas, com a despeza realisada ou effectuada na construcção da penitenciaria central de Lisboa. Mas eu não sei comparar despezas orçadas com despezas realisadas.
Depois de promptas as duas penitenciarias em ajuste sa-

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beremos quanto custam, e só então poderemos fazer comparação.
Agora o que ha a comparar é a despeza orçada para a acquisição e apropriação das duas penitenciarias com a que foi orçada para a construcção da penitenciaria de Lisboa.
Até certo ponto não foi mau que viesse á discussão este projecto, ou outro como elle, para castigo dos contribuintes, que se queixavam de serem decorridos dois mezes e meio, sem as côrtes terem feito mais do que rhetorica parlamentar, e lançavam a responsabilidade sobre o governo.
Era eu quasi só a applaudir o governo n'este ponto!
Eu pedia ao Espirito Santo que enviasse á terra uma das suas linguas de fogo para illuminar os srs. ministros, e lhes fazer comprehender a conveniencia de se limitarem a torneios do rhetorica n'esta sessão legislativa, mesmo que se sintam com a coragem de se manterem nas cadeiras de poder durante o interregno parlamentar. (Riso )
Ao menos escapavamos a nova carga de impostos, e a novas desorganisações de serviços.
Folgavam os contribuintes, e respiravam as liberdades populares. Transformem os illustres ministros durante esta sessão o parlamento n'uma academia, e tento resgatado uma grande parte dos seus peccados! (Riso.)
Os que pugnam porque se passe dos discursos aos factos vivem ainda na doce illusão de que o governo póde governar. Mas o governo não governa, porque não póde governar. (Apoiados.)
Póde conseguir a approvação de projectos para augmento de despeza e para esmagar o contribuinte.
Póde povoar de pessoal inutil o hospital da Madeira, e comprar penitenciarias com dinheiro emprestado, mas não póde governar, porque governar é cuidar dos interesses da nação, (Apoiados.) e o ministerio não tem força nem vida para isso. (Apoiados.)
Terá a confiança da corôa e a confiança da maioria. Mas ninguem teve em mais subido grau a confiança da corôa do que Costa Cabral, ninguem teve como elle maiorias aguerridas e disciplinadas, promptas a entrar no combate, á primeira voz, e sempre em linha para cobrir os ministros; e todavia eram contra elle os votos da nação inteira.
Eu talvez podesse descobrir o fim do projecto, e a applicação que terno as penitenciarias a que elle respeita, pelo menos a de Coimbra, se alguns dos srs. ministros não fossem tão avaros na publicação dos seus discursos. (Apoiados.)
Pois tenho uma vaga idéa, de ouvir dizer n'esta casa ao sr. ministro da guerra, em resposta não sei a quem, o destino que se havia de dar á penitenciaria de Coimbra.
Uma voz: - Foi em resposta ao sr. Mattoso Côrte Real.
O Orador: - Mas percorrendo as sessões do anno passado, não encontrei discursos com referencia a este assumpto; e ou os não procurei bem, porque os indices das sessões não estão ainda publicados, ou esse discursos não foram restituidos.
Uma voz: - Foi em resposta ao sr. Mattoso, e se v. exa. quer ver, elle aqui está.
O Orador: - Bem. Não me demoro agora n'esse assumpto. O que eu quero tornar bem saliente á camara é que a auctorisação pedida pelo governo ás côrtes para construir mais jaulas, onde encarcere os delinquentes, deve ser apreciada não só debaixo do ponto de vista doutrinario, mas tambem debaixo do ponto de vista financeiro. (Apoiados.)
Não é tão brilhante, tão esplendido e tão conforme á nossa civilisação e á indole do paiz este serviço para sem mais exame, e sem legitimos fundamentos, se augmentarem os encargos do orçamento para construir novas penitenciarias. (Apoiados.)
É singular a previdencia d'este gabinete! Estava o governo auctorisado a construir tres penitenciarias, e achava-se construida apenas uma, nem havia dinheiro para construir as outras duas. Pois o governo, que não póde construir as duas, quer auctorisação para construir quatro! (Apoiados )
Ámanhã outro governo, com o mesmo tacto e tino politico, que se vir armado da auctorisação para construir mais quatro penitenciarias, quando não tiver dinheiro para construir as quatro, virá pedir auctorisação para construir seis! (Apoiados.)
Mas começando pelo principio, segundo o meu costume, perguntarei ao governo quaes são os fundamentos em que apoia o pedido para ser auctorisado a adquirir as duas penitencias de Coimbra e de Santarem? Só poderá justificar-se a necessidade de mais duas penitenciarias, quando se demonstrar que a penitenciaria central de Lisboa, com as suas 576 cellas, já não accommoda todos os condemnados que nos termos da lei vigente ali hão de cumprir sentença.
Ninguem se lembrará de certo de andar a construir carceres por mero luxo, e quanto mais que estes edificios, que deviam ser modestos e economicos, nos ficam a nós por preços fabulosos.
Segundo ouvi, no correr d'esta discussão, cada cella da penitenciaria central, já construida, nos custou 3:125$000 réis. Ora uma cella, em que o individuo tem no mesmo compartimento o leito, a casa de jantar e a officina de trabalho, que custa 3:125$000 réis, não é uma casinha, é, no seu genero, uma especie de palacete. (Riso.)
Provavelmente as despezas com as penitenciarias de Coimbra e de Santarem hão de correr na mesma proporção, porque a nossa administração, no estado de indifferença do paiz, ha de seguir até ao fim no mesmo caminho!
Cumpria, portanto, para justificar o projecto, começar por dizer ás côrtes qual era o numero dos condemnados annualmente a cumprir sentença nas penitenciarias centraes depois da ultima reforma penal, que alterou profundamente em materia de penas a legislação vigente ao tempo da implantação do systema penitenciario entre nós.
Tão desacompanhada vem de esclarecimentos esta proposta que não contém dados estatísticos alem de 1880, quando o sr. Lopo Vaz na proposta de reforma penal, que propoz ás côrtes em 1884, apresentava a estatistica das condemnações a penas maiores nos annos de 1879, 1880 e 1881, salvo, com respeito a 1881, dezoito comarcas de que não tinha esclarecimentos.
Pois o actual governo apresenta-nos em 1888 estatisticas com relação aos annos de 1878, 1879 e 1880! Hão de concordar que é curioso este facto. (Riso.)
Ora eu, para apreciar a necessidade da construcção ou acquisição de novas penitenciarias, careço absolutamente de saber o numero das condemnações a penas maiores em cada anno desde que começou a execução da lei de 14 de junho de 1884 que modificou profundamente a escala penal; e o governo não póde dizer que não sabe; porque lhe não eram precisos annos, nem mezes para averiguar qual tinha sido no continente e nas comarcas da ilha da Madeira o numero de condemnações á pena maior, desde a vigencia da nova reforma penal. Sem se saber o numero dos condemnados a esta pena, unicos que cumprem sentença na penitenciaria central, é impossivel apreciar e votar com conhecimento de causa o projecto.
A reforma penal de 1884 tinha tres annos e meio do execução em 31 de dezembro de 1887, e que desde esta data tinha tido o governo tempo mais do que sufficiente para colher esclarecimentos de todas as comarcas do continente do reino e das ilhas adjacentes sobre o numero dos condemnados a penas maiores em cada um d'aquelles annos.
A camara poderá votar o projecto sem estes esclarecimentos, mas vota perfeitamente ás cegas, (Apoiados.)
Desde que a penitenciaria de Lisboa accommoda approximadamente 570 condemnados, é indispensavel conhecer, antes de proceder á construcção ou acquisição de novas cadeias, o numero de condemnações a penas maiores, uni-

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cas que são cumpridas nas penitenciarias centraes, para sabermos se a actual cadeia é ou não sufficiente para recolher todos os delinquentes, a que é destinada.
Precisamos tambem de ser esclarecidos ácerca dos resultados colhidos da execução do systema de prisão cellular, cumprida na penitenciaria de Lisboa, que funcciona ha tres annos, para sabermos se é preciso modificar n'alguma cousa o regimen penitenciario vigente, ou se havemos de seguir absoluta e exactamente na base da lei de 1867.
Pois ácerca da experiencia do systema penitenciario entre nós, nem palavra se diz tambem á camara. (Apoiados.)
Votar o projecto sem estes elementos é approvar despezas sem rasão sufficiente, ou antes sobrecarregar o thesouro para crear mais uma legião de funccionarios; e nós não estamos a tratar de penitenciarias para empregados, mas sim de penitenciarias para condemnados.
Não nos pertence discutir quem ha de ser director, subdirector, capellão, medico ou chefe de guardas. O que nós precisâmos de saber são as vantagens ou desvantagens do systema penitenciario, entre nós estabelecido, na experiencia de tres annos, e alem d'isso o numero de condemnações a pena maior em cada anno depois da execução da nova reforma penal, para decidirmos, se basta por ora a penitenciaria central de Lisboa, ou se é preciso construir ou adquirir novas penitenciarias, e se é necessario alterar a instituição vigente.
Mas a respeito d'estes factos, que são fundamentos no projecto, não se encontra palavra, nem no relatorio do governo, nem no parecer da commissão!
E esses mesmos dados estatisticos, que constam do relatorio do governo, ou das actas das sessões do conselho geral penitenciario, que são complemento ou commentario áquelle relatorio, são inteiramente contradictorios.
Dizia o sr. ministro da justiça n'uma das sessões do conselho:
«É justo, e é conveniente, que se trate de construir as outras (cadeias) o n'esta parte deve manter-se o systema da de 1867.
«Serão porém, sufficientes estas tres cadeias para o movimento dos condemnados á pena de prisão maior cellular em todo o reino?
«Eis o que cumpre, autos de tudo, verificar.
«As estatisticas da administração da justiça criminal no reino indicam que o numero dos condemnados a penas maiores, que correspondem á de prisão mais cellular por dois a oito annos, foram em 1878, 1879 e 1880 os seguintes:

Homens Mulheres Total

1878 321 22 339
1879 291 21 312
1880 276 34 310

O que dá a media seguinte:

Homens. 294
Mulheres. 25
Total. 319

Portanto a media dos condemnados por anno a penas maiores, segundo os calculos do sr. ministro da justiça, fundados nos seus dados estatisticos, comprehendendo homens e mulheres, andava por 319; e ainda fico na duvida se esta media se referia só aos condemnados á pena correspondente a prisão maior cellular por dois a oito annos, ou se abrangia tambem as, condemnações ás outras penas maiores, quer temporarias, quer perpetuas.
Mas continuando na leitura das actas do conselho geral penitenciario, deparo na mesma sessão com o seguinte:
«O sr. Mendonça Cortez diz que os assumptos que se discutem assentam sobre dados estatisticos. Pelos que são offerecidos sabe que a media das condemnações por anno a pena de prisão maior é de 183, e sendo seis annos a media da duração das condemnações temos assim uma população de 1:098 condemnações.»
Ora como é que o sr. ministro da justiça pelos seus dados estatisticos encontrava uma media de condemnações a pena maior de 319 por anno, e o sr. dr. Mendonça Cortez uma media de 183!
Não percebo. Como é que no congresso penitenciario, sobre os mesmos dados estatisticos, a media dos condemnados a pena maior tirada pelo sr. ministro da justiça era de 319, e a media de iguaes condemnações tirada pelo sr. dr. Mendonça Cortez era de 183?
Eram outros os dados sobre que o sr. Mendonça Cortez calculava a sua media?
Mas então porque não vieram esses esclarecimentos para a camara?
Eram porventura mais precisos no conselho penitenciario, que apenas aconselha, do que na camara que ha de resolver, e ficar com a responsabilidade da approvação do projecto? (Apoiados.)
Outros factos encontro eu narrados nas respostas do conselho geral penitenciarão, que não podem passar desapercebidos, desde que o projecto se refere só aos condemnados nos tribunaes communs.
Na acta da sessão de 14 de janeiro de 1867 lê-se o seguinte:
«Refere-se o orador (era o sr. Barros e Sá) aos trabalhos de uma commissão para modificar o codigo de justiça militar, e á necessidade urgente de crear penitenciarias para o cumprimento das penas applicadas a réus militares, ou ao alargamento das prisões centraes para esse fim.
«A uniformidade no comprimento das penas parece-lhe um bom principio na administração da justiça. Calcula em 3:000 o numero de cellas que será necessario reservar para os réus militares, e entende que o conselho deve ter em vista este ponto na resolução das questões pendentes.
«O sr. presidente (que era o sr. ministro da justiça) respondendo ao sr. Barros e Sá, diz que a prisão correccional não faz parte integrante do systema cellular.
«A lei diz: «continua em vigor a pena de prisão correccional», e a reforma de 1884 confirma esta asserção.
«O governo está auctorisado a recolher na cadeia penitenciaria, quando o julgar conveniente, os réus militares.
«Presentemente existem na penitenciaria central muitos d'estes réus, que pelo facto de serem exauctorados foram entregues ao poder civil.
«Conclue dizendo que não lhe parece que o conselho tenha a occupar-se dos réus militares; qualquer que seja a opinião da commissão a que se referira o sr. Barros e Sá, facilmente chegará a um accordo com o seu collega da guerra, que não prejudicaria em cousa alguma as deliberações tomadas.»
Estas declarações não são indifferentes na apreciação do projecto. Pelo contrario, carecem de explicação por parte do governo.
A penitenciaria já construida, e as penitenciarias a adquirir, são tambem destinadas para os crimes dos militares, ou sómente para os crimes julgados nos tribunaes communs? A camara precisa de todas estas informações, para se determinar na votação do projecto.
Se as cadeias, objecto do debate, são unicamente destinadas para os condemnados nas justiças ordinarias, é muito menor o numero de cellas precisas, do que sendo destinadas tambem aos condemnados militares, pois, segundo se disse nas sessões do conselho geral penitenciario, só para os crimes militares é precisa uma cadeia com 3:000 cellas.
É pois indispensavel saber qual o numero, por anno, das condemnações a penas maiores, e se as penitenciarias de que nos occupâmos, são tambem destinadas para réus militares. Será commodo para uma camara votar despezas sem conta, nem peso, nem medida, mas não é de certo

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honroso para o mandato popular sobrecarregar o paiz com encargos, cujas vantagens ninguem conhece.
Avaliar o numero dos condemnados a penas maiores em virtude da nova reforma penal de 14 de julho de 1884, pelas estatisticas relativas aos annos de 1878 a 1880, chega a ser phantastico, senão extravagante, quando a nova reforma penal alterou profundamente a escala da penalidade prescripta no velho codigo penal.
Como nas penitenciarias são recolhidos apenas os condemnados a penas maiores, pois que os condemnados a pena correccional hão cumprir a sentença, pelo projecto, nas prisões comarcas, ou nas prisões comarcãs districtaes segundo a lei vigente, convem averiguar quaes as alterações feitas na penalidade pela nova reforma penal de 1884.
Quaes são os crimes, para assim dizer, de todos os dias no nosso paiz? Serão os crimes ecclesiasticos? Não de certo. Raro é o processo que em Portugal se instaura por crimes commettidos contra o religião do reino, ou por abuso de funcções religiosas.
Serão os crimes contra a segurança exterior do estado, os crimes que offendem os interesses do estado em relação ás nações estrangeiras, os attentados e offensas contra o rei e sua familia, ou a rebellião?
De certo não.
Ha largos annos, que o progresso da nossa civilisação não consente similhantes attentados!
Os crimes mais frequentes entre nós, como em todos os paizes, são os de ferimentos, contusões e outras offensas corporaes voluntarias, e os de furto.
Ora a penalidade estabelecida, tanto n'um como n'outro caso, na legislação vigente ao tempo de implantação do systema penitenciario entre nós foi profundamente alterada pela nova reforma penal.
Nos crimes de offensas corporaes, pelo velho codigo penal, desde que o ferimento ou contusão produzisse enfermidade ou incapacidade de trabalhar por mais de vinte dias, havia logar a condemnação a pena maior, que tinha de sei cumprida na penitenciaria.
Tambem se a offensa corporal produzisse deformidade, por insignificante que fosse, havia de ser a pena cumprida na penitenciaria central, porque era pena maior.
Que alterações introduziu a nova reforma penal de 14 de julho de 1884 n'esta parte do nosso direito criminal?
Alterou radicalmente, no sentido de as diminuir, as penas applicaveis ás offensas corporaes.
Dispõe o artigo 360.° do codigo vigente que a offensa corporal voluntaria de que resultar, como effeito necessario da mesma offensa, doença ou impossibilidade de trabalho profissional ou de qualquer outro, será punida:
se a doença ou impossibilidade do trabalho não durar por mais de dez dias, com prisão correccional até seis mezes e multa até um mez;
se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais de dez dias, sem exceder a vinte, ou produzir deformidade pouco notavel, com prisão correccional até um anno e multa até dois mezes;
se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais de vinte dias, sem exceder a trinta, ou produzir deformidade notavel, com prisão correccional e multa;
se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais de trinta dias, com prisão correccional nunca inferior a dezoito mezes e multa nunca inferior a um anno;
e se da effensa resultar cortamento, privação, aleijão ou inhabilitação de algum membro ou órgão do corpo, com prisão maior cellular de dois a oito annos, ou, em alternativa, com a pena de degredo temporario.
Pelo direito vigente, pois, qualquer que seja o tempo que dure a enfermidade ou impossibilidade de trabalho, e ainda que haja deformidade não vae a pena alem da prisão correccional; e esta, pelo projecto, ha de ser cumprida nas cadeias comarcãs.
Ficaram assim excluidas do systema penitenciario as penas correspondentes a crimes tão frequentes, os quaes ficaram na alçada da policia correccional.
Era, pois, indispensavel apurar o numero de condemnações em cada anno que obrigam a prisão nas penitenciarias centraes, depois da promulgação da nova reforma penal, que applicou pena correccional a crimes a que, pela legislação anterior, cabia pena maior.
Na penalidade relativa aos furtos, que são tambem crimes muito frequentes, fez a reforma penal igualmente grande revolução.
Pelo velho codigo penal havia logar a pena maior nos crimes de furto, desde que o valor da cousa furtada fosse superior a 20$000 réis, e hoje, o réu de furto só fica sujeito a pena maior quando o valor da cousa furtada excede 100$000 réis; e é sabido que, só por excepção rarissima, o valor dos furtos vae alem de 100$000 réis. Portanto, grande parte dos crimes do furto, a que correspondia pena que só na prisão penitenciaria central podia ser cumprida, são hoje punidos com prisão correccional.
Tambem pelo velho codigo penal os crimes de furto praticados por creados, serviçaes, estalajadeiros, recoveiros, barqueiros, e outros nas mesmas condições, obrigavam os réus a expiar a sua pena na cadeia penitenciaria central, por mais insignificante que fosse o valor da cousa furtada, quando, pela nova reforma penal, os réus d'estes furtos não podem ser punidos com pena maior, não excedendo a somma de 40$000 réis o valor do furto. Desde que não excedam esta quantia, são punidos com pena correccional.
Nas mesmas condições do furto simples estão os crimes de abuso de confiança, que tambem não são dos menos frequentes, porque hão de ser punidos, em conformidade da lei, com as penas de furto.
Portanto, hoje tambem o abuso de confiança, desde que o prejuizo do lesado não vá alem de 100$000 réis, não é punido com prisão na penitenciaria central.
N'estas condições, impossivel é saber o numero de condemnações por crimes cujas penas têem de ser cumpridas na penitenciaria central, sem uma estitistica completa posterior á execução da lei de 14 de julho de 1884
Podem bem representar uma differença de mero por meio essas condemnações, desde que os crimes mais frequentes passaram para a alçada da pena correccional.
Não ha, pois, elementos para votar o projecto, nem mesmo para o discutir.
Tanta é a falta de rasões para justificar esta providencia, que até por parte da maioria já se tem argumentado a favor das penitenciarias, com o rendimento do trabalho dos presos, que ellas produzem para o estado!
Eu considerei sempre as disposições da nova reforma penal, que tiram ao preso a maior parte do rendimento que elle adquirir na jaula pelo seu trabalho, não só como uma injustiça e uma indignidade, mas como questão de vergonha nacional. (Apoiados)
Pela legislação vigente, em quatro partes iguaes se divide o producto do trabalho do preso uma para fundo de reserva que lhe será entregue quando for posto em liberdade, outra para indemnização da parte offendida, se tiver logar, outra para o estado, e outra para soccorro da mulher e filhos do preso, se o precisarem.
Quando o preso não tiver nem mulher nem filhos, ou nem aquella nem estes precisarem, nem houver logar a indemnisação, ou o condemnado tiver bens por onde a mesma possa ser satisfeita, a parte reservada a qualquer destas applicações pertencerá ao estado.
Não será contraria á moral esta partilha, mas repugna á minha consciencia e ao meu coração, e repugna-me ainda mais ver augmentar a favor das penitenciarias com a receita do trabalho dos pregos já inscripta no ornamento do estado!
A respeito das condições da compra das penitenciarias de Santarem e de Coimbra, não direi nada, porque larga-

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mente tem sido já tratado esse assumpto pelos illustres oradores, que me precederam no debate.
Mas não posso concluir sem mais uma vez dizer á camara, que não acredito na efficacia da prisão cellular com isolamento absoluto do condemnado, durante o dia e a noite, para regenerar os criminosos.
Para me convencer de que este systema não póde em regra produzir cidadãos uteis e morigerados, não preciso de recorrer nem aos philosophos, nem aos metaphysicos, nem aos platonicos. Basta-me consultar o bom senso.
Não acredito no isolamento absoluto para a regeneração do delinquente, como não acredito nos systemas de medicina que, em vez do auxiliarem os elementos fundamentaes da natureza humana, tratam de pôr em lucta aberta todos os elementos do organismo do doente.
Um systema que tem por base isolar completamente o delinquente do mundo exterior, quando uma das condições fundamentaes da existencia do homem é a sociabilidade, e quando a primeira necessidade do ser humano é communicar as suas impressões ao seu similhante, longe de conduzir á educação e á moralisação, ha de levar o individuo ás aberrações da loucura ou do suicidio.
Não podem ser efficazes os remedios contra naturam.
Não póde ser sequestrado o homem, sem perigo para as suas faculdades, ás influencias e ás impressões do mundo exterior. Cada homem faz parte integrante da humanidade. Homo sum, nihil a me alienam puto, diziam os artigos philosophos, que não conheciam o moderno regimen penitenciario, que é regimen profundamente inquisitória!
É ás providencias da curia romana, e não á excentricidade dos americanos, que se deve ir procurar a origem do systema penitenciario.
Que esta invenção é de origem ecclesiastica attesta-o ainda a lithurgia usada no regimen penitenciario, lithurgia que se manifesta no regulamento da penitenciaria central de Lisboa, que n'alguns artigos foi de certo copiado de regulamentos estrangeiros, tão incompativeis são alguns dos seus preceitos com os principios por que se rege a sociedade portugueza.
Não é de certo portugueza a disposição que impede o condemnado, que está na enfermaria ou na cella, em caso de molestia grave, de ser visitado pelo avô, pelo neto, ou pelo irmão! É tão monstruosa, e tão repugnante a todos os sentimentos da natureza, esta prohibição, que de mais estende a pena alem da pessoa do delinquente, que só por importação do estrangeiro podia encontrar se nas paginas da legislação nacional.
Mas com todos estes rigores draconianos, com todos estas violencias e deshumanidades, que fructos tem produzido a actual penitenciaria central de Lisboa para induzir os poderes publicos á acquisição de mais penitenciarias?
Desde que começou a execução d'esta jaula para gente viva, tenho sempre procurado saber as consequencias d'esta innovação judiciaria.
Mas a imprensa, decerto por falta de esclarecimentos, tem guardado a este respeito o mais religioso silencio.
Sei agora, porque o ouvi n'esta casa, que já alguns presos tem ido da penitenciaria para Rilhafolles. Sei tambem, porque o diz o relatorio da direcção da penitenciaria, relativo ao anno de 1886, que varias dos presos, que ali se acham, estão padecendo de desequilibrio mental; e sei pelo mesmo documento, na parte que é mais da responsabilidade do medico que, de sete presos que ali morreram no anno de 1886, quatro succumbiram á molestia da tuberculose!
O que estes factos nos estavam aconselhando, mesmo quando não tivessemos diante dos olhos os exemplos de nações estrangeiras, era a adopção das providencias necessarias para transportar, ao menos temporariamente, para uma prisão com trabalho em commum os presos, quando as faculdades mentaes se lhes exacerbassem com o isolamento demorado dentro da prisão.
Mas n'essas providencias, que são sensatas e rasoaveis, não pensa o governo.
No que pensa é em alargar as prisões penitenciarias, que podem servir, em regia, para desorganisar as faculdades do condemnado, que ainda possuir bons sentimentos, e que não podem regenerar o preso, dotado de instinctos perversos e fermos.
Manifestam-se aberrações tão monstruosas na natureza humana, apparecem caracteres tão prevertidos na vida social, que se torna absolutamente indispensavel, no interesse da humanidade, atastal-os, não só de todas as relações exteriores, mas inclusivamente de todo o convivio com o seu similhante, e para esses a prisão rigorosa é um dever indeclinavel, para salvar os direitos alheios, porque eu não quero a liberdade de uns com prejuizo da liberdade dos outros.
Aquelles que, pelas condições da sua natureza, pela sua educação, pelos seus habitos não pudera viver em commum sem perigo para os outros, devem soffrer, pela força das cousas, a pena do isolamento absoluto.
Mas para o geral dos delinquentes himilhante pena poderá representar a vingança ou a intimidação, mas não representa o pensamento, altamente humanitario, da regeneração moral do criminoso.
N'estas condições mal se colloca o governo, que vem pedir auctorisação para crear mais duas penitenciarias, sem nos dar a mais pequena indicação ácerca dos beneficos resultados, colhidos da penitenciaria central de Lisboa, pela adopção do systema penitenciario em Portugal. E o governo, desde que procura ampliar e alargar as condições do regimen da prisão cellular, ha de ficar com a responsabilidade inteira e plena do nosso systema penitenciario, que plenamente adopta n'este projecto.
Não é acceitavel a argumentação do sr. ministro da justiça, em resposta a um orador d'este lado da camara, de que as queixas contra o systema penitenciario são contra o parlamento de 1867 e não contra o actual governo.
Nós não podemos queixar-nos do parlamento do 1867, que procedeu, como entendeu, na plenitude das suas funcções constitucionaes (Apoiados)
As queixas são, e não podem deixar de ser, contra o parlamento de 1888, se votar este projecto, por que sem uma critica fundamentada e sem uma experiencia larga de systema penitenciario, creado pela lei de l de julho de 1867, vem aggravar a situação, sem querer saber be o regimen da prisão cellular, que entre nós funcciona, tem dado resultado uteis, ou se carece de reforma e de modificações.
Não podem os parlamentos posteriores censurar os anteriores, e sobretudo quando vão sanccionar ás cégas as resoluções d'estes.
Cada parlamento procede como entende, na sua epocha, sem poder censurar as côrtes anteriores, nem ter que dar contas ás côrtes que se lhe seguirem, porque os membros das cortes geraes não respondem pelos actos praticados no exercicio de suas funcções senão perante a sua consciencia. (Apoiados.)
Nós não somos aqui os executores da alta justiça dos nossos predecessores
Mas quaes têem sido os resultados colhidos na prisão penitenciaria?
Já sabemos que tem ido d'ali para Rilhafolles alguns presos, e que se accentua ali a tisica pulmonar, e n'uma proporção notavel.
De pele mortos no anno de 1886 quatro foram victimas de tisica pulmonar!
Vejamos agora a outra face da medalha.
Apreciemos os resultados beneficios d'aquelle estabelecimento. Infelizmente não os temos para os apreciar.
Vejo no relatorio de 1886, a que me tenho referido, que a direcção de penitenciaria apenas pôde propor á benevolencia do poder moderador um dos condemnados, em con-

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formidade do regulamento que permitte propor a reducção ou o perdão da pena, como premio aos presos cujo comportamento seja exemplar, e que já tenham cumprido dois terços da pena.
Não podiam ser muitos os propostos para reducção de pena ou perdão, ainda que fossem muitos os bem comportados, porque, estando em execução ha pouco tempo o systema penitenciario, poucos poderiam ali ter já cumprido os dois terços da pena.
Mas o que é preciso que a camara saiba, para ver a sorte que têem as leis votadas no parlamento, é o que succedeu com este preso.
Propoz a direcção da penitenciaria a reducção ou perdão da pena.
Foi a proposta approvada pelo conselho geral penitenciario.
Pois não se pensou mais n'isso! Nem foi reduzida nem perdoada a pena ao preso!
É assim que corre em quasi todas as repartições dos serviços publicos a nossa administração!
Mas o relatorio dá noticia de factos ainda mais graves!
A camara ha de ficar assombrada, como eu fiquei, com um facto narrado no relatorio, que é de certo sem precedente nos annaes judiciarios do nosso paiz.
Tão extraordinario, tão incomprehensivel e inverosimil era o facto, que tres ou quatro vezes eu li aquella parte do relatorio com o receio de me ter enganado. E a responsabilidade d'esse facto gravissimo é do governo e dos seus delegados, e tanto do governo como dos seus delegados se os srs. ministros não se justificarem perante o parlamento, declarando as providencias que adoptaram contra os funccionarios do estado, que assim attentaram contra a liberdade individual.
O facto a que me estou referindo consistiu em se conservarem presos na penitenciaria dois condemnados mais tres dias depois de haver expirado o tempo da condemnação! Não pergunto a rasão por que os dois condemnados foram retidos mais tres dias na prisão, porque não ha rasão que justifique nem desculpe similhante retenção. Não podiam ser conservados na prisão nem mais tres dias, nem mais tres horas, depois de cumprida a sentença do poder judicial.
Findo o praso da pena era dever indeclinavel dos poderes publicos pôl-os em liberdade.
Mas a tal ponto chegou a anarchia nos serviços do estado, que foram inuteis todas as reclamações da director da penitenciaria, para lhe serem enviados a tempo os mandados de soltura, a fim de serem postos em liberdade os presos, quando soava a ultima hora da sua condemnação!
Vou ler á camara a parte do relatorio da direcção da penitenciaria, relativa ao facto.
«Não devo terminar (diz o director da penitenciaria ao sr. ministro da justiça) este capitulo sem chamar a attenção de v. exa. para um assumpto, sobre o qual já me dirigi pessoalmente ao digno procurador regio da relação do Porto.
«Refiro-me á demora que tem havido na remessa dos alvarás de soltura para alguns presos pertencentes ao districtos d'aquella relação, e pedidos por esta secretaria com a antecipação prescripta no regulamento.
«Já aconteceu que dois presos estiveram aqui detidos tres dias depois de haver terminado o tempo da sua sentença por não serem mandados os alvarás de soltura em tempo conveniente.
«Um terminára a sua pena em 19 de agosto; no dia 22 de julho solicitei o mandado de soltura, que só me chegou a 22 de agosto, dia em que o mandei pôr em liberdade.
«Outro terminava a sua pena em 28 de dezembro; a 24 do mez anterior solicitei o mandado de soltura, e não obstante novas instancias, e até pelo telegrapho, só aqui chegou aquelle mandado no dia 31 de dezembro, estando por isso mais tres dias privado indevidamente da liberdade.
«Estes factos são graves por serem attentatorios da liberdade de cidadãos; é de crer, porém, que a illustrada procuradoria regia do Porto dará todas as providencias necessarias aos seus delegados para que taes factos se não repitam.»
Sr. presidente, nós precisâmos mais de ministros para garantirem a liberdade individual do cidadão do que de ministros para organisar penitenciarias.
A retenção de um condemnado na prisão mais tres dias além do tempo marcado na sentença é facto sem precedente em Portugal, e oxalá que se não repita.
Que pena teve o delegado do procurador regio, que não promoveu os mandados de soltura ou o escrivão, que os não passou a tempo? A nossa legislação considera, como crime de abuso do poder, a retenção de presos além do tempo legal.
Não quero saber, nem o nome dos delegados, nem o dos escrivães, que commetteram a falta, nem mesmo o nome da comarca onde a falta foi commettida.
O que desejo saber é qual foi o castigo que soffreram os responsaveis pela retenção dos presos na penitenciaria, depois d'estes haverem expiado a sua condemnação.
Diga o governo ao menos o estado dos processos instaurados contra os funccionarios, que commetteram este crime de abuso do poder. E tenho concluido.

ozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da justiça.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Sr. presidente, pouco tempo falta para dar a hora.
Vozes na esquerda: - Deu a hora, deu a hora.
Vozes na direita: - Falle, falle.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - V. exa. faz favor de me dizer se já deu a hora?
O sr. Presidente: - São seis horas em ponto.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - N'esse caso peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada, e mais o projecto n.° 230 do anno passado.

Está, levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Errata

No final da sessão de 17 do corrente, onde se diz por equivoco «Redactor - S. Rego» deve ler se «Redactor - Rodrigues Cordeiro».

Redactor = S. Rego

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