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SESSÃO DE 23 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmos. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Lêem-se na mesa os seguintes officios: do ministerio da guerra, remettendo uma nota pedida pelo sr. Francisco José Machado; do mesmo ministerio, remettendo uma informação pedida pelo sr. Eduardo José Coelho: do ministerio da marinha, remettendo, a requerimento do sr. Luciano Cordeiro, copias de uma representação dirigida a Sua Magestade. - Teve segunda leitura e foi admittido um projecto de lei apresentado pelo sr. Hintze Ribeiro. - O sr. José Julio Rodrigues chama a attenção dos poderes publicos para a falsificação dos vinhos, lê uma circular que diz respeito ao assumpto e faz diversas considerações sobre a falsificação de outras substancias alimentares. - O sr. ministro da instrucção publica reconhece que o assumpto é de gravidade, e declara que o governo tomará sobre elle as devidas providencias. - O sr. Frederico. Laranjo manda para a mesa duas representações contra as propostas de fazenda. - O sr. Abilio Lobo manda para a mesa uma representação de professores primarios de Torres Novas, que fundamenta com algumas considerações. - Os srs. Germano de Sequeira e Manuel de Arriaga igualmente enviam representações para a mesa. - O sr. Arriaga apresenta diversas propostas sobre negocios coloniaes, que largamente fundamenta. - O sr. Carrilho apresenta a ultima redacção do projecto da lei de meios. - O sr. Bocage apresenta uma proposta de aggregação. - O sr. Lobo d'Avila manda para a mesa uma representação contra o novo addicional ás contribuições. - Os srs. Francisco de Campos, Paulo Cancella, Roberto Alves e Eduardo Coelho apresentam representações no mesmo sentido. - O sr. Elmano da Cunha manda para a mesa uma representação da camara municipal de Aveiro sobre limpeza e rectificação dos esteiros. - O sr. Moraes Sarmento apresenta um requerimento de interesse particular. - O sr. Mendes da Silva renova a iniciativa de um projecto de lei. - O sr. Hintze Ribeiro apresenta um projecto de lei que fica para segunda leitura. - Os srs. Santos Viegas e João de Paiva mandam para a mesa requerimentos de interesse particular.
Ordem do dia, discussão do projecto de lei n.º 133. - O sr. Fernando Palha apresenta uma moção (questão prévia). - O sr. Manuel de Arriaga apresenta uma proposta para que não se discuta medida nenhuma que traga atigmento de despeza, sem que o bill seja votado na camara dos dignos pares. - O sr. ministro da in-strucção publica combate a moção do sr. Fernando Palha. - O sr. José Maria de Alpoim responde ao sr. ministro da instrucção publica. - O sr. Luciano Cordeiro entende que o projecto póde ser discutido desde já, porque os decretos subsistem emquanto não forem revogados. - O sr. presidente do conselho apresenta uma pró posta para que alguns srs. deputados possam accumular as funcções legislativas com as dos seus empregos. - O sr. Laranjo responde ao sr. Luciano Cordeiro. - O sr. José de Azevedo Castello Branco sustenta que os decretos de dictadura teem em si mesmo força de lei. - Lê-se na mesa a ultima redacção do projecto de lei do bill. - O sr. Lobo d'Avila pede a impressão d'essa ultima redacção. - Trocam algumas considerações sobre o assumpto os srs. Carrilho e Emygdio Navarro. - O sr. José de Azevedo Castello Branco requer que não prosiga este incidente sem se haver resolvido sobre a questão previu. - Depois de algumas observações do sr. Lobo d'Avila, a camara approva o requerimento do sr. Azevedo Castello Branco. -Fallam ainda sobre a questão previa os srs. Lobo d'Avila, Pedro Victor, Eduardo José Coelho e Alfredo Brandão. - O sr. Jalles requer que se julgue a materia discutida. - Sobre este requerimento pede votação nominal o sr. José Maria de Alpoim. É concedida a votação nominal e rejeitada a proposta do sr. Fernando Palha. - O sr. Carrilho requer, e a camara approva, que seja impressa a ultima redacção do projecto do bill. - O sr. Lobo d'Avila, como questão provia, propõe o adiamento da discussão do projecto de lei n.° 133 até estar presente o sr. ministro da fazenda. - No mesmo sentido falla o sr. Elvino de Brito. - O sr. José de Azevedo Castello Branco requer a prorogação da sessão até que se liquide o incidente da questão previa do sr. Lobo d'Avila. - Trocam-se sobre o incidente explicações entre os srs. Lobo d'Avila, ministro da instrucção publica e Francisco José Machado, protestando este ultimo sr. deputado contra a discussão do projecto, emquanto não estejam presentes os srs. ministros da fazenda e das obras publicas. - É rejeitada a proposta do sr. Lobo d'Avila em votação nominal, que tem logar a requerimento do sr. Almeida e Brito. - O sr. Carrilho apresenta um parecer da commissão de fazenda sobre a aposentação dos parochos.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 59 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Agostinho Lucio e Silva, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto César Elmano da Cunha e Costa, Augusto José Pereira Leite, Bernardino Pereira Pinheiro, Carlos Roma du Bocage, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo José Coelho, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Fernando Pereira Palha Osório Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Jacinto Candido da Silva, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Marcellino Arroyo, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Germano de Sequeira, José Antonio do Almeida, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José de Azevedo Castello Branco, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Monteiro Soares de Albergaria, José Paulo Monteiro Cancella, Julio Antonio Luna de Moura, Julio Cesar Cau da Costa, Lueiano Cordeiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel de Arriaga, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Vieira de Andrade, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro Victor da Costa Sequeira, Roberto Alves de Sousa Ferreira e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo César Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Jalles, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Augusto Maria Fuschini, Bernardino Pacheco Alves Passos, Carlos Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Elvino José de Sousa e Brito, Emygdio Julio Navarro, Fernando Mattozo Santos, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Severino de Avellar, Frederico de Gusmão Correa Arouca, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, João de Barros Mimoso, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Domingos Ruivo Godinho, José Elias Garcia, José Gregorio de Figueiredo Mascarcnhas, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Greenfield de Mello, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria dos Santos, José Maria de Sousa Horta e Costa, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel Affonso Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Pinheiro Chagas e Visconde de Tondella.
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Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso Antonio José Arroyo, Antonio José Ennes, Antonio Costa, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto Ribeiro, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Barão de Paçô Vieira (Alfredo), Caetano Pereira Sanches de Castro, Columbano Pinto Ribeiro de Castro Conde do Covo, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida Eduardo Abreu, Eduardo Augusto Xavier da Cunha Eduardo de Jesus Teixeira, Estevão Antonio do Oliveira Junior, Feliciano Gabriel de Freitas, Fortunato Vieira das Neves, Francisco José do Medeiros, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Cesario de Lacerda, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Pinto Moreira, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Simões Ferreira, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Bento Ferreira de Almeida, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Francisco Vargas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello e Sebastião de Sousa Danta Baracho.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da guerra, remettendo nota sobre as commissõos dos facultativos militares pedida polo sr. deputado F. J. Machado.
Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo a informação pedida pelo sr. deputado Eduardo José Coelho na sessão de 10 do corrente.
Para a secretaria.

No ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Luciano Cordeiro, copias da representarão dirigida a Sua Magestade pelo atheneu commercial do Porto, ácerca da questão de navegação regular a vapor entre a metropole e as provincias ultramarinas e da que á associação commercial da mesma cidade dirigiram differentes banqueiros, negociantes e capitalistas relativa ao pedido de protecção á mala real portugueza, por parte dos poderes publicos.
Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Srs. deputados. - Facilitar o exercicio do direito do voto e a fiscalisação das operações eleitoraes, por fórma a garantir a genuidade do suffragio e a verdadeira expressão da vontade popular, é sem duvida um dos fins que se devem propor aos poderes do estado.
Mal se consegue porém esse fim, quando as assembléas eleitoraes são compostas de um tão grande numero de eleitores que as votações têem de durar dois e mais dias, e quando um avultado numero d'elles pertencem a freguezias distantes.
N'estas circumstancias se encontra a assembléa eleitoral do Senhor Bom Jesus, pertencente ao circulo n.° 98 e que é composta dos eleitores d'essa freguezia em numero de 766, e dos da freguezia de Nossa Senhora dos Prazeres e logar das Calhetas, em numero de 515, ao todo 1:281, sendo certo que esta freguezia, de que é suffraganeo o logar das Calhetas, dista d'aquella alguns kilometros.
Attendendo ás rasões expostas temos a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A assembléa eleitoral do Senhor Bom Jesus, pertencente ao circulo n.° 98, é dividida em duas, sendo uma composta dos eleitores da freguezia do mesmo nome, e a outra dos eleitores da freguezia de Nossa Senhora dos Prazeres e logar suffragaueo das Calhetas.
Art. 2.° Esta constituição das duas assembléas serve tanto para os cargos politicos como para os administrativos.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Os deputados. = Arthur Hintze Ribeiro = Aristides Moreira da Mota.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

REPRESENTAÇÕES

Das camaras municipaes dos concelhos de Braga e de Villa Nova de Famalicão, contra a proposta de lei do addicional de 6 por cento.
Apresentadas pelo sr. deputado Frederico Laranja e enviadas á commissão de fazenda.

Da camara municipal do concelho de Mafra, no sentido das antecedentes.
Apresentada pelo sr. deputado Germano de Sequeira e enviada á commissão de fazenda.

De uma commissão de vendedores de tabacos, pedindo que se introduzam certas determinações na nova lei que substitue a régie pelo monopolio.
Apresentada pelo sr. deputaria Manuel de Arriaga, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

De professoras e professores primarios, apresentando varias medidas tendentes a melhorar-lhe a situação e pedindo que ellas sejam approvadas pela camara.
Apresentada pelo sr. deputado Abilio Lobo, enviada á commissão de instrucção primaria e secundaria, ouvida a de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Portalegre, contra a proposta de lei do addicional de 6 por cento.
Apresentada pelo sr. deputado Carlos Lobo d'Avila, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Vizeu, no sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado Francisco de Campos, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Vagos, no sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado Paulo Cancella, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

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Da camara municipal do concelho da Feira, no sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado Roberto Alves, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Beja, no sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado Bernardino Pinheiro, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Aveiro, pedindo que se estude o meio de limpeza o rectificação dos esteiros de S. Gonçalo e de S. Roque na na d'aquella cidade.
Apresentada pelo sr. deputada Elmano da Cunha, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Alfandega da Fé, districto de Bragança, contra as propostas tributarias apresentadas pelo sr. ministro da fazenda.
Apresentada pelo sr. deputado Eduardo José Coelho, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Vimioso, no mesmo sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado Eduardo José Coelho, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Roqueiro que, pelo ministerio dos negocios da marinha e ultramar, me sejam enviados os seguintes esclarecimentos:
1.° Nota, por annos, desde 1880 até hoje, da despeza feita com o ministerio das missões em Sernache do Bom-jardim;
2.° Nota das disciplinas do curso preparatorio e das sciencias theologicas ali ensinadas, e tambem dos officios e artes professados n'aquelle estabelecimento;
3.° Nota do numero de alumnos que existem n'aquella casa do educação, e dos que têem sido enviados para as nossas colonias desde a epocha indicada, e bem assim dos ordenados que cada um recebe.
Sala das sessões da camara, 23 de junho de 1890. = O deputado, Santos Viegas.
Mandou-se expedir.

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada com urgencia a esta camara uma informação da qual conste:
1.° Quaes as estradas de primeira e segunda ordem construidas dentro da area dos concelhos de Odemira e Ourique, e qual a extensão das mesmas;
2.° Quaes as que dentro da mencionada área estão em construcção, distinguindo-se qual o numero de kilometros já construidos o a construir;
3.° Quaes as estradas de primeira e segunda ordem já approvadas, mas ainda não principiadas a construir;
4.° Qual a distancia da villa de Odemira á estação do caminho de ferro de Odemira, de Ourique á villa de Ourique, de S. Martinho das Amoreiras, de Garvão e de Panoias ás respectivas aldeias. = O deputado, João de Paiva.
Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada com urgencia a esta camara uma copia da representação ali existente, enviada pela camara municipal de Odemira, pedindo um subsidio para o hospital d'aquella villa. = O deputado, João de Paiva.
Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

De Bernardino do Saavedra Prado e Themes, pedindo e lhe conceda a reforma no logar de primeiro official das afandegas.
Apresentado pelo sr. deputado Moraes Sarmento e enviado á commissão de fazenda.

De Augusto Pinto de Moraes Sarmento, general de divisão reformado, pedindo lhe seja applicada a doutrina da carta de lei de 25 de junho de 1889.
Apresentado pelo sr. deputado Moraes Sarmento e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

DECLARAÇÕES DE VOTO

Declaro que teria rejeitado o projecto do bill de indemnidade, e approvado o projecto da dotação de Sua Magestade El-Rei e da familia real, rejeitando a admissão á discussão da proposta do sr. Manuel de Arriaga.
Sala das sessões da camara, 23 de junho de 1890. = Antonio Baptista de Sousa.

Declaro que, se estivesse presente, teria votado na sessão de sabbado, a favor do projecto n.° 130, que diz respeito á dotação de El-Rei e da familia real.
Sala das sessões, em 23 de junho de 1890. = O deputado, Agostinho Lucio.

Não me tendo cabido a palavra, que eu pedira, antes da ordem do dia, declaro por esta fórma que nas votações havidas na sessão passada sobre o projecto das dotações reaes, teria votado a favor do projecto e contra a proposta do sr. Manuel de Arriaga. = Christovão Ayres.
Enviadas para a secretaria.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Declaro que tenho faltado ás ultimas sessões por motivo justificado. = Antonio Baptista de Sousa.

O sr. José Julio Rodrigues: - Desejava chamar a attenção do governo para um assumpto importantissimo, que interessa ás forças mais vitaes do paiz.
Recebera uma circular da casa commercial de Cunha Porto, em que se referia ás falsificações feitas nos vinhos que se exportam do nosso paiz, e leu á camara alguns periodos d'ella, para que chamou a sua attenção.
Leu tambem um telegramma publicado no Diario de noticias, de 21 de junho, cujo conteudo, a ser verdadeiro, considerava como gravissimo para o nosso paiz.
A falsificação das substancias alimentares era um facto gravissimo sobre qualquer fórma que se encarasse.
O vinho representava o elemento fundamental da nossa balança do commercio.
Os vinhos portuguezes eram considerados em França, não como potaveis, mas como materia prima.
A situação agricola do paiz era tal, que nos ultimos dez annos tinha-se importado mais de 45.000:000$000 réis de trigo.
Não era só com o vinho que se davam as falsificações, era tambem com as demais substancias alimentares, e especialmente com os productos pharmaceuticos, e que ao governo cumpria tomar as providencias para evitar que se vendam géneros alimentares falsificados, que não só prejudicam o commercio, mas deterioram a saude.
(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygrophicas.)
O sr. Ministro de Instrucção Publica (Arrojo): - Os assumptos para que o illustre deputado chamou a at-

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tenção do governo são do todo o alcance e importancia. Communicarei, tanto ao meu collega da fazenda como ao das obras publicas, as ponderosas considerações feitas por s. exa.

Permitta-me comtudo s. exa. dizer-lhe que não está nas tradições do partido, que hoje occupa as cadeiras do poder, pensar de um modo differente d'aquelle que expoz o illustre deputado.

S. exa. disse uma grande verdade. Para mim, ainda mais do que o desequilibrio orçamental, deve chamar a attenção dos homens publicos portuguezes o desequilibrio economico, e entendo que se deve empregar todas as medidas tendentes a fazer diminuir o nosso deficit de exportação, de maneira que concorram para melhorar directa mente a economia do paiz, e indirectamente as finanças publicas.

Devo tambem lembrar que, já na ultima situação regeneradora, houve uma queixa similhante, relativamente á exportação que se dizia feita de vinhos portuguezes fuchsinados. N'essa occasião parece-me que occupava a pasta da fazenda o sr. Hintze Ribeiro, e recorda-me de que s. exa. empregou então os meios mais adequados, e que me parece foram efficazes, para obstar á exportação de qualquer materia que, não sendo genuinamente vinho, como tal se fizesse exportar. (Apoiados.)

Isto prova a attencão que ao governo deve merecer o assumpto sobre que o illustre deputado fallou; como sempre, com completo conhecimento de causa; e eu não me esquecerei de novamente chamar a attenção do meu collega da fazenda para a exportação do vinhos para alguns dos portos da França.

O sr. Laranjo: - Mando para a mesa duas represen tacões: uma, da camara municipal de Braga, o outra da camara municipal do Villa Nova de Famalicão, contra a proposta do imposto addicional de 6 por cento.

Esta questão vem breve á camara e por isso não me alargo em considerações. Comtudo, sempre direi que, ainda o anno passado, todos nós vimos constantemente os deputados da opposição, que suo hoje ministros, pedirem mais protecção para a agricultura portugucza, (Apoiados.) pois que, a que existia era insufficiente, e hoje no ssu relatorio o sr. ministro da fazenda diz que é preciso que a agricultura restitua ao paiz aquillo que por algumas leis do anno passado nós lhe demos. (Apoiados.)

Não decorreu ainda o tempo sufficicnte para que a agricultura podesse levantar-se do estado a que ella estava reduzida, e o sr. José Julio Rodrigues acaba de dizer que e miseravel e desgraçado o estado da agricultura do paiz. (Apoiados.) A propriedade tem decrescido de valor, e está collectada nas matrizes por um valor muito superior áquelle que na realidade tem; e é nestas circumstancias que o sr. ministro da fazenda vae pedir á agricultura um imposto addicional de 6 por cento! (Apoiados.)

Não digo por agora mais nada, porque, quando essa proposta vier á camara será a occasião opportuna a discutir largamente o assumpto.

Mando as representações para a mesa, e peço a v. exa. que consulte a camara se permite que ellas sejam publicadas no Diario do governo.

As representações tiveram o destino indicado a pag. 834 d'este Diario e foi auctorisada a sua publicação no Diario do Goverro.

O sr. Abilio Lobo: - Mando para a mesa uma representação, mas como esta representação tem uma historia, vou contal-a a v. exa. e á camara.

Ha cerca de quinze dias recebi uma commissão de professores e professoras do concelho de Torres Novas (circulo escolar de Santarem), que me vieram pedir para ou entregar á camara esta representação, em que solicitam augmento de vencimento e para que ella fosse publicada no Diario do governo.

Eu disse-lhes então, que, nem o governo, nem esta camara, por causa de largos desperdicios da situação progressista, e com isto respondo ao meu amigo o sr. Frederico Laranjo. podiam aggravar o orçamento com mais despezas, mas que, em todo o caso, se tinham confiança em mim, deixassem essa representnção nas minhas mãos, que eu, quando julgasse momento opportuuo, a apresentaria.

O momento opportuno reputo-o eu hoje e vou dizer á camara a rasão.
Na sessão passada, quando eu já não estava na camara, porque um incommodo de saude me obrigou a sair mais cedo, apresentou o meu collega o sr. Vieira de Andrade uma proposta, pedindo que se désse um subsidio, por um anno, ao theatro de S. João do Porto.

V. exa. comprehende que desde o momento em que a, camara entrasse n'esta prodigalidade do despezas para luxos de civilisação, eu entendia que os meus requerentes, assim como os professores de instrucção primaria do Porto, que já apresentaram uma representação a esta casa, representação que tenho a certeza o sr. Vieira de Andrade protegerá quanto poder, como eu hei de proteger a minha, digo, desde esse momento entendi ser esta a occasião de lembrar ao parlamento quão mal retribuidos andam aquelles funccionarios do estado.

Se a camara quizcr entrar no caminho de aggravar o orçamento do estado com o subsidio para o theatro de S. João, eu não me opponho, nem, tendo eu má vontade contra o Porto, nada me importa que o Porto ouça a Traviata e a Carmen á custa do contribuinte; mas v. exa. comprehende o estado angustioso em que se encontra o thesouro, cuja responsabilidade não é nossa, mas d'estes cavalheiros.

O sr. Alpoim: - Isso ha de apurar-se.

O Orador: - Já se apurou e a amostra não foi das melhores.

O sr. Alpoim: - De accordo, mas para s. exas.

O Orador: - Cada um canta na festa como lhe vae n'ella. S. exa., estão satisfeitos, e eu estou satisfeitissimo. Estamos todos contentes, restando-me apenas o felicitar-me por ser a primeira vez em que conseguimos estar de accordo dentro da camara.

Eu disse que não me incommodava nada que o Porto se divertisse ouvindo cantar a Traviata e a Carmen, mas que não julgava asada a occasião para augmentar as despezas do orçamento. Repito não ter má vontade contra aquella cidade, o proval-o-ia se n'esta sessão viesse a esta casa um novo contrato a fazer com uma empreza do theatro de S. Carlos, porque então proporia a eliminação do subsidio para esse theatro e a favor do theatro de S. Carlos milita uma ordem de rasões muito differente da que milita a favor do theatro de S. João.

Uma voz: - Estamos todos de accordo.

O Orador: - Pois muito bem, estamos todos hoje de accordo e pena foi que na anterior legislatura o não estivessemos, porque assim teriamos evitado o ir aggravar a situação do contribuinte com impostos novos.

Concluindo, repito a v. exa. e á camara que, se esta entende haver no thesouro dinheiro de sobra applicavel ao theatro de S. João do Porto, lhe peço que em primeiro logar attenda aos gritos de miséria que o professorado primário ha longos annos lança em vão aos ares.

Mando para a mesa a representação e peço a v. exa. que consulto a camara sobre se ella permitte ser publicada no Diario do governo.

A representarão teve o destino indicaria a pag. 834 d'este Diario, e foi auctorisada a sua publicação no Diario do governo.

O sr. Germano de Sequeira: - Pedi a palavra para mandar para mesa uma representação.

A representação teve o destino indicado a pag. 834 deste Diario.

O sr. Manuel de Arriaga (na tribuna): - Sr. presi-

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dente, visto ter a palavra, aproveito a occasião para pedir a v. exa. que me diga se um requerimento que fiz pedindo uma certidão do ministerio do reino a respeito das ordens religiosas que se têem introduzido subrepticiamente em Portugal já foi satisfeito.

O sr. Presidente: - Eu vou mandar pedir informação á secretaria.

O Orador: - Se esto requerimento ainda não tiver sido satisfeito, peço a v. exa. que inste pela sua remessa, porque não prescindo de realisar a interpellação aununciada e num paiz centralisador como o nosso será, inexplicavel que no ministerio do reino se ignorem as associações que se têem ido a pouco e pouco introduzindo no paiz para fins contrarios, no fundo, ás instituições liberaes!

Começo por mandar para a mesa uma representação dos vendedores de tabaco por meudo; que, em uma linguagem primorosa e com uma argumentação que me parece perfeitamente justa, pedem que, ao vir a dar-se o desastre para elles de se abandonar o regimen da regie para voltar-se de novo para o monopolio, ao menos se lhes garantam umas reclamações que apresentam n'este documento e que me parecem justificadissimas, sobretudo no que respeita a uma venda ambulante que dizem vae ser permittida o em que elles ficam prejudicados.

Esta representação está escripta, como disse, em tão bellos termos que eu peço a v. exa. que ella seja publicada na folha official e n'esse sentido se consulte a camara.

Agora um outro ponto, que é um pouco mais grave, e para que eu chamo a attenção do parlamento.

Prende-se com a questão inglesa.

Quando se levantou da ultima vez um incidente a respeito da questão com a Inglaterra estava eu longe da camara, convalescendo em Bellas, prohibido pelo medico de vir aos trabalhos parlamentares.

Apesar disso, porém, acudi para poder tomar parte no debate, para cooperar quanto podesse com aquelles que tinham levantado a questão de Inglaterra, zelando os nossos direitos, e a nossa dignidade acima de tudo.

Achava-me inscripto para o uso da palavra, em seguida ao meu collega e amigo o sr. José Julio Rodrigues, e a camara tinha deliberado que se prorogasse a sessão para se resolver aquelle incidente.

Não me coube, porém, a palavra, porque se deu a materia por discutida assim que terminou aquelle deputado! Só agora posso fallar.

Fal-o-hei resumidamente, porque, como os meus collegas vêem, as condições de saude em que me encontro são ainda bem precárias. O que faço é no cumprimento do meu dever, e tanto basta para o antepor a quaesquer conveniencias.

Não podendo fallar por muito tempo condensei em considerandos escriptos grande parte de aquillo que eu poderia dizer fallando. Entro pois na materia.

Srs. deputados, quer queiramos quer não, o paiz está debaixo de uma pressão grande que o incommoda.

A atmosphera que nos circunda não agrada. N'esta casa do parlamento e na outra esta pressão denuncia-se por uns ou outros relampagos, por uma ou outra trovoada momentanea, quando o governo é interpellado sobre a marcha que vão levando as nossas relações com a Inglaterra.

A descarga final, porém, não chegou ainda, e qualquer que ella seja, quaesquer que sejam as consequencias favoraveis e nefastas que lance sobre esta infeliz patria, é preciso que estejam todos firmes no seu posto de honra, solidários em salvar, acima de tudo, repito, a honra e altivez da nação portugueza, e preparados para arcar e vencer os acontecimentos com serenidade, resolução e firmeza.

Qual deve ser o nosso pára-raios quando se desencadear a tempestade verdadeira?
Qual será o instrumento seguro, com que possamos aparar o golpe, dominar e dirigir essa descarga electrica e ficarmos tranquillos?

Por ora se o não vejo completam ente definido, vejo comtudo elementes para lá chegarmos.

Manifestamente o pára-raios d'esta grande tempestade não póde deixar de ter no seu cume o nosso direito claro, nitido e brilhante como o aço mais puro, e, como conductor a nossa vontade unida na mais estreita solidariedade. Unâmo-nos, pois, sem discrepancia de partidos nem de pessoas.

Sejamos precavidos contra os acontecimentos; não confiemos no inimigo que, preparando de antemão a embuscada para onde nos impelle, suppõe intimidar-nos com perigos, em parte imaginarios, para alcançar novas concessões, concessões, que apoz o ultimatum de 11 de janeiro, carecem de maduro exame, indomável solicitude e salutar desconfiança...

O parlamento tem observado de certo a reserva, quasi teimosa, com que não tenho querido entrar por ora nesta questão; e tendo eu uma origem tão genuinamente popular, pelo mandato que me deu ingresso n'esta casa, e andando a voz do povo desde D. João II para cá em reclamações justificadas contra a astuta e prepotente Gran-Bretanha, aggravada a situação como ella só acha agora, esta voz havia de ser altiloqua e poderosa j mas as circumstancias especiaes em que nos encontrámos, obrigam-nos a que no uso da palavra tenhamos a maxima moderação, não, porque não desejássemos ou não devessemos ter linguagem altiva e severa contra o nosso inimigo secular, o inglez; mas porque contra uma nação poderosa e inimiga as nossas palavras devem ser medidas para não destoarem das nossas obras. O silencio dos fracos póde ser muitas vezes mais eloquente do que a ameaça dos fortes...

Se estivessemos preparados contra ella, a minha linguagem seria então outra. Infelizmente não o estamos! O que resta pois fazer? É o que desejo manifestar em parte naa propostas que vou mandar para a mesa.

O sr. Hintze Ribeiro assumiu aos meus olhos uma responsabilidade excepcionalmente perigosa para elle e para o paiz na attitude que tornou em face da Inglaterra.

Não a discuto agora, desde que s. exa., isolando-se da corrente da opinião, por uma inexplicavel confiança no actual governo inglez, chamou sobre si toda a responsabilidade das novas transacções e se obrigou a vir dar contas d'ellas ao parlamento na primeira joccasião opportuna...

Oxalá que aquella cega confiança no governo inglez encontre neste alguma compensação... Reverteria de certo em gloria para s. exa. e em beneficio para o paiz, mas este, instruido nas duras e amargas lições do passado, vê com sobresalto e com instinctiva reserva o caminho em que s. exa. entrou!...

Quando ouvi s. exa. fallar, como se fosse um convicto, no bom exito da sua arriscada empreza, guardei-me no silencio, para que a responsabilidade da liquidação do conflicto, qualquer que ella seja, não viesse de leve cair sobre mim como representante do povo.

Via no emtanto passar no meu espirito essas luctas seculares, que a nação mantem com a Inglaterra para defender-se; via as insolencias, as grosserias, as ingratidões com que dentro e fóra do parlamento inglez e, até nos conselhos da corôa, nós temos sido ali aggredidos, humilhados e opprimidos; passavam-me pela mente os vestigios verdadeiramente assoladores para a nossa dignidade, para o nosso direito, para a nossa navegação, commercio, agricultura e industria, que têem sempre deixado os nossos tratados com aquella ambiciosa nação, ruborisava-me mais uma vez a face aquelle projecto verdadeiramente insolente, affrontoso, da dignidade e soberania de nação, do autipathico tratado de Lourenço Marques, que oxalá, srs. deputados, não resurja agora, astuta e ultrajosamente como fecho de tamanhas injurias!

Vendo a cega confiança do ministro na politica ingleza, o seu contentamento e orgulho em ter entabolado negociações com a auctora do ultimatum de 11 de janeiro, não podia evitar que me passasse pelo pensamento a serie quasi

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interminavel do tratados celebrados com aquella nação, designadamente do tempo de Cromwell para cá, esses vergonhosissimos tratados de 1642, de Methuen, em 1703, o de 1810, e o de Goa em 1878, em cuja serie que o de Lourenço Marques seria como o fecho culminante do um monumento de ignominia nacional!

Vi já pala experiencia da minha vida de advogado num recurso de revista interposto da relação de Nova Goa para o supremo tribunal, cujo mandato me foi conferido, o que significa para nós aquelle tratado espoliador!...

Sem o menor escrupulo pelos nossos brios de nação independente, quasi que confessâmos n'aquelle vergonhoso documento a nossa incompetencia para nos administrarmos, e até armâmos de direitos a outra parte contratante para que nos venha aniquilar nos nossos proprios dominios as nossas proprias industrias, designadamente a do sal, tornando-a arbitra do modo por que será fabricado, dando-lhe poderes para ella até eliminar as salinas que não lhe convenham, obrigando-nos a receber em troca uma indemnisação que quando não agrade á outra parte contratante no quantitativo, ainda seremos nós, que pagaremos a differença a mais, como verifiquei no tal processo!

Uma vergonha, srs. deputados, que á custa de quaesquer sacrificios materiaes, deve ser expungida da nossa legislação, e por isso, como vereis mais abaixo, eu reclamo a denuncia d'este tratado ignominioso para o caso de continuarmos a ser humilhados, explorados e escarnecidos pela denominada fiel alliada.

Emquanto ao tratado de Lourenço Marques, só desejaria que o illustre ministro socegasse o meu esqirito, e o do muita gente amante e dedicada ao seu paiz, declarando-nos peremptoriamente que o punha fóra do campo das transacções em que s. exa. se entrincheirou, porque é preciso que n'esta difficilima coujunctura, a honra nacional fique tão alta, que não a attinja a mais pequena mancha; e seria hoje para nós uma nodoa, que a nação não acceitaria impunemente, a renovação, sob quaesquer apparencias, d'aquelle tratado condemnado eloquentemente pela voz unanime da opinião publica.

Creio mesmo, sr. presidente, que se d'aquelle lado da camara não nos assiste o direito de interrogar o illustre ministro sobre a marcha das negociações por elle entaboladas com a Inglaterra, e eu partilho d'esta opinião desde que o governo entrou n'esse caminho, sou tambem de parecer que s. exa. lucrava muito e socegaria a inquietação da opinião publica, se nos declarasse que nem renovaria o tratado de Lourenço Marques, nem sacrificaria os nossos indiscutiveis direitos á navegação do Zambeze e do Chire.

Postos fóra do combate estes pontos capitaes, em que o nosso direito é tão claro e definido, como é insaciavel e pertinaz a ambição da Inglaterra em despojar-nos d'elle, o parlamento deveria então manter as maximas reservas e deixar o ministro entregue ás suas locubrações diplomaticas até á solução que elle espera favoravel do conflicto aberto com o ultimatum de 11 de janeiro!

Não só não desejo embaraçar de levo esta espinhosa tarefa do illustre ministro, mas antes pelo contrario, tendo a satisfação de representar em cortes o povo da capital, e julgando ser o interpetre fiel do pensar e sentir da maioria da nação, tenho a honra de enviar para a mesa uma serie de propostas que miram a dar força ao governo na conjunctura difficil que atravessa, o abrir caminho a trabalhos futuros que nos garantam contra a má vontade e a prepotencia de estranhos.

Eis as minhas propostas:

«Os eleitos do povo, representantes da nação em cortes, reconhecendo a necessidade imperiosa de manifestarem ao governo na presente legislatura, perante o conflicto com a Inglaterra, a sua inabalavel deliberação em manter intemerata a honra e a integridade da patria sob a mais stricta e firme solidariedade, e de se precaverem contra eventualidades futuras, deliberam convidar o governo a adoptar as medidas que abaixo seguem, para o caso das transacções com aquella nação, encetadas pelo actual governo, não darem o resultado que seria para desejar, e tudo isto sem prejuizo do recurso ás nações signatarias do tratado de Berlim:

«1.° Denunciar os tratados com a Inglaterra que estejam no caso do o ser, e acabar do vez com todos os favores singulares que lhe têem sido concedidos nas nossas pautas, a cuja sombra se enriquecera e nos depauperára.

«2.° Enviar, entre outros, aos governos de Hespanha, França, Estados Unidos, tanto da America do norte como do Brazil, missões diplomaticas especiaes para sondar a opinião d'aquelles governos e firmar com elles os pactos de alliança que as circumstancias reclamem.

«3.° Estender a todos os cidadãos validos até aos quarenta e cinco annos a instrucção e a obrigação do serviço militar, organisando as nossas forças defensivas, tanto quanto seja possivel, pelo systema adoptado na Suissa, com o duplo fim de manter em solidas bases a defeza da patria o de alliviar a esta das despezas extraordinarias e inefficazes de um exercito permanente.

«4.° Envidar os seus esforços para a substituição da libra esterlina no paiz por moeda de oiro portugueza, por ser aquelle abuso affrontoso da nossa soberania e dignidade, o offensivo dos nossos interesses.

«5.° Nomear uma commissão parlamentar com a faculdade de aggregar a si uma sub-commissão auxiliar composta de homens de notoria competencia, a fim de estudar as actuaes condições do nosso imperio colonial, designadamente noa pontos em litigio com a Inglaterra, e que suscitam duvidas ou reservas para com outras nações, com o duplo fim: 1.°, de verificar quaes são os dominios em que, tanto pela descoberta ou conquista, como pela posso effectiva, exercemos n'elles soberania, e em que o nosso direito é indiscutivel; 2.°, quaes aquelles em que, havendo a prioridade de dominio e da posse, embora interruptos, temos ainda a nosso favor as tradições e o prestigio da nossa bandeira, e sobre os quaes, não havendo reclamações fundamentadas das outras potencias, possam elles servir de base a quaesquer operações futuras tendentes a melhorar, defender e assegurar o nosso vasto dominio ultramarino.

«A commissão parlamentar serão dados todos os poderes não só para consultar os nossos archivos e secretarias distado, como para proceder a quaesquer outras diligencias necessarias ao fim para que é nomeada, e ser-lhe-hão fornecidos os recursos pecuniarios indispensaveis, abrindo-se no orçamento uma verba adequada, de que o governo dará conta á camara.

«A referida commissão apresentará na proxima legislatura o relatorio dos seus trabalhos para servir de base a quaesquer projectos sobre a nossa reforma ultramarina.

«6.° Proceder a um inquerito parlamentar sobre o modo por que têem sido applicadas as verbas destinadas á defeza nacional, e as condições reaes e effectivas em que esta se encontra, devendo emittir parecer a tempo de ser discutida na proxima legislatura em sessões secretas ou publicas, conforme as circumstancins o reclamarem.

«7.° A convocação de umas camaras constituintes com o duplo fim de se alargarem as liberdades publicas, hoje cerceadas pelos decretos da dicladura, e pôr-se por esta fórma a constituição do estado em harmonia com o modo de pensar e sentir da maioria da nação, e de se adoptarem quaesquer medidas extraordinarias para a consolidação do nosso imperio colonial. = O deputado por Lisboa, Manuel de Arriaga.»

Como a camara vê dag minhas propostas, não só não trato de perturbar as transacções em que o governo portuguez julgou dever entrar com o governo da Gran-Bretanha, mas, pelo contrario, pretendo dar-lhe força com resoluções parlamentares, que, sendo tomadas por unanimi-

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dade de votos e com o proposito firme de serem mantidas, podem fazer algum peso no governo de um povo que, orgulhoso do seu poderio e do bom exito que tem até hoje tirado da supremacia da sua astucia e da sua força, está pouco disposto a attender a meras questões de direito e a glorias transactas de um rival que lhe serviu de escada para as cumiadas da gloria em que hoje está, glorias que aos seus olhos apenas attestam a nossa incompetencia e inferioridade como nação!...

A quem emprega como argumento supremo a occupação e o artilhamento de Gibraltar, esse espinho que, cravado no orgulho e altivez da Hespanha, sangra cada vez mais no coração de todo o peninsular, a quem, no findar d'este seculo, faz chover sobre a velha e gloriosa Alexandria o fogo e as balas dos seus enormes couraçados para melhor a submetter á insaciabilidade da sua politica rapace: não deve uma nação, fraca e abatida como a nossa, limitar-se a enviar notas diplomaticas ou a supplicar favores, ou a pactuar concessões que a adversaria bem sabe poder mais facilmente alcançar pela força!...

É preciso que o fraco em sen desforço sangre o forte no ponto onde elle é mais vulneravel, e nenhum ha para aquelle povo, infinitamente ambicioso e substancialmente commercial e mercantil, como o do interesse; e se attendermos ás lições da historia, ás confissões insuspeitas dos proprios interessados; nenhuma nação pode ainda hoje atacar mais fundamente os interesses inglezes como a nossa, que lhes serviu de base e esteio ao inicio da sua descommunal grandeza de hoje!

Saibamos medir bem as nossas forcas, as dependencias reciprocas dos dois povos, de ha muito inimigos irreconciliaveis, mas que as apparencias e os interesses dynasticos apresentam como amigos fieis e alliados: e grande parte da nossa tibieza desapparecerá; e quanto mais subirmos na vontade e na coragem, quanto mais nos mantivermos firmes e unanimes nas nossas deliberações, tanto mais consideração e respeito mereceremos ao nosso proprio contradictor.

A quem acima de tudo attende á voz convincente do oiro, é bom offerecer argumentos, em que ao lado do nosso direito indiscutivel entre aquelle elemento poderoso, e talvez só então começaremos a ser attendidos...

É necessario fazer sentir pela nossa parte tambem alguma cousa mais forte do que o direito, e esse poder forte para a Inglaterra do que a justiça tenham os illustres deputados a certeza de que estaria em o governo portuguez entrar em transacções com qualquer outra nação estrangeira, para o caso de não ser attendida a reclamação justissima que está pendente; na denuncia ao mesmo tempo dos tratados com aquella nação, que só têem servido para a engrandecer e elevar a ella, e depauperar-nos e depremir-nos a nós.

Como os srs. deputados vêem eu não prescindo nas minhas propostas do recurso ás potencias signatarias do acto de Berlim.

A tal respeito tenho a minha opinião firmada desde o principio do conflicto n'um documento publico, num manifesto que dirigi ao paiz, quando protestei contra os actos de violencia, de que fui uma das victimas, com que este governo iniciou a sua anti-patriotica e liberticida dictadura.

Era então e é ainda hoje a minha convicção de que jamais encontraremos circumstancias mais propicias para, pela força das circumstancias e pela do nosso direito, alcançarmos de Inglaterra uma justa reparação da affronta que nos fez.

Sendo aquella rival prudente, cautelosa e astuta nos seus processos diplomaticos, desviou-se d'elles com o ultimatum de 11 de janeiro, e, precipitando se, deu um passo em falso que foi alvo da censura de todas as nações civilisadas.

Desarmada de qualquer argumento solido contra nos, como está a Inglaterra, e tendo nos do nosso lado, alem do nosso direito, as sympathias que inspira sempre a causa do opprimido, e sendo por outro lado manifesto que as nações signatarias do tratado, ao menos ha sua maioria, feridas tambem nos seus interesses pela ambição illimitada da Gran-Bretanha, eram solidarias comnosco em salvar a causa da justiça, do ultrage da força: não me parecia improvavel o bom exito do recurso áquellas potencias, antes se me afigurava que todas de bom grado cooperariam para que, sem quebra do orgulho da offensora, esta nos desse a satisfação a que temos jus e de que carecemos.

Mas deixemos este ponto para occasião mais opportuna e tratemos da primeira proposta que tive a honra de ler: a denuncia dos tratados com a Inglaterra e o termo definitivo dos privilegios que lhe temos concedido nas nossas pautas.

Srs. deputados, já que andâmos tão esquecidos da historia patria, e infelizmente tão pouca confiança temos nos nossos proprios recursos, será bom ouvir a opinião insuspeita que na Inglaterra se faz das dependencias em que esta nação está para comnosco, e da maneira verdadeiramente unica na historia dos povos, porque deixámos crear dentro do nosso organismo esse monstro que tem sugado toda a substancia, toda a energia e quasi que toda a vida moral d'esta nação, fadada pela natureza a ser das primeiras do universo!

Perscrutando bem esta sombria e vergonhosa historia dos nossos tratados com Inglaterra, quasi que comprehendemos. a justeza d'estas palavras do nosso primeiro estadista e benemerito patriota, o marquez de Pombal, quando com sobranceria tão invejavel quão justificada, dizia aquella prepotente nação: Muito melhor podemos nos passar sem vos, do que vos podeis passar sem nos; uma só lei pode transtornar vosso imperio.

Permitta-me o parlamento que eu, remontando mais atraz, lhe leia o trecho de um discurso que em 1709, se bem me recordo, o commandante das forças britannicas no Tejo e embaixador da Rainha Anna, lord Gallaway, dirigia ao Rei D. João V, na presença de toda a sua côrte.

N'este discurso se define a indole da politica ingleza e a idéa que ali se faz dos povos aonde abundara as riquezas materiaes que segundo elles são pela Providencia destinadas á industria dos outros que as não têem, e ameaçados até quando não se submettem aos seus processos de exploração!...

No principio do reinado d'este principe deram-se em Portugal alguns casos escandalosos de contrabando em que estavam implicados os inglezes, levantando-se contra elles grande clamor publico pela brandura e protecção com que eram tratados.

Era sabido que os navios de guerra inglezes, abusando dos privilegios com que foram sempre recebidos nos nossos portos, nos levavam todos os metaes preciosos e pedrarias que nos vinham dos nossos vastos dominios ultramarinos, e estão na memoria do todos as eloquentes notas que a tal respeito o grande marquez dirigira mais tarde aquella nação.

Só porque o novo Rei, impellido pelo clamor da opinião, quiz obstar áquelles abusos, o altivo embaixador aventurou-se a dizer-lhe publica e solemnemente as seguintes palavras:

«São diminutos todos os elogios que se teçam a Vossa Magestade pelo desvelo e attenção que sempre mostrou em os negocios do seu governo e os esforços que ultimamente empregou a fim de collocar o commercio e industria de seus estados em solidos fundamentos, é uma nova prova daquellas virtudes e talentos que o chamaram a cingir a corôa. Mas consinta Vossa Magestade que eu observe que ha um liei ainda maior, um Soberano pelo qual reinam todas as monarchias e cuja Providencia está acima de todas as obras dos homens: conforme a distribuição de seus beneficios, pertencem as riquezas a algumas nações, e a industria a outras; e por estes meios se torna igual para todos o liberalidade do céu. Ineficazes, senhor, são todos os conselhos humanos, vãs todas as suas fadigas, até mesmo o poder soberano, quando se oppõe á sua sabedoria, e se

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dirigem a countrariar a sua vontade. Vedastes que o oiro fosse exportado do vossos dominios, e de boamente fortalecestes essas medidas prohibitivas, porém isto é impraticavel. Podeis cohibir e refrear vossos subditos, mas nunca vos será possivel pôr balizas ás suas necessidades. Admittamos por um momento que o conseguisseis, supponhamos que aniquilaveis a industria da nação ingleza, quaes seriam as consequencias de similhante systema? Esta multidão innumeravel de lavradores e fabricantes inglezes, que tranquilla e socegadamente trabalham no seu paiz para vestir e alimentar vossos subditos, se tornariam soldados, e em vez de enviarem a Lisboa o producto das suas fadigas, ouvirieis que iam ao Brazil buscar muito mais oiro do que actualmente levam de vossos dominios!!!»

Na opinião insuspeita do embaixador inglez só a prohibição da exportação do nosso oiro para Inglaterra importaria o aniquilamento da industria d'aquella nação, e perturbaria a vida tranquilla e socegada de uma multidão innumeravel de lavradores e fabricantes que trabalham no seu pais para vestir e alimentar a nação portugueza!!!...

Ponhamos de parte as bravatas com que já então nos ameaçava, o que denota tactica velha infelizmente contra nos muitas vezes usada, pelo bom exito que dá, e acceitemos a confissão da enorme dependencia em que o commercio, a industria e a agricultura da Gran-Bretanha estão d'este pequeno e humilhado paiz. Tanto nos basta.

Mas ha mais.

Em 1713, tratando-se do nunca assas celebrado tratado de Methuen, que acarretou comsigo a ruina das nossas industrias de lanificios para engrandecer e levar ao maximo esplendor a industria ingleza, n'uma carta escripta por uma assembléa de negociantes em Exeter consignam-se as seguintes declarações: Nós agora claramente vemos que perseverar intacto o nosso commercio de pannos em Portugal é, note-se bem, ter seguro o nosso alimento e que a infracção d'aquelle tratado seria a nossa ruina, porque com grande custo circula entre nos outra moeda que não seja a que foi feita com o oiro portuguez.»

O partido enorme, e de certo não previsto pelos nossos ignorantes e abatidos governos de então, que a Gran-Bretenha tirou da reducção dos nossos direitos pautaes, foi tão extraordinario, que n'um debate na camara dos communs, em junho de 1830, Robinson consignou mais esta declaração, para que chamo ainda a attencão do parlamento: diz elle que a colonia da Terra Nova existia em consequencia dos direitos diminutos com que o bacalhau, noto-se bem esta expressão, que era propriedade britannica se introduzia em Portugal, e que se os ministros inglezes não tivessem aptidão sufficiente quando o tratado fosse revisto (o de 1810), de segurarem as mesmas vantagens para a sua introducção, aquella colonia infallivelmente se perderia.

Se perderia!... Notem os srs. deputados o valor d'estas palavras!

Querem os srs. deputados saber o que representava n'aquella epocha só este ramo de commercio o industria ingleza mantido quasi exclusivamente á nossa custa?!

Só no commercio do bacalhau a Inglaterra empregava comnosco duzentos navios, que transportaram para Portugal desde 1796 a 1816 o valor approximado de 4.893:918 quintaes de bacalhau, segundo os calculos de um livro de nominado: Memoria historica ácerca da perfida e traiçoeira amisade inglesa, que se publicou em Portugal em 1840 e offerecido ao grande Manuel da Silva Passos.

Se d'este ramo de commercio passarmos a qualquer outro com especialidade á exportação, que por todos os meios licitos e illicitos, deixámos que a Inglaterra obtivesse do nosso oiro, prata e pedrarias, e a que mais abaixo me referirei, então o nosso espanto chegará até ao assombro e comprehender-se-hão melhor as energicas e amargas palavras imputadas ao nosso immortal estadista, quando dizia: «Ha cincoenta annos a esta parte, tendes tirado de Portugal 1:500 milhões, somma enorme, e tal, que a historia não aponta igual com que uma só nação tenha enriquecido outra. O modo de haver este thesouro vos tem sido mais favoravel ainda que os mesmos thesouros, por que é por meio das artes que a Inglaterra se tem tornado senhora das nossas riquezas e nos despoja regularmente do seu producto; alguns mezes depois que a frota do Brazil chega, já de lá não ha uma só moeda de oiro em Portugal, grande utilidade para a Inglaterra, porque continuamente augmenta sua riqueza numeraria e a prova é que a maior parte de seus pagamentos do banco se fazem com o nosso oiro por effeito da nossa estupidez, de que não ha exemplo em toda a historia universal do mundo economico.»

Credulissima verdade que se reflete ainda hoje nos acontecimentos que todos lamentâmos!

Podia citar grande numero de factos e de opiniões insuspeitas dos proprios inglezes, e que trago aqui transcritos, se o meu estado de saude mo permittisse, e se se tornasse ainda necessario para vos convencer de que os interesses britannicos, estreita e secularmente presos á nossa infeliz patria, são de tal ordem poderosos, que está em grande parte na nossa mão cerceal-os e extinguil-os, tratando com uma nação que só trata de interesses caseiros, do antepor estes aos interesses sagrados do direito e da humanidade. Em taes condições assiste-nos o dever e o direito de tratarmos com Inglaterra com certa segurança e altivez que destoam de certo das preoccupações e receios e dos primores demasiados de cortesania com que o illustre ministro dos negocios estrangeiros se refere n'esta casa do parlamento aquella nação inimiga!

Não acceita de certo s. exa. os meus conselhos, nem me atrevo a dar-lh'os; mas fazendo justiça á rectidão das suas intenções e aos seus bons desejos em desforçar-nos do ultrage de 11 de janeiro, permitta-me a ousadia de assegurar-lhe que, sem descrepancia talvez de um voto, a nação inteira, que n'esta desastrosa pendencia deseja salvar acima de tudo o seu brio, a sua honra, a sua proverbial dignidade, ficaria assas satisfeita, quaesquer que fossem as consequencias, se nas notas diplomaticas trocadas com a nação ultrajante, s. exa. tomasse por norma, já não direi a linguagem conscia do direito, da força e da altivez innata do povo lusitano que empregou o conde de Oeiras, mais tarde marquez de Pombal, porque infelizmente as circumstancias de hoje as não auctorisam, mas d'aquella firmeza de dever, susceptibilidade de sentir, e promptidão de replica no desforço dos direitos e da honra nacionaes, que nos conflictos com Inglaterra deixaram esses saudosos patriotas que se chamaram marquez de Sá da Bandeira e barão da Ribeira de Sabrosa.

Quando em 1838 fomos cobertos das maiores injurias e diflamações no proprio parlamento inglez e por um ministro da coroa, lord Palmerston, por causa dos negocios da escravatura, e á sombra dellas se approvou na camara dos communs um bill que implicava com as nossas delicadezas de nação culta e livre, o então visconde de Sá da Bandeira, a espada gloriosa cujo brilho era como o espelho da sua consciencia immaculada, o cujo coração de oiro fora todo votado á sorte dos escravos, cujo livramento conseguiu, esse caracter altivo e severo, a que muito me honro de me prenderem vinculos de parentesco, repellindo uma a uma as ameaças, falsidades o injurias que o ministro da minha ingleza se pennittiu dirigir-nos, usa dos seguintes termos que são dignos de ficar n'esta crise, mais uma vez consignados nos annaes parlamentares.

«Pondo porém de parto as apparentes rasões em que o governo britannico quiz fundar o seu supposto direito de exigir pela força o que sem justo motivo se queixa de não ter obtido amigavelmente, cumpre observar que não podia por certo ser opportuna conjunctura para se fazerem taes insinuações, aquella em que se estava, a ponto de se con-

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cluir esse mesmo tratado pretendido pela Gran-Bretanha.

«Ellas deviam fazer suspender a sua assignatura; pois é mais decoroso a uma nação soffrer com resignação e coragem as injustiças e violencias que outra mais poderosa lhe possa fazer, do que aceder depois de ameaçada, a pactos que posto venham a celebrar-se expontaneamente, sempre têem em tal caso a desairosa macula de parecerem extorquidos pelo medo.»

Ainda sobre o mesmo uonflicto e porque se lhe seguisse na gerencia da pasta dos negocios estrangeiros, o sempre chorado barão da Ribeira de Sabrosa, n'uma notavel nota diplomatica em que desfaz rude e renhidamente toda a rede das intrigas o calumnias que vomitara contra nós a Inglaterra para fins meramente interesseiros sob a bandeira humanitaria da extincção da escravatura, se encontram estas nobilissimas palavras que servem ainda hoje de refugio a espiritos altivos e tristes como o meu, ao sentirem-se impotentes contra o estrangeiro que tenta infammemente ultrajar-nos!...

Repellindo com imprescindivel energia a audacia com que a Gran-Bretanha lhe impunha mais um tratado para ser submettido e assignado pela nação de que era dignissimo ministro e secretario d'estado, enviou para Inglaterra estas memoraveis palavras:

«N'estes termos negociou o governo portuguez com s. sa. um tratado em que faz amplas concessões á Gran-Bretanha. Nos mesmos termos, esteve sempre e está ainda prompto a negociar, mas collocado pelo governo britannico entre as violencias e a deshonra, não póde ser duvidosa a sua escolha, e mais facilmente sofrerá aquellas do que sub-metter-se a considerar e subscrever como tratado, rima minuta mandada expedir pela secretaria d'estado dos negocios estrangeiros em Londres para ser em Portugal logo transcripta e assignada sem a minima alteração nem demora.»

Srs. deputados, posso afoutamente assegurar que n'estas duas respostas está condensada a alma da patria, novamente offendida.

Para quem tem perdido tantos pedaços do seu vasto imperio ultramarino, pedaços que podem converter-se mais tarde em vastos imperios independentes, arrancarem-lhe á força mais um, será de certo motivo de grande dor, mas incomparavelmente inferior á de vermos ficar sem o devido desforço a honra nacional ferida no dia 11 do janeiro!...

Não confiando nas transacções entaboladas com Inglaterra, pelos motivos que já deixei apontados e por alguns outros que as conveniencias parlamentares e politicas me obrigam a calar n'este momento, mas fazendo inteira justiça aos bons desejos que inspiram o ministro dos negocios estrangeiros, terminarei esta parte do meu discurso fazendo votos para que jamais no parlamento britannico, ou fora d'elle, se possa proferir n'aquella nação, com motivo justificado, o que em 1831 dizia a lord Grey, primeiro ministro da Gran-Bretanha, Guilherme Walton:

Diplomaticos, uns ineptos, outros vendidos contra a mesma patria que os enche de proeminencia e de toda a classe de vantagens, atraiçoando em vez de advogar seus interesses! Tal é por desgraça o destino que tem quasi sempre calido ao infeliz Portugal.

Quasi sempre, não é sempre; e agora mais do que nunca a alma da patria acordou vibrante, unisona e cheia de abnegações e sacrificios, para ainda esperar que o nobre ministro e o governo de que faz parte saberão inspirar-se n'ella, para não transigirem com a nossa honra e dignidade no mais pequeno apice!

Assim terminarei esta parte do meu discurso, mantendo a idéa da primeira proposta, a denuncia dos tratados e a extincção de todos os privilegios concedidos nas nossas pautas á nação que nos insultou e abateu pela força perante o mundo civilisado!

Emquanto á segunda proposta, a substituição da alliança ingleza pela de outras nações mais estreitamente vinculadas a nossa pela lingua, pela raça, pelos interesses reciprocos, pelo passado, e sobretudo pelo futuro: se esta idéa póde encontrar resistencia nas altas regiões do poder, não as encontra na alma sã e independente do paiz interno. Está no animo de todos este meu pensamento e creio bem que no dia em que a Inglaterra nos visse decididos a separar-nos d'ella por uma vez, abeirar-se-ia com menos arrogancia da materia em litigio, para nos dar a satisfação que nos deve!...

É preciso acabar com esta tibieza que nos enleia e nos deshonra srs. deputados, entregando nos desarmados ao inimigo!...

A Inglaterra não só carece mais de nós do que nós d'ella, na phrase do grande marquez, mas perante a Europa e America que se vão emancipando definitivamente da tutella commercial, industrial e economica que pretendeu lançar-lhes, é hoje menos forte, do que muitos a suppõem...

A Inglaterra, para quem sabe um pouco da sua historia, da historia universal, está atravessando uma crise em que necessariamente ha de ser vencida. Quando era senhora unica dos mares, mandava n'elles; quando era quasi a exclusiva exploradora do commercio da india, podia-nos dar leis; quando fornecia o fato que nós traziamos, mandava em nossa casa. Empregando o nosso oiro, substituindo pelas suas as nossas fabricas, era prodigiosa e singularmente rica.

Não é hoje porém a mesma: nem a senhora exclusiva dos mares, nem do commercio, nem da industria do mundo, como quasi chegara a sel-o!...

A França abriu os ollios a tempo, aperfeiçoou e ampliou a sua industria e commercio e derramou-os por todo o mundo; já por duas vezes chamando ao certamen do trabalho universal a Inglaterra, nas suas grandes exposições por duas vezes a venceu. Para não ficar-lhe atraz, no poderio dos mares, tem creado uma esquadra de guerra poderosa, que talvez em breve exceda em qualidade e força a da sua rival.

A Italia vae pelo mesmo caminho. A Allemanha, poderosa e vencedora, indo uma marcha singularmente ascendente, apparece-lhe de frente para lhe tomar o passo na Africa. A America, opprimida outr'ora pela Inglaterra, está de ha muito preparada para tirar-lhe a desforra. Os mares já não são propriedade sua, mas do mundo inteiro. Basta já hoje a coalisão de tres esquadras.: a italiana, a hespanhola e a franceza, para lhe dar cheque.

O desmantelamento do imperio quasi omnipotente da Inglaterra dependeria hoje do aniquilamento das suas esquadras. Não póde contar com a America, nem com a Europa; pouco póde contar já hoje com a India!...

Ella, como que presente este terrivel ajuste de contas que o mundo inteiro, por ella até agora explorado, lhe póde pedir, e quasi se comprehende como, fugindo-lhe o mundo civilisado, lança, em ultimo recurso, os seus olhos avidos sobre a Africa, n'uma empreza audaz em que os fracos como nós serão as primeiras victimas.

Luctar com ella sosinho é de todo impossivel. A colligação da Inglaterra com a Allemanha, na partilha da Africa, torna-nos completamente impotentes.

A politica ingleza contra nós não vem de hoje, vem de longa data. Salisbury, ainda mesmo que quizesse resistir á corrente da opinião, seria vencido por ella, e a Inglaterra oppõe-se fatalmente a restituir o que é nosso. Esta é que é a dura verdade, e é sob esta luz sinistra que devemos apreciar os acontecimentos.

Pedir a responsabilidade d'esta situação difficilima, exclusivamente aos actuaes ministros, seria manifesto absurdo e iniquidade. Estende-se ao ministerio transacto, e a outros muitos estende-se a todo o paiz que tem permittido esta actual ordem de cousas; recáe principalmente nas instituições periclitantes que imaginam salvar-se buscando o apoio de quem, seguindo as tradições, as ha de abandonar
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na hora do perigo, se os seus interesses assim o reclamarem.

Procuremos, pois, novas allianças, n'aquelles que são solidarios comnosco em desforçar os seus direitos, em desaggravar a sua honra, e n'este sentido a França, a Hespanha e os Estados Unidos da America talvez nos julguem auxilio mais valioso de que nos mesmos o imaginamos!...

Tentemos pois novo rumo, senhores, nas nossas relações diplomaticas, que nada temos a perder em abandonar uma famosa alliada que só nos tem deixado a ruina e a deshonra!...

Não nos esqueçamos da grande familia brazileira, que hoje sob uma nova fórma de governo rejuvenescida, transformada e triumphante, se lhes soubermos captar as sympathias e unir-nos estrictamente ao seu futuro ridente, nos pode prestar relevantissimos serviços moraes, economicos e financeiros, alem de outros, se a desforra indeclinavel da nossa honra nos obrigar a cortar definitivamente as nossas relações com a Inglaterra.

Tentemos ao menos este caminho indicado na minha proposta. Fazendo-o, daremos signaes positivos da vitalidade, da energia e da coragem, que existem, em nos latentes, e explusem nas crises diffieis, como nos dias 11 de janeiro e seguintes e honremos a nação, desviando-a do rumo sinistro que até hoje nos tem sido imposto!...

Tal é o pensamento da minha proposta, sobre a qual nada mais direi, entregando o que propositadamente calo á consciencia de cada um...

Emquanto á terceira proposta, para que abandonemos a actual organisação do nosso exercito e nos constituamos militarmente á similhança da pequena mas poderosa e sympathica Suissa, creio bem que esta medida estará no animo de todos os patriotas que se não preoccupam com os interesses dynasticos, e antes lhes antepõem outros mais duradouros e sagrados: os da patria.

Só desejaria, para convencer os meus contradictores, que estes podessem ver com os seus proprios olhos como eu vi, aquella formidavel e sympathica organisação de defeza nacional, onde todo o cidadão valido é solidario com o seu paiz na defeza d'elle e sua; onde não se delega n'uma classe, por mais valiosa e illustrada que seja, a defeza do que temos mais nobre e sagrado na vida, a honra e a patria!

Srs. deputados, eu só queria, para dispertar a somnolencia d'este paiz, poder fazel-o assistir ás grandes festas de tiro nacional na Suissa, a todos aquelles jogos e exercicios militares, onde vibra commovente e brilhante um quid supremus, o amor e a independencia da sua patria, e a certeza consoladora de quanto ella é bem amada e bem servida!

Faz gosto ver, e grande ensinamento a nos mais do que a qualquer outro povo! Como se é forte, sendo-se pequeno, como se tem vida segura e tranquilla, no meio de vizinhos poderosos, quando se é conscio do seu direito e do accordo e unanimidade de todos em fazel-o valer e vingar!

No desalento em que me lança a triste realidade da minha infeliz e nobre patria, posso sinceramente dizer que foram uns dos dias mais felizes da minha vida aquelles em que vi com os meus olhos como é grande o povo que sabe comprehender, servir e honrar a liberdade e a democracia!...

Devo á Suissa estes bellos dias da minha vida, e se todos podessem partilhar d'estes sentimentos, não esperaria de certo a minha proposta a reserva e a opposição que de certo vae encontrar nos membros mais influentes d'essa casa!

Lanço-a á discussão, mais como um protesto e signal do meu sentir e dos recursos que entendo se devem adoptar, e nada mais direi para não cansar a camara...

Emquanto á proposta, para que se acabe com o curso privilegiado, quasi forçado que a libra esterlina tem no nosso paiz, representa ella um como protesto tambem da soberania e altivez da nação portugueza contra a introducção e o predominio da politica ingleza nos nossos negocios caseiros!...

O estrangeiro que vir circular como moeda de oiro corrente, e quasi exclusiva, em todas as nossas transacções a libra ingleza, ha de imaginar que se encontra numa das colonias da Gran-Bretanha!

A soberania de um povo denuncia-se tambem no cunho que imprime ao seu dinheiro.

Em parte alguma do mundo onde tenho viajado encontrei esta eliminação da moeda nacional, que com vergonha e pesar meu se nota no nosso paiz!...

Todos os povos independentes têem até certo orgulho em estampar no oiro e prata que circulam nos seus dominios as insignias das suas bandeiras, como signal e garantia do seu valor e do seu credito.

Se n'aquelles estados circula entre outras moedas estrangeiras, a libra esterlina, que é sempre bem recebida em toda a parte, não vae ella tomar o logar á moeda nacional como entre nos succede, antes está sujeita como as outras ao respectivo cambio.

Expunjâmos, pois, esta nodoa, porque o é, da nossa vida politica.

E se as forças, o tempo e a vossa paciencia mo permittissem, demonstrar-vos-ia como este phenomeno da nossa vida economica, a substituição da moeda de oiro portugueza pela libra esterlina, e a falta com que luctâmos d'aquelle numerario, na phrase do grande Pombal, é a prova mais cabal da nossa estupidez, sem igual na historia dos mais povos!...

Nós os descobridores e senhores da India e do Brazil, a pedirmos á Inglaterra que nos empreste com usura o oiro que foi nosso para com elle fazermos as nossas transacções!

N'este simples enunciado está cscripto o cpitaphio da politica que temos trazido á sombra das actuaes instituições!!!

Segundo a nota do conde de Oeiras a que me referi ha pouco, a Inglaterra em cincoenta annos levou-nos em oiro a somma fabulosa de 1.500 milhões.

Segundo uma nota que tenho presente e que vem publicada no livro a que já me referi, desde agosto de 1710 a 1713 cunharam-se na casa da moeda em Londres libras esterlinas 1.055:528, numeros redondos!

A media por anno que os inglezes levaram deste malfadado paiz em oiro, prata e diamantes foi de 2.000:000 de libras esterlinas, desde 1805 até á invasão dos francezes!

Como os srs. deputados viram dos trechos insuspeitos de auctores inglezes que tive a honra de lhes ler, em Inglaterra então não circulava outro oiro que não fosse portuguez!

Mas, srs. deputados, que differença de processos! O oiro portuguez para circular na Inglaterra recebe previamente o cunho d'aquella nação patriotica. Assim comprehendo eu.

Se levava consigo o ferrete ignominioso da nossa imbecilidade por nos despojarmos em prejuizo proprio e proveito alheio do metal precioso de que hoje tanto carecemos, deixava a impureza de origem para circular triumphante sob as insignias do insaciavel leopardo nas vastas regiões da Gran-Bretanha, e não contente de ali imperar, entrou ainda de recochete em nossa casa e veiu substituir-nos a moeda nacional!

Nada mais careço me parece de acrescentar para justificação da minha proposta.

Entrarei agora no que diz respeito á grande commissão parlamentar, para assentarmos definitivamente o que devemos fazer do nosso ainda hoje vastissimo dominio colonial.

É indiscutivel que a Europa se prepara resolutamente para civilisar a Africa. Não podemos nem devemos contrariar-lhe este movimento imperioso da civilisação.

É certo que a partilha do grande continente negro se

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está operando com o vexame e a violação dos nossos direitos indiscutiveis como descobridores e colonisadores africanos. Despojam-nos de vastos tratos de terrenos que não podemos occupar com efficacia e ainda menos defender.

Não podemos prever até onde chegará esta invasão das grandes potencias no continente africano, e que novos embaraços nos podem crear de um momento para outro!...

Para que este assumpto grave, de que depende o futuro do nosso paiz, seja estudado com madureza e com promptidão, lembro a grande commissão com as attribuições os recursos e os fins que vem ali indicados.

É provavel que d'este estudo serio saiâmos habilitados a adoptar medidas que não só nos approximem de alguma potencia signataria dos novos tratados, mas a conseguir alem d'isto a manutenção e a defeza do que ainda nos ficou do nosso imperio ultramarino.

Recorrendo ao parlamento para um fim de tamanho alcance politico, espero não encontrar n'elle serias reluctancias, e limitarei por isso as minhas considerações no que deixo levemente delineado.

Srs. deputados, vou entrar agora na materia a que se refere a minha quinta proposta: o inquerito parlamentar sobre as condições em que actualmente se acha a defeza nacional e as despezas que se têem feito com ella, e o modo por que têem sido applicadas.

Já tive a honra na discussão de resposta ao discurso da corôa, de lavrar n'esta casa, em nome do povo que represento o meu vehemente protesto contra as palavras consignadas n'um documento official, de que nesta difficilima conjunctura que se atravessa, o governo em dictadura ia tratar dos primeiros elementos da nossa defeza!

Ou estas palavras representam, o que aliás não creio, a traducção fiel da realidade das cousas, e n'este caso o paiz deve considerar-se atraiçoado por aquelles que o têem governado até hoje, ou encerram uma simples leviandade de phrase, que cousa alguma póde e deve justificar!...

Como quer que seja, estas palavras transpozeram as fronteiras e deixaram no animo de muitos, como me auccedeu a mim, um justificado sobresalto, de que os negocios de defeza nacional não têem corrido como um tão sagrado e melindroso assumpto reclamava!...

Como por mais de uma vez tenho dito n'esta legislatura, é preciso saber toda a verdade da nossa situação moral, economica, financeira e politica, para sabermos o que havemos de fazer.

É preciso arcar com as dificuldades que esta actual ordem de cousas nos creou, e sem sophismas nem tibieza cumprir cada um de nós com o seu dever.

O que ha de verdade n'estas palavras de que a nação vae, agora crear os primeiros elementos da sua defeza?!

É o que eu reclamo em nome do paiz que tenho a honra de representar pelo mandato que me confiou o povo da capital.

Reclamo, com a prudencia e as reservas que tão momentoso assumpto impõem a todos nós, uma syndicancia parlamentar, e faço votos para que este assumpto fique liquidado ainda n'esta legislatura.

Sr. presidente, quanto daria eu para poder aniquilar desde a sua origem todos os relatorios e todos os decretos da actual dictadura, para que nem cá, nem lá fora principalmente, se soubesse o que os nossos homens publicos julgam não só das medidas de uns e de outros, mas tambem das suas proprias medidas!

Triste, tristissimo é este espectaculo que os governos da monarchia estão dando de ha longa data até hoje sobre a impotencia das suas medidas politicas o a innanidade de toda esta comedia parlamentar que ha perto de um século se representa sem protestos vehementes da opinião!...

São os actuaes ministros que, sem medirem o melindre da situação que o ultimatum da Inglaterra nos creou, vem officialmente confessar perante a Europa que aliás nos observa, que quasi tudo quanto se tem feito até hoje está mal feito e carece de ser substituido por cousa que a opinião unanime classifica já de peior!...

Armados do camartello destruidor, n'uma cegueira de animo inexplicavel, derrubaram tudo o que constituia o paladium das liberdades publicas, e Vão metter-se até em aventuras que aterrorisam os crentes e os sinceros como eu!...

Antes de avançar um passo mais é preciso saber-se o terreno que se vae pisar e os recursos de que podemos dispor...

Este inquerito que peço, e todo e qualquer outro que seja reclamado, para o fim de esclarecer a opinião e habilitar-nos a adoptar medidas de segurança e de defeza, não deve, me parece, encontrar resistencia de qualquer lado d'esta camara.

Qualquer que seja o destino que tenha esta proposta fica ao menos mais uma vez consignado o meu pensamento.

Resta-me agora entrar na ultima, que reclama a convocação de uma constituinte para se alargarem as liberdades publicas, que foram agora cerceadas, e adoptarem-se quaesquer medidas extraordinariasa consolidação do nosso imperio colonial.

Srs. deputados, na discussão do bill de indemnidade, na generalidade, em que fui dos primeiros a fallar, deixei consignado clara e acentuadamente o meu modo de pensar sobre o caracter liberticida d'estas medidas, sobre o seu rigor e a direcção perigosa que lesam e os males que vão acarretar sobre nós!...

Comprometti-me então a demonstrar melhor as verdades das minhas theses, na discussão na especialidade dos decretos que vão regular os nossos direitos constitucionaes.

Doente e abatido de espirito, assisti, quasi sem poder, até á ultima hora dos debates, esperando que me coubesse a palavra que havia pedido de ante-mão.

Todos sabem como a palavra me foi estrangulada, e o protesto que então lavrei!...

Não é meu animo renovar agora uma questão que está liquidada para o parlamento, embora não o esteja para o paiz...

Como justificação apenas da minha proposta, lembrarei ao parlamento que a solução do conflicto com a Inglaterra carece acima de tudo do concurso de toda a familia portugueza sem distiricção de absolutistas, de monarchicos constitucionaes, de republicanos ou socialistas.

Ora foi exactamente o contrario o que se conseguiu com a dictadura, como o demonstraram os debates e está no animo de todos!!...

Para a concentração patriotica é necessario derrubar as barreiras que os decretos da dictadura levantaram entre nós, e conciliar-nos em nome de uma liberdade mais ampla do que essa que já havia antes da dictadura.

O que o bill de indemnidade sanccionou póde bem denominar-se a approvação de um testamento ad odium de um moribundo que se sente nos paroximos da morto, e tenta desbordar o seu herdeiro necessario do direito mais sagrado da sua legitima, a liberdade!

Os decretos de dictadura que têem já hoje a sancção d'esta casa, póde affoutamente dizer-se que constituem a declaração de guerra official feita pela monarchia que morro á democracia vigorosa que lhe surge pela frente!

Lastimo, como patriota, esta nova direcção dada á politica portugueza, porque é prenhe de perigos na crise que se atravessa, em que a inimiga cominum, contra a qual deviamos todos armar-nos, nos espreita com calculada reserva e nos impõe como dever a máxima conciliação e solidariedade.

Não consegui que attendessem a minha voz fraca, mas sincera, nem até a quizeram ouvir quando, com sacrificio da minha saude, a quiz reforçar com novas demonstrações!...

Creio que, approvando as medidas de dictadura, saímos

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d'aqui em condições mais desfavoraveis do que as que tinhamos no dia 11 de janeiro!

Creio que a anormalidade de vida em que nos fez entrar o ultimatum de Inglaterra nos ha de obrigar a medidas muito differentes das que foram já adoptadas.

Para tal situação só vejo como recurso constitucional a convocação de umas constituintes, em que a nação diga então francamente o que sente e o que quer, e nos habilite a conjurar o perigo que está imminente...

No conjuncto das medidas que tive a honra de ler e de justificar, alguma cousa haverá de que os meus contrarios possam lançar mão, em serviço do paiz que todos estremecemos e desejâmos ver restituido ao seu antigo prestigio e valor.

Deixo ao menos ali consignados os pensamentos que me preoccnpam n'este momento, e alguns dos processos de que lançaria mão, se as circumstancias me obrigassem, para acima de tudo salvar intransigentemente o brio nacional, suprema e principal aspiração d'este paiz empobrecido mas honrado.

Terminando as rainhas considerações, agradeço a camara a attenção benevolente que me dispensou.

Tenho dito.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Os eleitos do povo, representantes da nação em côrtes, reconhecendo a necessidade imperiosa de manifestarem ao governo na presente legislatura perante o conflicto com a Inglaterra a sua inabalavel deliberação em manter intemerata a honra e a integridade da patria sob a mais stricta e firme solidariedade o de se precaverem contra eventualidades futuras, deliberam convidar o governo a adoptar as medidas que abaixo seguem, para o caso das transacções com aquella nação encetadas pelo actual governo não darem o resultado que seria para desejar, e tudo isto sem prejuizo do recurso as nações signatarias do tratado de Berlim:

1.° Denunciar os tratados com a Inglaterra que estejam no caso do o ser, e acabar de vez com todos os favores singulares que lhe têem sido concedidos nas nossas pautas, a cuja sombra se enriquecera e nos depauperava;

2.° Enviar, entre outras, aos governos de Hespanha, França, Estados Unidos, tanto da Artierica do norte como do Brazil, missões diplomaticas especiaes para sondar a opinião d'aquelles governos e firmar com elles os pactos de alliança que as circumstancias reclamem;

3.° Estender a todos os cidadãos validos até aos quarenta e cinco annos a instrucção e a obrigação do serviço militar, organisando as nossas forças defensivas, tanto quanto seja possivel, pelo systema adoptado na Suissa, com o duplo fim de manter em solidas bases a defeza da patria e de alliviar a esta das despezas extraordinarias e inefficazes de um exercito permanente;

4.° Envidar os seus esforços para a substituição da libra esterlina no paiz, por affrontoso da nossa soberania e dignidade, e offensivo dos nossos interesses;

5.° Nomear uma commissão parlamentar com a faculdade de aggregar a si uma sub-commissão auxiliar composta de homens de notoria competencia, a fira de estudar as actuaes condições do nosso imperio colonial, designadamente nos pontos em litigio com a Inglaterra, e que suscitam duvidas ou reservas para com outras nações, com o duplo fim: primeiro, de verificar quaes são os dominios em que, tanto pela descoberta ou conquista, como pela posse etfectiva, exercemos n'elles soberania, e em que o nosso direito é indiscutivel; segundo, quaes aquclles em que havendo a prioridade de dominio e da posse, embora interruptos, temos ainda a nosso favor as tradições e o prestigio da nossa bandeira, e sobre os quaes, não havendo reclamações fundamentadas das outras potencias, possam elles servir do base a quaesquer operações futuras tendentes a melhorar, defender e assegurar o nosso vasto dominio ultramarino.

A commissão parlamentar serão dados todos os poderes, não só para consultar os nossos archivos e secretarias d'estado, como para proceder a quaesquer outras diligencias necessarias ao fim para que é nomeada, e ser-lhe-hão fornecidos os recursos pecuniarios indispensaveis, abrindo-se no orçamento uma verba adequada, de que o governo dará conta á camara.

A referida commissão apresentara na proxima legislatura o relatorio dos seus trabalhos para servir de base a quaesquer projectos sobre a nossa reforma ultramarina.

6.° Proceder a um inquerito parlamentar sobre o modo por que têem sido applicadas as verbas destinadas a defeza nacional, e as condições reaes e effectivas em que esta se encontra, devendo emittir parecer a tempo de ser discutido na proxima legislatura em sessões secretas ou publicas, conforme as circumstancias o reclamarem.

7.° A convocação de umas camaras constituintes com o duplo fim de se alargarem as liberdades publicas, hoje cerceadas pelos decretos da dictadura, e pôr-se por esta fórma a constituição do estado em harmonia com o modo de pensar e sentir da maioria da nação, e de se adoptarem quaesquer medidas extraordinarias para a consolidação do nosso imperio colonial. = O deputado por Lisboa, Manuel de Arriaga.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Presidente: - Os documentos que v. exa. requereu, foram pedidos, mas ainda não vieram.

O sr. Carrilho (por parte da commissão de redacção): - Mando para a mesa a ultima redacção sobre o projecto da lei de meios.

A commissão introduziu-lhe um paragrapho que diz o seguinte:

(Leu.)

Não lhe fez mais nenhuma alteração. Rogo a v. exa. que consulte a camara sobre se dispensa o regimento, para que entre desde já em discussão.

Dispensado o regimento, foi approvado.

O sr. Carlos Bocage: - Por parte da commissão de guerra mando para a mesa um parecer da mesma commissão, sobre o projecto de lei que diz respeito a expropriação de terrenos para quarteis.

Por parte da mesma coramissão, mando para a mesa uma proposta o dois requerimentos.

São os seguintes:

Requerimentos

Por parte da commissão de guerra, requeiro que seja mandado consultar o governo, pelo ministerio da marinha e ultramar, sobre o requerimento junto, de Maria da Piedade França de Almeida Sousa e Andrade, que pede uma pensão. = Carlos Bocage.

Por parte da commissão de guerra, requeiro que sejam enviados ao governo, pelo ministerio da guerra, a fim de serem devidamente informados, os requerimentos juntos, de Manuel Joaquim da Rosa, capitão reformado, e de seis alferes reformados. = Carlos Bocage.

Mandaram-se expedir.

Proposta

Proponho, por parto da commissão de guerra, que seja aggregado a referida commissão o sr. deputado Ohristovão Ayres. = Carlos Bocage.

Foi approvada.

O parecer foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem documentos a mandar para a mesa, podem fazel-o.

O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Mando para a mesa

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uma representação da camara municipal de Portalegre contra o projecto do addicional de 6 por cento. Peço que seja publicada no Diario ao governo.

Foi enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

O sr. Francisco Campos: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Vizeu, no mesmo sentido. Peço que seja publicada no Diario do governo.

Foi enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

O sr. Paulo Cancella: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Vagos, no sentido das antecedentes. Peço que seja publicada no Diario do governo.

Foi enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

O sr. Roberto Alves: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal da Feira, no mesmo sentido. Peço que seja publicada no Diario do governo.

Foi enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo,

O sr. Bernardino Pinheiro: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Beja, no sentido das antecedentes. Peço que seja publicada no Diario do governo.

Foi enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

O sr. Eduardo Coelho: - Mando para a mesa duas representações das camaras municipaes dos concelhos de Alfandega da Fé e de Vimioso, contra as propostas apresentadas pelo sr. ministro da fazenda. Peço que sejam publicadas no Diario do governo.

Foram enviadas á commissão de fazenda e mandadas publicar no Diario do governo.

O sr. Elmano da Cunha: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Aveiro, pedindo que se estude o meio de limpeza e rectificação dos esteiros de S. Gonçalo e de S. Roque, na na d'aquella villa. Peço que seja publicada no Diario do governo.

Foi enviada á commissão de fazenda e mandada puflicar no Diario do governo.

O sr. Moraes Sarmento: - Mando para a mesa um requerimento de Bernardino de Saavedra Prado e Themes, pedindo que se lhe conceda a reforma no logar de primeiro official das alfandegas.

Mando igualmente para a mesa um requerimento de Augusto Pinto de Moraes Sarmento, general de divisão reformado, pedindo que lhe seja applicada a doutrina da carta de lei de 25 de junho de 1889.

O primeiro foi enviado a commissão de fazenda e o segundo á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

O sr. Mendes da Silva: - Mando para a mesa uma renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 88 de 1889.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Hintze Ribeiro: - Mando para a mesa um projecto de lei, assignado tambem pelo sr. Severino de Avellar, determinando que seja desde já posta em vigor a tabella de vencimento e gratificações annexa ao regulamento geral de sanidade maritima, approvada, por decreto de 4 de outubro de 1889, na parte sómente que se refere aos guardas de saude de 1.ª e 2.ª classe, dos quaes se compõe actualmente o quadro da estação de saude e lazareto de Lisboa.

Ficou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto n. 133 (Organisação do ministerio de instrucção publica)

O sr. Presdiente: - Vae ler-se o projecto de lei n.° 133.

Este projecto tem só uma discussão.

Leu-se na mesa o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 133

Senhores. - Examinaram, como lhes cumpria, as vossas commissões de instrucção e de commercio e artes, reunidas, a proposta de lei n.° 131-A, que tem por objectivo auctorisar o governo a organizar, sob certas bases, o ministerio e secretaria d'estado dos negocios de instrucção publica e bellas artes, creado por decreto de 5 de abril ultimo.

Em principio sanccionou já a camara dos senhores deputados aquella creação e com ella as rasões de opportunidade e de doutrina que a inspiraram.

Independentemente das aspirações de ha muito e por diversa forma manifestadas, - que a experiencia ia todos os dias corroborando e fortalecendo, - no sentido de uma revisão geral e transformadora dos serviços de preparação e cultura intellectual, que são funcção necessaria do estado; sob as impressões tristissimas dos ultimos acontecimentos, se impoz, por uma fórma irrecusavel ao criterio e ás responsabilidades dos poderes publicos, fieis depositarios da segurança e da soberania nacional, a necessidade de promover e organisar nas multiplas funcções da administração e nas varias provincias da vida e da economia publica uma forte concentração e uma segura e previdente disciplina de todas as forças e recursos da nossa individualidade historica, de todos os termos e interesses da nossa educação civica e da nossa vitalidade e cohesão social.

Fora impertinente banalidade acrescentar que é a instrucção publica uma d'essas forças, e que não é entre nos, seguramente, a que menos denuncia aquella necessidade, na desaggregação dos seus factores, no vario e desconnexo movimento dos seus orgãos, nas diversas e por vezes antagonicas tendencias da sua direcção doutrinal e pratica.

Certamente, no fundo da situação presente dos nossos serviços e estabelecimentos de instrucção publica, accumulam-se e revelam-se as mais generosas tentativas, os esforços mais patrioticos e sinceros ensaiados em diversas epochas e por diversos estadistas, para dotar o paiz com os estimulos e recursos melhores, com os mais aperfeiçoados instrumentos de uma cultura intellectual que o armasse para as luctas e necessidades crescentes da civilisação moderna.

Mas não é menos certo tambem que a falta de equilibrio organico, ou a inconsistencia e deficiente segurança d'elle, em qualquer instituição, como em qualquer individuo, corresponde uma fraqueza, uma perda, uma perturbação de productividade funccional, que só ha de remediar-se pratica e eficazmente, ajustando os orgãos a solidariedade e a harmonia do seu fim e da sua rasão, necessariamente commum. E esta tem sido a situação.

Isto succintamento dizemos para bem deixar apontada a nossa idéa e a nossa esperança, em relação a proposta do governo e ao acto que a precedeu e que ella pretende consolidar e completar agora.

É claro que não é tal documento o prospecto, quanto mais o plano definitivo e certo de uma reorganisação geral da nossa instrucção publica e dos serviços que lhe andam naturalmente adstrictos.

Corresponde apenas a organisar a preparação e a direcção pratica do largo e complexo trabalho, tem simplesmente por fim reunir os termos o materiaes necessarios a larga reconstrucção; propõe-se apenas a dar corpo e movimento adequado e harmonico a instituição creada pelo decreto de 5 de abril, ou mais exactamente á idéa e a necessidade que determinaram essa creação. É o primeiro passo, e indeclinavel, e logico.

Explicadas desenvolvidamente no relatorio ministerial as bases da proposta, correspondendo muitas d'ellas a neces-

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sidades e conveniencias largamente discutidas e liquidadas já na opinião, parece ás vossas commissões ocioso demorarem-se na sua critica, como por igual se julgam dispensadas de accentuar a discreta modestia da economia do projecto, muito particularmente sob o seu aspecto financeiro.

Facilmente se comprehonde que não deixe ainda de offerecer reparo e de suscitar objecções n'alguns espiritos, e até nalguns interesses, a devolução ao estado dos serviços da instrucção primaria official, e a inclusão no quadro da instituição nova, do ensino technico.

Mas em relação ao primeiro thema, uma experiencia todos os dias accusada, convidava de ha muito os poderes publicos a dar como encerrado o ensaio generoso de uma descentralisação que, quando não fosse doutrinariamente duvidosa nos seus principios, ingratamente deve ter desilludido nos seus effeitos os que punham n'ella as melhores esperanças.

E pelo que importa ao segundo ponto, não se definindo a objecção em rasões de positiva e irreductivel inconveniencia para um ramo de ensino publico, da sua concorrencia com os mais, sob a mesma direcção precisamente organisada para só cuidar de todos, pode ate observar-se que da reciproca penetração das tendencias e influencias dos diversos circules de ensinamento, devem derivar-se novos elementos de cohesão e do disciplina pratica para a instrucção e educação nacional.

E já agora não deixaremos do notar com particular agrado o pensamento firmemente denunciado no relatorio e projecto do governo e que já o fôra no decreto que creou a nova secretaria de estado, de acudir de vez â situação profundamente vexatoria para o bom nome do paiz, e intimamente relacionada com a sua cultura intellectual e com o seu progresso educativo, em que têem permanecido os serviços relativos á arte e aos monumentos nacionaes.

Frequentes vezes têem os governos sido estimulados n'este sentido, e procurado attenuar e corrigir essa situação que a todos se evidenccia deploravel, e que rudemente verberada ha quasi meio seculo pela grande voz de Alexandre Herculano, e ha quinze annos ainda doridamente descripta em largo relatorio de uma commissão official, é tempo realmente de fazer desapparecer e trancar, n'um esforço resoluto, intransigente e certeiro, por honra e no interesse dos nossos brios de povo culto.

Não querendo fatigar inutilmente a vossa esclarecida attenção sobre assumptos que senos afiguram suficientemente illucidados na opinião e comprehensão geral, e sem nos demorarmos na clara justificação de algumas ligeiras modificações illucidativas introduzidas, de accordo com o governo, na redacção de uma ou outra das bases da sua proposta, temos a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado:

1.° A reunir no ministerio da instrucção publica e bellas artes todo o ensino official da instrucção primaria elementar e complementar com os estabelecimentos annexos, devolvendo-se para o estado os serviços da creação, transferencia e conversão das escolas e cursos, casas escolares, material de ensino, nomeação dos professores, matriculas, organisacão dos horarios das aulas e dos jurys dos exames dos alumnos, licenças, applicação de penas disciplinares, aposentações, pagamento dos vencimentos, e bem assim a fixação d'estes em harmonia com a legislação em vigor;

2.° A regular a creação de quaesquer outros estabelecimentos de instrucção e educação, que de futuro as corporações administrativas venham a fundar e dotar, assim como a fiscalisação do estado sobre os referidos estabelecimentos e sobre os já existentes á data da publicação d'esta lei;

3.° A regular a passagem para o estado de todas as receitas, de qualquer ordem ou natureza, actualmente destinadas por lei ou por deliberações das corporações administrativas á instrucção primaria elementar e complementar e aos estabelecimentos annexos, ou recursos que tenham essa applicação, ficando essas receitas ou recursos constituindo dotação do fundo geral da instrucção primaria;

4.° A passar para o ministerio da instrucção publica e bellas artes o serviço da inventariação, guarda e exposição dos monumentos historicos nacionaes, a superintendencia sóbre a sua conservação e restauração e o serviço do ensino industrial e profissional, transitando para o orçamento d'este minisierio as verbas constantes do artigo 23.°, secções 1.ª, 2.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª, artigo 24.°, secções 1.ª, 2.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª, artigo 29.°, secção 2.ª e artigo 30.°. secção 2.ª do orçamento do ministerio das obras publicas, commercio e industria;

5.° A organisar a secretaria d'estado dos negocios da instrucção publica o bellas artes e a reorganisar o conselho superior da instrucção publica, em harmonia com as bases seguintes:

a) A secretaria d'estado dos negocios da instrucçao publica e bellas artes compor-se-ha de uma secretaria geral e de tres direcções geraes;

b) A secretaria geral constituirá a repartição central do ministerio e a ella incumbirão, alem dos negocios relativos á administração interna e expediente do ministerio, os assumptos que por sua natureza não pertençam determinadamente a qualquer das direcções geraes;

c) A primeira direcção geral terá a seu cargo os serviços relativos á instrucção primaria; a segunda direcção geral os serviços relativos á instrucção secundaria e superior; a terceira direcção geral os serviços relativos ás bellas artes e ao ensino industrial e profissional;

d) Cada uma das direcções geraes será formada por duas repartições, sendo um dos chefes de repartição o director geral da respectiva direcção;

e) Junto á secretaria geral do ministerio funccionará uma secção technica, composta de dois engenheiros, um architecto e dois desenhadores, servindo em commissão;

f) Não poderá ser excedida em mais de 22:000$000 réis a verba actualmente destinada á direcção geral da instrucção publica e ao conselho superior do instrucção publica, transitando para o quadro do ministerio os empregados da extincta direcção geral, nos termos do decreto de 5 de abril de 1890;

6.° A crear a 10.ª repartição de contabilidade na direcção geral da contabilidade publica, que funccionará junto do ministerio da instrucção publica e bellas artes, supprimindo dois Jogares de segundo official e dois de amanuense no quadro da 3.ª repartição, o dois de amanuense na 9.ª repartição da mesma direcção geral, não podendo o augmento de despeza ser superior a 3:930$000 réis, e devendo os individuos providos nos logares supprimidos ser transferidos para o quadro da repartição a crear;

7.º A regular a exportação dos objectos artisticos, historicos ou archeologicos, não podendo o direito de saida exceder, em caso algum, 30 por cento do valor do objecto exportado;

8.° A fazer os mais regulamentos necessarios para a execução da presente lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Em commissão, 18 de junho de 1890. = Manuel Pinheiro Chagas = Eduardo Augusto da Costa Moraes = Sergio de Castro = Antonio de Azevedo Cattello Branco = Adolpho Pimentel = João Pinto Moreira = J. M. Greenfield de Mello = F. Gabriel de Freitas = Amandio Eduardo da Mota Veiga = Teixeira de Vasconcellos = Alberto Pimentd = Barão de Paço Vieira (Alfredo) = Antonio José Arroyo = Antonio Ribeiro dos Santos Viegas = Lourenço Malheiro = José de Azevedo Casttello Branco = Jacinto Candido = Aristides M. da Mota = A. Hintze Ribeiro = Augusto Poppe = Pedro Victor = José Novaes = Marcellino Mesquita = Manuel d'Assumpção = Luciano Cordeiro, relator.

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SESSÃO DE 23 DE JUNHO DE 1890 847

A vossa commissão de fazenda, na parte em que é chamada a dar o seu parecer, concorda com o projecto anterior.

Sala da commissão, aos 19 de junho de 1890. = Manuel Pinheiro Chagas = Antonio de Azevedo Castello Branco = Arthur Hintze Bibeiro = Manuel dAssumpção = José Freire Lobo do Amaral = Luciano Cordeiro = José Maria dos Santos = José Augusto Soares Ribeiro de Castro = Antonio José Arroyo = José de Azevedo Castello Branco = José Novaes = P. Victor da Costa Sequeira = Lourenço Malheiro = Antonio Maria Pereira Carrilho relator.

N.° 131-A

Senhores. - Em cumprimento do disposto no artigo 2.° do decreto de 5 de abril do anno corrente, que creou o ministerio da instrucção publica e bellas artes, venho submetter á vossa illustrada apreciação a proposta de lei tendente a organisar o serviço d'esta secretaria d'estado.

É certo que a fundação do ministerio da instrucção publica e bellas artes correspondeu á necessidade, desde muito reconhecida como urgente e inadiavel, de occorrer pela especialisação e autonomia dos diversos serviços de ensino e de fomento artistico ao estado de evidente atrazo da instrucção e da educação nacional.

A proficuidade da reforma iniciada com o mencionado decreto de 5 de abril dependerá, comtudo, essencialmente do acerto que presidir á organisação do ministério, tanto pelo que respeita ás funcções que lhe forem attribuidas, como ao plano definitivo da sua estructura interna.

A primeira medida, que urge tomar desde já, como base preparatoria de uma posterior remodelação do ramo fundamental do ensino, é a de reunir no ministerio da instrucção publica e bellas artes todo o ensino official da instrucção primaria elementar e complementar, que a lei de 2 de maio de 1878, n'uma applicação rasgada do principio da descentralisação administrativa, confiou á iniciativa e direcção das camaras municipaes e das juntas de parochia. Por isso se preceitua no artigo 1.°, n.° 1.°, da presente proposta de lei, que se devolverão para o estado os serviços da creação, transferencia e conversão das escolas e cursos, casas escolares, material de ensino, nomeação dos professores, matriculas, organisação dos honorários das aulas e dos jurys dos exames dos alumnos, licenças, applicação de penas disciplinares, aposentação, pagamento dos vencimentos, e bem assim a fixação destes, em harmonia com a legislação em vigor.

Operada esta passagem de serviços e regulados os seus detalhes, será então ensejo favoravel para se pensar na reforma d'esta parte do ensino, que accelere o seu desenvolvimento e que proveja de remédio seguro ás innumeras imperfeições do regimen actual.

O periodo de quasi nove annos, decorrido desde que a lei de 2 de maio de 1878, com as modificações, alterações e acrescentamentos da lei de 11 de junho de 1880, principiou a ser executada, é bastante largo para se poder asseverar affoutamente que da descentralisação do ensino primario não resultaram, infelizmente, para o paiz as venturas que antevia o reformador de 1878 ao referendar aquelle, sem duvida alguma, notavel diploma legislativo.

Mais uma vez se comprovou a conveniencia de pautar os preceitos das leis pelas condições sociaes e estado de civilisação do povo para que se legisla, sem subordinar irmãmente os variados ramos da administração publica ao mesmo principio theorico.

Das leis de 1878 e 1880 não resultou nenhuma das vantagens esperadas: a generalisação e regularisação do ensino, a efficaz fiscalisaçao e inspecção da instrucção primaria, a severa execução dos preceitos legislativos respeitantes á nomeação do pessoal docente e edificios escolares, e o sensato aproveitamento das verbas destinadas a este ramo do ensino, são outros tantos problemas a resolver cujas dificuldades se aggravam de dia para dia, e cuja solução se me antolha absolutamente impossivel sem a devolução para o estado dos serviços, que acima deixo indicados.

Por isso se congregam á volta d'esta idéa as opiniões dos funccionarios, que mais de perto têem estudado a nossa instrucção primaria elementar e complementar, e até os pareceres de muitas camaras municipaes.

A disposição do n.° 2.° do artigo 1.° completa o pensamento do n.° 1.° do mesmo artigo: se é conveniente, como creio, não impedir a livre iniciativa das corporações administrativas no que se refere a outros estabelecimentos de ensino e educação, quer sejam preparatórios para a instrucção primaria elementar, quer constituam institutos de caracter mixto ou irregular, urgente se torna, todavia, que a sua creação esteja em todos os casos sujeita á superintendencia directa do estado e que o seu funccionamento seja fiscalisado por delegados do poder central. De outra fórma, da falta de harmonia e de ligação entre os varios estabelecimentos de ensino nacional resultaria inevitavelmente a inanidade de muito esforço e a improductividade de despezas avultadas.

O n.° 3.° do artigo 1.° estatue que todas as receitas e recursos actualmente destinados aos serviços da instrucção primaria elementar e complementar e aos estabelecimentos annexos constituirão de ora ávante receitas do thesouro, que os centralisará no fundo geral da instrucção primaria.

Este preceito, consequencia logica do que fica preceituado no n.° 1.° do artigo, é hoje de facil execução.

A lei de 9 de agosto de 1888, creando os fundos especiaes de instrucção primaria e as instrucções regulamentares de 27 de dezembro de 1888, que desenvolveram o pensamento da lei de 9 de agosto, assentam já no principio da concentração das receitas, como condição da sua effectividade e da completa satisfação dos correspondentes encargos orçamentaes.

A legislação de 1888 foi o primeiro signal e o reconhecimento por parte dos poderes publicos dos perigos que haveria em manter-se o regimen da descentralisação, tanto sob o ponto de vista financeiro, como sob o ponto de vista da organisação e funccionamento d'este ramo da instrucção patria.

Pelo n.° 4.° do artigo 1.° ficam dependentes do ministerio da instrucção publica e bellas artes os serviços de inventariação, guarda e exposição dos monumentos históricos nacionaes, de superintendencia sobre a sua conservação e restauração e o serviço do ensino industrial e profissional, do qual faz parte integrante o ensino commercial.

São obvios os motivos que justificam esta disposição.

Não se comprehende que andem desligadas das bellas artes as diversas especialidades do serviço administrativo que deixo apontadas, relativas aos exemplares ainda existentes da antiga arte portugueza.

E é tempo de cuidarmos em salvar os seus restos, restaurando e fortalecendo as tradições artisticas nacionaes, espalhadas aqui e alem em obras de altissimo valor.

Quanto ao ensino industrial e commercial, que constituo o apparelho mais apropriado á propaganda e vulgarisação dos processos e formas da arte nacional, a sua passagem para o ministerio da instrucção publica virá satisfazer uma dupla necessidade: ao maior desafogo e facilidade no estudo e resolução dos importantissimos problemas que envolve a questão do fomento industrial e commercial, sob a direcção da respectiva secretaria d'estado, acresce a conveniencia de correlacionar intimamente o ensino industrial o commercial com outros ramos do ensino, e, particularmente, com os institutos superiores de engenheria civil, pela sensata organisação das suas diversas especialidades.

N'este caso a passagem do ensino industrial e profissional para o ministerio da instrucção publica representará por consequencia, não a separação de serviços indissoluvelmente ligados entre si, mas um modo indirecto de favorecer a regeneração das nossas energias economicas e

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industriaes, pelo desenvolvimento do nosso direito economico o a concatenação do varios ramos de ensino, que mutuamente se devem coadjuvar e completar.

O n.° 5.° do artigo 1.° fornece as bases capitães da organisação da secretaria d'estado dos negocios da instrucção publica é bellas artes, e determina o maximo de acrescimo de despeza nova, que de fórma alguma se poderá julgar exagerada.

Adoptadas que sejam as bases propostas, ficará organisada esta secretaria d'estado em condições do prestar serios e relevantes serviços á causa da instrucção nacional e da arte, sem luxo ou fausto dispensavel.

A reunião de assumptos de caracter generico por meio da secretaria geral do ministerio sera completada por uma benefica separação de materias, pertencendo a uma das direcções geraes a parte do ensino primario, cuja especialisação é de evidente necessidade, e a cada uma das outras duas diversos serviços que, sem inconveniente de maior, mas antes com manifesta vantagem publica, devem ser estudados e executados sob o influxo de uma direcção commum.

A secção technica, junta a secretaria geral do ministerio, desempenhara todas as funcções que exigem uma habilitação particular, e o conselho superior do instrucção publica, cuja remodelação deve acompanhar o systema de distribuição dos serviços nesta secretaria d'estado, completara naturalmente, pelas attribuições que lhe são inherentes, o plano de organização do ministerio da instrucção publica o bellas artes.

O n.° 6.° do artigo 1.° encerra a auctorisação precisa, dentro dos limites de uma verba modesta, para a creação da repartição de contabilidade publica, que devera funccionar junto do referido ministerio.

Finalmente, o n.° 7.° do artigo 1.° tem por objecto acudir ao desperdicio das nossas reliquias artisticas e archeologicas, a maior parte das quaes se encontra hoje em paiz estrangeiro, graças a indifferença indesculpavel com que têem sido tratados os assumptos d'esta natureza. Fiscalisar e regular a sua exportação é prestar um culto sincero aos productos valiosos do trabalho artistico e industrial.

Taes são, senhores, muito em resumo, as rasões que me dominam ao submetter ao vosso esclarecido exame a seguinte proposta de lei.

Secretaria d'estado dos negocios da instrucção publica e bellas artes, 16 de junho de 1890. = João Marcellino Arroyo.

Proposta de lei

Artigo 1.° É o governo auctorisado:

].° A reunir no ministerio da instrucção publica e bellas artes todo o ensino official da instrucção primaria elementar e complementar com, os estabelecimentos annexos devolvendo-se para o estado os serviços da creação, transferencia e conversão das escolas e cursos, casas escolares, material de ensino, nomeação dos professores, matriculas, organisação dos horarios das aulas e dos jurys dos exames dos alumnos, licenças, applicação de penas disciplinares, aposentações, pagamento dos vencimentos, e bem assim a fixação d'estes em harmonia com a legislação em vigor;

2.° A regular a creação de quaesquer outros estabelecimentos de instrucção e educação, que de futuro as corporações administrativas venham a fundar e dotar, assim como a fiscalisação do estado sobre os referidos estabelecimentos e sobre os já existentes á data da publicação d'esta lei;

3.° A regular a passagem para o estado de todas as receitas, de qualquer ordem ou natureza, actualmente destinadas por lei ou por deliberações das corporações administrativas a instrucção primaria elementar e complementar e aos estabelecimentos annexos, ou recursos que tenham essa applicação, ficando essas receitas ou recursos constituindo dotação do fundo geral da instrucção primaria;

4.° A passar para o ministerio da instrucção publica e bellas artes o serviço da inventariação, guarda e esposição dos monumentos historicos nacionaes, a superintendencia sobre a sua conservação e restauração e o serviço do ensino iadustrial e profissional, transitando para o orçamento deste ministerio as verbas constantes do artigo 23.°, secções 1.ª, 2.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª, artigo 24.°, secções 1.ª, 2.ª, 4.ª 5.ª e 6.ª, artigo 29.°, secção 2.ª e artigo 30.°, secção 2.ª do orçamento do ministerio das obras publicas, commercio e industria;

5.° A organisar a secretaria d'estado dos negocios da instrucção publica e bellas artes e a reorganisar o conselho superior da iustrucção publica, em harmonia com as bases seguintes:

a) A secretaria d'estado dos negocios da instrucção publica e bellas artes compor-se-ha de uma secretaria geral e de tres direcções geraes;

b) A secretaria geral constituira a repartição central do ministerio e a ella incumbirão, alem dos negocios relativos a administração interna e expediente do ministerio, os assumptos que interessarem em geral aos diversos serviços dependentes d'esta secretaria d'estado;

c) A primeira direcção geral terá a seu cargo os serviços relativos a instrucção primaria; a segunda direcção geral os serviços relativos a instrucção secundaria e superior; a terceira direcção geral os serviços relativos as bellas artes e ao ensino industrial e profissional;

d) Cada uma das direcções geraes será formada por duas repartições, tendo os directores geraes immediatamente a seu cargo uma d'aquellas em que se dividir a direcção geral respectiva;

e) Junto a secretaria geral do ministerio funccionara uma secção technica, composta de dois engenheiros, um architecto e dois desenhadores, servindo em commissão;

f) Não poderá ser excedida em mais de 22:000$000 réis a verba actualmente destinada a direcção geral da instrucção publica e ao conselho superior de instrucção publica;

6.° A crear a 10.ª repartição de contabilidade na direcção geral da contabilidade publica, que funccionara junto do ministerio da instrucção publica e bellas artes, supprimindo dois Jogares de segundo official e dois de amanuense no quadro da 3.ª repartição, e dois de amanuense na 9.ª repartição da mesma direcção geral, não podendo o augmento de despeza ser superior a 3:930$000 réis, e devendo os individuos providos nos logares supprimidos ser transferidos para o quadro da repartição a crear;

7.° A regular a exportação dos objectos artisticos, historicos ou archeologicos, não podendo o direito de saída exceder, em caso algum, 30 por cento do valor do objecto exportado;

8.° A fazer os mais regulamentos necessarios para a execução da presente lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da instrucção publica e bellas artes, em 16 de junho de l820. = Antonio de Serpa Pimentel = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Frederico de Gusmão Corrêa Aronca = João Marcellino Arroyo.

O sr. Fernando Palha (para uma questão previa): - Mando para a mesa a minha questão previa, que é a seguinte:

«Considerando que ainda não foi sanccionada por lei a creação do ministerio da instrucção publica e bellas artes, porquanto nem ainda a camara da dignos pares deliberou sobre o projecto de lei votado n'esta camara e que sanccionou, no que dependia d'ella, o decreto que se refere aquelle ministerio;

«Considerando que o facto da camara dos senhores de-

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putados presuppor que a camara dos dignos pares deliberará sobre o assumpto em conformidade com a sua propria deliberação, o que parece indicar a discussão do projecto dado para ordem do dia, é offensivo da dignidade d'aquella camara, propomos:

«Que a discussão seja adiada até que o projecto do lei n.° 104, depois do votado pela camara dos dignos pares, obtenha a sancção regia. = Emygdio Navarro = Carlos Lobo d'Avila = F. de Almeida e Brito = F. Beirão Frederico Ressano Garcia = Fernando Pereira Palha.»

Peço a v. exa. e á camara que attendam a esta proposta, que não é um additamento, mas uma verdadeira questão previa.

Como v. exa. sabe, dá-se a questão previa quando se propõe a resolução de que a camara não póde deliberar sobre o assumpto de que se trata.

Se a camara dos dignos pares rejeitasse o projecto que sancciona os decretos dictatoriaes, a camara dos senhores deputados não podia deliberar sobre o assumpto. Ora, como esse caso se póde dar, parece-me que a camara está inhibida de sobre ella deliberar.

Encetar uma discussão d'estas, é o mesmo que suppôr que a camara dos pares está ás ordens da camara dos deputados.

Parece-me que não é sua a intenção de v. exa. e da camara. Que seja a intenção do governo, não duvido, porque estamos acostumados a vêl-o pôr de parte tudo que interessa ao pai z, desprezar o parlamento, e arrastar o poder moderador a actos a que não devia, leval-o, pretendendo arrastar-nos tambem n'esse caminho, ao que nos devemos oppor com todas as nossas forças.

O sr. Manuel de Arriaga (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que não se discuta proposta nenhuma que traga augmento de despeza, sem que primeiro seja votado o bill na camara dos dignos pares.

O sr. Presidente: - O pedido de v. exa. é materia para uma proposta, não póde ser um requerimento.

V. exa. mandará para a mesa a sua proposta.

O sr. Arriaga: - Mando para a mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que não seja admittido á discussão qualquer projecto que envolva augmento de despeza, como o projecto sob o n.° 133, de que se trata, sem que seja previamente discutido e votado o orçamento do estado, para sabermos definitivamente as condições financeiras em que nos achâmos.

23 de junho de 1890. = Manuel de Arriaga.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Sr. presidente, pedi a palavra para fazer algumas declarações relativas á questão previa, apresentada pelo sr. Fernando Palha, com a qual não posso concordar.

Não ha motivo para adiar a discussão deste projecto, por isso que os decretos dictatoriaes se devem considerar lei do paiz, emquanto pelo poder legislativo não forem revogados.

É esta a opinião do governo já sustentada na outra casa do parlamento, e é a doutrina que professo, não podendo portanto acceitar os termos da proposta d'aquelle illustre deputado.

Leu-se na mesa a proposta do sr. Fernando Palha, que é a seguinte:

Proposta

Considerando que ainda não foi sanccionada por lei a creação do ministerio da instrucção publica e bellas artes, porquanto nem ainda a camara dos dignos pares deliberou sobre o projecto do lei votado n'esta camara e que sanccionou, no que dependia d'ella, o decreto que se refere áquelle ministerio;

Considerando que o facto da camara dos senhores deputados presuppor que a camara dos dignos pares deliberará sobre o assumpto em conformidade com a sua propria deliberação, o que parece indicar a discussão do projecto dado para ordem do dia, é offensivo da dignidade d'aquella camara, propomos:

Que a discussão seja adiada até que o projecto de lei n.° 104, depois de votado pela camara dos dignos pares, obtenha a sancção regia. = Emygdio Navarro = Carlos Lobo d'Avila = F. de Almeida e Brito = F. Beirão = Frederico Ressano Garcia = Fernando Pereira Palha.

Foi admittida.

O sr. Alpoim: - Sr. presidente, disse o sr. ministro da instrucção publica que, na opinião do governo, os decretos dictatoriaes devem considerar-se lei do paiz, emquanto não forem revogados; mas nós opposicão pensâmos do outra maneira, e nada nos importa a opinião que o governo possa ter sobre o assumpto, porque assim lhe convém.

Os decretos dictatoriaes não são leis emquanto não tiverem a sancção do parlamento.

Se os decretos dictatoriaes são lei, para que os trazem então á discussão do parlamento?

Nós pensâmos o contrario do que, sobre o assumpto, pensa o governo, e a prova de que estamos na verdade e que o mesmo governo traz á sanccão do parlamento os referidos decretos.

Quer v. exa. ouvir o que diz o § 4.° do artigo 1.° do projecto em discussão?

(Leu.)

Como é que póde entrar em discussão este projecto, sem estar presente o sr. ministro das obras publicas? É não ter respeito nenhum pelo parlamento, e é verdadeiramente desconsiderar a opposição, e o facto é que ha já muito tempo que o sr. Arouca não comparece n'esta camara.

Nós não fazemos esta proposta para que se obste á discussão d'este projecto, o que queremos é que tudo se faça legulmente, e foi esta consideração que levou o sr. Fernando Palha a apresentar e defender a proposta.

Entendo portanto que a camara não póde discutir este projecto sem que se vote o bill, e sem que esteja presente o sr. ministro das obras publicas.

Peço portanto ao sr. ministro da instrucção publica que tome em consideração as observações do sr. Fernando Palha, que não se deixe arrebatar por um proposito nada consentaneo com o procedimento moderado da opposicão, e faça com que se ponha de parte por emquanto a discussão d'este projecto.

O sr. Luciano Cordeiro: - O incidente não é novo, e parece-me tambem que não póde ser muito duvidosa a resolução d'elle.

Ha duas questões a considerar na proposta do sr. Fernando Palha, a questão de materia e a questão de ordem.

Sobre a questão de materia, e não exponho simplesmente a minha opinião, mas creio intrepretar a opinião das commissões reunidas, não me parece sustentavel o argumento de s. exa., de que a camara não póde resolver sobre este projecto, porque a camara dos pares ainda não resolveu o assumpto sobre o decreto de que elle se deriva.

Se a camara dos dignos pares não resolveu ainda, é certo que resolveu já a camara dos deputados, e resolveu no sentido de continuar a vigencia legal dos decretos da dictadura.

É um facto indiscutivel que os decretos de dictadura subsistem com força de execução, emquanto o parlamento não os revoga, mas a camara dos deputados já pronunciou a sua opinião franca e decisiva ácerca dos decretos dictatoriaes. Independentemente d'isso, observarei que, sem fazer referencias a decretos dictatoriaes, o projecto que está dado para ordem do dia podia e devia ser discutido por esta camara sem preoccupação com a fórma da medida que lhe deu origem. O governo podia, independentemente de ter promulgado o decreto dictatorial, trazer á camara um
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projecto reunindo os serviços de instrucção publica n'uma só e a mesma entidade legal. (Apoiados.)

Uma outra objecção se fez ainda, e é a de que não está presente o sr. ministro das obras publicas, pela pasta do qual correm alguns assumptos que se incluem no projecto que vae entrar em discussão.

A esse respeito creio poder haver uma só opinião. Está representado o governo, desde o momento que está presente um ministro. Não comprehendo mesmo estas distincções de pastas nas discussões parlamentares e de responsabilidade ministerial.

Não só está representado o governo pelo ministro para a pasta do qual passam realmente os serviços que se reunem no projecto apresentado á discussão, mas está representado o governo pelo proprio sr. presidente do conselho. Com relação á questão de fórma ou á questão de ordem...

O sr. Alpoim: - Eu posso informar a v. exa. que quando o partido regenerador era opposição requereu o mesmo que eu requeiro agora.

O Orador: - Eu sei o culto que ha pelos precedentes.

O sr. Alpoim: - Não os seguimos em tudo.

Uma VOZ : - Lá irão. (Riso.)

O Orador: - O precedente póde ser argumento, mas não é lei.

Na questão de forma ou na questão de ordem, direi apenas como opinião individual que entendo que a proposta do sr. Fernando Palha é uma verdadeira proposta de adiamento e não proposta de questão prévia, como s. exa. a caracterisa.

Nunca devia em bom principio e em boa rasão mirar a interromper ou a vedar a discussão de um qualquer projecto, porque até me parece que a doutrina do regimento se oppõe a isso.

O regimento prevê o caso em que a camara tenha de deliberar, que não é conveniente, que não é opportuuo ou que não está suficientemente habilitada a deliberar; mas a discutir, parece-me que não se deduz do regimento nenhum principio que auctorise uma questão prévia, ou uma questão de adiamento no sentido de cortar a discussão ou de interromper a discussão de projectos que estão dados para ordem do dia; pelo contrario, o artigo 67.° diz que a, discussão do projecto dado para ordem do dia só poderá ser interrompida em tres hypotheses, e em nenhuma dellas se incluo a questão previa, nem mesmo a questão de adiamento, posto que para o caso de adiamento muitas vezes se tem dado o facto, que o regimento prevê, de a camara deliberar que seja resolvida antes de se proseguir a discussão da questão principal.

V. exa. comprehende bem que de certo modo as commissões podiam desinteressar-se completamente desta questão; comtudo julguei dever em nome d'ellas dizer, que quer em relação a questão de materia, ou de ordem, entendo que não é viavel, que não está sufficientemente fundamentada, a proposta apresentada pelo meu amigo o sr. Fernando Palha.

Toda a camara, porém, tão perfeita confiança tem no primoroso criterio com que v. exa. dirige os trabalhos parlamentares que não oppomos uma resistencia absoluta a que se resolva a questão proposta pelo sr. Fernando Palha, e aeccitaremos a resolução de v. exa. com todo o respeito e com toda a obediencia.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Mando para a mesa por parte do sr. ministro da fazenda a seguinte proposta.

(Leu.)

É a seguinte:

Proposta

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 8.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia portugueza o governo pede á camara permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões os srs. deputados:

Fernando Mattozo Santos, inspector do serviço technico aduaneiro e vogal effectivo do conselho de administração das obras da manutenção do estado;
Joaquim Pedro de Oliveira Martins, administrador geral dos tabacos;

José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, primeiro official da direcção geral das contribuições directas.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 23 de junho de 1890. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Foi approvada.

(Occupou a cadeira da presidência o sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, vice-presidente.)

O sr. Frederico Laranjo: - Parece-me que é perfeitamente justificada a proposta de questão prévia mandada para a mesa pelo nosso illustre collega, o sr. Fernando Palha.

As rasões apresentadas pelo sr. Luciano Cordeiro na realidade não podem julgar-se procedentes.

Diz elle que os decretos de dictadura subsistem emquanto não são revogados, que por isso subsiste o que creou o ministerio da instrucção publica e que é conforme com todas as regras começar desde já a discussão da organisação d'esse ministerio.

Os decretos de dictadura com effeito subsistem, como decretos de dictadura, na sua simplicidade, taes quaes são para serem executados assim emquanto não são revogados legislativamente; mas estes decretos dictatoriaes não podem ser base para novas organisações, e para novas discussões, quando a sua approvação pende ainda numa das camaras. (Apoiados.)

O que fariamos nós da organisação que aqui votasse-mos do ministerio se na outra camara se não approvasse a sua creação? (Apoiados.)

O governo, pela doutrina defendida pelos seus membros e pela sua maioria, tem descoberto o motu continuo das dictaduras. (Apoiados.)

Eu já ouvi, a respeito do decreto dictatorial que reforma a camara dos pares, uma doutrina estranha.

Dizia um dos actuaes ministros que ainda quando as camaras não approvassem esse decreto, os pares que tinham sido eleitos em virtude d'elle, ficavam pares até acabar aquella eleição!

Realmente é descobrir, como disse, mot-continuo da dictadura. (Apoiados.)

Se isso assim fosse, não havia mais senão fazer um decreto de dictadura, executar-se esse decreto, e ainda, quando as camaras o revogassem, dizer: aquillo que se fez até ao tempo para o qual se fez, fica feito; e depois quando esse tempo terminasse, fazer outro decreto de dictadura, e andar assim continuamente. (Apoiados.)

Isto não póde ser. (Apoiados.)

Os decretos de dictadura subsistem, mas como decretos de dictadura na sua simplicidade, taes quaes foram publicados, mas não para servirem de base a nova organisações, emquanto elles não forem approvados pelas camaras. (Apoiados.)

Disse o sr. Luciano Cordeiro que o governo, assim como creou o ministerio da instrucção publica por um decreto de dictadura, podia trazer a esta camara um projecto para se crear este ministerio, e que n'este caso podia começar aqui a discussão.

É verdade.

Mas fizesse então isto o governo.

Visto, porém, que não o fez, e que creou o ministerio da instrucção publica por um decreto de dictadura, ha de esperar para organisar esse ministerio, que o decreto seja approvado por ambas as camaras. (Apoiados.)

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Disse mais s. exa. que o facto de se apresentar a questão previa não impedia de modo algum que continuasse em discussão o projecto que estava dado para ordem do dia.

Ora, o artigo 145.° do regimento, combinado com o argio 143.°, oppõe-se a esta doutrina.

O artigo 145.° diz o que é questão prévia, e o artigo 143.° diz:

«A todos os deputados é permittido mandar para a mesa propostas para eliminação, emendas, additamentos, e substituições á materia em discussão, ainda que não tenha tomado parto no debate. Depois de admittidas o classificadas ficarão as emendas, substituições e additamentos em discussão cumulativamente com a materia principal. Os additamentos, porém, só podem ser votados depois de approvada ou rejeitada a matéria a que foram ofterecidos, quando não fiquem prejudicados pela mesma votação.»

Diz o artigo que as emendas, substituições e additamentos ficam em discussão cumulativamente com a materia principal; mas já não diz que a questão prévia fica em discussão cumulativamente com a mesma questão principal. (Apoiados.)

Portanto, a questão prévia é completamente independente. (Apoiados.)

Depois d'ella resolvida é que se ha de passar á discussão do projecto. (Apoiados.)

Mas diz tambem o sr. Luciano Cordeiro que não tinha rasão de ser o pedido que fez o sr. Alpoim, para que estivesse presente á discussão o sr. ministro das obras publicas, por isso que, em virtude da solidariedade ministerial o governo estava representado desde que estava presente um ministro.

Ha sim a solidariedade ministerial, mas esta solidariedade não dá a cada ministro a responsabilidade directa e o conhecimento completo do que se passa e corre pelas outras pastas.

Ha uma cousa que resiste a esta solidariedade, um pouco ficticia, é que os assumptos das diversas pastas devem ser tratados pelos ministros respectivos, e tanto é isto assim, na realidade, que quando se pergunta alguma cousa relativamennte á pasta do ministerio da fazenda, ou a qualquer outra, e está presente o sr. Arroyo, s. exa. é o primeiro a recusar essa solidariedade ministerial, dizendo que comunicará a pergunta ao seu collega da competente pasta.

A creação do ministerio da instrucção publica traz comsigo a passagem de diversos estabelecimentos de instrucção profissional technica, do ministerio das obras publicas para o ministerio da instrucção, e por isso é conveniente que o sr. ministro das obras publicas esteja tambem presente a esta discussão.

Mas quererão, porventura, os deputados deste lado da camara fazer obstraccionismo apresentando esta questão prévia? Não. Nós pomos de parte completamente esse processo parlamentar, de que tanto usaram e abusaram os membros do actual ministerio. (Apoiados.) Nem julgâmos que o nosso dever é estar fallando constantemente, nem tão pouco que a nossa intelligencia seja tão superior á dos outros, que quando querem tomar alguma resolução imaginemos ter mais rasão e mais direito do que elles, e perturbemos e impeçamos as votações por todos os meios.

Pergunto eu: Já não ha n'esta casa projectos de lei constitucionaes para discutir? Está discutido tudo que é absolutamente necessario para a vida constitucional do governo? (Apoiados.)

Para que é esta pressa de discutir o ministerio de instrucção publica? Discutiu-se, é verdade, a lei de meios, mas já se discutiu a fixação da força militar? (Apoiados.)

O sr. Abilio Lobo. - Isso é com a presidencia.

O Orador: - É com o presidencia e tambem com o governo.

Ainda falta discutir dois ou mais projectos de lei constitucionaes e parecia-me muitissimo mais conveniente discutil-os agora, o que dará tempo a que na outra camara se approve o bill e, depois de approvado, poderemos então discutir a organisação do ministerio da instrucção publica, ministerio que foi creado na occasião em que sobre o paiz impendiam graves acontecimentos, (Apoiados.) que impunham sim ao governo o dever de defender a integridade e a dignidade do paiz, e não a creação de mais um ministerio.

Se é d'elle que esperam essa defeza, tarde virá ella.

Vozes: - Muito bem.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - O debate corre tão manso, que não serei eu quem venha lançar uma nota de discordia e de irritação num assumpto em que, me parece, quasi todos podemos estar do accordo, não porque se encontre ou possa encontrar-se uma solução intermediaria entre a proposta apresentada pelo meu amigo o sr. Fernando Palha e a resposta dada pelo sr. ministro da instrucção publica, mas porque emfim, decorrido este primeiro tempo e desfeitos estes fogachos, hão de a rasão e as conveniencias de todos nós indicar-nos um caminho a seguir, diverso d'aquelle em que porventura quereriam que nós entrassemos.

O sr. Francisco José Machado: - V. exa. faz-nos a fineza de fallar um pouco mais alto? Isto é mais uma prova da consideração que temos pelo illustre deputado.

O Orador: - Eu estou em parte de accordo com o que acaba de expor o sr. Laranjo, e é no que diz respeito á interpretação do artigo 145.° do regimento.

A questão, tal como foi posta pelo sr. Fernando Palha, é uma questão prévia, que tem de ser considerada antes da questão principal e neste ponto estou de accordo com a honrada decisão do digno presidente da camara, que sem a consultar, entendeu dever liquidar o incidente, antes do assumpto principal; mas se estou de accordo com o sr. Laranjo n'esse ponto, discordo completamente do ponto doutrinario, em cuja apreciação não entro, porque me falta a competencia para isso.

Não posso concordar com s. exa. em que um acto dictatorial não tem si competencia para dar força de lei aos decretos que d'elle derivam. Nós podemos discutir a organisação do ministerio da instrucção publica, porque hoje é um facto a sua existencia.

Pois se a dictadura teve força para constituir os corpos legislativos e para a sua organisação, como não ha de tel-a para que nós, interpretando um dos seus actos, possamos dar organisação a esse ministerio que ella creou, deixando a elaboração do seu regulamento ás côrtes?

A questão proposta pelo sr. Fernando Palha e muito mais simples, e eu peço desculpa de invadir a consciencia de s. exa. com a miuha opinião; a proposta do illustre deputado póde representar, ou uma necessidade de administração, ou uma forma externa de qualquer conveniencia partidaria de momento. Uma necessidade de administração não representa, porque seria uma incoherencia constitucional que quem julgasse das necessidades de administração fossem as opposições. Ao governo e só ao governo compete avaliar dessas necessidades, assim como ao presidente da camara compete a direcção dos trabalhos parlamentares, e tanto esta conclusão é justificada, que nós já votámos a verba consignada na lei do meios para o ministerio da instrucção. Ora se esta proposta não representa uma conveniencia administrativa o que póde representar?

Só ha a fórma externa, como já disse, de uma conveniencia partidaria ou politica.

Se assim é, é este um conflicto que tem uma solução pelos meios constitucionaes.

A minoria entende que deve adiar-se a discussão d'este projecto, e n'este caso não ha a contrapor á sua opinião, nem pedidos, nem ameaças, nem qualquer outra, fórma exterior que não seja a da argumentação para destruir esse modo de ver.

Por consequencia, entendo que mais valeria que nós di-

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rimissemos nos processos que o regimento faculta esto con-flicto de opiniões, e que passássemos a tratar do assumpto principal, e, entre muitas rasões, por esta: porque com isto não conseguimos senão protelar por algumas horas o debate e depois demorar-nos mais tempo sem conseguirmos a vontade de nós todos, que e liquidar a situação e habilitar o governo a governar com as leis que elle a bem do paiz entende que precisa, e sem as quaes, por maiores que sejam as nossas commodidades, não podemos sair d'aqui. (Apoiados.)

O sr. Pereira Carrilho: - Mando para a mesa a ultima redacção do projecto de lei do bill de indemnidade.

Leu-se na mesa esta ultima redacção.

O sr. Lobo d'Avila (para um requerimento): - Eu vi ler uma cousa tão comprida, que me parece mais conveniente que seja impressa para que a camara tome d'elle pleno conhecimento antes de votar. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - É a ultima redacção do bill.

O Orador: - É a ultima redacção; mas creio que se fizeram grandes modificações, a ponto de se me afigurar como um novo parecer.

V. exa. sabe que a esse projecto foram apresentadas muitas emendas, e para se ver a maneira como ellas foram incluidas nas disposições da lei, parece-me conveniente que se mande imprimir e distribuir pela camara essa ultima redacção. (Apoiados.)

O sr. Pereira Carrilho: - Em 1887 tambem o parecer sobre as emendas do bill era tão comprido senão, maior do que este, e não foi impresso.

Eu não tenho duvida em que este seja impresso; mas o que posso asseverar é que elle é exactamente a traducção fidelissima das propostas que foram apresentadas.
Não ha n'ellas a mais pequena alteração, e houve toda a cautela e cuidado na inserção n'esta ultima redacção do todas as alterações que foram aqui apresentadas.

O sr. Emygdio Navarro: - Acabo do ouvir as observações do sr. Carrilho; mas vou contar um facto, que serve para corroborar a rasão do pedido do meu amigo, o sr. Lobo d'Avila.

Fui relator, em 1881, de um projecto sobre contribuição de registo. Um deputado, o sr. Crespo, me parece, apresentou uma emenda, do substituição ou additamento, para que as transmissões de propriedade effectuadas no Brazil não ficassem sujeitas a essa contribuição, e que a contribuição de registo podesse ser paga sessenta dias depois de se ter apresentado o respectivo titulo no consulado.

Essa proposta foi mandada á commissão e por ella acceita, sendo approvada pela camara.

O projecto, depois de ser aqui approvado com a emenda, passou para a camara dos pares, e comtudo essa emenda importante não appareceu na lei.

Temos muita confiança na commissão; mas essa confiança não póde ser tão ampla que permitia darem-se casos como o que acabo do indicar; pelo que julgo conveniente que um parecer, tão longo como este, seja impresso, a fim de que não se repilam similhantes factos. (Apoiados.)

O sr. Pereira Carrilho: - Esse facto não tem applicação ao caso sujeito. Posso asseverar á camara que todas as alterações que foram approvadas, e que constam do parecer sobre as emendas, estão incluidas no parecer.

É uma questão de confiança na commissão de redacção, e a camara resolverá como entenda.

O sr. José de Azevedo Castello Branco (para um requerimento): - Eu não quero abafar a discussão, nem justificar cousa alguma, apenas apresentar um requerimento.

Requeiro que continue, a discussão, até se resolver a questão prévia do sr. Fernando Palha, e que só depois se liquida este assumpto relativo á ultima redacção.

O sr. Lobo d'Avila: - O requerimento do sr. José de Azevedo parece patentear o receio de que nós, levantando esta questão, queiramos fazer obstracionismo, e eu declaro que, quando fiz o meu requerimento não tive similhante intenção e julguei que elle não era motivo para discussão.

E quero dizer ao sr. Carrilho que já fui seu collega na commissão de redacção e conheço o seu zelo e lealdade; mas uma camara composta de tantos membros, não póde abdicar n'um só, por maior que seja a confiança que elle inspire. E alem d'isso o facto citado pelo meu amigo o sr. Emygdio Navarro prova de que se podem dar lapsos.

Portanto, eu insisto na minha proposta.

V. exa. submettel-a-ha á appreciação da camara e ella resolverá como entender.

O sr. Presidente: - Ha um pedido para que se mande imprimir a ultima redacção do projecto do bill de indemnidade, e ha um requerimento do sr. José de Azevedo Castello Branco para que este incidente fique adiado para depois de resolvida a proposta do sr. Fernando Palha.

Vou consultar a camara.

Consultada a camara resolveu que se continuasse na discussão da proposta do sr. Fernando Palha.

O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Eu fui um dos signatarios da proposta apresentada pelo sr. Fernando Palha, e tão obvia e tão clara é a sua doutrina, que não imaginava ter de a justificar.

Confio muito nos conhecimentos do sr. ministro da instrucção publica, e só posso explicar a sua impaciencia pela pressa que s. exa. tem em sair da situação em que se acha collocado, porque, em fim, não é agradavel ser por tanto tempo ministro na situação em que s. exa. o é.

A camara acaba de ver que o projecto do bill não foi ainda para a outra camara, porque a ultima redacção está pendente do voto d'esta casa.

E não se póde dizer, como já se disse, que a camara podia deliberar sobre o assumpto, antes de estar approvado, pela camara dos dignos pares, o procedimento do governo.

Entendo que o primeiro projecto que se devia submetter á approvacão das camaras era o do bill, e o governo tambem entendeu que era necessario regularisar a situação em que se encontrava, porque os decretos dictatoriaes não são leis cmquanto não forem confirmados pelo poder legislativo.

E devo dizer que me parece não haver vantagem, nem para o governo nem para a maioria, com esta violencia inutil. Temos muito tempo.

Estão pendentes outros projectos, deixemos este de parte e discutamos outro qualquer.

Todos nós reconhecemos a força dos decretos da dictadura, como muito bem aqui o disse o sr. Laranjo, e a prova é que estamos a permittir como ministro da instrucção publica o sr. Arrojo, que ainda o não é definitivamente; mas o que não podemos é reconhecer a opportunidade de organisar o ministerio da instrucção publica antes do parlamento ter sanccionado a sua creação.

Se o governo entendesse que, na epocha em que creou o novo ministerio, devia tambem organisal-o, considero, a meu ver, que entendia muito bem, porque a dictadura, para ser lógica, devia ir até ás ultimas consequencias, não deixando um ministro sem ministerio, mas se o governo entendeu que devia crear aquelle ministerio, sem o ter organisado, eu não tenho culpa d'isso.

O sr. Arroyo, que tem esperado alguns mezes pela regularisação da sua situação, que espere mais alguns dias. Este sacrificio é pequeno, e será compensado pela satisfação que s. exa. ha de sentir em prestar uma homenagem aos principios constitucionaes, satisfação que s. exa. ainda não sentiu, talvez. (Apoiados.)

Ha uma phrase do discurso, aliás placido, do sr. José de Azevedo Castello Branco, que é extraordinaria.

Disse s. exa.: os srs. nada têem com isto; o governo e a maioria é que governam.

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Oh ! senhores, respeitemos ao menos as apparencias!... (Apoiados.)

Pois o systema parlamentar já é isto?!...

Os srs. entendera que não vale a pena fazer caso da carta constitucional?!...

(Aparte do sr. Teixeira de Vasconcellos, que não se ouviu.)

É por isso exactamente que eu peço que se respeitem os principios e as formulas.

O sr. José de Azevedo Castello Branco disse: se o governo e a maioria é que governam, para que estilo os srs. preoccupados?

Preoccupâmo-nos sim, senhor; porque estamos onde devemos estar, estamos a cumprir um dever.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - V. exa. tem a certeza de que eu disse isso?

O Orador: - Creio que disse isto, e é esta a unica nota que tomei do seu discurso.

Sei esse discurso de cor, tal é a consideração que me merece o illustre deputado, e comtudo, para se não dar qualquer equivoco ou alteração tomei esta nota.

Parece-me que s. exa. disse isto: se o governo e a maioria é que governam, para que se preoccupam com este assumpto?

Se s. exa. o não disse, folgo muito, porque entendo que phrases d'estas são sempre lamentaveis.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Ainda que o tivesse dito, não o lamentava, porque nunca lamento ter dito uma verdade.

O Orador: - Mas deixa-nos ao menos o direito de nós o lamentarmos.

E se o illustre deputado imagina que temos intuitos obstruccionistas, auxilia-me maravilhosamente, n'este caso, com os seus ápartes.

Eu torno a appellar para o sr. ministro da instrucção publica. Tenha s. exa. alguma resignação, e espere um pouco mais, assim como o sr. Luciano Cordeiro já se resignou a que esta questão seja tuna questão previa, apesar da sua opinião em contrario.

Ponhamos de parte este projecto, e vamos apreciar outros que temos para discutir, dando assim, ao menos uma apparencia de seriedade ás questões de que nos occupamos.

O sr. Pedro Victor: - Inscrevi me para dizer muito poucas palavras em resposta ao illustre deputado que acaba de fallar.

Se o sr. José de Azevedo Castello Branco tivesse dito o que s. exa. lhe attribuiu, eu agora seria obrigado a defender uma opinião contraria á do meu illustre amigo.

Quem governa hoje, a meu ver, são as opposições. Nós já governámos, e o illustre deputado e os seus amigos governam agora. (Riso.)

O sr. José Maria de Alpoim: - O illustre deputado não se lembra já da phrase do sr. Baracho: o pão negro da opposição?

O Orador: - Sim, senhor; o pão negro da opposição, com alguns favores do governo, porque os governos o que querem é ter as opposições socegadas; (Riso.) mas o sr. José de Azevedo não disse o que se suppõe, me parece.

Eu não tenho presentes todas as palavras ou phrases, que s. exa. proferiu, mas a impressão que me ficou foi de que o meu illustre amigo affirmava que quem julgava da opportunidade dos debates, era o sr. presidente da camara, mais ou menos de accordo com o governo.

Ora isto é perfeitamente verdade, a presidencia da camara é que julga da opportunidade de se poder dar um projecto qualquer para discussão, n'este ou n'aquelle dia, e é este um facto que está assente e que ninguem contesta.

Voltando ao assumpto principal, direi que a questão é muito simples. Todos estamos de accordo em dizer, que os actos dictatoriaes são leis do paiz emquanto não são revogados pela camara. (Apoiados.) Estão todos de accordo n'este ponto.

Uma voz: - Todos não.

O Orador: - O sr. Laranjo, pelo menos, como professor de direito veiu dizer-nos a ultima palavra e não desistiu d'esta opinião.

É mesmo esta a opinião de s. exas.

Pois s. exas. não executaram os decretos dictatoriaes promulgados pelo ministerio progressista?! Executaram-nos, consideraram-nos leis do paiz debaixo de todos os pontos de vista. O que é facto, por consequencia, pelo menos parece rasoavel para a maioria das opiniões, tanto d'esta parte da camara como d'essa, é que os decretos dictatoriaes são leis do estado, emquanto não forem revogados.

Ora pergunto, a camara dos senhores deputados já revogou o decreto da creação do ministerio da instrucção publica? Não A camara dos dignos pares já o revogou tambem? Não. Logo é lei do paiz. (Apoiados.)

Logo não podemos dizer, sejam quaes forem os tramites que corra a discussão do bill, quer esteja n'esta camara, ou dependente da outra, ou ainda mesmo que não estivesse encetada em camara nenhuma, que não é lei do paiz esto decreto, e que não está muito bem dada para ordem do dia a discussão d'este projecto, independentemente de qualquer votação sobre o bill na outra casa do parlamento.

Feita, portanto, está declaração, sabendo nós que as opposições é que governam no parlamento, tendo nós muitos mais projectos a discutir, especialmente projectos de fazenda; fazendo um calor tropical, quando a opposição entender por bem acabar com a sua questão previa, não fará mais do que adiantar os trabalhos da camara e nós todos cumprirmos assim melhor com o nosso dever, trabalhando e occupando o tempo utilmente.

O sr. Eduardo José Coelho: - Sr. presidente, como o meu amigo e correligionario, o sr. Carlos Lobo d'Avila, surprehendo-me que o governo e a maioria insistam em não admittir a questão prévia proposta pelo tambem meu amigo e correligionario, o sr. Fernando Palha. (Apoiados.)

Estão dados para ordem do dia projectos de lei importantes, e parecia-me que se podia aproveitar o tempo, discutindo qualquer d'elles, e esperando que o bill, que releva o governo das responsabilidades em que incorreu com a promulgação dos decretos da dictadura, fosse approvado na camara dos dignos pares. (Apoiados.)

A discussão para já da organisação do ministerio da instrucção publica, nem ao menos salva as apparencias constitucionaes. (Apoiados.)

Mas, pois que a maioria e o governo teimam no seu proposito, ponhamos a questão, porque ensinaram-mo nas escolas e a experiencia me tem feito ver, que pôr uma questão é, por via de regra, resolvel-a. (Apoiados.)

O que pretende o governo? Organisar o ministerio da instrucção publica, segundo o projecto de lei dado para ordem do dia; mas a discussão d'este projecto presuppõe que a creação do ministerio é uma realidade, um facto legal. Ora a verdade não é esta. (Apoiados.)

Não póde a camara dos dignos pares negar a sua approvação ao decreto, que creou o ministerio da instrucção publica? É evidente que pôde, e não ha quem negue essa possibilidade.

Por outro lado, não basta que a camara dos dignos pares approve, é precisa a sancção do chefe do estado, isto é, é necessario que a creação do ministerio da instrucção publica seja feita por uma lei, o que torna necessaria a intervenção dos corpos co-legisladores, do chefe do estado, e finalmente a sua promulgação. (Apoiados.) São elementares estes principios? Parecerá uma banalidade invocal-os? Tanto peior para a maioria e para o governo, que justamente póde ser accusado de nem sequer respeitar os principios mais rudimentares do systema constitucional. (Apoiados.)

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O que diz o decreto dictatorial de 5 de abril do corrente anno? O artigo 1.° diz o seguinte:

«É creado o ministerio de instrucção publica e bellas artes.

«Artigo 2.° O governo proporá opportunamente ás camaras legislativas as providencias necessarias para a organisação do serviço d'este ministerio.»

É, pois, evidente que, eraquanto não for lei do paiz o artigo 1.°, não se comprehende que o governo proponha as providencias necessarias para a organisação do serviço d'este ministerio. (Apoiados.)

A organisação de um ministerio, que ainda dependo de uma lei, é verdadeiramente cousa notavel, para lhe não dar o verdadeiro nome.

Devo dizer á camara que não se falta sómente ao devido respeito aos mais triviacs principiou do systema constitucional; são offendidos os mais triviaes deveres de cortezia parlamentar. (Apoiados.)

Em que situação fica a camara dos dignos pares? Em que situação colloca o governo os seus amigos e correligionarios da camara alta? (Apoiados.)

Não significa este procedimento, que de antemão se conta com a approvação de tudo o que é enviado d'esta áquella casa do parlamento? (Apoiados.)

E quando haja essa convicção, não seria conveniente para todos, não seria digno para todos, que ao menos se respeitassem as apparencias? (Apoiados.) Tão decaidos já estamos, tão baixo tem descido o nivel parlamentar da outra casa do parlamento, que está reduzida a chancellar o que o governo quer, o que lhe enviam da camara dos senhores deputados? (Apoiados.)

E de mais temos um exemplo, que muito convém recordar á camara. Não podia letnbrar-me de melhor precedente. A camara sabe que a dictadura de 1870 creou o ministerio da instruccão publica, mas talvez se não recordasse que entre as providencias de caracter legislativo que as camaras não approvaram, foi exactamente a creação do ministerio da instrucção publica. (Apoiados.)

O que aconteceu em 1870 não póde acontecer em 1890? (Apoiados.)

Estas são as rasões do ordem politica e constitucional, que se oppõem á discussão do projecto dado para ordem do dia. Mas ha rasões, digamol-o, assim de ordem juridica, que são a verdadeira justificação da questão prévia. O que pretende a camara discutir? A organisacão do ministerio da instrucção publica?

Não ha duvida que é isso, mas a creação d'este ministerio está pendente na outra casa do parlamento, e portanto nós não temos ainda competencia para discutir; pende o litigio constitucional na camara dos dignos pares; está prevenida a jurisdicção.

Esta rasão é cabal, é um fundamento indestructivel da questão prévia. (Apoiados.)

Tenho ouvido repetir muitas vezes, e já hoje foi dito, para defender a opinião do governo e da maioria, que os decretos da dictadura são leis de facto, emquanto os corpos co-logisladores os não revogam, alteram e modificam. Rejeito similhante opinião, abomino taes theorias constitucionaes. Devo dizer que exprimo a minha opinião individual, exclusivamente a minha opinião individual.

As dictaduras são leis de facto, porque o paiz não pôde, não quer, ou não sabe resistir-lhes. (Apoiados.)

Já sustentei mais de uma vez n'esta casa do parlamento, que o maior perigo das dictaduras não consiste sómente na violação da constituição politica, na usurpação por parte do poder executivo das attribuições e regalias dos outros poderes do estado. Na minha opinião, o maior perigo consiste em dar ao povo, ao paiz, o direito de não obedecer. (Apoiados.)

O povo não se revoluciona contra as dictaduras e contra os dictadores, mas não esqueçam os poderes publicos, que lhe deram o direito de o fazer. É por isso que aos poderes publicos convém reflectir muito e a tempo nas circumstancias extraordinarias e urgentes, em que procurara apoiar-se para sair da legalidade. (Apoiados.)

Não desejo alongar o debate n'uma questão, que é tão simples e que se impõe ao bom senso de todos.

Não teime, torno a repetir, a maioria e o governo. Se isto acontecesse n'outros tempos, posso assegurar-lhes que o governo e a maioria teriam cruel desengano. A disciplina partidaria tem limites, e parece-me que é abusar da disciplina partidaria da camara dos dignos pares obrigal-a a não reflectir, a não ter liberdade de acção, ou, o que é peior, a não poder mostrar que é livre e independente, porque aqui nem as apparencias só salvam. (Apoiados.)

Não quero deixar de dizer, por ultimo, á camara, que, segundo os bons principios constitucionaes, e na opinião de graves doutores de direito publico, uma camara não pôde, não deve, pelo menos, usar da iniciativa em assumpto que a outra camara tenha primeiro antecipado a discutir, e uclla esteja pendente. (Apoiados.)

Não fallo, é claro, d'aquella iniciativa que é exclusiva de uma das camaras; fallo de qualquer projecto de lei, cuja iniciativa póde ser commum ás duas casas do parlamento.

Termino com pouca esperança de que o governo e a maioria sigam a boa doutrina; mas por isso mesmo não devo deixar de lhes dizer mais uma vez que me parece faltam aos principios mais elementares do systema constitucional e que mesmo não são respeitados os deveres de cortezia parlamentar para com a camara dos dignos pares.

Tenho dito. (Apoiados.)

O sr. Ministro da Instrucção Publica (João Arroyo): - A palavra do sr. Eduardo Coelho não trouxe argumentos novos, não porque s. exa. não seja um espirito bastante esclarecido para se occupar de qualquer materia de que se trate n'esta casa, mas porque a questão em si estava já tão esclarecida, que nem mesmo a cooperação de s. exa. podia trazer cousa alguma de novo para o debate.

Eu direi a s. exa. que os próprios actos e procedimento da opposição parlamentar estão a destruir em absoluto as arguições que partem d'essas bancadas.

Pois s. exas. não votaram a lei de meios?

Não votaram diversas verbas que eram o resultado d'este decreto, com data de 5 de abril?

Ainda mais. Logo no primeiro acto de dictadura, que tema data de 10 de fevereiro, não foram publicados alguns decretos que mais tarde deram origem a outros que trouxeram um onus que figura no orçamento substituido pela lei de meios?

Parece-me, portanto, que s. exas., julgando sustentar uma boa doutrina, estão fazendo o contrario.

O sr. Alfredo Brandão: - Disse que, em harmonia com o que sustentara, quando se discutiu o lill, a sua opinião era que os decretos dictatoriaes estavam em vigor desde que foram promulgados.

A sua questão era que os decretos estavam em vigor dictatorialmente e que portanto só podiam ser regulamentados dictatorialmente.

O ministerio da instrucção publica estava creado dictatorialmente, faltando-lhe ainda a sancção parlamentar, e se se discutisse e votasse o projecto, equivalia isto a regulamentar-se parlamentarmente aquillo que só dictatorialmente podia ser regulamentado.

A regulamentação do ministerio da instrucção publica só podia fazer-se quando o parlamento sanccionasse o decreto.

(O discurso do sr. deputado publicar-se-ha na integra, e em appendice a esta sessão, quando sejam restituidas as notas tachygraphicas.)

O sr. Jalles: - Requeiro a v. exa. que consulto a ca-

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mara sobre se julga sufficientemenie discutida a materia da questão prévia.

O sr. José Maria de Alpoim: - Requeiro a v. exa. que haja votação nominal sobre esse requerimento.

Consultada a camara resolveu afirmativamente.

Feita a chamada:

Disseram approvo os srs.: Agostinho Lucio, Albino de Figueiredo, Alvaro Possolo de Sousa, Fialho Machado, Jardim de Oliveira, Lopes Navarro, Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Maria Jalles, Santos Viegas, Sergio de Castro, Aristides da Mota, Campos Henriques, Hintze Ribeiro, Elmano da Cunha, Pereira Leite, Carlos Bocage, Christovão Ayres, Ribeiro de Castro, Freitas Branco, Ferreira do Amaral, Severino de Avellar, Figueiredo de Faria, Guilherme Augusto Pereira de Abreu, Alves Bebiano, Barros Mimoso, Silveira Figueiredo, João de Paiva, Teixeira de Vasconcdlos, Pedroso de Lima, Germano de Sequeira, José de Azevedo Castello Branco, Moraes Sarmento, Figueiredo Mascarenhas, Henriques de Azevedo, Grecnfield de Mello, Oliveira Peixoto, Pestana de Vasconcellos, José Maria dos Santos, Horta e Costa, Soares do Albergaria, Luna do Moura, Cau da Costa, Luciano Cordeiro, Pimentel Pinto, Virgilio Teixeira, Manuel d'Assumpção, Theophilo Augusto Ferreira, Aralla o Costa, Pinheiro Chagas, Silva Mesquita, Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Victor, Antonio Teixeira de Sousa, José de Sousa Cavalheiro, Antonio de Azevedo Castello Branco.

Disseram rejeito os sr.: Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Baptista de Sousa, Eduardo Villaça, Fuschini, Bernardino Pinheiro, Carlos Lobo d'Avila, conde de Villa Real, Eduardo Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Mattozo Santos, Fernando Palha, Almeida e Brito, Veiga Beirão, Mattozo Côrte Real, Dias Costa, Francisco José Machado, Ressano Garcia, Oliveira Martins, José Antonio de Almeida, José Dias Ferreira, Elias Garcia, Frederico Laranjo, José Julio Rodrigues, José Maria de Alpoim, Monteiro Cancella, Bandeira Coelho, Esprcgueira, Manuel de Arriaga, Roberto Alves, Visconde de Tondella.

Julgou-se portanto a materia discutida por 67 votos contra 32.

Leu-se na mesa a proposta do sr. Fernando Palha, e posta á votação foi rejeitada.

O sr. Carrilho: - Sr. presidente, tive a honra demandar para a mesa a ultima redacção do projecto de bill de indemnidade, e disse que me parecia conveniente a dispensa do regimento, para que elle entrasse em discussão, e ser remettido para a camara dos pares.

Desde, porém, que a sessão de hoje n'aquella camara acabou já, parece-me que não haverá inconveniente em que parecer vá a imprimir, seja distribuido por casa dos srs. deputados e possa ser approvado na primeira parto da ordem do dia da proxima sessão.

Assim se resolveu.

O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Sr. presidente, nos termos do regimento, tenho o direito de pedir a palavra para uma questão prévia.

Eu não tenho o intuito de obstar á discussão d'este projecto.

Vou ler uma proposta, que é assignada por cinco ou seis dos meus collegas, que é a seguinte:

«Propomos que a discussão d'este projecto fique adiada até estar presente o sr. ministro da fazenda, cuja presença é indispensavel para ser ouvido sobre os augmentos de despeza que d'elle resultam, e julgar das propostas que forem apresentadas, para se realisar com maior economia a creação do ministerio da instrucção publica. = F. J. Machado = Oliveira Martins = E. Villaça = E. Navarro = F. Palha = Carlos Lobo d'Avila.»

Sr. presidente, é obvia, é importantissima esta proposta. Pois o sr. ministro da fazenda pede novos sacrificios ao contribuinte, canta-nos a aria das economias, e não ha de vir aqui, na occasião em que se discute um projecto d'esta ordem, dar-nos a explicação do augmento de despeza que consentiu!?

Da parte da opposicão não ha o menor intuito obstruccionista, e espero que o sr. ministro da instrucção publica seja d'esta vez mais generoso, concedendo á camara uma cousa que ella tanta vez esqueceu quando era opposicão, isto é, a presença do sr. presidente do conselho ou de qualquer outro ministro, quando se tratava de projectos de responsabilidade politica.

Entendendo que esta é uma questão vital, e que, no proprio dizer do sr. ministro da fazenda, muito preoccupa o sentir do paiz, e attendendo aos cuidados que as necessidades do thesouro publico reclamam, eu peço á camara, á maioria e ao sr. ministro da instrucção publica que acceitem esta proposta que consideramos de todo o ponto rasoavel.

O sr. Presidente: - Vae votar-se a proposta apresentada pelo sr. Lobo d'Avila, visto não haver mais ninguem inscripto.

O sr. Elvino de Brito: - Pedindo a palavra, estranhou que, nem da parto da maioria, nem da do governo, se levantasse alguém para fallar sobre a proposta do sr. Lobo d'Avila.

Pelo projecto que se discutia ia transferir-se do ministerio do reino para o da instrucção publica a direcção geral da instrueção publica, e ainda em cima se pedia um augmento de despeza de 22:000$000 réis. Augmentando-se consideravelmente a despeza, não sabia como o projecto se podesse discutir sem estar presente o sr. ministro da fazenda.

Demais, dava-se o caso de transitarem para o ministerio da instrucção publica algumas repartições do ministerio das obras publicas, deixando truncada a organisação d'este ministerio numa das suas direcções. Por este motivo, parecia-lhe que devia tambem ser ouvido o sr. ministro das obras publicas.

(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se liquidar este assumpto.

Foi approvado este requerimento.

O sr. Lobo d'Avila (sobre o modo de propor): - Sr. presidente, eu não costumo escalar a palavra nesta camara, nem usar de expressões que não estejam em harmonia com a minha educação, nem com o respeito que se deve ao parlamento; (Apoiados.) mas não estou disposto, porque o sr. Arroyo passou dos bancos da opposicão para as cadeiras do governo, a sujeitar-me a desconsiderações de s. exa. (Apoiados.)

Eu fiz uma proposta, em meu nome e em nome dos meus collegas da opposicão, e o sr. ministro da instrucção publica tem obrigação rigorosa de responder, ou pelo menos de declarar se acceita ou não essa proposta, e se julga que é indispensável a presença do sr. ministro da fazenda durante esta discussão. (Apoiados.)

Se esse procedimento importa uma desconsideração para com a opposicão, repillo-a, (Apoiados.) se significa uma descortezia pessoal, repillo-a igualmente; (Apoiados.) porque eu, apesar de não partir carteiras e de não usar n'esta casa de expressões improprias d'ella, hei do saber zelar e manter a minha dignidade.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Para accusar, é preciso sempre ter um motivo ou uma rasão. (Apoiados.)

Se o illustre deputado, o sr. Lobo d'Avila, que tão enfurecido appareceu contra o facto de eu não ter pedido a palavra para dar explicações, tivesse tomado nota da fórma como tem corrido este debate, s. exa. reconheceria que não tinha o mais pequeno motivo para o fazer. (Apoiados.)

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856 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Creia s. exa. que eu sei quaes os deveres que me assistem n'este logar; (Apoiados.) e eu convido s. exa., e os membros da opposição parlamentar, a que me citem a mais pequena prova de incorrecção de proceder que eu tenha tido na fórma como parlamentarmente tenho procedido nos conselhos da corôa. (Apoiados.)

(Interrupção que não se ouviu.)

É que o illustre deputado está enganado.

Eu não o escolhi para fazer de s. exa. alvo do novos habitos. S. exa. é que me escolheu, n'este momento, como predilecto das suas iras, e não sei que motivo possa ter para isso. A escolha não foi minha, acredite s. exa. Eu não escolhi o illustre deputado; s. exa. é que ha muito tempo me distingue, com muito prazer e orgulho para mim, e com desvanecimento do meu amor proprio, como dando-me provas de cortezia, de gentileza e de obsequiosidades especiaes.

Dito isto, tenho simplesmente a declarar ao illustre deputado que, se s. exa. tivesse attendido aos termos em que correu a discussão, teria compreheridido que, se lhe não respondi, não foi por menos consideração ou menos attenção para com s. exa., ou para com a opposição parlamentar; mas porque a resposta já tinha sido dada dos bancos do poder e das bancadas da maioria.

Tinha eu observado, quando usei da palavra n'este debate, em relação á referencia de alguns dos srs. deputados da opposição sobre a ausencia do meu collega o sr. Arouca, que não julgava necessaria a presença de s. exa., visto que o governo se achava representado por mim, e n'essa occasião pelo sr. presidente do conselho.

Foi esta a declaração que fiz e que tambem foi feita por parte da maioria, e cuja repetição julgo absolutamente desnecessaria.

Foi esta a rasão do meu procedimento. Do resto, póde s. exa. ter a certeza que eu acredito piamente que não estava na sua mente fazer demorar o debate ou lançar mão do obstruccionismo; mas, repito, pelo que me diz respeito, julguei que não tinha agora obrigação do continuar a fallar sobre o assumpto, porque nada mais tinha a acrescentar ao que dissera.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, têemm sido bem extraordinarias as explicações que o governo tem dado á camara. São bem extraordinarias as explicações que o governo dá, para que o paiz possa apreciar o seu procedimento.

O que todos vemos é que, em só tratando de augmentar a despeza, o governo tem uma pressa enorme de arrancar do parlamento a medida que possa sugar o sangue do contribuinte. (Apoiados da esquerda.) Bastava o governo ver, que este projecto traz um grandissimo augmento de despeza para deixar que sobre elle houvesse a conveniente discussão, a fira de que o paiz ficasse suficientemente esclarecido.

Mas, o governo teia pressa em arrancar do parlamento este projecto para collocar o sr. Arroyo na situação de verdadeiro ministro, tirando-o da situação horrivel e pouco linsonjeira de ministro in partibus.

Eu comprehendo que o sr. Arroyo tenha pressa em sair da situação em que está collocado, situação que não e agradavel; o que não comprehendo, porém, é que a maioria lhe faça a vontade.

O sr. Arroyo devia ver a situação em que os seus collegas o collocaram, para não se submetter a ella; mas a satisfação de ser ministre é tal que a tudo se sujeita, sacrificando o paiz ás suas vaidades.

Aproveitaram a occasião em que s. exa. foi ao Porto, em viagem de recreio, para na sua ausencia o tirarem do ministerio da marinha onde não mostrou aptidões, o para que o sr. Arroyo não ficasse desconsolado arranjaram-lhe um ministro, como premio de consolação. Bastava esta circumstancia para que s. exa. visse o disvelo com que era tratado pelos seus collegas. Bastava isto, para s. exa. ver que a sua situação é verdadeiramente insustentavel. A situação de ministro in partibus deve doer-lhe muito, por isso tem pressa de sair d'ella o mais depressa possivel, mas resigna-se porque o paiz tambem se resignará quando tiver de pagar a despeza com o novo ministerio.

O sr. Arroyo devia ter mais do do contribuinte, do que da sua propria pessoa. Os ministros não estão n'aquellas cadeiras para tratarem das suas pessoas, mas sim do paiz. S. exa. custa-lhe muito não ter ministerio, mas custa mais ao contribuinte pagar a despeza que se vae fazer para s. exa. ter a alegria de andar de correio atraz. (Riso.) Dá-se ao sr. Arroyo um ministerio como se dá um brinquedo a uma creança para se calar.

Do paiz é que nós devemos ter dó; do contribuinte é que devemos ter compaixão, e não das vaidades de um mancebo, a quem os seus collegas tiraram a pasta da marinha, arranjando-lho a da instrucção publica, como premio de consolação, ou como uma rolha doce para lhe fazer calar os vagidos. (Riso.)

O sr. Arroyo devia ver como é tratado pelos seus collegas, e não se resignar ao papel que o obrigam a desempenhar.

Nem o sr. presidente do conselho se atreveu a assistir a esta discussão! Todos os seus collegas o abandonam!

Nenhum dos collegas do sr. Arroyo o quiz auxiliar; abandonaram-n'o, deixaram-n'o só: nem ao menos lhe dão a força moral da sua presença.

O sr. presidente do conselho já ahi esteve mas retirou-se, porque não quiz sanccionar com a sua presença um facto d'esta ordem e que na sua consciencia entende não ter nenhuma rasão do ser! Também s. exa. entendeu que quanto mais tarde o sr. ministro da instrucção publica regularisar a sua bem pouco lisonjeira situação, melhor.

Diz o proverbio: «emquanto o pau vae e vem folgam as costas». Quem sabe se até o ministerio abandonará essas cadeiras livrando o contribuinte de tal despeza. A demora n'estas cousas nunca faz mal.

Diz se, e creio que com fundamentos, que ha serias desintelligencias entre os membros do governo, que ha crise latente e que portanto o ministerio não tem vida longa, pelo menos, como está actualmente constituido; quem sabe se a Providencia que certamente velará por este paiz, nos reserva a consolação de levar por estes dias todo o ministerio para felicidade de todos nós... (Risos.)

O que é certo, sr. presidente, e que toda a demora é vantajosa, (Muitos apoiados da esquerda.) tudo isto póde traduzir-se em vantagens para o contribuinte que a final é quem paga estas vaidades.

O sr. ministro ri-se?!

Se um facto d'estes tivesse logar quando o actual governo era opposição, o que faria s. exa.! (Apoiados.) o que fariam os seus collegas! (Apoiados.)

Em fim, sr. presidente, ha homens que mudando de posição mudam tambem de pensar, e até de cor como os camaleões, mas assim não logram fazer-se acreditar perante o paiz.

Não é este processo o que deve seguir um estadista do estofo e da estatura de que s. exa. o sr. ministro da instrucção publica pretendia aparentar, quando opposição, o em harmonia com as suas aspirações.

S. exa. com a sua vozearia, com o seu systema de quebrar carteiras e com os inconvenientes discursos que pronunciara, conseguiu, por si só, sem o menor auxilio do paiz, arranjar uma ponte que o conduziu aos conselhos da corôa, mas a ponte póde alluir, derrocar-se, fender-se, e s. exa. cair ao mar! (Risos.)

Agora ri-se o sr. Arroyo, mas ha bem pouco tempo riam-se os marceneiros quando s. exa. animava as artes nacionaes quebrando as carteiras n'esta camara, mas não pagando os concertos. (Risos.)

Como agora, tambem então chorava o paiz.

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SESSÃO DE 23 DE JUNHO DE 1890 857

O paiz chorava então, vendo o seu dinheiro gasto nos concertos da mobilia parlamentar que s. exa. escavacava para mostrar a força destruidora dos seus punhos e a sonoridade da sua rhetorica, agora chora, por que vê quanto lhe ha de custar a grande rolha de marmellada expressamente feita para calar s. exa!

Vozes: - Ordem, ordem.

O Orador: - Pois ou estou fóra da ordem?!

Não é esta a verdade?

Que susceptibilidade a dos meus collegas?!

Pois B. exas. não chamam á ordem os ministros que esbanjara os dinheiros do povo, e chamam-me á ordem a mim que digo unicamente a verdade?!

O sr. Presidente: - Eu peço ao illustre deputado que se restrinja ao assumpto para que pediu a palavra. (Muitos apoiados.)

Não posso permittir essas divagações. (Muitos apoiados.)

O Orador: - Eu estou discutindo a matéria da questão prévia apresentada pelo sr. Lobo d'Avila.

Pois s. exas. achara que é indifferente saber se o sr. ministro da fazenda concorda ou não com este augmento de despeza?!

Pois s. exas. acham qne, nós deputados da opposição, devemos cruzar os braços e consentir sem protesto, que se augmente assim a despeza publica, para depois se pedir mais impostos ao paiz?!

Podem s. exas. chamar-me á ordem quantas vezes quizerem que me é absolutamente indifferente. V. exas. chamam-me á ordem e o paiz deve tocar a rebate.

Com isso só conseguem effeito contrario.

Os illustres deputados da maioria não querem que se peça a presença do sr. ministro da fazenda para lhe ouvirmos as rasões em que s. exa. se funda para consentir na despeza que se vae fazer com a creação de um ministerio inutil?! Fazem bem.

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - V. exa. dá-me licença? A assignatura do sr. ministro da fazenda está no projecto. (Muitos apoiados.)

O Orador: - Mas, o sr. ministro da fazenda, que na lei de meios abriu a porta aos seus collegas para largas despezas, excluiu s. exa. desse favor. Alem d'isso o bill ainda não passou á outra camara, nem sabemos se na occasião de se votar aqui a ultima redacção do projecto, se farão algumas alterações; não sabemos se a camara dos dignos pares se conformará com a criação d'este celebre ministerio creado unicamente porque v. exa. não se soube haver com os negocios da pasta de que primeiro fôra encarregado.

Alem d'isto o ministerio da instrucção publica ainda hoje não é lei do paiz, porque o bill está só votado na camara dos deputados e falta a approvação da camara dos pares e a sancção do Rei. (Apoiados)

E quem diz a s. exa. que a camara dos pares approva o projecto do bill? (Apoiados.) Eu sei, que s. exa. tem um profundo desprezo pela camara dos deputados e pela camara dos pares.

Vozes: - Isso não é exacto.

O Orador: - Todos nós sabemos isso; e a prova é que o governo dissolveu a camara, quando ainda não estavam verificados os poderes de todos os deputados; e a prova é que o governo não faz caso do parlamento, porque o dispensa e só o quer para lhe sanccionar as suas medidas dieta toriaes.

Na camara dissolvida morreram deputados antes de nascer. (Riso.)

A camara foi dissolvida em 19 de janeiro e a eleição em Moçambique devia realisar-se como se realisou em 20; por consequencia estes deputados antes de nascerem foram mortos. Nasceram a 20 e foram mortos a 19; vinte e quatro horas antes.

Portanto, digo eu: como quer o governo passar á discussão de um projecto d'estes; sem que estejam presentes os srs. ministros da fazenda e das obras publicas, a fim de que o primeiro diga se concorda com a despeza, e o segundo diga se concorda com o desmembramento da sua pasta.

O sr. Arroyo está muito contente, porque vae ter o seu ministerio e portanto debaixo das suas ordens, grande numero de professores e até de professoras. (Riso.)

O ministerio da instrucção publica vae ficar avolumado de muitas cousas e principalmente de professores e professoras. (Riso.)

Eu sei que o sr. Arroyo ficará muito contente, mas não sei se o sr. Arouca ficará do mesmo modo satisfeito com o desmembramento da sua pasta. Todos nós somos ciosos das nossas prerogativas e das nossas attribuições, e é de crer que o sr. ministro das obras publicas não queira que lhe desmembrem a pasta para fazer a vontade ao sr. Arroyo. (Riso.)

Tudo isto necessitâmos nós ouvir da bôca do sr. Arouca.

Ha uns poucos de dias que o sr. ministro das obras publicas não vem a esta camara, e eu já por mais de uma vez tenho pedido a sua presença para tratar de assumptos relativos á sua pasta. E agora mais notavel se torna a sua ausencia; parece, que s. exa. não quer mostrar a divergencia de opinião que existe entre s. exa. e os seus collegas, e principalmente, entre s. exa. e o sr. Arroyo. Dizem que lhe custa muito ver ir as escolas, os professores e não sei se as professoras. Devemos concordar que s. exa. tem rasão; isto de abandonar os professores é caso para maduras reflexões. (Riso.)

Por consequencia, eu entendo que não podemos começar a discutir este projecto sem estar presente o sr. ministro da fazenda para dizer se auctorisa a despeza e sem estar presente tambem o sr. ministro das obras publicas para nos dizer se auctorisa o desmembramento da sua pasta.

O sr. ministro das obras publicas tem no seu ministerio varias direcções e uma d'ellas é a direcção geral do commercio e industria.

N'esta direcção, o mais importante são as escolas, os museus e as bellas artes, e desde o momento em que se tirem ao ministerio das obras publicas as escolas, os museus e as bellas artes, a que fica reduzida a direcção geral do commercio e industria?

E depois, não se transfere o pessoal correspondente d'aquella direcção para o ministerio da instrucção publica; cria-se um pessoal novo, e o paiz que pague a despeza.

O governo tem desprezado o parlamento e nós quasi estamos reduzidos a ser uma chancella do governo. O governo tem já a certeza de que a camara dos pares ha de dar a sua approvação ao projecto do bill? (Apoiados.)

Não digo mais nada, porque não desejo alongar esta discussão, e porque não desejo se diga que, nós, deputados da opposição, estamos fazendo obstruccionismo.

Os illustres deputados da maioria quando se assentavam nos bancos da opposição, vinham aqui defender muitas vezes os bons principios, mas desde que passaram para aquelle lado, renegaram todo o seu passado. Pois nós queremos que o parlamento se mantenha na sua verdadeira altura; que esteja cercado de todo o seu prestigio, e de toda a sua magestade.

Repito, não quero tomar mais tempo á camara, porque não quero que se me attribuam propositos que não tenho; mas o que digo é que, o paiz não vê necessidade á creação do ministerio da instrucção publica, nem vê necessidade de uma duplicação de despeza, quando pelo ministerio do reino se satisfaziam todas as necessidades existentes, e as melhorias que o novo ministerio póde introduzir nos diversos ramos da instrucção, pede igualmente fazel-o o ministerio do reino e o das obras publicas nas escolas da sua dependencia.

Limito aqui as minhas considerações, protestando energicamente contra a idéa de só entrar na discussão do projecto do ministerio da instrucção publica, sem estarem pre-

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sentes os srs. ministros da fazenda e das obras publicas.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: - Vae votar-se a proposta do sr. Lobo d'Avila.

O sr. Almeida e Brito: - Requeiro votação nominal sobre essa proposta.

Approvado este requerimento, procedeu-se á votação.

Feita a chamada:

Disseram approvo os srs.: Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Eduardo Villaça, Bernardino Pinheiro, Carlos Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Mattozo Santos, Fernando Palha, Almeida o Brito, Veiga Beirão, Mattozo Côrte Real, Dias Costa, Francisco José Machado, Ressano Garcia, Oliveira Martins, José Eliaa Garcia, Frederico Laranjo, José Julio Rodrigues, José Maria de Alpoim, Affonso Espregueira, Manuel de Arriaga, Roberto Alves.

Disseram rejeito os srs.: Agostinho Lucio, Albino de Figueiredo, Alvaro Possollo de Sousa, Fialho Machado, Jardim de Oliveira, Lopes Navarro, Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Maria Jalles, Sergio de Castro, Aristides Moreira da Motta, Campos Henriques, Hintze Ribeiro, Elmano da Cunha, Roma du Bocage, Christovão Ayres, Ribeiro de Castro, Freitas Branco, Figueiredo de Faria, Guilherme de Abreu, Jacinto Candido, Barros Mimoso, Silveira Figueiredo, João de Paiva, Teixeira de Vasconcellos, Pedroso de Lima, Germano de Sequeira, Ribeiro de Castro, Henriques de Azevedo, Greenfield de Mello, Oliveira Peixoto, José Maria dos Santos, Soares de Albergaria, Luna de Moura, Cau da Costa, Luciano Cordeiro, Pimentel Pinto, Virgulio Teixeira, Manuel d'Assumpção, Theophilo Augusto Ferreira, Pinheiro Chagas, Marcellino Mesquita, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Victor, Antonio Teixeira de Sousa, José de Sousa Cavalheiro, Antonio Castello Branco.

Foi rejeitada a proposta por 48 votos contra 25.

O sr. Carrilho: - Por parte da commissão de fazenda, mando para a mesa o parecer ácerca da aposentação dos parochos.

Mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para quarta feira é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e meia da tarde.

O redactor = Sá Nogueira.

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