SESSÃO NOCTURNA N.º 48 DE 20 DE ABRIL DE 1898 873
Para isso, bastaria uma pequena verba, destinada á comprar os melhores productos das bellas artes nacionaes a fim de adornar os nossos museus, tão falhos de bons quadros e de esculpturas notaveis. D'este modo, auxiliar-se-iam os artistas e não se affectariam as nossas finanças.
Um paiz que possue artistas que produzem obras de arte como o Christo de Queiroz Ribeiro, que Lisboa, ha poucos dias, admirou no atrio do edificio em que está installada a sociedade de geographia, merece que o estado proteja esses artistas, de uma fórma effectiva e que dê resultados praticos.
Na sessão de 2 de abril o nosso illustre collega Franco Frazão apresentou n'esta camara um projecto de lei destinado ao mesmo fim a que visa está representação; e eu, não desejando occupar por mais tempo a attenção da camara, faço minhas as palavras da s. exa. pedindo ao governo que dedique alguma attenção ás artes nacionaes e dê alguma protecção aos nossos artistas, que d'ella tanto carecem.
Peço a v. exa. se digne consultar a camara sobre se consente que está representação seja publicada no Diario do governo.
Asam, se resolveu.
Vae por extracto no fim da sessão.
PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de lei n.º 14 (reorganisação dos serviços policiaes em Evora, Beja e Funchal)
O sr. Ferreira de Almeida: - Sr. presidente, devo dizer franca e lealmente que a opposição parlamentar, d'este lado da camara, nenhum empenho tem em embaraçar qualquer projecto, quer elle seja de iniciativa do governo, quer venha da iniciativa particular, que tenha por objectivo o bem publico, mas, casualmente, este projecto é irregularissimo, e tão irregular que só é applicavel a dois ou tres districtos, como se toda a propriedade rural do paiz não tivesse as mesmas necessidades, os mesmos direitos, e, por consequencia, as mesmas vantagens e condições de vida e protecção. (Apoiados.)
E depois, cousa notavel, o sr. Mello e Sousa, meu collega n'esta camara e cavalheiro, que eu muito considero pela sua illustração, e, sobretudo, pelo seu estudo aturado e vivo, pelas suas investigações, mostrou-nos que no codigo administrativo havia a margem, precisa para que as guardas ruraes ou campestres fossem osganisadas dentro de determinados limites, e cousa é para estranhar e para admirar que o auctor do projecto que, manifestamente, é o sr. conego Alfredo, não visse, sendo doutor em direito e theologia e um dos ornamentos da collegiada de Evora, uma das mais importantes e notaveis, tão notavel que quasi podem os seus membros ter a categoria de bispo ou arcebispo não só pelos merecimentos dos individuos que a compõem, mas pelos rendimentos, não visse, dizia eu, que pelas disposições do codigo administrativo seria mais do que sufficiente pedir ao governo para que, dentro da alçada extraordinaria que a maioria da camara lhe deu na sessão passada para fazer reformas tendentes ao bem publico, modificasse o artigo do codigo administrativo, em que é limitado o vencimento dos guardas campestres, de fórma que esses guardas que se pretendem, em vez de serem só a pé, para o que parece ser limitada a verba, podessem ser tambem a cavallo.
Isto mostra que da parte do auctor do projecto, que tão brilhantemente o tem procurado defender, não por interesse da sua terra natal, mas da terra onde vive com os canonicos benesses das funcções que exerce, interesse local que nós já tivemos ha, dias occasião de apreciar quando s. exa. pedia um batalhão com musica para Evora, em detrimento de outro districto, levado pelo cego amor, perfeitamente justificado e desculpavel, por essa terra que representa no parlamento, não quizesse ver que melhor teria sido apresentar um projecto, modificando a disposição do codigo administrativo que, como o meu collega e amigo o sr. Mello e Sousa mostrou, se refere ao assumpto, mas por fórma a ser extensiva a sua doutrina não só ao districto de Evora, que s. exa. representa como deputado e como alto ornamento da collegiada da diocese, que fosse tambem applicavel a todos as outros districtos, mais pobres, ou por outra menos ricos, por fórma a que a propriedade ficasse em toda a parte com iguaes garantias por meio da guarda campestre ou rural.
Eu direi, acompanhando a exposição feita pelo meu collega e amigo o sr. Moraes Sarmento, que, a fazer-se alguma cousa de util e regular, seria constituir guarda rural para todos os districtos, militarmente organisada, ficando sob o ponto de vista militar sob a dependencia do ministerio da guerra, e sob o ponto de vista, chamemos-lhe civil, às ordens do ministerio do reino, ou, por outra fórma, que se tirasse a essa policia rural a ligação absoluta á localidade, porque d'ahi derivam inconvenientes grandes, inconvenientes já reconhecidos nas organizações da policia civil, porque as policias civis de varios districtos pensam, como em muitos casos nas repartições publicas, que os ministros e os governadores civis passam, mas que elles ficam para as suas relações, e não direi negocios, mas para as suas combinações e para o seu modus vivendi. (Apoiados.)
Eu folgo de ver um correligionario de s. exa. fazendo signaes com a cabeça, applaudindo o que estou dizendo.
(Interrupção que não se ouviu.)
Não ha nada peior para o regular funccionamento da administração publica do que estarem quaesquer elementos de auctoridades presas a interesses locaes, porque dizem e pensam que as auctoridades e os governos passam, e elles ficam, e, por consequencia, que é necessario ir com os compadres.
Vou contar a v. exa. um caso succedido commigo, quando eu era governador de Mossamedes, para se ver, quanto póde a influencia do espirito local nas auctoridades, que têem interesses nas respectivas localidades.
Uma noite, dando a colonia um baile em retribuição a outra festa similhante dada pela commissão de obras publicas, encarregada dos estudos do caminho de ferro de Ambaca, que estava em Mossamedes, ao que se dizia, em trabalhos de gabinete, quizeram os jacobinos que tal baile se não effectuasse, por isso que na Europa, na metropole, esse facto significaria, que o desalento que elles accusavam, a situação difficil e irritante que diziam existir derivada do meu governo, não era tal como se dizia, porque a colonia se associava a um baile, que é tudo quanto ha de mais festivo.
A tal situação irritante que elles apregoavam, derivava, de quererem em grande parte tratar os pretos como animaes, a ponto de os zurzir até á morte, não lhes pagando os salarios de 400 e 600 réis por mez, fazendo emfim todas as violencias que derivavam da tradição esclavagista, que eu combati e que acabou, pelo menos no meu tempo. Como não poderam obstar ao baile, lembraram-se de fazer inutilisar uma medida que eu tinha estabelecido n'um sentido moralisador, consistindo em que fosse dada licença, para vir á villa aos serviçaes das diversas fazendas, que na semana tinham sido bem comportados e bons trabalhadores, para fazer compras com o dinheiro que haviam ganho e recebiam então, porque até ahi só recebiam bodoada.
O que fizeram os jacobinos? Não tendo podido impedir que se désse o baile, a respeito do qual não me detenho em pormenores, aliás curiosos, resolveram fazer concorrer a Mossamedes não só os serviçaes, nas condições que eu tinha regulamentado, mas todos os mais, o que, n'essa