SESSÃO N.º 48 DE 5 DE ABRIL DE 1902 9
Mas, Sr. Presidente, nada d'isto se exige ao medico militar, absolutamente nada!.. (Apoiados).
Ao menos, Sr. Presidente, exija-se ao medico-militar alguma preparação na sua especialidade profissional, como prova de habilitação para o ingresso no quadro effectivo do exercito. (Apoiados).
E hoje que o illustre Ministro da Guerra conseguiu fazer approvar e publicar uma lei sobre promoções, com a entrada dos medicos militares em alferes, sendo no fim de um anno promovidos a tenentes, eu entendo, Sr. Presidente, que mais facil e proficua se torna a tarefa, estabelecendo esse anno de alferes como tirocinio, findo o qual não se realizaria a promoção a tenente sem um previo exame e approvação nas materias subordinadas ao exercicio da medicina castrense, nos seus diversos aspectos. (Apoiados).
Das rapidas considerações que tenho feito, resalta, Sr. Presidente, de um modo inilludivel, o abandono a que tem sido votada a medicina militar, por parte dos poderes publicos.
E, appellando mais uma vez para o Sr. Ministro da Guerra, direi a S. Exa. que é necessario e urgente remodelar, por completo, para os levantar á sua verdadeira altura, os serviços de saude militar, dando-lhes S. Exa. a feição pratica, util, racional e apropriada que esses serviços carecem. (Apoiados).
Feitas estas considerações geraes a respeito do projecto em discussão, passo, Sr. Presidente, a referir-me propriamente á estructura d'esse projecto.
A reforma dos estudos pharmaceuticos é absolutamente necessaria. E sendo necessaria é, logicamente, util e opportuna, porque, Sr. Presidente, eu não comprehendo que uma cousa inutil seja necessaria, nem que uma cousa necessaria seja inopportuna. Portanto, este projecto, ou outro qualquer que vise ao mesmo fim, tem de ser acolhido como medida indispensavel, de utilidade publica e de realização inadiavel. (Apoiados).
Não me alongarei, Sr. Presidente, em descrever essa cousa que, no nosso país, se chama o ensino e a pratica da pharmacia, pois que esse trabalho foi-me poupado pelos distinctos collegas e brilhantes oradores que me precederam no uso da palavra, e seria fastidioso repetir á Camara o que deve estar ainda na memoria de todos.
Somente accentuarei que a pharmacia, que devia altear-se até ao nivel da sua irmã, da sua companheira scientifica - a medicina (Apoiados), ella que devia constituir o mais poderoso auxiliar do prestigio, do credito e da genuidade profissional dos medicos, encontra-se ainda hoje, no limiar do seculo XX, nas condições de uma serva desprezivel e desprezada!...
Sr. Presidente: se abrirmos o mappa do mundo e o percorrermos de polo a polo, veremos que o Portugal pharmaceutico se acha num plano muito inferior á Turquia, na Europa, ao Cairo, na Africa, e á pequena republica do Uruguay, na America!... E não sei, Sr. Presidente, se existirá algum recanto do orbe terraqueo, onde haja ensino pharmaceutico, e que este seja mais rudimentar do que o nosso, (Apoiados).
Para demonstrar, Sr. Presidente, que a minha asserção não é uma hyperbole, poderia desenrolar a tela dos actuaes estudos pharmaceuticos em Portugal. E fá-lo-hia se o illustre orador que me precedeu, o Sr. Sobral Cid, não tivesse explanado esse ponto historico da nossa pharmacia, com verdadeiro senso critico. (Apoiados).
Os dois cursos, de 1.ª e de 2.ª classe, ou, por outra, regular e irregular - e já na phrase irregular está implicita a irregularidade - os dois cursos, repito, não preenchem, nem de longe, o fim a que deve aspirar e realizar o pharmaceutico. (Apoiados). Portanto, Sr. Presidente, uma reforma dos actuaes cursos impõe-se a todos os que dedicam os seus esforços ao progresso dos serviços publicos. No emtanto, para que a esta necessidade corresponda algum resultado pratico e util, é mister não nos lançarmos num desequilibrio de organização que toda aniquile. (Apoiados). Recordemo-nos do que succedeu na Hespanha, por exemplo.
E ao falar na Hespanha, Sr. Presidente, acode-me sempre ao coração um mau presentimento, tomando-a para confrontos.
Na verdade, parece que uma fatalidade administrativa une os dois povos, que a geographia, a historia e até uma geral e dominante caracteristica ethnica estreitam e enlaçam. (Apoiados).
A Hespanha, talvez instigada tambem por desmedida vaidade do seu corpo pharmaceutico, instituiu o seu ensino escolar de pharmacia em moldes superiores e completos da respectiva sciencia, criando mesmo uma faculdade autonoma de pharmacia.
Mas nestes elevados cursos faltava-lhes, quasi por completo, o tirocinio pratico.
As consequencias porem d'este erro pedagogico não se fizeram esperar, e hoje a Hespanha procura remediar o mal, porque sente escassear-lhe os profissionaes, sem que o prestigio da classe tivesse ganho com as largas theorias da sciencia desajudadas da sufficiente applicação da arte. (Vozes: - Muito bem).
Que isto nos sirva de guia.
Referiu o meu illustre collega o Sr. Clemente Pinto «que o estado da pharmacia, em Portugal, era de tal natureza que recebia cartas, todos os dias, de pharmaceuticos, que bem indicavam, pela orthographia, qual era a sua preparação secundaria».
Nem admira, Sr. Presidente, pois ninguem lhes exigiu o português! (Apoiados -Risos).
Entre os preparatorios para o tal curso irregular não existe o português!
Não é de estranhar pois que elles escrevam pirulas! (Risos).
Isto, quanto á lingua portuguesa, a lingua materna.
Para os outros preparatorios, apesar de pouquissimos, acudiu-se-lhes ainda com as portarias de 27 de julho de 1862, 22 de julho de 1864, 12 de abril de 1866 e 16 de novembro de 1869, determinando que os exames preparatorios para pharmacia deviam ser mais elementares do que para os outros cursos!
Cousa deprimente. (Apoiados).
Vejamos agora, Sr. Presidente, como o projecto em discussão tenta conseguir o melhoramento do ensino pharmaceutico, em conformidade com as circumstancias peculiares ao nosso país.
A primeira questão que se pode suscitar é a da autonomia das escolas pharmaceuticas.
Devem as escolas de pharmacia ser autonomas, ou ficar annexas ás escolas medicas?
Para resolver este ponto, e seguindo o costume da terra, iremos primeiramente inspirar-nos ao estrangeiro. Mas ali encontramos de tudo.
Cada nação rege-se a seu modo.
Assim, ha escolas autonomas na França, a Hespanha, na Suecia, etc.
Vemos escolas annexas na Italia, na Austria, na Hollanda e tambem na França.
Vigoram os cursos livres na Belgica, Noruega, Allemanha e Inglaterra.
E todas estas nações estão naturalmente contentes com o seu systema. (Apoiados).
Portanto, não podemos copiar indiferentemente o que se faz lá fora nos centros da civilização moderna. (Apoiados).
Temos de cotejar esses elementos com as nossas forças economicas, com a organização das nossas instituições docentes, com os costumes indigenas e com as tendencias do nosso temperamento e da nossa raça. (Vozes: - Muito bem).