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Discurso que devia ler-se na sessão n.º 4 d’este vol., pag. 56, col. 2.ª, lin. 18.

O sr. José Maria d'Abreu: — Sr. presidente, eu sinto não ter podido concluir na passada sessão as reflexões que tencionava fazer sobre o projecto que actualmente se discute, não só porque me é sempre mais facil fallar debaixo da impressão de momento, mas porque hoje careço muito mais do favor e indulgencia da camara, que porventura cansada já de me ter escutado por algum tempo na passada sessão, estará hoje menos disposta para attender ás reflexões que tenho de fazer ainda sobre o projecto que se discute; porém a gravidade do assumpto, a sua importancia e a necessidade de esclarecer por uma discussão pausada um objecto tão momentoso e tão grave, fará com que a camara relevando-me pela demora que a discussão possa ter pela minha parte, queira ainda prestar-me por algum tempo a sua attenção. Eu dizia hontem, sr. presidente, que a legislação franceza que aqui se havia invocado, quanto ao estabelecimento das commissões sanitarias das municipalidades, dos departamentos e das sub prefeituras carecia de ser examinada nos seus fundamentos, nas circumstancias que a dictaram e na influencia que ella tinha tido n'este ramo da administração publica. A legislação de dezembro de 1848 quanto ás commissões sanitarias, não é de certo o ultimo termo das bem entendidas reformas que a administração sanitaria reclama em França, nem os seus resultados são tão satisfactorios, como se pretende inculcar.

Aquella reforma fôra inspirada por circumstancias de momento; fôra dictada debaixo da influencia dos principios politicos que então dominavam em França, e que se traduziam em toda a organisação social d’aquelle paiz.

Pausa. (Havia na sala grande agitação, muitos dos srs. deputados estavam fóra dos seus logares.)

O Orador: — Abstenho-me de discutir porque n'este momento a discussão é inutil, (Apoiados.) em vista do estado de agitação em que está a camara. O meu estado de saude e a minha voz um pouco enfraquecida não me permitte fallar mais alto, e se a camara não quer discutir, sento me.

Pausa.

O sr. Presidente: — Peço attenção, e ao illustre deputado que queira continuar.

O Orador: — Sr. presidente, a discussão é na verdade grave e merece um pouco a attenção da camara, porque n'este momento tratâmos de reformar uma parte sempre importantissima da administração publica, qual é a organisação do serviço sanitario, e sobretudo n’uma epocha em que a saude publica tem sido profundamente alterada e com isso prejudicados os mais graves interesses do paiz, e sacrificadas numerosas victimas n'esta capital.

A reforma de 1848, sr. presidente, dizia eu ha pouco, fôra dictada debaixo da influencia d’aquelles principios que levaram o povo francez a proclamar uma fórma de governo, que pouco depois fôra substituida por outra bem diversa. Então um exagerado patriotismo pretendia que todo o serviço publico fosse puramente gratuito. As funcções ainda as mais elevadas deviam ser exercidas por auctoridades de simples eleição. O ministro que apresentára ao conselho de estado o projecto de 1848 queria completamente o systema electivo d’essas commissões de saude publica, e queixava-se no seu relatorio que o conselho d'estado substituíra a este systema, o da nomeação d'essas commissões pelos prefeitos. Mas, sr. presidente, o verdadeiro inconveniente d'essa organisação na opinião do proprio ministro, em que áquellas commissões se havia tirado toda a iniciativa perante as auctoridades administrativas; e nem se quer se havia imposto a estas a obrigação de consultar as mesmas commissões em tudo que respeita á saude publica. E são exactamente esses inconvenientes que eu encontro na nova organisação do conselho de saude publica, como a propõe a illustre commissão.

Eu peço licença á camara para citar as proprias palavras do relatorio do ministro do commercio e agricultura.

«O exemplo e a experiencia dos tribunaes de commercio que podem de direito reunir-se quando o julgam conveniente, e deliberar por si sobre as questões da sua competencia, e que a auctoridade tem obrigação de consultar em certos negocios, provam cabalmente, dizia mr. Tourret no seu relatorio, as vantagens de uma organisação, que applicada aos conselhos de hygiene publica e salubridade, que ora vão ser creados, teria poderosamente concorrido para dar grande impulso a todos os trabalhos, e a todas as medidas de saude e de hygiene publica.»

A cholera, porém, havia já invadido alguns departamentos, e na presença do perigo imminente de uma tal invasão o ministro cedia ás exigencias do conselho de estado, e propunha ao chefe do poder executivo o decreto de 18 de dezembro de 1848, e já anteriormente pelo de 10 de agosto do mesmo anno havia estabelecido a commissão consultiva de hygiene publica.

Não é portanto este um systema que possa vir offerecer-se como typo de uma completa organisação sanitaria. Está mui longe d'isso. E comtudo não negarei que essas commissões sanitarias teem prestado em França valiosos serviços; mas para isso concorrem muitas circumstancias, que nos faltam completamente.

Mas, sr. presidente, aquelles inconvenientes que se dão na organisação do actual serviço sanitario em França vejo-os eu todos no projecto da commissão, na organisação do conselho de saude publica, e por isso me não posso conformar com ella. Não é, porém, só n'esta parte, sr. presidente, que aquella organisação não póde tomar-se entre nós como modelo. As repetidas circulares do ministerio do commercio e agricultura mostram claramente quão longe têem estado essas commissões de satisfazer em muitos pontos á sua importante missão. Em 1851, tres annos depois do decreto que creou essas commissões, muitas d'ellas não estavam organisadas nos diversos departamentos, outras não haviam dado solução, nem haviam satisfeito aos diversos quesitos que se lhes haviam proposto; em algumas partes o serviço sanitario tinha sido completamente abandonado.

E se isto acontecia assim quando essa reforma era decretada, quando portanto á sua acção devia ser mais energica, a sua execução mais pontual e rigorosa; o que não será quando se relaxar com o tempo, como é inevitavel, esse primeiro rigor com que as leis são executadas no momento em que se promulgam?!.

Mas, sr. presidente, não se entenda que recorrendo-se hoje a essas commissões gratuitas, querendo agora transplantar para cá o systema da França, como ha pouco se queria transplantar o da Hespanha, não se entenda que esse serviço ha de ser inteiramente gratuito, que não hão de ser onerados os districtos de novas contribuições ou novos impostos, para satisfazer ás inevitaveis despezas d'esse serviço. Quer-se adiar a questão, quer-se chamar para outro e diverso terreno, mas não se chega por esse modo a uma solução mais satisfactoria. O serviço sanitario se se adoptar esse arbitrio, ha de ser muito irregular e muito deficiente; e os districtos e as municipalidades hão de ser igualmente oneradas para satisfazer as exigencias d'esse mesmo serviço. Não se illuda a camara suppondo que elle ha de ser gratuito como parece inculca-lo a idéa de taes commissões, querendo assim afastar a questão grave do estabelecimento dos delegados de saude e do seu pagamento, ou pelo governo ou pelas municipalidades.

Mas, sr. presidente, além d'isso não podem essas commissões deixar de encontrar grandes difficuldades para obterem os meios necessarios das juntas geraes dos districtos, porque n’um paiz muito mais adiantado como é a França, n'um paiz que aprecia muito melhor este serviço, ahi mesmo têem sido grandes e gravissimas as difficuldades para obter que os conselhos geraes dos departamentos votem os meios necessarios para o serviço sanitario.

N'uma circular de 3 de maio de 1851 dizia o ministro do