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Discurso que devia ter logar na sessão de 9 do corrente, a pag. 714, col. 1.ª, lin. 48.ª do Diario n.° 57

O sr. J. T. Lobo d'Avila: — Em primeiro logar devo declarar á camara que não esperava ter hoje a palavra, e por isso não trouxe alguns esclarecimentos e documentos a que tenho de referir-me no meu discurso. Suppunha que o illustre deputado, que se tinha inscripto por parte da commissão, como relator d'ella, tomasse a palavra para defender o projecto de lei que esta em discussão, e tinha calculado fallar depois sobre elle. Portanto não vinha munido de todos os documentos e esclarecimentos que me são precisos para elucidar a questão de fazenda perante a camara e perante o paiz, e mostrar a relação estreita e intima que ella tem com a questão de impostos que se discute.

Mas como me cabe a palavra, começo por apresentar á camara as reflexões que o assumpto me suggere, pedindo-lhe desculpa do mal alinhado das minhas observações.

Começarei por ler a proposta de ordem que tenho a honra de apresentar á camara.

«Proponho que se adie a votação de novos impostos até que pela discussão do orçamento se cheguem a fazer todas as economias de que for susceptivel a despeza publica, e se apure o deficit a que indispensavel e impreterivelmente temos de occorrer para entrar no estado normal de equilibrio entre os redditos e os gastos publicos.»

Permitta-me a camara que, pela primeira vez que tenho a honra de me levantar aqui, eu agradeça aos nobres e independentes eleitores do circulo 111 os votos com que me honraram, fazendo-me saír da vida particular a que me tinha recolhido, para me vir apresentar perante esta camara, e advogar não só os seus interesses, mas os interesses geraes da nação.

Eu não venho aqui cheio de rancores e odios, nem animado de nenhum espirito de opposição systematica aggredir violentamente, como fui aggredido quando tive a honra de tomar parte nos conselhos da corôa. Pelo tempo que desde então até hoje tem decorrido, eu não tenho feito senão reflectir sobre a inconveniencia de se empregarem as armas da paixão, do doesto, da calumnia e da invectiva em questões politicas, em questões de interesse publico; portanto nunca hei de ser eu que dê o exemplo de empregar similhantes armas contra os meus adversarios politicos.

Eu entendo que as pugnas incruentas da politica, os debates parlamentares, a discussão dos grandes assumptos que interessam ao paiz, devem ser de modo que se não ataque nunca o caracter dos individuos, que se não faça injustiça ás suas intenções, e que se trate unicamente de esclarecer as questões (apoiados).

Mas se eu estou animado d'este espirito de tolerancia, e despido de paixões politicas, não me julgo por isso menos obrigado a dizer toda a verdade franca e lealmente ao meu paiz, quer ella agrade ou não aos homens que se sentam nas cadeiras do poder, quer ella seja ou não ao sabor d'aquelles que os apoiam (apoiados).

A situação politica que esta no governo deriva de um facto que eu nunca approvei, mas a que teria achado uma explicação, se acaso d'essa juncção temporaria de partidos, que d'antes se hostilisavam, resultasse algum grande beneficio publico; e o maior beneficio que podia resultar para o publico, e para que era necessario que convergisse o assentimento de todos os homens politicos, era empenharem os seus esforços para a resolução da questão financeira, porque a questão financeira é demasiado grave, pesa extraordinariamente sobre todas as questões de governo, e é da maior urgencia resolve la (apoiados).

Portanto, se os homens politicos, que, estando separados se approximaram, fizessem convergir todos os seus esforços para a resolução d'esta questão, e não digo que a resolvessem radicalmente, mas que a encaminhassem para uma boa solução, eu entendo que elles tinham feito um bom serviço ao seu paiz (apoiados).

Eu não approvo em doutrina como uma necessidade permanente do systema constitucional o accordo entre todos os partidos. O accordo entre todos os partidos póde ser um expediente transitorio, de momentanea conveniencia publica, quando é necessario que todos os esforços se combinem para resolver uma questão urgente e grave; mas o accordo permanente entre todos os partidos seria o sophisma do systema constitucional, porque tenderia a aniquilar a opposição (apoiados).

Eu entendo que o governo constitucional é um governo em que a opposição representa um papel necessario, indispensavel e util para o bom andamento das cousas publicas (apoiados). Esta doutrina que eu sustento não póde ser taxada de exagerada, nem de demagógica, nem mesmo de demasiado progressista, porque inclusivè é a doutrina dos maiores conservadores, é a doutrina de Benjamin Constant, é a doutrina de Guizot, é a doutrina dos homens mais moderados do partido constitucional (apoiados).

A opposição é indispensavel no regimen constitucional, para vigiar a marcha do governo, para fiscalisar a sua acção, para ver se elle cumpre as leis, para ter sempre alerta a opinião publica, a respeito de todos os seus actos e medidas; e para excitar mesmo o governo a ser cuidadoso na sua gerencia, activo no cumprimento dos seus deveres, e reflectido na elaboração das suas reformas.

A opposição é uma sentinella indispensavel das liberdades publicas, da execução das leis e do progresso das sociedades; é uma zeladora permanente e necessaria da execução, da constituição, do equilibrio de todos os poderes, para que cada um se mantenha dentro da esphera da sua acção (apoiados).

Mas que precisão tenho eu de estar a mostrar a necessidade da opposição, se todos os dignos membros d'esta casa de certo a comprehendem?

Houve um momento, infelizmente, em que a vida politica do paiz pareceu caír em apathia, e eu lastimo que esse tempo se tenha prolongado demasiadamente, porque entre a apathia do paiz, entre a sua falta de vida, entre a sua indifferença e exageração das paixões ha um justo termo, que é aquelle em que todos se devem manter.

E necessario que todos os cidadãos não sejam indifferentes á vida publica; é necessario que as questões de interesse geral do paiz sejam agitadas, não só na imprensa, mas nos meetings e na representação nacional. N'isto é que consiste a vida constitucional, e ai de nós se tremêssemos diante de qualquer manifestação, ou se capitularmos de revolucionaria a discussão publica, dentro dos limites que as leis franqueiam, e se quizermos que tudo emmudeça, ou que haja só voz para dar um apoiado unanime aos governos (apoiados).

A opposição não representa um principio systematico de hostilidade a governo nenhum, representa este papel constitucional que acabo de indicar; e ella é uma necessidade publica, porque a ausencia da opposição importa a morte da vida politica do paiz (apoiados).

Eu não digo que as maiorias, porque não existe opposição, votem tudo sem consciencia, e apoiem cegamente todos os actos do governo, não faço essa injustiça aos membros que compõem as maiorias; mas o que digo é que as maiorias não podem desempenhar o papel que esta reservado ás opposições," e que cada um tem as suas funcções a exercer n'este systema constitucional; e que de certo, sem irrogar censura alguma ás suas intenções, nem fazer nenhuma offensa á sua consciencia, ha sempre muito mais complacencia politica da parte das maiorias para com o governo, do que da parte d'aquelles que não estão enfileirados n'aquelle campo; e muitas vezes, de condescendencia em condescendencia, são arrastados por compromissos politicos, pelas chamadas conveniencias de uma situação, a apoiar medidas e actos que vão de encontro á opinião publica, e que podem ir mesmo de encontro aos interesses geraes do paiz, porque as paixões politicas muitas vezes cegam os homens os mais sinceros e dedicados á causa publica; fazem com que elles, sacrificando-se aos sentimentos partidarios, victimem um pouco as suas convicções (riso).

O celebre programma, de que deve existir paz e união entre todos os membros da familia portugueza, como norma do governo constitucional, não póde ser admittido.

Convirja a harmonia de todas as vontades, reuna todos os seus esforços nas questões que forem de incontestavel interesse publico, como por exemplo na questão de independencia nacional. Não ha nenhum coração portuguez, a qualquer partido que pertença, que não palpite com o amor da patria, e que não esteja disposto a empenhar todos os seus esforços para manter a independencia nacional em toda a sua integridade (apoiados). Mas em questões sobre administração publica, sobre a gerencia financeira, sobre economia politica, e em questões em que póde haver diversidade de opiniões, fazer consistir a boa direcção politica dos negocios publicos na reunião e harmonia de todas as opiniões, não é prestar um serviço ao paiz, é pelo contrario querer que o governo constitucional acabe, é querer que acabe o principio da discussão.

Se o facto politico, chamado fusão, tivesse dado em resultado a resolução da questão financeira, eu diria que essa fusão tinha prestado um serviço ao paiz, mas infelizmente não deu esse resultado; pelo contrario, e eu lastimo o sinceramente, deu o resultado de aggravar as difficuldades, de augmentar as resistencias, de crear novos attritos para a solução d'essa questão grave e delicada, de que depende a vida do paiz.

Que fez esta situação politica quando entrou para o poder? Inaugurou o programma das economias, e disse que havia de reduzir todas as despezas publicas ao estricto necessario, que havia por esse modo attenuar o deficit e procurar resolver a questão financeira.

Resolveu-se a questão no sentido da promessa? Todos nós vimos que não (apoiados).

Seria por falta de tempo e de intelligencia? Todos sabem que nem o tempo, nem a intelligencia faltou; mas parece-me, permitta-se-me que o diga, que talvez houvesse demasiada ostentação de intelligencia; um prurido scientifico é que talvez em parte prejudicasse esta questão.

Os srs. ministros entraram em um certâmen académico, e cada um d'elles quiz mostrar o seu saber, revelar as suas altas faculdades, e quanto era dedicado ao trabalho, e por isso apresentaram essa serie de reformas, esse cumulo de providencias mal calculadas, que não vieram senão aggravar as difficuldades, para se resolver a questão principal.

Eu lastimo sinceramente, em nome do meu paiz, que ss. ex.as, no caminho que seguiram da governação publica, não tivessem sacrificado um pouco da sua vaidade, permitta-se-me a expressão; um pouco dos seus desejos em querer mostrar quanto eram lidos e dedicados em todos os ramos de administração, resolvendo primeiro as questões de fazenda, e não as complicando em outras reformas; porque, o que se fez com este complexo de reformas, foi crear resistencias, difficuldades e animosidades, que vem todas reflectir e traduzir-se em estorvo para a resolução da questão principal.

Portanto, não posso approvar o pensamento que dirigiu o governo na concepção das suas reformas. Entendo que elle devia primeiro, e antes de tudo, propor a resolução da questão financeira, e depois trataria de outras reformas na escala em que o paiz as comportasse, conforme a urgencia das necessidades, e não segundo um plano vasto e absoluto, porque um homem d'estado não é um utopista, mas deve ser um individuo sensato, que marche com os factos, e que trate de realisar aquillo que praticamente é possivel (apoiados).

Considerando pois no seu pensamento geral o complexo das reformas que o governo apresentou, não posso approvar esse pensamento, porque elle veiu difficultar a resolução da questão principal, da questão mais palpitante, e que não póde esperar nem um instante, nem um segundo; e não só veiu complica-la levantando resistencias, porque muitas das reformas não são bem aceitas pelo paiz, mas porque, para se pedirem novos sacrificios ao paiz, nas circumstancias em que nos achâmos, eram necessarias e indispensaveis duas cousas: a primeira, era que se provasse perante o paiz que se tinham feito todas as economias e reducções possiveis na despeza publica; e a segunda, era não propor augmento algum de despeza; não apresentar reformas que envolvessem augmento de despeza.