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748-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

materia de facto? Ha de ser julgada a materia de facto em ambos os crimes pelo jury, quando ambos constarem do mesmo libello?

Para resolver esta duvida é que nos precisavamos de lei nova.

Uma alteração faz o projecto ao decreto de 15 de setembro de 1892, que eu reputo contraria aos principios liberaes, sujeitando a acção do ministerio publico a perseguição dos crimes de offensas corporaes, que não produzem doença, nem impossibilidade de trabalhar, nem deformidade, independentemente de queixa do offendido.

Similhante alteração é alem d'isso manifestamente opposta aos interesses da justiça e ás conveniencias sociaes.

Rasões de familia e respeitaveis interesses do queixoso podem determinal-o a não denunciar a justiça a offensa pessoal que recebeu, e taes serão as circumstancias que elle prefirá não só desaggravar a assoalhar o facto num processo criminal. E o que succede nos crimes de liberdade de imprensa em que as injurias individuaes hão são perseguidas sem requerimento do offendido. O queixoso prefere muitas vezes resignar-se com a injuria a dar-lhe larga publicidade nos tribunaes. Alem d'isso os bons principios liberaes não permittem a intervenção dos poderes publicos nos casos de offensa senão quando a sociedade é tambem verdadeiramente aggravada.

Vamos ao ponto capital, a prisão por custas.

Publicado o decreto de 15 de setembro de 1892, depois alterado por um decreto dictatorial, e agora pelo projecto sujeito a apreciação parlamentar, os funccionarios judiciaes, sobretudo em Lisboa e Porto, levantaram grandes clamores contra os artigos que prohibiam a remissão das custas com prisão, e ampliavam a fiança ás custas, porque era mais difficil encontrar fiador com o novo encargo, e elles perdiam salarios com a diminuição dos incidentes de fiança.

Não fôra pensamento do decreto de 15 de setembro de 1892 prejudicar nos seus emolumentos e salarios os funccionarios judiciaes, e tanto que elle comprehendia na garantia da fiança tambem as custas.

Se eram mais raras as fianças por serem ampliadas tambem ás custas, o que pedia a administração da justiça e o respeito pela liberdade era que fossem excluidas da fiança as custas.

Porém, em vez d'isso, o governo aproveitou a occasião para rasgar mais uma garantia liberal, restabelecendo de novo a prisão por dividas.

Muito antes da publicação do decreto de 15 de setembro de 1892, sustentava eu, commentando o codigo de processo civil, que já por este codigo não era permittida a prisão por custas, e em varios accordãos da relação do Porto foi accentuada esta jurisprudencia.

O codigo do processo marcou ou termos a seguir para a execução da obrigação de pagar ás custas, e em caso nenhum reconhecia a prisão como meio ou garantia de pagamento.

O relatorio da illustre commissão, assim como o do decreto sobre que recaiu o parecer que estamos discutindo, parte de uma base absolutamente injuridica, e contraria a lei. Parte do principio que as custas são um elemento penal ou antes uma verdadeira pena!

Ora, as custas tanto em materia crime como em materia civil, representam uma especie de imposto para o estado, ou para pagamento aos funccionarios do estado, porque a justiça em Portugal não é gratuita.

Póde percorrer-se toda a nossa legislação penal, e não se encontra disposição alguma que considere as custas como elemento de pena.

A multa é uma pena que póde applicar-se separada ou conjunctamente com outra pena; mas as custas não.

Se o sr. ministro, que no relatario do seu decreto considerou as custas como pena, quizer certificar-se de que as custas não são pena, basta-lhe ler o artigo 1206.° da novissima reforma judiciaria, que se refere ao processo para a exigencia das penas pecuniarias e das custas, e que diz:

"As penas pecuniarias, custas, perdas, damnos e interesses serão executados como nas causas eiveis, guardando-se o que se acha estabelecido n'este decreto."

Distingue, pois, a novissima reforma judiciaria claramente entre penas pecuniarias e custas.

Desde a promulgação do codigo do processo têem os tribunaes julgado ora que ha, ora que não ha prisão por custas.

Mas prescrevendo a novissima reforma judiciaria que as custas não são penas pecuniarias; e tendo alei, que deu força e vigor ao codigo do processo, revogado toda a materia sobre o processo civel, é evidente que o caso ha de ser regido pelo codigo do processo; e que não admittindo este codigo os termos da prisão por custas, não podia ella ser admittida depois que ello começou a vigorar.

Quer a camara restaurar a odiosa providencia da prisão por custas que, pela legislação, nacional, se achava já abolida? Esta no seu pleno direito.

O decreto de 15 de setembro de 1892 não fez mais do que consignar claramente o que já podia deduzir-se da lei - a abolição da prisão por custas -.

Desde que a novissima reforma judiciaria mandava guardar na execução das penas pecuniarias e das custas os termos seguidos nas causas civeis, não obstante referir-se ao mesmo decreto porque era então a lei vigente sobre execuções, e que lei posterior revogara a legislação sobre processo civil, era esta lei que havia de seguir-se, como é bem sabido em direito.

O projecto isenta do pagamento das custas e sellos do processo os réus que provarem a sua indigencia por attestados jurados do parocho e do regedor das freguezias do seu domicilio.

Mas se o condemnado for estrangeiro, ou mesmo nacional mas de região ultramarina, onde não haja parocho nem regedor, como ha de elle fazer a justificação?

Mesmo os condemnados que servem na metropole, mas que não têem abrigo certo, como os trabalhadores e industriaes ambulantes, como hão de obter attestado do parocho e do regedor do domicilio, se domicilio não têem?

Portanto, a excepção em favor dos condemnados é inexequivel, e a inexequibilidade de qualquer disposição legal, é o primeiro argumento contra a sua justiça. (Apoiados.)

Sr. presidente, deixo registada a minha declaração. Sou abertamente contra a prisão por custas, que já reputava abolida pelo codigo de processo, e assim muito antes do decreto de 15 de setembro de 1892, e que é preceito abertamente contrario a todas as idéas liberaes. A camara póde restaurar essa instituição do absolutismo. Esta no seu direito, porque exerce a acção suprema nos negocios. Mas eu não me associo a nenhuma restricção das garantias individuaes, e julgo a prisão por custas, qualquer que seja o lado por onde se encare, tuna providencia profundamente iniqua.

Tenho dito.