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PROPOSTAS SOBRE RECRUTAMENTO

Continuado do n.º 70, pag. 961)

PROJECTO DE LEI N.º 47-E

Senhores. — As difficuldades que a lei de 27 de julho de 1855 tem apresentado na sua execução, manifestaram a necessidade do governo remedia-las quanto ser possa, ou abolindo-se algumas das suas disposições e substituindo-as por outras mais adaptadas ao bom exito do recrutamento, ou desenvolvendo mais clara e explicitamente aquellas que a experiencia tem mostrado não terem sido bem comprehendidas, pois que dão logar a differentes interpretações.

Entre os embaraços que se encontram para o bom desempenho do recrutamento, é o mais saliente a imperfeição dos recenseamentos; já pela lei de 4 de junho de 1859 se procurou remover aquelle inconveniente, commettendo ás commissões districtaes, por ella estabelecidas, a fiscalisação na feitura dos mesmos recenseamentos; todavia, sendo necessarios dados mais positivos, que as camaras municipaes não possuem, para se effectuar um exacto alistamento, pareceu ao governo, em vista das mui amplas informações que obteve, ser indispensavel encarregar d'elle os administradores de concelho ou bairro, por isso que estas auctoridades têem mais conhecimento da respectiva população, e a acção prompta e immediata que tão ponderoso serviço demanda, assim como estabelecer que os chefes de familia sejam convidados, em seu proprio beneficio, a prestarem os esclarecimentos concernentes aos individuos do sexo masculino subjeitos ao recrutamento, isto para maior exactidão dos alistamentos, e a fim de se obstar não só á infinidade de recursos que sobem aos tribunaes administrativos, e com especialidade ao contencioso do conselho d'estado, os quaes é difficilimo attender no curto espaço de tempo para isso destinado, mas principalmente para obviar aos vexames, trabalho e despezas a que os interessados ficam sujeitos, com a inexatidão dos recenseamentos, sobre o que o governo tem recebido innumeraveis queixas e representações mais ou menos fundadas, as quaes necessariamente cessarão mediante taes declarações, pois que se os chefes de familia não se prestarem a ellas, só a si e não á lei devem imputar as irregularidades que se praticarem, e os soffrimentos que em consequencia lhes provierem.

A citada lei de 27 de julho estabeleceu uma reserva no exercito, na qual devem permanecer por tres annos as praças que tiverem baixa nos corpos quando concluirem n'elles o tempo de serviço effectivo; porém ao governo pareceu que a obrigação da reserva seja por tempo de cinco annos, e regulado o seu serviço na lei organica do mesmo exercito, de maneira que possa recorrer a ella em qualquer eventualidade extraordinaria que sobrevenha.

O preceito do § 1.º do artigo 56.º que aquella lei estatuiu quanto á captura dos suppostos refractarios, não estando em harmonia com a civilisação do seculo, nem com o systema constitucional que felizmente vigora, é revogado pela presente lei.

As juntas de revisão, estabelecidas na indicada lei de 27 de julho para cada um dos districtos administrativos, são supprimidas pela proposta de lei que vos submetto, por isso que as suas attribuições podem ser desempenhadas pelas commissões districtaes sem inconveniente do serviço, e se restringe assim o pessoal que é mister empregar n'outras funcções.

O modo dubio e pouco claro que a citada lei de 1855 estabeleceu no § 2.º do artigo 61.º quanto ao destino ou applicação, e quem a devia fazer, do producto das execuções nos bens dos refractarios, deu causa a algumas irregularidades n'essa applicação, assim como á da importancia dos tres quintos correspondentes ao preço da substituição que elles são obrigados a pagar pelos tres annos de serviço alem dos cinco a que a lei os sujeita, pois que essa importancia ora foi considerada como applicavel ao pagamento do serviço de um substituto, ora como multa imposta aos refractarios a favor da fazenda publica: esta duvida é pois resolvida na proposta que vos faço, destinando, assim o preço da substituição, como a importancia dos correspondentes tres quintos, aos fins designados no artigo 8.º da lei de 4 de junho de 1859, isto é, ao alistamento dos substitutos que ella incumbe ao ministerio da guerra.

A mesma lei de 1855 commette ao corpo legislativo a repartição do contingente annual de recrutas que elle fixar pelos districtos administrativos; mas, segundo o preceito consignado na presente proposta, relativo á epocha do recenseamento, é possivel dar-se o caso de não se acharem reunidas as camaras para lhes serem presentes as listas dos recenseados nos concelhos ou bairros, que devem servir de base á dita repartição, e esta não se effectuar; alem d'isso é aquella uma operação arithmetica tão simples que pareceu desnecessario sujeita-la ás côrtes, por isso que têem de occupar-se de outros trabalhos importantissimos, pelo que a mesma proposta a encarrega ao ministerio do reino, tendo por base o numero de recenseados nos concelhos do reino e ilhas, como a lei de 1859 ordena.

A fixação da epocha para o começo das operações do recrutamento que deverá ter logar no principio de cada anno, devendo o recenseamento comprehender todos os mancebos que completarem durante o immediato anterior vinte annos de idade, tambem se julgou conveniente para evitar a confusão que a computação das idades occasiona fraccionando, como até agora, o anno civil para se dar principio ao mesmo recenseamento.

A affluencia dos recursos interpostos das deliberações dos conselhos de districto, e agora das commissões districtaes para o conselho d'estado, tem sido tal que, alem de tornar-se impraticavel dar-lhes solução abreviada como a lei manda, tem occasionado alguma perturbação e demora no demais expediente a cargo da secção do contencioso administrativo, e por esta rasão a lei que vos proponho procura limitar essa affluencia dando recurso para aquelle tribunal superior só no caso previsto no artigo 17.º da mesma.

A applicação indistincta da tabella das lesões, annexa á lei de 1855, aos mancebos que allegam molestia, dá tambem logar a algumas irregularidades ou, talvez, abuso na apreciação das lesões; este inconveniente acha se remediado com as novas tabellas classificadas que vos apresento com esta proposta.

Varias outras alterações menos importantes achareis na dita proposta, as quaes têem por fim dar melhores garantias á proficuidade do recrutamento, ou mais amplo desenvolvimento aos preceitos consignados na referida lei de 1855, e estabelecer a economia possivel de tempo e de trabalho, que deve ser destinado a outros serviços igualmente importantes.

Ao governo pareceu que por equidade e em proveito do recrutamento convem dar amplo perdão aos mancebos refractarios aos recrutamentos de 1856 até 1860, livrando-os das penas a que estão sujeitos, e dos incommodos e desassocego que elles e suas familias soffrem com o homisio e ausencia em parte incerta; e n'este sentido a proposta contém um artigo transitorio facultando ao mesmo governo o levar a effeito aquelle intuito.

Emfim é possivel que as penas estabelecidas nas anteriores leis do recrutamento e que ficam subsistindo sejam taxadas como severas; mas cumpre-me ponderar-vos que, comquanto seja assás oneroso o tributo de sangue, e deva por isso usar-se da maxima brandura compativel no uso de taes penas, é mister attender a que o governo tem deveres sagrados a desempenhar, dos quaes um d'elles é a organisação e conservação da força publica, de que nenhum estado póde prescindir para a sua segurança inter na e externa, e outro a rigorosa obrigação de satisfazer á lei, mandando pontualmente dar baixa ás praças que satisfizeram ao serviço que ella lhes impõe; e bem assim que infallivelmente serão preteridos esses deveres, se se coarctarem ao governo os meios de que carece para aquelle fim, com gravissimo prejuizo para a causa publica, de que resultarão consequencias taes e tão obvias que eu offenderia a vossa illustração se as mencionasse: pelo que tenho a honra de submetter-vos, para a tomardes na consideração que vos aprouver, a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º O exercito compõe-se da força total effectiva e da sua reserva nos termos d'esta lei.

Art. 2.º O recrutamento para o exercito far-se-ha por contingentes annuaes de mancebos aptos para o serviço militar, fixados pelas côrtes sob proposta do ministerio da guerra: estes contingentes designarão o numero de mancebos que são chamados ao serviço effectivo.

§ 1.º O governo, pelo ministerio do reino, fará a repartição do contingente annual de recrutas pelos districtos administrativos do continente do reino e das ilhas adjacentes, na proporção do numero dos recenseados em todos os mesmos districtos no anno em que se proceder ao recrutamento, e os governadores civis em conselho de districto, sendo este formado segundo o disposto no artigo 268.º do codigo administrativo, effectuarão a subdivisão pelos respectivos concelhos ou bairros da quota que a cada districto tocar na dita proporção.

§ 2.º As camaras municipaes e quaesquer cidadãos interessados no recrutamento podem reclamar com recurso para o conselho d'estado, perante o conselho de districto respectivo, contra a irregularidade ou manifesta injustiça na sub-divisão do contingente annual pelos seus respectivos concelhos ou bairros, mas estas reclamações não alteram o numero de recrutas fixado pelas côrtes, nem o preenchimento d'esse numero.

§ 3.º O contingente annual compõe-se de mancebos recrutados e de voluntarios.

Art. 3.º Os mancebos recrutados servirão por espaço de cinco annos effectivamente nos corpos, passando depois á reserva, onde permanecerão por outros cinco: estes dez annos contam-se a cada mancebo desde o dia em que prestar juramento em algum corpo ou deposito militar.

§ unico. As obrigações da reserva em tempo de paz como de guerra serão reguladas na lei organica do exercito.

Art. 4.º Os mancebos recenseados em cada concelho ou bairro, não excluidos Ou isentos, formarão, segundo a ordem do sorteamento, o contingente effectivo annual que lhe for designado, sendo proclamados recrutas e chamados aquelles a quem houver tocado os numeros mais baixos até se preencher o mesmo contingente para entrarem no serviço effectivo do exercito, ficando os restantes mancebos sorteados na qualidade de supplentes, a fim de serem chamados para assentar praça na falta de recrutas effectivos.

Art. 5.º Todos os mancebos que, durante o anno antecedente áquelle em que se proceder ao recrutamento militar, perfizerem vinte annos de idade, serão, sem excepção alguma, alistados nos seus respectivos domicilios, e bem assim até aos trinta annos completos os que por mero esquecimento deixaram de o ser nos recenseamentos anteriores, quando lhes competia.

§ unico. Os mancebos omittidos por dolo ou fraude nos anteriores recenseamentos comprovada legalmente, serão inscriptos em primeiro logar na lista que se formar do contingente do concelho ou bairro em que forem domiciliados até á idade de trinta annos, como se tivessem sido recenseados, sorteados e proclamados recrutas, e desde logo entregues á auctoridade militar para lhes assentar praça se tiverem os requisitos necessarios para o serviço do exercito.

Art. 6.º O recenseamento começará em todos os concelhos ou bairros no dia 2 de janeiro de cada anno; todos os demais prasos para as diversas operações do recrutamento serão pelo governo designados, como mais convier, no respectivo regulamento.

Art. 7.º Em tempo de guerra, ou por extraordinaria occorrencia, os mancebos recenseados nos dois annos immediatamente anteriores, não excluidos ou isentos, nem proclamados recrutas effectivos, mas que, na qualidade de supplentes, não tiverem sido chamados para preencher as vacaturas occorridas com os recrutas effectivos dos respectivos contingentes, por se acharem estes completos, ficam subsidiariamente sujeitos ao recrutamento do anno seguinte áquelles, para serem chamados segundo a ordem dos annos e dos numeros que tiverem no correspondente sorteamento.

Art. 8.º Na determinação do domicilio para as operações do recenseamento observar se-hão as regras seguintes:

1.ª Consideram-se domiciliados em um concelho ou bairro os mancebos não emancipados, cujos paes, mães, tutores ou outras pessoas de quem elles legitimamente dependam, residirem habitualmente a maior parte do anno n'esse concelho ou bairro;

2.ª Consideram-se igualmente domiciliados no concelho ou bairro da sua residencia os mancebos não emancipados, cujos paes ou mães estiverem dementes, se acharem cumprindo alguma pena de prisão ou degredo, residirem em paiz estrangeiro ou não tiverem residencia certa;

3.ª Os mancebos educados em qualquer estabelecimento de beneficencia serão considerados como domiciliados no concelho ou bairro em que este estabelecimento estiver situado, emquanto forem d'elle dependentes. Desde que deixarem de o ser ficarão sujeitos ás regras geraes;

4.ª Os mancebos emancipados consideram-se domiciliados onde tiverem a sua residencia habitual a maior parte do anno;

5.ª Não se considerará interrompido o domicilio quando o mancebo, no caso das regras 2.ª e 4.ª, ou seu pae, mãe, tutor ou pessoa de quem legitimamente dependa no caso das regras 1.ª e 3.ª, se ausentarem temporariamente do concelho ou bairro onde habitualmente costumam residir;

6.ª Tambem se não considerará interrompido o domicilio de um mancebo em qualquer concelho ou bairro, quando elle o deixar accidentalmente para dedicar-se aos estudos, ou á aprendisagem de alguma arte ou officio;

7.ª Os mancebos que se ausentarem para paiz estrangeiro serão considerados domiciliados no seu ultimo domicilio legal;

8.ª Quando o mancebo for recenseado em mais de um concelho ou bairro, prevalecerá, para todos os effeitos, o recenceamento do concelho da sua residencia habitual pela maior parte do anno; se porém não estiver recenseado n'este, prevalecerá o recenseamento do concelho da sua naturalidade, ou o d'aquelle em que anteriormente tinha o domicilio;

9.ª Os mancebos que não podérem provar que estão comprehendidos em algumas das regras anteriores, serão recenseados na terra onde forem encontrados na epocha do recenseamento.

§ unico. A falta de assentamento de baptismo para o apuramento das idades supprir-se-ha pelas informações que derem os parochos e as auctoridades administrativas locaes.

Art. 9.º Fica competindo aos administradores de concelho ou bairro o recenseamento annual dos mancebos para o serviço do exercito, que as citadas leis de 1855 e 1859 incumbiam ás camaras municipaes dos concelhos e ás commissões recenseadoras dos bairros de Lisboa e Porto.

§ único. O recenseamento terá por base os registos parochiaes do baptismo, os cadastros da população que existirem nas administrações dos concelhos ou bairros, as declarações que prestarem por escripto ou verbalmente os chefes de familia que para isso serão convidados, e quaesquer outros esclarecimentos e informações que os ditos administradores colherem.

Art. 10.º São excluidos do serviço do exercito:

1.º Os estrangeiros;

2.º Os clerigos de ordens sacras;

3.º Os condemnados em algumas das penas maiores que produzam o effeito da perda dos direitos politicos, segundo o codigo penal;

4.º Os maritimos inscriptos na matricula geral do recrutamento naval, na conformidade da respectiva lei; e os que forem dados em relação aos chefes de departamento m districto maritimo;

5.º Os mancebos que não medirem 1 metro e 55 centimetros de altura.

Art. 11.º São isentos do serviço militar: