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SESSÃO DE 20 DE MAIO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios – os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Antonio Augusto de Sousa Azevedo Villaça

Summario

Discussão e approvação de uma proposta do sr. Francisco de Albuquerque para a nomeação de uma commissão encarregada de rever a lei de 6 de junho de 1864. — Ordem do dia: 1.ª parte, approvação, sem discussão, do projecto de lei n.º 22, que auctorisa o governo a modificar os regulamentos policiaes, no sentido de facilitar o transito de viajantes; e do projecto de lei n.º 20, o qual concede um terreno á empreza constructora do theatro figueirense — 2.ª parte, continuação da discussão do orçamento do ministerio da marinha.

Chamada — 39 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Adriano Machado, Alberto Carlos, Soares de Moraes, Villaça, Sá Nogueira, Pedroso dos Santos, Pequito, Sousa de Menezes, Rodrigues Sampaio, Falcão da Fonseca, Barão do Salgueiro, Ferreira de Andrade, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco de Albuquerque, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, Pinto Bessa, Barros Gomes, Zuzarte, Mártens Ferrão, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, J. J. de Alcantara, Nogueira Soares, Faria Guimarães, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, Julio Bainha, Luiz de Campos, Affonseca, Marques Pires, Paes Villas Boas, Lisboa, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Visconde de Montariol.

Entraram durante a sessão — os srs. Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, A. J. Teixeira, Arrobas, Freire Falcão, Santos Viegas, Telles de Vasconcellos, Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Eça e Costa, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Bernardino Pinheiro, Carlos Bento, Conde de Villa Real, Costa e Silva, Caldas Aulete, Bicudo Correia, F. M. da Cunha, Van-Zeller, Guilherme Quintino, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Santos e Silva, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Gusmão, Dias Ferreira, Mello e Faro, Elias Garcia, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Almeida Queiroz, Moraes Rego, Mello Gouveia, Nogueira, Julio do Carvalhal, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Pereira Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Barão do Rio Zezere, Pinheiro Borges, Francisco Mendes, Pereira do Lago, Palma, Mendonça Cortez, Alves Matheus, Augusto da Silva, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, José Tiberio, Lopo de Mello, Luiz Pimentel, Camara Leme, Pedro Franco.

Abertura — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

Do ministerio do reino, participando não poderem ser enviados á camara os esclarecimentos pedidos pelo sr. Van-zeller ácerca do estado da viação municipal.

Para a secretaria.

Representações

Pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868 que creou a engenheria districtal

1.ª Da camara municipal de Villa Franca de Xira.

2.ª Da camara municipal de Almada.

Contra o projecto de lei do sr. Caldas Aulete relativo á validade, em Portugal, dos diplomas passados pelas academias hespanholas

Dos estudantes da faculdade de medicina e de outros das demais faculdades da universidade de Coimbra.

Foram remettidos ás commissões respectivas.

Requerimento

Requeiro que se peça ao governo que pelo ministerio da marinha e ultramar remetta a esta camara, com urgencia:

1.° Copia de quaesquer instrucções dadas ao commandante da corveta Sagres quando em dezembro de 1868 foi em commissão a Angola.

2.° Uma conta da despeza de combustivel feita pela dita corveta na referida viagem por aquelle navio desde Lisboa até chegar a Loanda.

Sala das sessões, 19 de maio de 1871. = Antonio Maria Barreiros Arrobas.

Foi remettido ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — Estando em abril de 1864 para ir á praça, perante o governador civil de Santarem, um predio situado no lado oriental da praça de Salvaterra de Magos, e pertencente ao antigo palacio real d'aquella villa, o referido magistrado representou ao ministerio da fazenda sobre a necessidade d'aquella venda ser suspensa, em consequencia do edificio em parte ser necessario para n'elle ficarem estabelecidos a administração do concelho, repartição de fazenda e aula de instrucção primaria. O ministerio da fazenda mandou effectivamente sustar a venda e desde então o mencionado predio ficou de facto na posse da camara de Salvaterra de Magos, a fim de ser utilisado n'aquelles fins. Convém, comtudo, legalisar esta posse, porque, começando aquelle edificio a ameaçar ruinas, nem a fazenda nacional se presta a concorrer com as despezas de reparação, nem a camara municipal ousa emprehender obras n'uma casa, cuja propriedade legal não tem.

Por estes motivos os deputados abaixo assignados têem a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É concedido á camara municipal de Salvaterra de Magos o predio pertencente á fazenda nacional situado no lado oriental da praça da villa de Salvaterra com o numero 32 para esta praça, e os n.ºs 1 e 1-A para a travessa do Secretario, a fim de n'elle serem estabelecidas a administração do concelho, a repartição de fazenda e a escola de instrucção primaria.

§ unico. O edificio reverterá para a posse da fazenda nacional logo que seja desviado dos fins indicados n'este artigo.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 16 de maio de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho = Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Projecto de lei

Senhores. — Nenhuma rasão de conveniencia publica justifica a classificação que se deu á estrada que ha de ligar Gouveia a Mangualde. Ao contrario, todas as considerações que presidiram á classificação das estradas do paiz aconselham e indicam a necessidade de declarar directa essa

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estrada, correndo por conta do estado a sua construcção, conservação e reparação.

O ramal que liga Gouveia com a estrada de Celorico ao Alva foi declarado estrada directa pela lei de 15 de julho de 1862; e sendo este ramal o tronco da estrada que ha de ligar a Mangualde, Vizeu, Lamego e outros centros importantes a zona fabril da Serra da Estrela, nenhum motivo ponderoso determina a considerar districtal uma pequena parte de uma estrada geral.

A estrada de que nos occupamos é a grande arteria por onde correm nos mercados de consumo os importantes productos das fabricas de lanificios dos concelhos de Gouveia e Ceia e ainda da cidade da Covilhã. Não são duas povoações sómente; são differentes concelhos e districtos, são os interesses e adiantamento de uma industria valiosissima que reclamam a construcção d'esta estrada.

É ella bem pequena em extensão. Mas a sua incontestavel importancia auctorisa a alteração que propomos.

Emquanto a acção local não estiver sufficientemente desenvolvida emquanto a descentralisação não for uma verdade pratica em todas as suas manifestações, é força que o estado se encarregue de serviços recommendados pela sua indiscutivel utilidade.

Sem lembrar o que tem succedido com outras estradas de muito somenos importancia, sem adduzi rasões economicas de outra ordem que em todo o ponto justificam a justiça da nossa proposta, temos a honra de submetter á vossa illustrada apreciação, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É considerada directa, para os effeitos da lei de 15 de julho de 1862, a estrada que ha de ligar Gouveia a Mangualde.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 19 de maio de 1871. = Julio Cesar de Almeida Rainha, deputado pelo circulo de Ceia = Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque deputado pelo circulo de Mangualde = Francisco Coelho do Amaral, deputado pelo circulo n.º 48.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Proposta

Proponho que a mesa seja auctorisada a nomear uma commissão, composta de sete membros, a qual revendo a lei de 6 de junho de 1864, proponha as alterações a fazer na mesma lei em harmonia com as necessidades do paiz e exigencia do serviço.

Sala das sessões, 19 de maio de 1871. = Francisco de Albuquerque.

O sr. Falcão da Fonseca: — Pedi a palavra, não tanto para combater a proposta que está em discussão, como para explicar um incidente que se levantou na sessão passada, e me dizia respeito.

Tendo eu hontem tomado a palavra em referencia a essa mesma proposta, declarei que a não podia approvar, por isso que confiava no nobre ministro das obras publicas e porque s. ex.ª me tinha declarado que se occupava activamente d'este importante assumpto, tanto da viação districtal como municipal, e que o governo esperava talvez apresentar uma medida a este respeito, por isso que entendia, como muita gente entende, que tanto a lei de 6 de junho de 1864, como a de 15 de julho de 1862, precisavam de algumas modificações.

Tendo eu n'essa occasião saído ao corredores d'esta casa, pela resposta que o nobre ministro das obras publicas deu ao illustre deputado, o sr. Francisco de Albuquerque, parece-me que s. ex.ª se referira à minha pessoa, dizendo que eu declarara que o nobre ministro das obras publicas havia tomado algum compromisso de apresentar, sobre este assumpto, uma proposta de lei. Não ouvi o que s. ex.ª disse, mas pela resposta do sr. visconde de Chancelleiros, parece-me que eu ficava collocado em má posição, porque as minhas palavras estavam em contradicção com as palavras do nobre ministro.

Preciso pois explicar me.

Ha poucos dias tinha declarado á camara que tencionava apresentar um projecto de lei sobre a engenheria districtal, se a illustre commissão de obras publicas não apresentasse com a urgencia necessaria algum projecto de lei n'este sentido, visto que muitas camaras municipaes tinham representado a esta camara, pedindo a immediata revogação da lei de 30 de outubro de 1868, por isso que considerava a engenheria districtal como um embaraço e um gravame para os cofres dos municipios.

Não desejo occupar-me agora d'este assumpto, quero dizer, das representações que têem dado entrada n'esta camara, por isso que em occasião opportuna o farei; mas desejo mostrar quanto são acertadas, judiciosas e verdadeiras as premissas d'essas representações. Passando pela vista algumas d'essas representações, vim no conhecimento que na repartição de obras publicas do districto de Coimbra, por exemplo, que desde a sua iniciativa até ao principio d'este anno se tinha gasto 1:916$000 réis com estudos de estradas apenas tinham estudado 11 kilometros, o que dava em resultado saírem os estudos de cada kilometro a 174$181 réis, ao passo que a camara municipal poderia conseguir esses mesmos estudos por 30$000 réis, d'onde se vê que gastou a mais 144$181 réis.

Parece-me que estou vendo na physionomia de v. ex.ª, que eu estou um pouco fóra da ordem. Eu demoro-me muito pouco, mas como se fallou no assumpto desejo apresentar testes pequenos excerptos das representações a que me referi, e pretendo fazer sentir aos meus collegas quanto improductiva tem sido esta instituição creada nos districtos.

Não cansarei a camara em ter os dados que tenho aqui, porque, opportunamente, me occuparei mais desenvolvidamente d'este assumpto quando apresentar á camara o projecto de lei a que já me referi.

Como disse a v. ex.ª, o meu fim foi explicar á camara o que se tinha passado entre mim e o sr. ministro das obras publicas.

Declaro, portanto, a v. ex.ª, que em vista da promessa feita pelo nobre ministro das obras publicas, em quem muito confio, não posso votar a proposta que o illustre deputado mandou para a mesa.

O sr. Presidente: - O sr. deputado não está fóra da ordem; entretanto não é praxe discutir-se qualquer proposta na occasião de ter segunda leitura, porque nada se approveita com isso.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Mando para a mesa a seguinte proposta de lei, que vae tambem assignada pelo sr. ministro da fazenda (leu).

Esta proposta é importante, porque sem ella as juntas geraes de districto não estão habilitadas para fazer proceder ao desenvolvimento da viação districtal, e o governo não póde por consequencia auxiliar os districtos, em vista da lei existente, com a parte com que o póde fazer.

Tendo eu conhecido estas necessidades quando tive a honra de gerir a pasta de obras publicas, mandei reunir as juntas geraes de districto expressamente para este fim.

O governo está convencido que com a apresentação d'esta proposta satisfaz a uma necessidade urgente do serviço publico.

Leu se na mesa a seguinte

Proposta de lei

Senhores. — A carta de lei de 15 de julho de 1862, no artigo 30.º, estabeleceu como receita ordinaria dos districtos, com especial applicação ás despezas da viação districtal, alem de outros rendimentos, uns tantos por cento addicionaes ás contribuições predial, pessoal e insdustrial, que seriam annualmente votados em côrtes por lei, sobre proposta do governo, precedendo consulta das juntas geraes de districto.

Para dar execução a esta disposição preceptiva da lei

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mandou o governo, por decreto de 25 de fevereiro ultimo, convocar extraordinariamente as juntas geraes que não estivessem reunidas em sessão ordinaria, e a todas exigiu consultas especiaes sobre a percentagem addicional que conviria auctorisar para o proximo futuro anno economico.

Satisfizeram a esta exigencia todas as juntas geraes, excepto a de Bragança, que não se reuniu, consultando por ella o conselho de districto, porém incompetentemente, porque para este caso não lhe dava a lei a faculdade de supprir a falta da junta geral, devendo portanto esta junta considerar se no numero d'aquellas que consultaram negativamente.

No mesmo caso se deve considerar a junta geral do districto de Leiria, a qual, tendo consultado para que se votasse uma quantia certa e determinada, em vez da percentagem exigida pela lei, deixou por isso de consultar em termos precisos para justificar a proposta do governo e satisfazer-se ao preceito legal.

Finalmente as juntas geraes dos districtos de Evora, Villa Real e Vizeu consultaram que não se votasse percentagem alguma addicional ás contribuições geraes, porque julgaram este novo encargo superior ás forças dos contribuintes dos seus districtos.

As juntas geraes dos restantes doze districtos do continente consultaram todas por diversas percentagens, desde 1/8 até 10 por cento, segundo as circumstancias peculiares de cada districto expostas nas respectivas consultas, que vos serão presentes para que possaes bem apreciar as rasões que moveram as corporações districtaes a tão variados alvitres.

O governo, conformando-se com os pareceres das juntas geraes, por considerar estas corporações nas circumstancias de bem avaliarem as conveniencias dos povos dos seus districtos, entendeu dever propor que se auctorise para cada um dos districtos a percentagem addicional indicada nas respectivas consultas.

E comquanto algumas consultas sejam negativas ou como taes devam considerar-se, e pareça que até este ponto não permitte a lei que se condescenda com a opinião das juntas geraes, visto que a percentagem de que se trata constitue uma receita ordinaria, que em maior ou menor quantia deve figurar annualmente nos orçamentos dos districtos, entendeu não obstante o governo que mesmo assim não convinha contrariar a opinião das juntas, a cuja iniciativa se deve confiar a promoção dos melhoramentos districtaes; sendo de esperar que essa iniciativa seja mais efficazmente estimulada pela opinião publica e pelo exemplo dos outros districtos do que pela imposição dos poderes superiores do estado, de ordinario mal recebida, ainda que justificavel pelas mais incontestaveis conveniencias dos povos.

Fundados n'estas considerações, e em obediencia á lei, temos a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° São fixados nas percentagens constantes da tabella annexa a esta lei os addicionaes as contribuições predial, pessoal e industrial, com que no proximo futuro anno economico hão de concorrer para as despezas da viação districtal os districtos administrativos mencionados na referida tabella, a qual fica fazendo parte integrante d'este artigo.

Art. 2.º Os addicionaes fixados pelo artigo precedente serão lançados e arrecadados cumulativamente com as contribuições do estado, nos mesmos termos e pela mesma fórma em que essas contribuições são lançadas e arrecadadas, e o seu producto será mandado entregar nos cofres dos districtos.

Art. 3.° Quando em algum dos futuros annos economicos deixar, por qualquer motivo, de ser votada em côrtes a percentagem addicional, que, nos termos da lei de 15 de julho de 1862, constitue receita ordinaria para aviação districtal, entender-se-ha auctorisada para esse anno uma percentagem igual á votada pela ultima lei.

Art. 4.° A receita proveniente dos addicionaes auctorisados por esta lei póde ser destinada a garantir e amortisar emprestimos applicados a obras de viação districtal.

§ unico. Nos districtos em que forem auctorisados e realisados emprestimos nos termos d'este artigo, os addicionaes que servirem de garantia e dotação dos mesmos emprestimos ficarão por esse facto auctorisados por tantos annos quantos forem necessarios para a amortisaçâo dos emprestimos e respectivos encargos.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 19 de maio de 1871. = Marquez d'Avila e de Bolama = Carlos Bento da Silva.

Tabella da percentagem proposta pelas juntas geraes de districto para ser lançada como addicional ás contribuições geraes do estado, com applicação a estradas de 2.ª ordem

Aveiro.............................. 2 por cento

Beja................................ 10 por cento

Braga............................. 2 por cento

Castello Branco......................1,35 por cento

Coimbra............................ 1/8 por cento

Faro............................... 5 por cento

Guarda............................. 4 por cento

Lisboa.............................. 4 por cento

Portalegre........................... 1 por cento

Porto...............................1/4 por cento

Santarem............................ 2 por cento

Vianna.............................. 10 por cento

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 19 de maio de 1871. = Marquez d'Avila e de Bolama.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Pedi a palavra para dar uma pequena explicação com relação ao que hontem se passou na ausencia do meu illustre amigo o sr. Falcão da Fonseca. Eu ouvi e acreditei, nem podia deixar de o fazer, o que disse o meu illustre collega com relação á conferencia ou ao que particularmente lhe tinha dito o sr. ministro das obras publicas, nem mesmo o sr. ministro negou o que se passara. Entretanto o que eu desejava era ouvir da bôca do nobre ministro isto mesmo, isto é que s. ex.ª me dissesse se da parte do governo, e não apenas da de s. ex.ª, porque isto é um assumpto cumulativo (apoiados), e não se póde apresentar uma proposta para a sua refórma sem a cooperação dos srs. ministros do reino e obras publicas (O sr. Pedroso: — Apoiado), se compromettia a apresentar algum trabalho ainda n'esta sessão. N'esta hypothese retirava a minha proposta, mas como s. ex.ª disse que não tinha compromisso de qualidade alguma e não se compromette a apresentar uma proposta a este respeito, não desisto da que apresentei, porque entendo que ella póde fazer com que dentro em pouco se apresente aqui um projecto sobre este assumpto em que é possivel que o governo esteja de accordo.

Não quiz fazer censura nem deixar de acreditar nas palavras do sr. Falcão da Fonseca, mas desejava que o sr. ministro das obras publicas declarasse, se sim ou não o governo se compromettia a apresentar um trabalho sobre esta materia.

Lida novamente a proposta do sr. Francisco de Albuquerque, foi admittida, e logo approvada.

O sr. Pinto Bessa: — Mando para a mesa uma representação, que me foi dirigida da cidade do Porto, e peço licença a v. ex.ª para a ler.

É a seguinte:

«Ex.mo sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portuguesa. — Os abaixo assignados, proprietarios, commerciantes e industriaes da cidade do Porto, que, como todos os mais portuguezes, não devem ser indifferentes ao modo como os poderes publicos desempenham as funcções a seu cargo, e de conformidade com o que dispõe o § 28.º do artigo 145.° da carta constitucional, vem pedir a v. ex.ª se digne mandar consignar na acta da sessão parlamentar em que esta petição for presente a v. ex.ª, con-

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sultando a camara dos senhores deputados a que tão sabiamente preside, e em nome dos signatarios, um voto de louvor e agradecimento ao ex.mo sr. Francisco Mendes, dignissimo membro da mesma camara, pelo modo exemplar como elle se desempenha da missão sublime de representante da nação, não se tendo prestado a votar contribuições sem que sejam feitas as deducções que podem e devem fazer-se desde já na despeza do estado, para as quaes a necessidade é momentosa e propicia a occasião, visto que se trata agora da discussão do orçamento; tornando-se o referido voto de louvor e agradecimento extensivo a quaesquer outros srs. deputados que, como o sr. Francisco Mendes, não votarem contribuição alguma sem que primeiro se elimine do orçamento da despeza publica tudo quanto é superfluo e realmente indevido, o que sobe a uns poucos de milhares de contos de réis; não se satisfazendo os srs. deputados com promessas sómente de que se hão de fazer economias, promessas que ha muitos, annos têem sido repetidas por diversos estadistas, mas só a ellas se têem limitado.

«Pedem mais os abaixo assignados, que v. ex.ª se digne fazer lembrar á camara dos senhores deputados quanto é conveniente, preciso e devido mandar pôr em pratica fiel e escrupulosa as disposições dos §§ 12.° do artigo 15.°, e 14.° do artigo 145.° da carta constitucional.

«E protestando a v. ex.ª e a todos os srs. deputados o devido acatamento, confiam e — Pedem a v. ex.ª se digne acolher a presente petição com a benevolencia e justiça que são de seu inalteravel costume.

«Porto, 16 de maio de 1871.»

(Continuando.) Esta representação vem assignada por 1:082 cidadãos, negociantes, proprietarios e artistas da cidade do Porto.

Mando a representação para a mesa, e v. ex.ª lhe dará o destino que julgar conveniente.

O sr. Mariano de Carvalho: — Pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro do reino para um negocio de que já tratei n'esta camara.

Por uma portaria do mez de junho do anno passado, expedida pelo ministerio de instrucção publica, foram mandadas pagar propinas de matricula aos individuos que vão ao lyceu fazer exame, sem serem alumnos d'aquelle estabelecimento.

Eu pedia ao sr. ministro do reino a bondade de dar as ordens necessarias, antes que comece a epocha dos exames, a fim de que os alumnos não estejam sujeitos a um tributo lançado por uma portaria.

O sr. ministro está presente, mas como talvez não ouvisse as minhas observações, s. ex.ª lerá no Diario da camara o que eu disse.

Ouvi ter uma representação mandada para a mesa pelo sr. Pinto Bessa, assignada por grande numero de cidadãos da cidade do Porto, na qual pedem um voto de louvor ao sr. deputado Francisco Mendes.

Respeito muito as intenções dos cidadãos do Porto, e as rasões que apresentam estão de accordo com os principios do partido reformista, mas não me parece curial que se dê um voto de louvor a um deputado, quando os mais são por todos os titulos dignos de consideração.

Creio portanto que este negocio não deve ter seguimento.

O sr. Pinto Bessa: — Eu não faço questão. v. ex.ª dará á representação o destino que julgar conveniente.

Não fiz mais do que desempenhar-me da missão de que me encarregaram.

O sr. Presidente: — Como ninguem pediu a urgencia d'este negocio, não podemos agora tratar d'elle.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa um requerimento de Miguel José Barreira, tenente quartel mestre de caçadores n.º 2.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Entrou em discussão o seguinte projecto de lei n.º 22

Senhores. — A vossa commissão de administração publica, ouvindo previamente a illustre commissão de fazenda, examinou o projecto n.º 16-B, em que o governo pede auctorisação para alterar os regulamentos policiaes, no sentido de dar maiores facilidades á admissão, residencia, transito e saída de viandantes nacionaes e estrangeiros, fazendo para este fim nas tabellas do regulamento de 7 de abril de 1863 todas as convenientes modificações.

Considerando que a proposta do governo tende a diminuir os embaraços que a nossa legislação policial põe ainda hoje ás relações entre nacionaes e estrangeiros, promettendo não augmentar a despeza, a vossa commissão é de parecer que a proposta do governo seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a alterar os regulamentos policiaes em vigor, no sentido de facilitar a admissão, residencia, transito e saída dos viandantes, tanto nacionaes como estrangeiros, podendo fazer nas tabellas annexas ao regulamento geral de policia de 7 de abril de 1863 as reducções necessarias para se conseguirem estes fins, comtanto que da sua adopção não resulte augmento de despeza.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 16 de maio de 1871. = Antonio Rodrigues Sampaio = Augusto Cesar Cau da Costa = Barão do Salgueiro = João José de Mendonça Cortez = João de Azevedo Sovereira Zuzarte = Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque = Francisco Coelho do Amaral = Joaquim de Vasconcellos Gusmão, relator.

A commissão de administração publica tem a honra de enviar á illustre commissão de fazenda para interpor o seu muito auctorisado parecer.

Sala da commissão, em 11 de maio de 1871. = Joaquim de Vasconcellos Gusmão.

A commissão de fazenda, tendo sido consultada pela illustre commissão de administração publica, ácerca da proposta do governo, em que este propõe ser auctorisado a alterar os regulamentos policiaes em vigor, no sentido de facilitar a admissão, residencia, transito e saída dos viandantes tanto nacionaes como estrangeiros, é de parecer que a referida proposta póde ser convertida em projecto de lei, comtanto que da sua adopção não resulte augmento de despeza nos cofres publicos.

Sala da commissão, 15 de maio de 1871. = Anselmo José Braamcamp = Henrique de Barros Gomes = João Antonio dos Santos e Silva = Antonio Augusto Pereira de Miranda = João José de Mendonça Cortez = José Dionysio de Mello e Faro = Mariano Cyrillo de Carvalho = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Eduardo Tavares = Antonio Rodrigues Sampaio = João Henrique Ulrich, relator.

Foi logo approvado.

Entrou em discussão o seguinte

Projecto do lei n.º 20

Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foi enviado o projecto de lei n.º 17-A, do sr. deputado João Henrique Ulrich, para que o governo seja auctorisado a conceder á empreza constructora do theatro figueirense, na villa da Figueira da Foz, uma area medindo 860 metros quadrados do terreno conquistado ao rio Mondego pelas obras do novo caes.

A commissão, considerando que da construcção do theatro de que se trata resulta para os terrenos adjacentes pertencentes ao estado um augmento de valor, e attendendo a que o novo theatro será de certo um estimulo para que nos mencionados terrenos conquistados ao Mondego se proceda a outras edificações que hão de constituir nova materia collectavel, e contribuir ao mesmo tempo para o aformoseamento local, julga entretanto que se deve prevenir a hypothese da empreza figueirense não construir o theatro de que se trata, caso em que parece á commissão deve ficar sem effeito a concessão do terreno em questão.

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N'estes termos tem a vossa commissão a honra de apresentar-vos, de accordo com o governo, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É concedida á empreza constructora do theatro figueirense, na villa da Figueira da Foz, uma superficie de 860 metros quadrados do terreno conquistado ao rio Mondego pelas obras do novo caes junto da praça Nova, em frente do quintal de Bernardino A. da Silva Ferraz.

Art. 2.° O governo verificará se a empreza constructora do theatro figueirense está legalmente constituida e possue os meios necessarios para realisar o seu fim, antes de tornar effectiva a concessão de que trata o artigo antecedente.

Art. 3.º O terreno concedido reverte ao dominio do estado se dentro de tres annos, contados da data da publicação d'esta lei, não estiver construido o theatro para que o dito terreno é destinado.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 13 de maio de 1871. = Anselmo José Braamcamp Alberto Osorio de Vasconcellos = José Dias Ferreira = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Antonio Augusto Pereira de Miranda = Mariano Cyrillo de Carvalho = Alberto Carlos Cerqueira de Faria = Henrique de Barros Gomes = João Henrique Ulrich = Antonio Rodrigues Sampaio = João Antonio dos Santos e Silva = Augusto Saraiva de Carvalho = Francisco Pinto Bessa = José Dionysio de Mello e Faro, relator.

Senhores. — Á vossa commissão de obras publicas foi presente o projecto de lei n.º 17-A, do sr. deputado João Henrique Ulrich, que tem por fim auctorisar o governo a ceder á empreza constructora do theatro figueirense, na villa da Figueira da Foz, uma area medindo 860 metros quadrados do terreno conquistado ao Mondego pelas obras do novo caes.

A commissão de obras publicas entende que não ha inconveniente na concessão da auctorisação de que se trata.

Sala das sessões, 12 de maio de 1871. = Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes = Pedro Roberto Dias da Silva = Domingos Pinheiro Borges = Mariano Cyrillo de Carvalho = José Elias Garcia = José Bandeira Coelho de Mello, relator.

Foi logo approvado na generalidade e especialidade.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do orçamento do ministerio da marinha

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Rodrigues de Freitas para continuar o seu discurso.

O sr. Rodrigues de Freitas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu se na mesa a seguinte

Proposta

Considerando que a discussão do orçamento do ministerio da marinha tem tornado evidente a necessidade de importantes reformas do serviço do estado, todas as quaes não é possivel propor, discutir e votar na presente sessão legislativa;

Considerando que essas reformas devem assentar em bases, que ao mesmo tempo assegurem a equidade para com o funccionalismo, a harmonia entre todas as repartições do estado, e a mais economica administração, sem damno do bom serviço, que é em todas as nações um poderoso elemento de progresso;

Considerando que a questão de fazenda para ser bem resolvida exige a descentralisação administrativa, que é um dos mais efficazes meios de desenvolvimento da riqueza publica e educação politica:

Proponho a eleição de uma commissão de inquerito parlamentar ás repartições publicas, a qual apresentará a esta camara o resultado dos seus trabalhos, indicando principalmente as bases da reforma que concilie o bom serviço com a economia, e toda a descentralisação congruente com o estado social do reino. Esta commissão terá todos os poderes para inquerir as pessoas cujo depoimento necessitar, e proceder ás verificações que julgar preciso.

Sala das sessões, 19 da maio de 1871. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior, deputado por Valença.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Julguei indispensavel pedir a palavra, por isso que no decurso da discussão algumas referencias se têem feito, que se dirijem directamente á administração que está a meu cargo, e por muita que seja a minha modestia, á qual um illustre deputado que me precedeu se referiu claramente, modestia que está inteiramente de accordo com o reconhecimento da consciencia e das qualidades do individuo, e que tem comtudo o merecimento de não ser o facto mais commum d'esta epocha, não posso deixar de tomar parte n'este debate.

Eu faço justiça ao desinteresse, á abnegação, ao zêlo e á intelligencia de todos aquelles que concorrem para o desempenho das suas missões, dentro dos limites das attribuições que lhes competem para a resolução de uma das mais difficeis questões que em um paiz se podem resolver, e reservo-me para aceitar a responsabilidade completa quando qualquer circumstancia desgraçada occorrer, que possa ser attribuida á capacidade do individuo que exerceu as funcções hoje a meu cargo.

Quando apparecem factos favoraveis eu devo fazer, e faço, justiça ao concurso de vontades e á efficacia dos esforços empregados; e a modestia, n'este caso, obriga-me a declarar que não tenho parte alguma no bom exito obtido. É indifferente para um paiz, que a vaidade de um ministro queira aceitar para si os resultados vantajosos, como devidos unicamente á sua gerencia financeira.

O que é importante é que se adquiram esses resultados. E seria desconhecer muito as contingencias inherentes ao logar que desempenho, se não tivesse declarado muitas vezes, que considerava que o augmento do nosso credito e as circumstancias em que nos achâmos ácerca do progressivo melhoramento das nossas finanças são devidas á ausencia das questões politicas e não aos esforços do ministro da fazenda.

Ainda ha pouco, em um paiz vizinho, um illustre estadista, provando que nas circumstancias difficeis a pouca idade póde, ás vezes, justamente corresponder á importancia dos negocios, fallo do sr. Muret, declarou elle que, na questão do orçamento, entendia que não apresentava uma questão ministerial para os outros ministros, só para si; eu declaro de novo o mesmo n'esta camara.

Eu aceitarei só uma resolução, que não se póde julgar muito agradavel - a responsabilidade. Para a responsabilidade não tenho modestia de nenhuma qualidade, aceito-a completamente, porque quem toma sobre si um encargo d'esta ordem, tem obrigação de a aceitar.

Mas fazendo justiça ás qualidades de todos os cavalheiros que têem tomado parte n'esta discussão, tenho pensado commigo mesmo se seria de summa importancia, se seria indispensavel saber-se com toda a exactidão a historia da iniciativa de qualquer projecto ou proposta que se apresentasse a esta camara, se tal exactidão produziria o augmento do nosso credito e a elevação do preço dos fundos publicos, ou se o desaccordo em um ou outro ponto em que se encontram dois ministros em um dia dado (facto unico na historia ministerial de todas as nações!) podia influir na depreciação d'esses fundos publicos.

Ora, por incontestavel que seja, que algum progresso temos conseguido no melhoramento do nosso estado financeiro, não se póde suppor por isso que as difficuldades estejam todas vencidas e que toda a nossa attenção seja demasiada em estudar os meios de melhorar esta mesma situação (apoiados).

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Procura-se com todo o cuidado se um ministro foi contradictorio com os seus collegas! A contradicção na nossa epocha dá-se sem ser preciso escolher mais de uma pessoa, porque um unico individuo em differentes epochas tem sido contradictorio. E para que é preciso ir procurar contradições entre differentes pessoas, quando ellas se encontram no mesmo individuo?! (Riso.)

Eu na minha modestia já tenho sido sujeito a duras provas; e confesso á camara que todos os dias goso a leitura amena de um jornal, que declara que eu sou inepto (riso). Posso assegurar a v. ex.ª e á camara, que por occasião da minha refeição matinal tenho a maior satisfação em ler as notaveis observações feitas por aquelle distincto lusitano! (Riso.) A leitura d'aquella folha enche-me de orgulho, porque se me tem abatido pessoalmente, revela a intelligencia o individuo a respeito do qual sou inepto! Mas a modestia, as contradioções e a exaltação resolvem pouco a questão financeira (apoiados).

A questão financeira ganha alguma cousa com a disposição em que se tem encontrado esta camara de afastar contingencias de conflictos adiaveis (apoiados); porque ha muitas questões que se resolvem com o adiamento dos conflictos, e não procedendo-se de fórma que elles se tornem inevitaveis (apoiados).

E n'esta occasião não posso deixar de me dirigir ao meu antigo amigo, que não sei se está presente, o sr. Latino Coelho, para lhe perguntar que facto importante, para mim completamente inexplicavel, determinou que se rompesse de uma maneira tão ostensiva essas disposições de abstenção e de abnegação que até agora se tem tornado um facto completamente decidido, disposições que aliás merecem o elogio de todos nós e igualmente da minha gratidão?! Que motivo forte, que rasão importante determinou a posição tão inesperada que tomou o illustre deputado n'esta discussão, rompendo o accordo geral e commum em que temos estado de concorrermos para que as questões politicas não viessem prejudicar as questões financeiras?!

O estylo do illustre deputado é bastante brilhante para poder ser um facto indifferente a posição determinada que tomou n'este debate (apoiados). Um individuo que não tivesse os recursos litterarios do meu illustre amigo, podia tomar uma posição qualquer sem que ella se revestisse de um caracter determinado e significativo, mas com o sr. Latino Coelho não succede assim, porque não podem ser indiferentes os actos que s. ex.ª pratica.

Note a camara a significação d'este acto, que a todos surpreendeu.

Todos desejam economias, e ainda ultimamente foi apresentada á camara uma representação, que faz justiça ás intenções de um illustre deputado, pedindo reducções de despesa.

Todos entenderam que o recurso ao credito, de que já se tem abusado demasiadamente, não podia continuar, que a diminuição de despeza e a creação de receita eram os unicos meios conhecidos de podermos saír das difficuldades financeiras em que nos achavamos.

Foi n'este sentido que se apresentou o parecer que se discute, propondo reducções de despeza, e foi n'esta occasião que o illustre deputado, que não está presente, entendeu que tinha logar manifestar-se em hostilidade ao governo e ao sr. relator da commissão de marinha, isto é, quando se apresentava um parecer que continha reducções importantes na despesa publica (apoiados).

Ora, se na opinião do illustre deputado essas reducções não eram feitas convenientemente, parece ao menos que bastava a intenção, ainda que os meios não fossem efficazes, para merecerem aquelle meu illustre amigo alguma benevolencia os esforços empregados para conseguir um resultado, embora não completo. Mas não aconteceu assim; em legar d'essa benevolencia, em logar d'este reconhecimento e justiça ás boas intenções da commissão de fazenda e do sr. relator do parecer, o illustre deputado foi rigoroso e severo com aquelle cavalheiro e com o governo (apoiados).

Mas o meu illustre amigo fez mais. Tendo consciencia de que, combatendo as economias indicadas no parecer, era necessario substitui-las por alguma cousa, mandou para a mesa um projecto de substituição. Eu li esse projecto, e comquanto ligue muita consideração ao seu illustre auctor, entendo comtudo que a extincção do segundo pharmaceutico do hospital de marinha pouca influencia poderá ter na resolução da nossa questão financeira (muitos apoiados. — Riso).

O que é certo é que tanto o sr. relator da commissão, como o illustre deputado, estão de accordo em um ponto, e isto mostra que não é impossivel a reconciliação. Tanto o illustre deputado como o sr. relator da commissão estavam na intenção de attribuir ao ministro da fazenda o registo da alfandega; é isto um symptoma de que o accordo começa a manifestar-se entre estes cavalheiros, o que é já uma cousa boa. S. ex.ªs querem que eu seja o encarregado de fazer o registo da entrada das embarcações. Estou prompto, e fallo-hei com a modestia que me caracterisa (riso).

Eu creio que não é o melhor meio de nós progredirmos, de alimentarmos as nossas esperanças, e de tornarmos mais intensos os nossos desejos pelo restabelecimento do nosso credito e pelo equilibrio das nossas finanças, o suppormos que estamos em uma situação desesperada. Graças aos esforços de muitas administrações, a situação da fazenda publica é hoje melhor do que era ha algum tempo a esta parte.

Posso dizer á camara que não tenho curtido as agruras que curti em outra epocha que desempenhei tambem o logar de ministro da fazenda. E devo tambem fazer uma declaração. Parece-me que ninguem agradece as agruras que se passam n'este logar, e creio mesmo que não devo fallar muito nos espinhos d'estas cadeiras, porque ha muito maior numero de aspirantes a estes logares do que geralmente se pensa. Pois quando eu vejo que n'uma representação, em que se pede que se cortem desapiedadamente os vencimentos e todas as classes de funccionarios, se propõe o augmento dos vencimentos dos ministros d'estado, fico persuadido de que as pretensões aos logares de ministros são maiores do que eu até aqui suppunha (riso).

N'este paiz, em que todos fallâmos nos principios de economia politica, em que todos os dias vamos importunar as cinzas de sir Robert Peel, muitas vezes ignoram-se algum factos mais importantes, que n'outros paizes se citam.

Poucas vezes se falla entre nós no juro a que está o dinheiro nos bancos, a como emprestam as casas bancarias; pouco nos importa a como está o cambio, pouco nos importa o estado da circulação fiduciaria; mas todos tratâmos de finanças, e todos nos queixamos de que o ministerio não tem iniciativa rasgada, não apresenta senão medidas mesquinhas, faltando-lhe a coragem para resolver todas as questões ao mesmo tempo, e por consequencia a questão de fazenda, porque se entende que a questão de fazenda se não resolve tratando-se isoladamente, e que é preciso para a resolver considerar ao mesmo tempo todos os problemas geraes pelos quaes se resolve uma questão!

Eu, que gosto de saber o que se passa lá fóra, tenho ouvido dizer aos inglezes mais de uma vez que a Inglaterra é um grande povo, porque não resolve senão uma questão por cada vez: «Nós somos um grande povo, porque não resolvemos senão uma questão por cada vez».

Entre nós succede o seguinte: a situação financeira é difficil? Pois resolva-se a questão de administração publica, a de instrucção publica, a de viação, a da organisação militar, para facilitar a solução da questão de fazenda.

E n'este ponto direi que é tanto mais necessario que o ministro da fazenda seja extremamente amovivel, quanto é certo que é o unico que representa um papel triste nas condições da sua existencia ministerial.

Ao meu collega, o sr. presidente do conselho e ministro do reino, pede-se um desenvolvimento immenso de instruc-

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ção publica, e a viação municipal tambem com todo o desenvolvimento.

Ao meu collega, o sr. ministro da marinha, pede-se uma marinha completa, inventada dentro de pouco tempo.

Ao meu collega, o sr. ministro da justiça, pede-se ainda mais do que s. ex.ª póde conceder.

Ao meu collega, o sr. ministro das obras publicas, a esse então não ha estrada, nem ponte, nem canal navegavel ou de irrigação que se lhe não peça!

Ao meu collega, o sr. ministro da guerra, pede-se uma organisação militar completa, improvisada; e o meu collega encontra tanta mais necessidade de a improvisar, quanto é certo que isso se não tem podido conseguir até aqui, apesar de terem pessoas muito distinctas recusado a pasta que s. ex.ª está gerindo.

Agora, se o ministro da fazenda, tendo de fazer face a todas as despezas que já existem, sem fallar nas que se exigem de novo, pede á camara dos senhores deputados que haja de crear a receita para occorrer a ellas, não ha phrase amarga que se não empregue; e se, apresentando alguns projectos, entende que devem ser modificados, uma vez que a opinião publica se pronuncie contra algumas das suas disposições, então ainda peior; era mau apresentar os projectos, e fica sem ter nome o desejar melhora-los modificando-os.

O ministro, pois, que apresentou um projecto e se sujeita a que seja modificado, é cousa que nunca se viu!

Tem-se visto e peior. É que não se lembram do que se tem passado em nações maiores e mais prosperas do que Portugal; é que não se lembram, provavelmente por ter acontecido ha pouco, de mudanças mais rapidas e completas a respeito da apresentação de projectos, como apresentarem-se n'um dia para serem retirados quarenta e oito horas depois (apoiados).

Uma voz: — É verdade.

O Orador: — Ora se isto é verdade, não digamos mal do paiz a que pertencemos, nem dos ministros que não têem uma iniciativa tão rasgada, que considerem todas as questões ao mesmo tempo, que não se occupem da importantissima questão da descentralisação, porque sem ella não se resolve a questão de um imposto dado, sem ella nada se faz; mas resolvida ella faz-se tudo!

A Inglaterra, resolvendo a questão das finanças do estado, foi então descuidada em resolver a questão de administração publica local, tendo por exemplo ainda a mesma divisão territorial que tinha antes da conquista dos normandos. Veja v. ex.ª como esta nação tem perdido por não ter ouvido estas prelecções tão sagazes e cheias de fundamento (riso), em que se nos pede que resolvamos tudo ao mesmo tempo, porque só assim podemos fazer alguma cousa (riso).

O governo dirigiu-se a um estabelecimento de credito publico, e disse, que «entendia que o juro devia baixar em harmonia com as circumstancias commerciaes, para assim facilitar o emprego de capitaes».

Pergunto a v. ex.ª e á camara se isto é um facto indifferente? Note-se, que não attribuo estes resultados ao merecimento dos ministros; mas a circumstancias favoraveis, que é preciso mencionar, sem comtudo ter-se adoptado medida alguma de descentralisação. Foi um facto economico e de grande importancia (apoiados).

Direi mais, que a observação de que as contribuições municipaes, emquanto não forem reguladas, não nos dão a possibilidade da resolução da questão da nossa situação financeira, encontra me, como ministro da fazenda, na firme resolução de a aceitar, reformando este ramo de serviço, para que não aconteça estar uma camara municipal lançando 100 por cento addicionaes sobre as contribuições directas (muitos apoiados).

Áquelles, porém, que têem a pretensão de estabelecer, que nenhuma proposta de fazenda se resolva, emquanto se não tratar, de um modo completmente satisfactorio, d'aquelle assumpto, peço licença para lhes citar o exemplo de um

grande paiz, exemplo que provavelmente será de utilidade n'esta acareação. Fallo ainda da Inglaterra.

Um ministro d'aquelle paiz, mr. Goschen, apresento ha pouco um relatorio extensissimo, que eu com a modestia que me caracterisa tive a curiosidade de ler até ao fim.

Declaro que nunca vi um systema de administração financeiro local como aquelle.

Os municipios d'aquelle paiz têem um rendimento superior a 30.000:000 libras, e sabem a que dizia o sr. Goschen, apesar das irregularidades d'aquelle ramo de serviço? Dizia: «As más circumstancias das finanças publicas podem comprometter um paiz, as das finanças locaes não ».

Fiquei n'uma grande perplexidade quando vi homens tão distinctos, estadistas tão consummados pertencentes a uma nação tão illustrada, fallarem assim, não desesperando da questão de fezenda em geral sem estarem completamente resolvidas a das finanças das localidades.

Mas entre nós ha cavalheiros, que não respeito menos, e que querem que o ministro da fazenda não dê um só passo, não peça um só imposto, enquanto se não resolver a questão da administração local d'este paiz, pagando comtudo regularmente as despezas correntes que se fazem, e todas as extraordinarias que se exigem.

Mas dizia eu que o banco baixou o seu juro. Este facto tem um grande alcance, e eu chamo para elle a attenção do nobre deputado que me citou aquella obra de um economista O que se vê e o que se não vê. O que se vê é o facto dos juros terem baixado, e que das condições economicas do paiz é que deve vir o resultado de uma boa situação financeira (apoiados).

É verdade que, quando uma situação financeira é detestavel e um governo se vê obrigado a levantar capitaes a grande preço, disputando-os no mercado a todas as industrias, é uma perfeita utopia a idéa de melhorar as condições economicas na presença d'aquelle facto financeiro que as aggrava.

Não ha verdadeiros melhoramentos economicos sem facilidade de, producção, que se não dá, e sem capitaes baratos que se não encontram, emquanto o estado é obrigado a disputa-los no mercado por todo o preço (apoiados).

Economias e reducções nas despezas todos as querem. E é na occasião em que se apresentam essas reducções na despeza, que se é tão severo com aquelles que tomam a responsabilidade das medidas com que ellas se conseguem e as sustentam! (Muitos apoiados.}

E aqui refiro-me ainda ao meu illustre amigo, o sr. Latino Coelho.

Pois o nobre deputado, que emprega tanta hostilidade para com o sr. relator da commissão de fazenda por ter apresentado na camara o parecer que se discute, não se lembra de que amigos politicos e amigos particulares seus sustentaram no seio da commissão este parecer e as propostas que o acompanham, e foram submettidas á apreciação da commissão?

Pois s. ex.ª quer condemnar assim, o procedimento d'aquelles seus cordeaes amigos, e considera-los de uma maneira, tão desfavoravel?

Elles approvaram as indicações apresentadas pelo illustre relator da commissão, aceitaram-as com a maior demonstração de agrado; e o illustre deputado entende, na occasião em que se apresenta n'um parecer o resultado d'essas indicações, que é chegado o momento de empregar contra elle toda a severidade que a rhetorica poz á disposição da s. ex.ª! (Apoiados.)

Já se vê que não se trata de uma questão de partido, mas de pessoas (apoiados).

Eu não creio que o illustre deputado possa dizer que representa em toda a parte um partido, e que ninguem mais possa ter direito a regular o seu procedimento senão pelas normas postas por s. ex.ª; e n'este caso entendo que s. ex.ª commetteu uma grave imprudencia em vi censurar um parecer, com cujas principaes bases muitos cavalheiros res-

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peitaveis, e não suspeitos para o illustre deputado, tinham concordado (apoiados).

Eu não quero abusar da paciencia da camara; mas todos comprehendem que é necessario que se dêem explicações a este respeito (apoiados).

Por muito boa vontade que haja, por muito bons desejos que todos tenhamos, e por mais que confiemos na efficacia da realisação d'esses desejos, o certo é que ninguem deve querer tolerar um governo, nem este governo póde aceitar uma tolerancia que pareça um acto de compaixão (apoiados).

Nós não precisâmos ser ministros. E os illustres deputados se não têem tomado a palavra contra este governo é por amarem o seu paiz, por entenderem que prestam um serviço á nação, que é superior a todos os partidos; e não por fazerem obsequio ao governo, por fazerem serviço aos ministros.

Mas a posição que a camara tem tomado não foi indifferente, porque tem concorrido para melhorar a situação financeira em que o paiz se tem encontrado. Esta é a verdade.

Nem o ministerio póde ter a pretensão de resolver uma questão tão grave, como é a questão de fazenda, sem concurso de todos os partidos empenhados em que saiâmos da situação em que nos achâmos.

Parece-me que a consideração do assumpto, debaixo d'esta ordem de idéas, dava muito mais altura ás nossas discussões, do que a consideração pela questão das nossas paixões. Em uma palavra, eu direi que esta camara ha de conseguir muito mais vantagens para o paiz, procurando estabelecer a influencia da sua opinião nas questões em que nos podemos unir, do que em inventar questões em que podemos estar divergentes.

Mas dizia eu que o juro tinha baixado. O governo baixou o juro do desconto em Lisboa, o governo tem conseguido melhorar as condições da divida fluctuante externa, e tudo isto importa uma consideravel economia (apoiados); mas não se attenda a esses factos, e vamos com as nossas divergencias tornar mais dramaticos os debates d'esta assembléa! Houve já quem dissesse que era insipida a historia das nações felizes.

Sejamos dramaticos, mas tudo isso nos custa dinheiro. Não é assim que se hão de fazer economias (apoiados).

Posso asseverar á camara que o interesse póde tornar-se mais intenso, mas que os individuos a quem vamos pedir renovação de letras não hão de encontrar mais garantias na animação dos nossos debates, nem hão de confiar mais em nós por demonstrarmos que nos sabemos invectivar.

Mas, sr. presidente, ainda ha boa vontade em se trabalhar para melhorar as nossas condições financeiras, e a proposito vem citar um facto que se deu hontem á noite e que mais forte tornou a minha convicção de que podemos esperar actos de abnegação em assumpto de vital interesse para este paiz.

Hontem á noite, estando na commissão de fazenda, assisti a um incidente que me encheu de satisfação. Vi que tinha voltado da outra camara um projecto que cria receita, e que tinha sido modificado, conforme é direito da outra camara. As alterações encontravam uma natural resistencia da parte de alguns membros da commissão, mas vi que esses cavalheiros, apesar de entenderem que estavam no seu direito sustentando idéas que inicialmente tinham partido d'esta camara, vi-os perante a consideração de se poder ir embaraçar a creação de um ramo de receita, e perante a urgencia das circumstancias parlamentares em que nos encontrâmos resolverem-se a aceitar as alterações feitas na outra camara, e não impugnarem aquelle projecto, facilitando por todos os modos a observancia de formalidades marcadas na constituição.

Ainda ha mais alguma cousa; um dos individuos d'essa commissão, que podia achar n'aquellas alterações um pretexto para se oppor, deu um voto affirmativo, e dando-o fez mais do que manifestar uma opinião; deu um exemplo, porque esse voto era á custa das suas conveniencias particulares, se era a favor das necessidades publicas.

Isto demonstra que n'este paiz não estão extinctos a boa vontade e os bons desejos de empregar todos os meios e fazer todos os sacrificios para o melhoramento das nossas condições financeiras.

Ora, disse-se aqui que se tratava de arruinar a nossa marinha; note bem a camara a exageração e o arrojo de tal phrase.

Tem-se sustentado que as propostas apresentadas eram a revelação do pensamento da aniquilação da nossa marinha. Ha aqui um grande erro e uma grave injustiça.

Eu devo dizer que os factos demonstram que algumas das economias prupostas correspondem a actos de boa administração praticados pelos ministros que têem dirigido aquella repartição e que trazem em resultado uma diminuição na despeza proposta; mas não se segue d'aqui que não seja até justo marcar regras no orçamento que digam respeito ao arbitrio de qualquer ministro, na administração do serviço que tem a seu cargo. Por consequencia no que se deve concordar é que depois d'estas explicações se vê que não ha ausencia de iniciativa da parte do ministro, como legislador, como a não ha como administrador. E eu peço á camara que não cuide que administrar é um facto muito insignificante; não cuide a camara que os ministros desempenham uma missão muito importante só quando têem feito propostas com longos relatorios, que podem ser escriptos pelos seus amigos ou por elles (riso).

Na occasião de se fazer um discurso não ha nada tão facil como a phrase. A phrase é a mais facil de todas as cousas; mas não se eleve a phrase entre nós a altura de instituição.

É preciso notar que, administrando-se, podem prestar-se grandes serviços ao seu paiz. Administrar não é cousa tão indifferente como parece á primeira vista; é verdade que não é tão dramatico, não se presta a estas apostrophes brilhantissimas que n'uma camara prendem a attenção dos espectadores: mas como nem todos são espectadores, e como o paiz não se póde compor só dos espectadores que estão nas galerias, ha mais alguma cousa que a parte litteraria da administração, é ver quem sabe ser bom administrador, quem possa conseguir algumas vantagens na administração que tem a dirigir, prestando algum serviço ao seu paiz, sem ter apresentado longos relatorios. Eu sou n'isto um pouco partidario do systema inglez. Os ministros inglezes não gostam muito de relatorios escriptos; fallam no parlamento e explicam verbalmente as suas medidas. Este mesmo systema seguiu no reino vizinho o ministro das finanças, fazendo a exposição da situação financeira. Acho que isto tem certas vantagens, pelo menos póde conhecer-se a quem pertencem em primeira mão as idéas apresentadas (riso), emquanto que nos relatorios escriptos é mais difficil saber quem são os seus progenitores (riso e apoiados).

Aqui pede-se tudo, chama-se o governo a resolver de prompto a questão de fazenda. Se o ministro da fazenda de Portugal tivesse a lembrança de dizer o que disse o ministro da fazenda de Hespanha a respeito do enthusiasmo pelo desenvolvimento das obras publicas, o que se não diria do pobre ministro da fazenda portuguez! Eu não quero ler o que disse o ministro da fazenda de Hespanha...

Vozes: — Leia, leia.

O Orador: — Satisfarei os desejos da camara (leu).

Aqui pedem-se melhoramentos. O paiz é digno d'elles. Mas quando se determinam esses melhoramentos, deve-se votar n'essa occasião as receitas para occorrer ás despezas que esses melhoramentos demandam, e é preciso que seja logo, senão depois não se paga nada. (Apoiados. — Riso.)

Tem havido ás vezes enthusiasmo por estes melhoramentos, os districtos têem chegado a declarar que estão promptos a contribuir, por exemplo, para o estabelecimento de

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caminhos de ferro, os caminhos de ferro estabelecem-se, e as receitas não vem. (Apoiados. — Riso.) Mas não acontece isto só entre nós, acontece em todas as nações. Ultimamente em Inglaterra procedeu-se a uma organisação militar, que se entendia ser reclamada pelas circumstancias d'aquelle paiz; toda a gente, com pequena differença, approvou a organisação, mas quando se tratou depois, alguma cousa depois, de votar as sommas precisas para se fazer face áquella despeza, houve uma grande resistencia apesar da utilidade da instituição.

Por isso eu digo: o paiz deve progredir, o paiz não deve parar, porque, segundo uma expressão muito conhecida, isso seria condemna-lo a uma morte proxima; mas é necessario tambem que todas as despezas que se augmentem sejam acompanhadas de orçamentos especiaes que as abonem (apoiados).

Eu entendo que a respeito da creação de nova marinha deve ser applicado esse principio; e sabe a camara por que n'este ponto eu tambem entendo que se devem adoptar as reducções propostas, e por que a diminuição de umas certas despezas devem ser habilitação para se poder obter recursos?

É porque não convem estarmos a manter a illusão de considerarmos como embarcações aproveitaveis navios velhos. Não ha nada tão prejudicial, não ha nada tão dispendioso como estar a dar a categoria de navios novos a embarcações, que estão no caso de se dizer que não podem com tanta gloria (riso).

Em Inglaterra creio que se vendem certas embarcações depois de dez annos de serviço; e se nós, ainda não ha muito, quizessemos uma esquadra inteira, composta de algumas naus e de algumas fragatas, tê-la-íamos comprado por 60:000 libras.

(Áparte que não se ouviu.)

Diz um illustre deputado, e é verdade, que comprámos um navio velho por navio novo; mas isso o que prova é que não basta fazer despezas para se ter progresso, isso o que prova é que muitas vezes o que se imagina progresso não é senão desperdicio.

Nós comprámos, é verdade, uma embarcação em muito mau estado, mas é porque de longe parecia nova; e não admira isto, quando tambem cá muito de perto nos estão parecendo em estado de servir embarcações que nem por estarem proximas descobrimos que estão caducas (riso).

Estimo muito ter esta occasião de fazer completa justiça aos nossos officiaes de marinha. Eu estou intimamente convencido de que elles acreditam que

desfazermo-nos de navios velhos não é deixar de reconhecer as qualidades que se encontram na officialidade da armada (apoiados).

Já tive occasião de conhecer de perto aquella corporação e de apreciar devidamente os seus elevados merecimentos. Já fui ministro da marinha, e ministro da marinha que enjoava (riso), digo-o com modestia, e conheci que os individuos que compõem aquella corporação não cedem em abnegação a nenhuma outra classe (apoiados).

Em honradez, em illustração, em qualquer outra qualidade elevada não conheço uma corporação que tenha merecimentos superiores áquelles que se encontram na classe dos officiaes da marinha portugueza (apoiados). Pois eu digo que, se por acaso se tivesse consultado a opinião de alguns officiaes de marinha, elles, apesar d'essa qualidade, não se deixariam seduzir pela idéa de contar no catalogo da nossa armada mais um navio de guerra.

A respeito do que o meu illustre collega, o sr. ministro da marinha, disse ha pouco ácerca de uma reducção nas tripulações dos navios da fiscalisação, devo dizer que creio estar habilitado não só a dispensar algumas tripulações, mas inclusivè algumas embarcações, porque eu tambem dei baixa a alguns navios da minha esquadra (riso).

Confesso que os inconvenientes não se fizeram sentir; pelo contrario uma das alfandegas do norte parece-me que, grata a esta confiança que depositava n'ella, tem-se obstinado em render mais, e tomando eu, é verdade, a precaução de lhe dar um fiscal escolhido, pessoa que tinha o vigor necessario e a intelligencia precisa para desempenhar tão importantes funcções.

Mas os officiaes de marinha dão exemplos de administradores economicos e efficazes. Citarei um exemplo, de que me lembro sempre.

Quando fui ministro da marinha um official de marinha governava uma das nossas provincias do ultramar. Essa provincia quando elle a foi governar estava nas seguintes circumstancias: deviam-se onze mezes aos empregados civis, seis mezes de pret aos soldados, e a metropole dava a essa provincia de subsidio 500 libras por mez. Quando esse official de marinha foi substituido no governo d'aquella provincia, deixou 200:000$000 réis em cofre, deixou um augmento de receita em 80:000$000 réis por anno, fez obras publicas e satisfez saques na importancia de réis 400:000$000, que se destinaram para outra provincia. Parece-me que n'esta occasião não serei muito indiscreto citando o nome d'esse official de marinha, que é o sr. visconde da Praia Grande (apoiados). Por aqui se reconhece que, havendo navios incapazes para a marinha, não deixam de haver officiaes capacissimos (apoiados).

Antes de concluir indicarei mais uma responsabilidade. Tem-se dito que o ministro da fazenda tem uma tal ou qual responsabilidade por fazer alguma resistencia a umas certas bases que se apresentaram para uma negociação sobre objecto importante. Eu não estou aqui para resolver, e incidentemente, uma questão tão importante como esta. Fallo n'ella, e fallo mais como deputado que felizmente o sou n'esta occasião, a qual aproveito para agradecer aos meus eleitores que me proporcionaram mais uma das repetidissimas vezes que tenho tido a honra de ter um logar na camara legislativa. Mas, como disse, vou accusar-me de mais uma responsabilidade. Effectivamente sou responsavel pela idéa de procurar todos os meios para se fazer uma reducção possivel em um subsidio importante, sem compromettimento da regularidade das nossas relações commerciaes e postaes com as nossas provincias do ultramar. Se por acaso isto é um crime, confesso que tenho a iniciativa d'elle; e uma vez que se trata da responsabilidade, peço aos illustres deputados que m'a exijam inteira e completa. É verdade que, sem querer resolver incidentemente essa questão, comprehendo que ella se não deve decidir senão na presença de um certo numero de considerações economicas e fiscaes, que serão opportuna e devidamente apreciadas.

Quando vejo que não ha solução para uma questão que póde ser boa, por ser a unica, aceito-a; mas quando ha mais soluções, o melhor meio é poder escolher d'entre ellas a melhor. N'este sentido tenho essa responsabilidade; confesso que a tenho, não me peza confessa-lo em publico, e não vejo n'isso inconveniente. Os factos mostram que quando fallo em economias não emprego palavras vãs. Tenho trabalhado tanto quanto posso para que essas reducções se effectuem na despeza. O ministro da fazenda tem de satisfazer a todas as despezas publicas, e por isso está sempre de accordo com a idéa de reducções e economias, quando ellas são exigidas de uma maneira tão conveniente que não compromettem a boa organisação dos serviços.

Fallou-se em embarcações de fiscalisação, como se não fosse necessaria. Hei de remunerar condignamente, hei de dar todos os meios necessarios aos individuos que estão encarregados da fiscalisação das alfandegas, para que essa fiscalisação se faça com a maior efficacia. Posso dizer que, aproveitando-me dos serviços de alguns individuos que tinham sido escolhidos pela administração anterior, e tendo-me esmerado em dotar esses individuos com os meios necessarios, posso dizer que n'um dos pontos onde o contrabando era feito em larga escala tem elle consideravelmente diminuido.

Estou disposto, pela minha parte, a dar força á auctoridade (apoiados), porque entendo que isto é indispensavel para o bom serviço.

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Estou persuadido que seria de um bom effeito vir um ministro da fazenda dizer ao parlamento: proponho uma gratificação como remuneração dos serviços feitos pelo director de tal alfandega (apoiados.)

Tambem posso assegurar ao illustre deputado, que fallou n'um ponto tão importante, que entendeu que alem das disposições de uma lei deve haver um regulamento para a formação das matrizes; que não ha artigo nenhum de lei ou de regulamento tão proficuo, como é a escolha do pessoal que tem de o executar (apoiados).

Debaixo d'este ponto de vista tenho escolhido alguns individuos para dirigir os serviços nos districtos, e o unico empenho a que tenho cedido para fazer esses despachos tem consistido nas informações que tive das suas capacidades.

Determinei portanto que se fizessem as inspecções, porque tenho confiança n'esse systema, quando elle é dirigido por pessoas idoneas, de provada honradez e cheias de zêlo e dedicação pelo serviço.

Fallei em economias. Eu posso realisar de economias na divida fluctuante, dentro de breve tempo, uma somma não inferior a 200:000$000 réis. Uma grande parte d'esta economia está realisada.

Supponho que uma das economias mais vantajosas, com effeito financeiro e com effeito economico, é a de reduzir despezas provenientes de operações de credito, que eram realisadas por um juro elevado. Tornemos barato o capital (apoiados). Não conheço melhor meio de promover efficazmente a riqueza do paiz (apoiados).

Temos feito face n'este anno economico a encargos, para os quaes acontecimentos imprevistos tinham impedido que se creasse receita.

Não quero tornar ninguem responsavel das difficuldades com que lutei, mas encontrei alem do mais antecipações sobre a alfandega de 600:000$000 réis, e isto proveio principalmente da interrupção da acção regular do governo, porque não foi possivel votar as medidas financeiras destinadas a fazer face ao deficit.

Não só se tem effectuado o pagamento das despezas relativas a um anno, que tinha sido desherdado do complemento da correspondente receita em consequencia dos acontecimentos que se deram, como tambem se tem feito uma economia na divida fluctuante de 200:000$000 réis, as antecipações sobre as alfandegas foram completamente supprimidas, em virtude de se achar o governo para isso habilitado pelas sommas que tem á sua disposição do rendimento das mesmas alfandegas; e o dividendo do anno economico futuro completamente garantido, pelos meios os mais economicos e normaes por que se encontra na receita das alfandegas o sufficiente recurso para pagar essa despeza. E tem sido possivel chegar a estes resultados, porque o governo teve já o voto d'esta camara a favor de receita, que foi mais consideravel ainda pela sua opportunidade do que pela sua importancia. A divida fluctuante externa e interna diminuiu no juro, e a externa 1.000:000$000 réis no capital. Os fundos que se venderam a 27, quando entrei para o ministerio, podem vender-se hoje a mais de 35.

Aqui estão os resultados que têem vindo da abstenção em que os partidos se têem mantido n'esta camara (apoiados).

Se iniciarem outra epocha debaixo da inspiração do brilhante discurso do illustre deputado, o sr. Latino Coelho, os compendios de rhetorica poderão apresentar excerptos de oratoria a mais variada; mas duvido muito que,

seguindo-se assim uma direcção opposta, esse novo caminho possa trazer ao paiz resultados financeiros e economicos mais vantajosos do que aquelles que até agora se têem conseguido (apoiados).

Peço perdão pelo tempo que tive de tomar á camara.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos, srs. deputados e alguns dignos pares que se achavam na sala)

O sr. Mariano de Carvalho (sobre a ordem): — Mando para a mesa um parecer da commissão de obras publicas, ácerca da proposta do governo, que auctorisa as juntas geraes de districto a lançarem addicionaes destinados á viação districtal.

Este negocio parece-me de alta importancia; por conseguinte peço que se consulte a camara se permitte que, dispensando-se o regimento, seja este parecer impresso com urgencia, distribuido por casa dos srs. deputados, e que entre em discussão na primeira parte da ordem dia de segunda feira.

Foi approvada a urgencia, e que o parecer entrasse em discussão na sessão seguinte.

O sr. Mello e Faro (sobre a ordem): — Sr. presidente, obedecendo aos preceitos do regimento, mando para a mesa a minha moção de ordem, que é a seguinte (leu).

Como a camara vê, o objecto d'esta moção é uma disposição legislativa muito simples e comprehensivel; por isso, dispensando me, ao menos por agora, de entrar nas rasões que teria de apresentar para justifica-lo, seja-me permittido que em breves palavras explique o por que assignei vencido em parte o parecer que se discute, e que em seguida faça alguns reparos sobre os incidentes que ultimamente se têem intromettido n'esta questão.

Foi o acaso, sr. presidente, que determinou a minha collocação n'esta altura da discussão. Mal poderia eu prever, quando pedi a palavra, que teria de achar-me no meio de uma questão, que é seguramente differente de todas aquellas de que a camara se tem occupado até hoje, e que parece significar da parte do governo uma nova attitude em relação á posição em que se tem collocado perante elle os diversos grupos que aqui se acham representados.

Antes, porém, de entrar n'esta parte das observações que tenho de submetter ao animo esclarecido da camara, começarei, para melhor methodo da discussão, pelo que tenho a dizer sobre o relatorio do orçamento, ora sujeito á apreciação da camara.

Assignei, como já disse, vencido em parte esse relatorio, e preciso dizer á camara os motivos que a isso me determinaram.

Confesso com franqueza á camara que na occasião em que se procedia á leitura d'este relatorio na commissão de fazenda, fui obrigado mais de uma vez a pedir venia aos meus collegas para interromper essa leitura, e a pedir explicações que me pareciam necessarias sobre alguns dos seus topicos, e com tal desgosto e constrangimento me vi forçado a proceder assim, que a final, para não ser tido em conta de impertinente, entendi dever abster-me d'essas interrupções desde que a commissão, por quasi unanime concurso dos seus membros, assentou na doutrina de que os relatorios eram principalmente da responsabilidade dos relatores (apoiados).

Não me pareceu, nem me parece agora conveniente discutir a procedencia d'esta doutrina. Eu estava convencido, e ainda estou, de que os relatorios não podem ser senão a expressão fiel, não só dos sentimentos que animam as maiorias das commissões, como das resoluções que ellas tomaram (apoiados).

Entretanto por um conjuucto de circumstancias, que não importam para a discussão, mas que a camara facilmente comprehende, deu se o facto que a respeito de alguns capitulos d'aquelle relatorio variaram as opiniões de tal maneira, que só por isso, ou talvaz principalmente por isso, vem elle cheio ou de declarações ou de vencidos em parte quasi na sua totalidade, não sendo portanto de admirar que em muitos pontos o relatorio se afastasse da opinião de algum dos membros da commissão, e que ella entendesse por isso que a maneira de saír da difficuldade era deixar a responsabilidade para o relator.

(Áparte que não se percebeu.)

Eu não quero prevalecer-me d'este momento para entrar n'um outra ordem do considerações, a que poderia de certo

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chegar, se porventura tomasse no apreço que sempre me merecem os ápartes que ouço n'esta casa.

Diz o sr. Santos e Silva que este facto se deu principalmente pela rasão de que aquillo não é um relatorio. Eu, que não desejo arredar o espirito da camara para questões que não sejam estrictamente aquellas que se referem ao objecto que se discute, passarei portanto adiante, observando aliás que, pelo que me diz respeito, o relatorio tem alguns pontos que, por me parecerem controversos ou menos explicitos, geraram no meu espirito duvidas e apprehensões que me determinaram a assignar vencido em parte.

Não são entretanto estas duvidas em geral de tal importancia, que valha a pena fazer uma recapitulação de todas ellas; mas para amostra, e porque me parece esta de mais algum alcance, peço licença para ler á camara um periodo d'esse relatorio, que mais impressão me fez na occasião da sua leitura, e que talvez mais do que nenhum outro pesou no meu espirito para me determinar a assignar vencido em parte. Esse periodo é o seguinte (leu).

Confesso que no momento em que se leu na commissão este periodo eu não lhe pude prever desde logo todo o seu alcance. Depois, tomando informações que eram indispensaveis para quem, como eu, não conhece miudamente o serviço interno do ministerio da marinha, vim a reconhecer que se porventura a commissão votasse esta disposição, d'aqui resultaria o annullar ella uma resolução que se tinha tomado, relativamente á collocação de todos os empregados do ministerio da marinha, qual era a de que a commissão nas suas resoluções se guardaria cuidadosamente de alterar a posição relativa dos empregados uns para com os outros, ou de ferir direitos que existissem ao tempo das providencias que se tivessem de tomar.

Quer agora a camara saber o que poderia resultar se porventura este projecto, a que se refere o relatorio, fosse aqui trazido nos termos em que o mesmo relatorio o indica? Resultaria que um segundo official, que actualmente está collocado em commissão como chefe de uma repartição, saltava por cima de todos os segundos officiaes mais antigos do que elle, e ía como primeiro official tomar o primeiro logar como chefe de repartição.

A camara vê que a tomar-se similhante medida se revogava a deliberação que o sr. relator da commissão tinha tido o cuidado de lembrar á commissão, e que ella aceitou sem a menor repugnancia, de conservar religiosamente a posição actual a cada empregado e os seus direitos adquiridos.

Limitando-me a estas observações no que diz respeito á redacção do relatorio, passarei agora a tratar de alguns pontos a respeito dos quaes tive tambem de assignar vencido, não já por motivos de redacção, mas das deliberações tomadas.

É um d'estes pontos o que se refere ao hospital de marinha.

O sr. relator da commissão, com o cuidado que eu não posso deixar de lhe louvar, reuniu uma tal copia de esclarecimentos ácerca da administração deste estabelecimento sanitario, que para mim ficou sobejamente demonstrado que elle não podia continuar a funccionar nas circumstancias em que se achava, sem grave detrimento dos interesses publicos, e sobretudo da classe dos marinheiros, que ali vão ser tratados, pagando não o que basta para occorrer aos gastos d'esse tratamento, mas o dobro daquillo que pagam outros individuos que entram para a mesmo hospital.

Ao meu espirito pareceu uma grave injustiça que se pedisse aos marinheiros para dietas, medicamentos e lavagem de roupas, no hospital de marinha, muito mais do dobro do que aquillo que custa esse serviço, mais do dobro do que aquillo que pagam os soldados da guarda municipal, que ali são mandados tratar.

Não vejo rasão plausivel que se possa allegar para sustentar esta ordem de cousas.

Diz-se, e eu sei que é verdade, que com este excesso de despeza, que pesa principalmente sobre os vencimentos das classes inferiores da armada, se tem preparado o que ha de bom, de luxuoso, e de apparatoso n'aquelle estabelecimento sanitario; mas eu não admitto que por se gastar em obras no hospital o que se leva de mais ás praças da armada, nós possamos pactuar com um facto d'esta gravidade.

Nós não podemos consentir que sejam espoliados os marinheiros para á custa do soldo que lhes pertence se fazerem obras n'um estabelecimento que, pela sua natureza, deve ser confortavel, mas modesto; no qual, porém, ha tanto luxo, que o proprio sr. ministro da marinha, meu particular amigo, com a lealdade que eu não posso deixar de lhe reconhecer, teve a franqueza de declarar na commissão de fazenda que elle, que era ministro da marinha, não tinha esperanças de ter na sua casa de habitação moveis tão bons como aquelles que tinha visto em alguns aposentos do hospital de marinha (apoiados).

Ainda mais. Se pelos dados que o illustre relator da commissão pôde colher se reconhecia que com os medicamentos, dieta, e roupa lavada dos marinheiros, que se recolhem n'aquelle hospital, não se gasta mais, por praça, do que cerca de 180 réis, parecia me que nós não podiamos votar a continuação de um estado de cousas, em virtude do qual se pediam ao marinheiro, não os 180 réis a que me tenho referido e porventura mais algumas cousas, o que fosse necessario para occorrer aos gastos de administração, mas 400 réis, alem de uma quota com que o estado ainda é obrigado a contribuir para sustentar aquelle estabelecimento no estado em que se acha.

Pareceu-me isto, torno a repeti-lo, uma verdadeira espoliação que se fazia a uma classe desvalida, como é a dos marinheiros; e, por isso mesmo que é uma classe infima, é que eu entendo que devia pugnar pelos seus interesses, não pactuando com um estado de cousas que lhe é muito prejudicial.

Assim cheguei a persuadir-me que a unica conclusão logica a que podia chegar o relatorio, da commissão, acompanhado como ía de esclarecimentos tão completos ácerca da situação do hospital de marinha, não era recommendar simplesmente ao governo que tratasse de estudar a questão, para vir depois trazer ao corpo legislativo as providencias que julgasse convenientes; mas trazer á camara um projecto de lei para que, ou o hospital da marinha fosse reformado, de maneira que o tratamento dos marinheiros que ali se recolhessem não custasse mais do que aquillo que custa o tratamento com individuos de ministerios differentes que lá são tratados, ou então se essa reforma não fosse possivel, propor a suppressão d'esse hospital, e que os doentes do corpo de marinheiros fossem para os hospitaes civis, onde podessem ser tratados em condições taes, que se lhes não exigisse aquillo que não havia direito de exigir, e elles não fossem assim obrigados a contribuir para obras do luxo, que nada lhes aproveitam, e de que o bom serviço sanitario não tem necessidade.

Ha ainda outra resolução, com a qual me não pude conformar. N'este ponto andou o relatorio tão rapidamente, que em verdade mal póde a camara comprebende-lo, com os exiguos subsidios que aqui se lhe apresentam: refiro-me á cordoaria nacional.

Estou convencido, sr. presidente, que já não tem rasão de ser a cordoaria nacional. Modernamente, nas nações donde temos muito que aprender em materia de administração, tem-se entendido que o governo deve fabricar unicamente armamento e material de guerra propriamente dito; e tudo quanto possa ser objecto de industria particular, e d'ella dependa, se deve deixar a essa industria sempre mais previdente, mais acautelada e mais economica (apoiados).

A cordoaria nacional tem um pessoal avultadissimo, os encargos d'este estabelecimento são enormes, e entretanto o seu fabrico é de tal ordem que eu, prescindindo completamente de todas as apreciações que poderiam conduzir-me a demonstrar á camara que a sua qualidade deixa muito a desejar, e que desgraçadamente mais de uma vez vemos

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tidos provas, que poderiam ser fataes, de que essa qualidade não corresponde aos sacrificios que ali se fazem, direi simplesmente á camara que, apesar das diligencias que empreguei na commissão de fazenda, apesar do muito cuidado com que o sr. relator reuniu todos os elementos que podessem esclarecer a commissão relativamente a este estabelecimento (apoiados), e apesar dos pedidos que fiz mais de uma vez a s. ex.ª o sr. ministro da marinha, nem s. ex.ª, nem o sr. relator da commissão, nem nenhum dos membros que d'ella fazem parte, poderam jamais apurar quanto custa a unidade de fabrico n'aquelle estabelecimento! (Apoiados.)

O sr. relator não pôde averiguar qual é o custo do kilogramma de cabo feito na cordoaria nacional, tambem não póde saber qual é o custo de fabrico do metro de lona; o que eu afianço á camara é que esse custo deve ser enorme, contadas que sejam todas as despezas com o pessoal e material da cordoaria (apoiados).

Ora, sendo geralmente sabido, e d'isto posso dar testemunho pessoal á camara, que se fabricam no paiz excellentes cabos, e que portanto não ficâmos a este respeito na necessidade de recorrer ao estrangeiro, parece que existindo entre nós a industria dos cabos muito aperfeiçoada e desenvolvida, e em condições de fabrico mais baratas do que o estado, o que se devia fazer não era determinar em principio a extincção dos quadros da cordoaria, mas a extincção de facto d'este estabelecimento. Porque é um sorvedouro de dinheiro que não tem rasão de ser, nem debaixo do ponto das necessidades do estado, nem debaixo do ponto de vista dos interesses economicos do paiz (apoiados).

Foram estes os pontos principaes que determinaram a minha assignatura com a declaração de vencido em parte.

A hora está muito adiantada, e eu dispenso-me por isso de fazer outras considerações que pretendia apresentar ácerca de outros topicos do relatorio com que me não conformo. Preciso dos poucos momentos que faltam, para se encerrar a sessão de hoje, para rapidamente dizer o que penso sobre o incidente politico que se levantou. E não se me leve a mal que o faça eu, que de todos os reformistas tive por acaso a palavra em primeiro logar depois d'este incidente, correndo-me por consequencia o dever, como membro que me prezo de ser d'este partido, de arredar algumas das suspeitas de censura que porventura possa parecer que existam nas palavras que o sr. presidente do conselho proferiu na ultima sessão, relativamente a acontecimentos que tiveram logar durante uma administração a que este partido prestou franco e decidido apoio.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não me referi ao partido reformista.

O Orador: — Diz o sr. presidente do conselho que não se referiu ao partido reformista; e eu, que me prezo de ser cavalheiro, não quero attribuir-lhe intenções que porventura s. ex.ª não teve, entretanto s. ex.ª disse algumas palavras com referencia a actos do governo de 1869...

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não disse. Não me referi senão ao sr. deputado a que respondia.

O Orador: — Parece que a intenção de s. ex.ª foi referir-se unicamente ao illustre orador que o precedeu...

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Apoiado.

O Orador: — Entretanto peço licença a s. ex.ª para lhe dizer que nas censuras que s. ex.ª lançou sobre o ministro da marinha por actos de uma administração, que eu apoiei com os meus amigos, vae implicitamente uma censura ao partido que o apoiou (apoiados) n'esta camara, e que ainda hoje se não arrepende de o ter feito (apoiados), como peço licença para mais detidamente o dizer á camara.

Eu não me faço cargo de defender n'esta casa o sr. Latino Coelho. Era uma pretensão demasiadamente alta para mim, e completamente escusada para s. ex.ª, porque n'esta casa não ha voz mais auctorisada, não ha talento mais brilhante para defender os seus actos do que o sr. Latino Coelho (apoiados).

Entretanto, como no que o sr. presidente do conselho disse com referencia áquelle cavalheiro, ía provavelmente, sem que s. ex.ª tivesse essa intenção, uma censura implicita áquelles que n'esse tempo apoiaram o governo, eu não posso hoje ver em silencio que esses actos sejam profligados de uma maneira severa e pouco justa por parte do sr. presidente do conselho.

S. ex.ª disse que o acto economico mais notavel da administração do sr. ministro da marinha de então foi a expedição á Zambezia, que custou mais de 1.000:000$000 réis, e deu logar á hecatombe de 400 individuos que para ali tinham sido mandados.

Sr. presidente, citar um facto desajudando-o de todas as circumstancias que o acompanharam, parece-me que póde ser um recurso de occasião, mas não é de certo guardar a verdade historica (apoiados).

Todos sabem como foi preparada aquella mallograda expedição. Quem fez as leis em virtude das quaes o sr. Latino Coelho teve de preparar as forças que foram mandadas á expedição da Zambezia? Foi o sr. Latino Coelho? Não; elle achou os recursos que a legislação vigente punha á sua disposição n'aquelle momento.

Aquella expedição foi composta de voluntarios e dos peiores soldados do nosso exercito; a lei não dava ao governo a faculdade de procurar outros; e ninguem dirá que por falta de cuidados e de patriotismo deixasse o governo de empregar todas as diligencias ao seu alcance, toda a sua dedicação pela causa publica para que a expedição desse o resultado que todos desejavamos, mas que infelizmente se não pôde attingir.

Foi porventura o sr. Latino Coelho que promoveu esses motins e assuadas que se deram no batalhão expedicionario da Zambezia, e que fizeram com que elle saísse d'aqui com a sua força moral perdida? Foi a falta de cuidado do sr. Latino Coelho que fez com que esses homens, quando chegaram ao seu destino, se esquecessem de cumprir o seu dever, recusando bater-se e abandonando o seu posto? Quem é dentro d'esta camara, ou fóra d'ella, aquelle felis tão previdente que pudesse, por meio de cautelas de toda a ordem, evitar que um facto d'aquelles se desse?

Portanto, eu creio que n'este momento exprimo o sentimento unanime de todos os meus collegas do partido reformista que estão n'esta casa, aproveitando a occasião para dizer que o sr. Latino Coelho não póde ser rasoavelmente considerado como auctor do mallogro que teve a expedição da Zambezia, e que aquelles que apoiaram a sua administração energica e reformadora cada vez se applaudem mais de o haverem feito (apoiados).

Disse-se tambem que tinham faltado á expedição umas lanchas ou canhoneiras para transportar as tropas até ao ponto onde deviam desembarcar, para desempenharem a commissão que lhes tinha sido incumbida. Mas foi porventura por falta de meios de transporte que a expedição se mallogrou? Os soldados chegaram ao seu destino e fugiram diante da aringa do Bonga. Mas ainda quando se queira mostrar que o governo podia fazer acompanhar a expedição de lanchas a vapor ou de barcos proprios para transportar todo o pessoal e material, peço licença para notar que o actual sr. ministro da marinha, que é de certo o menos suspeito n'esta questão e cuja boa vontade eu reconheço e de cujo patriotismo tenho tido muitas occasiões de dar testemunho, só agora, estando no ministerio da marinha ácerca de sete mezes; só agora, digo, pôde contratar a construcção d'essas lanchas a vapor, d'esses barcos que são necessarios para fazer a navegação do Zambeze.

Portanto, quando o sr. Latino Coelho tivesse commettido uma falta, era de natureza tão desculpavel como a que tem commettido o actual sr. ministro da marinha, que, apesar do ser ministro ha uns poucos de mezes, só agora, torno a repetir, pôde contratar a construcção d'aquellas lanchas.

Levantadas assim as expressões injustas que o sr. presidente do conselho proferiu contra o ministro da marinha da

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situação que eu tive a honra de apoiar com os meus amigos politicos, seja me licito observar que não me teria resolvido de certo a dizer estas poucas palavras, se porventura o sr. presidente do conselho, depois de ter apreciado com injustiça alguns actos do sr. Latino Coelho quando ministro da marinha, não tivesse acompanhado a sua critica com uma certa inflexão de voz e com uma phrase, que me pareceu ser o typo especial do seu discurso, ou pelo menos a sua idéa capital.

Disse s. ex.ª que os grupos representados n'esta camara tinham desde o começo da sessão tomado uma attitude conciliadora, para prestarem o seu auxilio ao governo em todas as medidas de administração e fazenda, mas que o discurso do sr. Latino Coelho o obrigava a declarar que era preciso que a camara tomasse uma attitude tal, que o governo podesse comprehender se podia contar ou não com a continuação d'esse apoio, porque o governo não queria viver de tolerancia.

Parece-me que não devo ser suspeito ao sr. presidente do conselho nem aos seus collegas quando digo, que sempre que me tem sido possivel auxiliar s. ex.ªs n'esta tarefa de contribuir por factos successivos para a resolução do problema financeiro e para outras medidas de administração, s. ex.ªs me têem visto na commissão de fazenda ao seu lado, e discrepando ás vezes das opiniões dos meus correligionarios politicos, porque em questões de administração eu entendo que os principios politicos não subordinam de tal maneira o voto d'aquelles que commungam na mesma doutrina, que tenham por força de sujeitar a sua opinião á dos seus correligionarios.

Mas se esta tem sido a minha posição na camara e nas commissões, nem por isso posso deixar de notar, da maneira a mais accentuada, perante a camara e o governo, que se porventura com aquellas palavras o sr. presidente do conselho quiz significar, pelo menos ao partido a que tenho a honra de pertencer, que o governo se não contenta com a sua attitude, e quer que o partido reformista sáia d'essa attitude de tolerancia e provoque um incidente politico de qualquer natureza que dê occasião ao governo ou a dissolver a camara, ou de provocar d'ella uma manifestação de confiança ao gabinete, n'este caso creio que exprimo a opinião de todo o partido reformista dizendo a s. ex.ª, que nós estamos aqui para continuarmos no caminho que encetámos e de que até este momento não deslisámos, acompanhando o governo em todas as questões de administração e de reforma de fazenda com que concordarmos, e que possam conduzir ao grande problema, para a solução do qual todos os grupos dentro d'esta casa se deram as mãos estabelecendo treguas á politica propriamente dita, debaixo do sentido restricto d'esta palavra (apoiados). Se porventura o sr. presidente do conselho não está satisfeito com esta attitude, n'este caso não é ao partido reformista a quem cumpre tomar a responsabilidade de qualquer rotura que tenda a evitar a discussão dos orçamentos (apoiados); n'este caso peço ao sr. presidente do conselho que, com a franqueza e com a lealdade que lhe são proprias, declare francamente á camara que a sua intenção é aquella, que póde talvez presentir-se das suas palavras (apoiados). Então cada um de nós tomará dentro d'esta casa o logar que entender que convem ás idéas que sustenta e aos interesses publicos, e ficará áquelle que tiver levantado esse incidente, a responsabilidade, que de certo lhe lançará o paiz quando vê que da parte do partido reformista, se não de todos os grupos representados n'esta casa, ha o sincero desejo de discutir o orçamento, ha o proposito deliberado de fazer economias (apoiados), e a intenção firme de contribuir para a solução rasoavel da grande questão com que o paiz se preoccupa. Se é esta a occasião que se julga opportuna para levantar aqui um incidente que póde dar logar a consequencias que em nome do meu partido declaro que elle não teme (apoiados), eu declaro em seu nome que elle declina a responsabilidade de se não discutirem os orçamentos, e votarem as possiveis reducções de despezas sobre aquelles que tiverem hombros bastante largos para a tomarem em face do paiz (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° Os funccionarios civis ou militares pertencentes ao ministerio da marinha, que estiverem em commissões estranhas ao serviço de embarque, ou das repartições e dependencias do mesmo ministerio, receberão os seus vencimentos, comprehendendo soldos e gratificações, se as houver por lei, pelos cofres correspondentes aos logares em que estiverem em commissão.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 17 de maio de 1871. = José Dionysio de Mello e Faro.

Foi admittido.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Peço a v. ex.ª que me permitta dizer duas palavras.

Vozes geraes: — Falle, falle.

Isto é uma cousa inerivel! É necessario não ter assistido ás ultimas sessões da camara para acreditar o que aqui se está passando n'este momento! (Muitos apoiados). Pois o governo é que levantou o incidente! (Apoiados.) Pois não foi o sr. Latino Coelho que veiu aqui declarar que isto não era governo que se aceitasse? Não se disse isto aqui? (Apoiados — é verdade.) Não se disse ainda hoje que todas as promessas que o governo fez estão por cumprir?

E vem o illustre deputado dizer agora que o governo é que levantou este conflicto? (Vozes: — Muito bem. — Apoiados.)

Como acabei eu hontem o meu discurso? Aqui estão as notas tachygraphicas, aqui está o que eu disse, e que vou ler á camara.

(Interrupção do sr. Mello e Faro, que não se percebeu.)

Ainda os echos d'esta casa podem repetir o que se disse aqui hontem e ante-hontem, e vem o illustre deputado dizer que foi o governo que provocou este incidente! (Apoiados.) Pelo amor de Deus!

O sr. Mello e Faro: — Peço a palavra para uma explicação.

O Orador: — O illustre deputado disse muito claramente: «O presidente do conselho que tenha a lealdade de declarar se quer dissolver a camara, se quer provocar uma crise»; pois o presidente do conselho quer provocar uma crise?

O sr. Mello e Faro: — Dá-me licença que me explique?

O Orador: — Com todo o gosto, não tenho pressa de fallar.

O sr. Mello e Faro: — O sr. presidente do conselho parece-me que comprehendeu mal as palavras que acabei de proferir, ou então fui eu que me expressei tão pouco em conformidade com as minhas intenções, que deu isso logar ao equivoco de s. ex.ª O que eu disse foi, que o sr. presidente do conselho com as palavras com que tinha accentuado o seu discurso na ultima sessão...

(Interrupção do sr. presidente do conselho.)

Se s. ex.ª quizesse ter a bondade de ter as notas, poderia talvez esclarecer-se melhor a questão.

O Orador: — Tenho-as aqui, mas falle o illustre deputado que eu as lerei depois.

O sr. Mello e Faro: — Como algumas palavras proferidas na ultima sessão pareciam deixar menos explicitamente ver, que o governo desejava uma manifestação politica dentro d'esta camara... (apoiados).

O Orador: — Eu não disse tal cousa, tenho aqui as notas tachygraphicas, e logo se verá o que eu disse.

O sr. Mello e Faro: — Repito, que não desejo de fórma nenhuma attribuir a s. ex.ª aquillo que não tenha dito; mas creio que posso tambem invocar os echos d'esta camara em abono do que estou dizendo.

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(Interrupção do sr. presidente do conselho que se não percebeu.)

Creio que não dou de emprestimo a s. ex.ª nenhuma expressão que vá alem das que proferiu, senão em relação ás proprias palavras, ao menos em relação ao sentido.

S. ex.ª terminou o seu discurso dizendo, que «era preciso que a camara, por meio de uma manifestação qualquer, dissesse positivamente se o governo póde contar com o seu apoio» (apoiados).

Ou eu estou completamente esquecido do que se passou hontem n'esta camara, ou então parece-me que estou dizendo á camara exactamente a verdade do que se passou.

Em vista d'isto observei eu, que se com estas expressões queria o sr. presidente do conselho provocar, da parte do grupo a que tenho a honra de pertencer, alguma manifestação politica, que podesse ser motivo ou pretexto para uma dissolução da camara, eu por mim suppunha que exprimia os sentimentos dos meus collegas reformistas, que me estão ouvindo, dizendo a s. ex.ª e ao paiz, que nós mantemos firmemente a posição em que temos estado, desde o começo d'esta sessão, e que não estamos dispostos a arredar-nos d'esse caminho em que entrámos de contribuir, quanto caiba nas nossas forças, para resolver a questão de fazenda, e todas as outras questões que dependem do exame d'esta camara, e que o paiz tem direito de exigir que resolvamos com a possivel brevidade; mas que se não é isto o que quer o sr. presidente do conselho; se s. ex.ª, no momento em que tratâmos de examinar detidamente os orçamentos, pretende que n'esta discussão se intrometta um incidente politico, que possa dar logar ou á dissolução d'esta camara, ou a qualquer manifestação de confiança politica ao governo, então peço a s. ex.ª que o diga, com a franqueza que temos o direito de pedir-lhe, porque, se das suas expressões se póde tirar a conclusão que me pareceu poder se enxergar atravez d'ellas, não será sobre nós que caírá a responsabilidade de tal facto, continuando nós na deliberação firme de discutir os orçamentos, e de reduzir todas as despezas que não sejam absolutamente necessarias para o bom serviço do estado, isto é, justamente na mesma posição em que temos estado até hoje.

O Orador: — Não querem a responsabilidade dos factos?! Estimo muito; mas as cousas são o que são (apoiados).

Ha um jornal n'esta capital, de que é redactor principal o sr. Latino Coelho, e o que o sr. Latino Coelho veiu dizer n'esta camara disse o esse jornal na vespera.

O sr. Latino Coelho veiu aqui dizer que isto não era ministerio que se aceitasse. Disse isto ou não? (Apoiados.)

Pois então quando um homem tão notavel como o sr. Latino Coelho, diz que isto não é ministerio que se possa aceitar, e os illustres deputados o cobrem com os seus apoiados, admira-se que o governo depois peça á camara que diga se quer ou não apoiar o governo?! (Muitos apoiados.)

Podem negar isso? Não o podem. Reconheçam que destoa completamente o discurso do sr. Latino Coelho do procedimento que tinha tido o partido reformista até agora; mas a verdade é, que o discurso do sr. Latino Coelho era precisamente a declaração de que s. ex.ª não queria continuar a apoiar o governo. E o sr. Latino Coelho declarou positivamente, que eu não dava garantias ao partido reformista, e não tinha habitos reformistas. E admira-se agora o illustre deputado que, em resposta a esta accusação feita a um homem que ha trinta annos foi já ministro, eu fosse buscar a expedição á Zambezia como acto do sr. Latino Coelho.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Não é acto d'elle.

O Orador: — Não é acto d'elle?! Então de quem é?

(Interrupções que se não entenderam)

Pois que querem? Isto não é questão para ser tratada assim. Se os illustres deputados querem levar esta questão á força do pulmão, olhem que me não vencem (riso). Admiram-se do que eu disse. Eu usei o mais parcamente possivel do direito de defeza (apoiados). O paiz ouviu o sr. Latino Coelho, o paiz ouviu-me, o paiz que assistiu a este incidente ha de julgar-nos a todos (apoiados). Não venha pois dizer o sr. Mello e Faro, que o governo é que levantou este conflicto. O paiz é que ha de dizer quem é que o levantou (apoiados).

Aqui está como é que eu acabei o meu discurso, consta elle das notas tachygraphicas; mas antes de ler, peço ainda perdão para dizer que o sr. Latino Coelho terminou o seu discurso por uma serie de perguntas, e disse que se a resposta o satisfizesse votava a favor, senão votava contra, tendo recheado o seu discurso com observações, todas as mais opposicionistas que era possivel (apoiados). Ninguem póde negar isto (apoiados).

O sr. Santos e Silva: — Nem elle mesmo o nega naturalmente.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Parece-me que não.

O Orador: — Eu vou ler o que disse:

«Vou pôr termo a estas considerações, que fiz com muita repugnancia, obrigado pelos deveres imperiosos da posição que occupo.»

Com muita repugnancia. Peço que reparem bem n'isto.

Continuo a ler:

«O paiz tinha ganho com estas treguas que os partidos tinham dado ás questões politicas. A receita publica augmentava, graças aos projectos que foram apresentados pelo governo, alguns dos quaes estão já convertidos em lei, e outros estão em andamento. E o credito publico fortalecia-se com este augmento de receita e com as reducções de despeza que tambem se effectuavam.

«Para que são estas excitações, estas declarações a cada momento, de que o governo não presta e de que é necessario trazer á camara quanto antes a questão politica? Porque isto diz-se ha muito tempo, e o governo não póde deixar de repellir estas accusações.»

Eis aqui está o que eu disse. Quem tinha, pois, trazido a questão politica, que já cá estava quando eu fallei? (Apoiados.) Eu lamentei esse facto.

Disse eu mais:

«O governo não obriga ninguem a que o apoie; mas entende que carece de um apoio franco. Se querem prestar-lhe esse apoio, muito bem; se não querem prestar-lhe esse apoio, é necessario que isto se saiba e que cada um tome a responsabilidade dos seus actos.»

Foram estas as phrases que feriram o illustre deputado, o sr. Mello e Faro. A minha linguagem era a do homem que lamentava que se tivesse levantado a questão politica com que nos ameaçavam ha dias.

Agora, porém, diz-se que fui eu que a levantei, e provavelmente que fui eu que vim aqui dizer — este governo não presta, este governo não se póde aceitar...

(Interrupção do sr. Mello e Faro, que não se ouviu)

Eu faço justiça ás intenções do illustre deputado, mas não foi feliz nos meios que empregou. O illustre deputado deseja, por espirito de conciliação, pôr termo ao incidente desgraçado que se levantou; mas o meio de o conseguir é dar rasão a quem a tem (apoiados), e quem tem rasão n'este caso é o governo (apoiados). Disse eu mais:

«O paiz tinha ganho com o comportamento cordato, prudente, illustrado que se tem seguido até aqui.

«Agora vem esta desgraçada questão.

«Não quero dizer a quem pertence a responsabilidade de a ter levantado. Não a attribuo aos homens que estimo, e com cuja camaradagem me tenho honrado até aqui. Quero acreditar por emquanto que a responsabilidade d'esse acto é só do illustre deputado.

«Mas o que eu peço é que os que querem subir ao poder se mostrem dignos d'elle, e não o conseguem mostrando se tão impacientes de o obter.»

De que impaciencia fallo eu aqui? Da do governo? Não. Fallo da impaciencia manifestada contra o governo (apoiados) para o fazer saír d'estas cadeiras.

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Mas ainda continuei:

«Estas impaciencias não fazem senão compromettê-los, e de duas uma, ou não conhecem as difficuldades com que têem de lutar, ou as conhecem: se não as conhecem não podem fazer-lhes frente, não podem vence-las. Se as conhecem, e apesar d'isso querem vir sentar-se n'estes bancos, o paiz que avalie qual é o sentimento que os leva a proceder d'esta maneira.»

A camara ha de lembrar-se bem de que foram estas as palavras que eu pronunciei (apoiados), como consta tambem das notas tachygraphicas, que felizmente eu tinha aqui. Mas vou responder mais completamente ainda ao illustre deputado.

O governo não póde viver sem estar de accordo com a camara (apoiados). Este accordo é indispensavel (apoiados). Se a camara quer continuar n'aquella vida cordata, sensata e esclarecida que tem tido até agora, porque se não pronunciou ainda por nenhuma votação em sentido contrario, o governo o estimará muito; porque o governo entende hoje, como entendia quando se apresentou aqui pela primeira vez, que é do interesse do paiz que nos occupemos exclusivamente e sem demora da questão de fazenda, e que não levantemos por consequencia questões politicas sem motivo (apoiados).

A nossa obrigação é procurar por todos os meios resolver a questão de fazenda (apoiados), para isso é necessario crear receita e diminuir a despeza (apoiados).

O meu illustre collega da fazenda referiu aqui um facto, que ouvi com muita satisfação; é um acto praticado pela illustre commissão de fazenda hontem á noite, que a honra muito. Houve um projecto de lei que foi approvado n'esta casa e passou para a camara hereditaria, n'esta fez-se uma substituição a este projecto. N'esta substituição ha doutrinas que foram repellidas por esta camara.

Uma voz: — De accordo com o governo.

O Orador: — Sim, senhor, de accordo com o governo, e o governo toma a responsabilidade d'ellas, não hesita um instante a este respeito.

Mas o que fez a illustre commissão de fazenda, segundo me referiu o meu collega?

A illustre commissão de fazenda, reconhecendo na camara hereditaria o direito que ella tinha para fazer a substituição que fez, entendeu comtudo que o uso que aquella camara tinha feito da sua prerogativa não era talvez o melhor, porque a illustre commissão ainda estava firme na opinião que tinha sustentado; mas reconheceu outra cousa superior a tudo isto, e vem a ser: era melhor que o projecto passasse tal qual tinha vindo da outra camara, do que deixasse de passar n'esta sessão, porque creava recursos que nós não podemos dispensar.

Por consequencia a illustre commissão de fazenda praticou um acto de conciliação, que não póde deixar de merecer todos os meus louvores.

Estas é que são as verdadeiras medidas de conciliação. Foram estas as palavras que eu disse ao illustre ministro da fazenda, quando s. ex.ª me referiu este facto. Estas é que são as verdadeiras medidas de conciliação; e se a camara quizer continuar n'este caminho, o governo sente com isso o maior prazer, e não terá difficuldade alguma em prestar-lhe o seu concurso.

Mas se a camara se recusar a proseguir n'esta vereda, se mostrar a sua incompatibilidade com o ministerio, o ministerio ha de necessariamente

dirigir-se ao poder moderador, que é o poder competente para resolver estes conflictos.

Diz o nobre deputado: o governo quer dissolver a camara.

O governo não dissolve camaras. Esta é que é a doutrina. Se acontecesse isso, a que eu chamo, não uma desgraça para nós como homens, mas que me não parece agora conveniente para o paiz; se se levantasse um conflicto entre a camara e o ministerio, o ministerio não tinha outra cousa a fazer senão dirigir-se ao poder moderador e dizer-lhe: a existencia do gabinete é incompativel com a existencia da camara; o poder moderador que use da sua prerogativa, e resolva.

Isto é o que necessariamente haviamos de fazer; e estimarei muito não ser obrigado a faze-lo, não pelo prazer que tenhamos de estar n'estas cadeiras...

(Áparte do sr. Luiz de Campos.)

Tomara cá ver os illustres deputados, que não acreditam a sinceridade com que estou faltando.

O sr. Luiz de Campos: — Não tenho merecimentos para tanto.

O Orador: — Então sejamos francos. Não se derriba senão para reconstruir. Se têem meios de organisar uma administração melhor do que esta, nós havemos de ser os primeiros a apoiar essa administração. Se não têem taes meios, como o paiz não póde viver sem governo sustentem o que têem.

O sr. Luiz de Campos: — Creio que v. ex.ª não se dirige a mim?

O Orador: — Ora, pelo amor de Deus! Dirijo-me a todos, ou a ninguem.

Fallei com a franqueza e com a lealdade com que o illustre deputado me pediu que fallasse. Se fallei com algum calor, creia a camara que este calor não está senão na minha organisação; não está nem nas minhas idéas nem nas minhas intenções.

Na situação em que estou, na idade que tenho, e na posição que tenho occupado, só me resta desejar que os poucos dias que ainda terei de vida sejam empregados em fazer algum bem a este paiz. É esta a minha unica ambição.

Fiz um grande sacrificio ha sete mezes quando cedi ás instancias que me fizeram para que me pozesse á frente de uma administração. Cedi, na esperança de poder contribuir para se fazer alguma cousa util. Se podér concorrer para esse fim, estou prompto a sacrificar-me; se me não for isso possivel, hei de fazer diligencias para que o poder passe a mãos mais dignas; porque de certo as ha muito mais dignas do que as minhas.

Em todo o caso nada mais desejo do que sacrificar ao meu paiz o que me resta de vida e de forças, para que se possam vencer as difficuldades com que lutâmos.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — O sr. Pinto de Magalhães tinha pedido a palavra para um requerimento. Se é para prorogação da sessão, concedo-lh'a; se não é, não lh'a posso conceder, porque já deu a hora.

O sr. Pinto de Magalhães: — Não é para prorogação de sessão.

O sr. Luiz de Campos — Eu tinha pedido a palavra sobre a ordem, e desejava saber se estou inscripto.

O sr. Presidente: — Está inscripto.

O sr. Barros Gomes (por parte da commissão de fazenda): — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda ácerca das alterações propostas pela camara dos dignos pares do reino á proposição de lei, que te referia a acabar com o privilegio de isenção de impostos de que gosam os bancos, companhias e outros estabelecimentos.

Pedia a v. ex.ª que mandasse imprimir este parecer desde já, porque talvez a camara ache conveniente, podendo elle ser distribuido ámanhã pelas casas dos srs. deputados, que entre em discussão na proxima segunda feira.

Foi approvado este requerimento.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão seguinte é: na primeira parte, o parecer apresentado pelo sr. Mariano de Carvalho e o parecer da commissão de fazenda sobre as alterações feitas pela camara dos dignos pares ao projecto de lei relativo ao imposto sobre os bancos; na segunda parte, a mesma que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

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