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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
É preciso que do uma vez se tique sabendo, se o advento da opposiçâo ás cadeiras do governo é uma questão solúvel ou insolúvel. (Apoiados.)
Concluo pois aqui as minhas observações, para ouvir as explicações do sr. visconde do Moreira de Key.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
Leu-se na mesa a moção do sr. Freitas e Oliveira, que foi. admittida á discussão. - Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
A camara satisfeita com as explicações do governo passa á ordem do dia = Freitas Oliveira.
Foi. admittida.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Estava bem longe de esperar que a palavra me chegasse n'esta occasião em que a camara, já fatigada, não póde, de certo, dispensar-me a benevolencia que eu tanto preciso.
Eu mando para a mesa a seguinte moção.
(Leu.)::.
Tenho por costumo e por habito, embora muitas vezes me torne singular ou excentrico, tomar a serio as questões que discuto, é aprecial-as quanto a minha pequena intelligencia o permitte, procurando sempre o resultado pratico ou conclusão logica. O contrario d’este procedimento não me parece serio nem digno) e não faço com esta declaração censura alguma especial, nem ao governo nem á opposiçâo; creio que o unico resultado pratico, a unica consequencia logica que nós podemos tirar da presente discussão está manifestamente declarada ha moção que tenho a honra de mandar para a mesa, a qual reputo a unica possivel no fim de tão prolongado debate!
Se por acaso a concessão é, não tanto como se tem dito, mas apenas a decima ou centesima parte d’aquillo que se tem dito contra ella, pergunto a v. ex.ª em que posição politica ficaria, perante o paiz, qualquer partido, que, tendo denunciado dentro e fóra do parlamento as illegalidades, os vicios, os perigos e as complicações que d'essa concessão podem resultar, se ámanhã herdar o poder, principiasse a executar como ilegal, como boa, como util, como digna e como excellente a concessão dá qual se apregoou que constituia doação pura e benefica, alienação gratuita de uma parte importantissima das nossas possessões ultramarinas.
Póde, porventura, a opposição julgar-se obrigada ao favor ou á condescendencia que arguiu, e executar como muito boa uma, concessão que affirmou importar a alienação pura de uma parte importantissima dos nossos dominios ultramarinos, offendendo a integridade do territorio, e podendo comprometter até a independencia da patria? A questão simples e praticamente reduz-se a isto. Não póde ser outra copa. E no terreno, em que está collocada, não póde haver a menor esperança do que a maioria deixe do votar ao governo, uma moção de confiança..
Nós temos exagerado tanto as ficções do systema representativo e do regimen parlamentar, que chegámos a este resultado fatal; resultado que eu não estranho, que já tenho sentido e mesmo experimentado algumas vezes.
Tambem eu, por algumas vezes, posto quedaras, tenho sido obrigado a ceder ás consequencias da exageração de similhantes ficções, em virtude das quaes nós chegámos a substituirá questão que deviamos decidir, uma moção de confiança que á maioria só cumpre votar.
Na questão actual ninguem na maioria vê a Zambezia; ninguem trata de julgar a legalidade das concessões; vê-se apenas em discussão uma moção puramente politica, de cuja approvação depende a conservação do governo, e de cuja rejeição resultaria a queda do ministerio actual e a sua substituição por outro.
Em taes condições o que fazem, o que podem fazer os amigos politicos do ministerio actual? Votar a moção de confiança. E eu não estranho isto: é o habito; é o costume; é o dever; é a necessidade fatal.
Se na actual concessão da Zambezia se tivesse comprehendido a nossa provincia do Algarve, mesmo a provincia do Alemtejo, até o districto do Leiria, a que o nobre presidente do conselho se referiu hontem, a votação era pura o exactamente a mesma que vae ser (Apoiados.): «A camara, tendo ouvido com satisfação as explicações do governo, passa á ordem do dia». (Apoiados.)
O que acontece com 0 governo actual, continuando o mesmo systema, acontece ámanhã com o governo dos, cavalheiros que actualmente constituem á opposiçâo. (Apoiados.)
Portanto, qual o remedio para isto? E mudar de systema.; (Apoiados.) é restabelecer o systema parlamentar; (Apoiados.) é firmar o systema representativo; (Apoiados.)
Se não se mudar de systema, então escusado é, como muito bem disso o meu amigo, o sr. Freitas e Oliveira, perder tempo em discutir estas questões; mas escusado é tambem discutir o votar a questão de fazenda, porque ella é tratada como a da Zambezia, exactamente nas mesmas condições, nas mesmas nebulosidades, nas mesmas promessas constantemente feitas e constantemente desmentidas, e todas as questões terão unica e fatalmente é mesmo resultado e as mesmas consequencias.
Ora qual é a rasão porque acontece n'este paiz o que não acontece em mais paiz algum, que seja regido pelo verdadeiro systema parlamentar?! A rasão é muito simples; é porque estamos completa e absolutamente fóra das regras estabelecidas pela carta constitucional. (Apoiados.)
Muitos proclamam a necessidade de reformar a carta constitucional, e esquecem-se ou fingem esquecer-se de que a reforma mais radical e mais importante, que poderiamos fazer á lei fundamental do estado, seria cumpril-a á risca, conforme foi escripta e segundo os verdadeiros principios de que emanaram as disposições contidas n'aquelle codigo.
Entro nós é tudo ao contrario do verdadeiro systema parlamentar!
Quando um paiz elege uma camara tem a certeza, theoricamente, de que elege os seus representantes para: irem constituir o governo do paiz. Entre nós o que acontece?!
Os representantes do povo são eleitos, não para constituir governo, mas para servir e apoiar o governo que os elegeu! E isto é em todos os partidos desde largos annos. (Apoiados.).
Portanto, desde que ha uma moção de confiança politica contra o ministerio a cuja existencia está essencialmente ligada a existencia da camara, qual ha de ser o resultado?!
E eu não me admiro, nem podia admirar me do resultado, tão longe estão as minhas pretensões de suppor ou de exigir, que os meus collegas tenham verdadeira disposição para o suicídio; ha em geral muito pouca disposição para o martyrio, e principalmente para o suicídio politico a vocação é rara. (Riso.)
;Uma voz: — Já tem havido.
O Orador: — Eu sei o que tem havido. Pouco mais ou menos é o que ha....
Ora o que acontece?!
Acontece necessariamente approvar se a moção de confiança, e o governo ficar muito satisfeito da prova da sua popularidade. Todavia o resultado eleitoral n'este paiz muda de um dia para o outro, conforme o governo que está a fazer as eleições!
Nós temos n'este paiz um caso celebre, passado ha pouco tempo com o meu illustre amigo correligionario e chefe o sr. Dias Ferreira.
Estava para fazer-se uma eleição geral n'este paiz no dia 4 de outubro, creio eu, e estavamos em 28 de setembro; a popularidade não do meu illustre amigo, mas das tres pastas de que elle n'essa occasião dispunha, era tal, que