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Sessão de 11 de março de 1879
Presidencia do ex.mo sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva
Secretarios - os srs. Antonio Maria Pereira Carrilho Augusto Cesar Ferreira de Mesquita
STJMMARIO
Apresentação de representações e requerimentos. — Na ordem do dia continua a interpellação ao sr. ministro da marinha sobre a concessão Paiva de Andrada. — Faltaram os srs. Rodrigues de Freitas, Freitas Oliveira e Visconde do Moreira de Rey, ficando este com a palavra reservada para a sessão seguinte:
Abertura — Ás duas horas da tarde.
Presentes á chamada 54 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Fonseca Pinto, Osorio de Vasconcellos, Alfredo de Oliveira, Alipio de Sousa Leitão, Anselmo Braamcamp, A. J. d'Avila, Lopes Mendes, Carrilho,. Mendes Duarte, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Saraiva de Carvalho, Victor dos Santos, Barão de Ferreira dos Santos, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Diogo de Macedo, Eduardo Moraes, Goes Pinto, Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Francisco Costa, Pereira Caldas, Frederico Arouca, Paula Medeiros, Freitas Oliveira, Osorio de Albuquerque, Anastacio de Carvalho, Brandão e Albuquerque, Scarnichia, Barros e Cunha, Sousa Machado, J. J. Alves, Ornellas de Matos, José Frederico, Namorado, Rodrigues de Freitas, J. M. Borges, Pereira Rodrigues, Sá Carneiro, Taveira e Menezes, Julio de Vilhena, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, M. J. de Almeida, M. J. Gomes, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Miguel Dantas, Jacome Correia, Rodrigo de Menezes, Visconde de Moreira de Rey.
Entraram durante a sessão — Os srs.: Adolpho Pimentel, Adriano Machado, Carvalho o Mello, Tavares Lobo, Rocha Peixoto (Alfredo), Torres Carneiro, Pereira de Miranda, A. J. Teixeira, Barros e Sá, Augusto Fuschini, Santos Carneiro, Zeferino Rodrigues, Carlos de Mendonça, Conde da Foz, Domingos Moreira Freire, Emygdio Navarro, Filippe de Carvalho, Mesquita e Castro, Francisco de Albuquerque, Fonseca Osorio, Mouta e Vasconcellos, Gomes Teixeira, Sousa Pavão, Van-Zeller, Guilherme do Abreu, Palma, Silveira da Mota, Costa Pinto, Jeronymo Pimentel, Gomes de Castro, Melicio, João Ferrão, J. A. Neves, Almeida e Costa, Sousa Gomes, Dias Ferreira, Tavares de Pontes, Laranjo, Figueiredo de Faria, José Luciano, J. M. dos Santos, Sousa Monteiro, Barbosa du Bocage, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Almeida Macedo, Bivar, Freitas Branco, Luiz Garrido, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Correia de Oliveira, Alves Passos, Pinheiro Chagas, Nobre de Carvalho, Marçal Pacheco, Miranda Montenegro, Pedro Carvalho, Pedro Correia, Pedro Barroso, Thomás Ribeiro, Visconde da Aguieira, Visconde de Andaluz, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde do Balsemão, Visconde do Rio Sado, Visconde de Sieuve de Menezes, Visconde de Villa Nova da Rainha.
Não compareceram á sessão — Os srs.: Nunes Fevereiro, Gonçalves Crespo, Emilio Brandão, Arrobas, Pedroso dos Santos, Pinto de Magalhães, Avelino de Sousa, Bernardo' de Serpa, Ferreira Freire, Teixeira de Queiroz, Mello Gouveia, Lopo Vaz, Manuel José Vieira, Souto Maior, Miguel Tudella, Pedro Roberto, Ricardo Ferraz.
Acta — Approvada.
Expediente
Officio
Do ministerio das obras publicas, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. Julio de Vilhena, copia da petição o da sustentação do recurso n.º 4:326, interposto por João Burnay para o supremo tribunal administrativo.
Foi enviado á secretaria.
Declaração
Declaro que o sr. deputado Gonçalves Crespo não póde assistir á sessão de hoje e talvez a mais algumas, por encommodo do saude..
Sala das sessões, 11 de março de 1879= Rodrigo de) Menezes.
Representações
1.º Da mesa da irmandade de Nossa Senhora da Ajuda e S. Sebastião das Carvalheiras, da cidade de Braga, pedindo a prorogação do praso para o registo dos onus reaes de servidão, emphyteuse, sub-emphyteuse, censo e quinhão.
Foi apresentada pelo sr. deputado Jeronymo Pimentel, e enviada á commissão de legislação civil.
2.ª Da mesa da real irmandade de Santa Cruz da cidade do Braga, no mesmo sentido.
Foi apresentada pelo sr. deputado Jeronymo Pimentel, a teve destino identico á antecedente.
3.ª Dos contramestres das officinas de corrieiros, pintores, latoeiros, torneiros e bandeireiros no arsenal da marinha, pedindo melhoria de vencimentos.
Foi apresentada pelo sr. deputado Scarnichia, e enviada á commissão de marinha, e ouvida a de fazenda.
4.ª De alguns habitantes das freguezias de Esmoriz, Cortegaça e Macedo, pedindo a annexação d'estas freguezias ao concelho de Ovar.
Foi apresentada pelo sr. deputado Aralla e Costa, e enviada á commissão de administração civil.
5.ª Dos escripturarios do fazenda do concelho ne Guimarães, pedindo augmento do vencimento.
Foi apresentada pelo sr. deputado Rodrigo de Menezes, á enviada á commissão de fazenda.
6.ª Do escripturario de fazenda de Baião, no mesmo teor da antecedente.
Foi apresentada pelo sr. deputado Carvalho e Mello, e enviada á commissão fazenda.
SEGUNDAS LEITURAS
Projecto de lei
Senhores. — Sendo do utilidade recompensar condignamente a classe de officiaes inferiores do corpo de marinheiros e garantir-lhes um futuro por maneira a convidar candidatos a ella, que, pelo seu porte o regular instrucção, possam satisfazer aos multiplicados serviços de sargento;
Tendo-se até hoje attendido ao futuro das classes de officiaes inferiores do exercito, dando aos de infanteria accesso para a sua arma, e aos das armas especiaes, artilheria o engenheria, accesso a officiaes de praças de guerra e a almoxarifes;
Tendo os officiaes inferiores do corpo de marinheiros um serviça espinhoso, já satisfazendo a quanto lhes impõe o regulamento de bordo, já no corpo de marinheiros, já mesmo fazendo parte dos destacamentos que, muitas vezes, dos navios estacionados no ultramar vão para terra;
Sendo a classe dos officiaes inferiores do corpo de marinheiros a unica que, embora os serviços mencionados, nenhum futuro tem, fazendo isto fugir gente, porventura apta, a seguir tal carreira, o que presentemente produz a necessidade de permittir continuarem no serviço effectivo homens que, pela sua avançada idade, não podem a elle satisfazer,
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ou admittir quem não satisfaz cabalmente ao posto do official inferior;
Não havendo em Portugal praças do guerra maritimas, assim classificadas, para onde de preferencia fossem despachados os sargentos do corpo de marinheiros, e indo ferir direitos adquiridos quando despachados para o exercito do reino;
Sendo incontestavelmente os sargentos do corpo de marinheiros áquelles que de preferencia deveriam despachar-se para o ultramar, por isso que muitas vezes já nas colonias têem feito serviço em terra, e não podem ter despacho para o exercito do continente:
Eu tenho a honra do expor á apreciação da camara o seguinte
PROJECTO DE LEI
Artigo 1.° O sargento ajudante e primeiro sargento do corpo do marinheiros, que satisfaçam ás seguintes condições:
1.ª Ter oito annos do serviço de official inferior, sendo pelo menos um no posto do primeiro sargento, sargento ajudante, ou em ambos estes;
2.ª Não ter soffrido, por deliberação do conselho de guerra, pena superior a tres mezes de prisão;
3.ª Regular conducta civil e militar;
4.ª Ter aptidão no posto de primeiro sargento, ou sargento ajudante; terá direito a ser despachado em alferes para qualquer das nossas possessões ultramarinas, Africa oriental ou occidental, onde vaga se dê, effectuando-se este despacho logo que o requerente provo estar nas condições acima expostas, sendo despachados ainda e mandados para qualquer, possessão, como addidos ao quadro, esperando vaga, quando, na epocha em que solicitassem o despacho, nenhuma de alferes houvesse nas forças do ultramar.
§ unico; As informações do que tratam os artigos 1.°, 2.°, 3.° ta 4.º' constituirão um attestado passado pelo commandante do corpo do marinheiros o com outro da biographia militar do requerente instruirão o requerimento.
Art. 2.° O sargento ajudante, ou primeiro sargento, com trinta annos do serviço, que a junta de saúdo naval o dê por incapaz de continuar n'elle, terá direito as e reformado no posto de alferes de infanteria com o vencimento de 25$000 réis mensaes, ficando pertencendo á divisão do veteranos de marinha o usando uniforme analogo aos dos officiaes reformados do exercito.
Art. 3.° Os officiaes inferiores, que tendo vinte e cinco annos de serviço, julgados incapazes de continuarem n'elle, terão direito a passar á divisão de veteranos com o soldo que percebem na effectividade.
Art. 4.° O official do exercito do ultramar, que fosse despachado em alferes, sendo sargento ajudante, ou primeiro sargento do corpo de marinheiros, quando dado por incapaz "de continuar servindo no ultramar, terá os mesmos direitos que os officiaes n'este caso, e com proveniencia do exercito do reino, devendo para tudo contar-se-lho a antiguidade como se, á epocha do despacho a alferes para o ultramar, fosse praça do mesmo exercito.
Art. 5.° O official inferior do corpo do marinheiros, que a junta de saude dê por incapaz de continuar no serviço por, motivo de lesão adquirida n'este, sem totalmente satisfazer ás condicções exigidas por qualquer dos artigos 5.° ou 6.°, passará á divisão do veteranos com o posto que tivesse na effectividade, o vencimento correspondente, sem O augmento da quinta-parte. Se, porém, a impossibilidade provier do ferimento em combato passará sempre á divisão' de, veteranos no posto immediato com o vencimento que este tenha na effectividade no corpo de marinheiros, e sendo, já sargento ajudante será reformado segundo o artigo 5.°
A admissão aos postos de sargento ajudante e furriel do corpo de marinheiros será por concurso: ao primeiro d'aquelles postos concorrerão os primeiros sargentos do corpo do marinheiros, ao segundo poderá concorrer desde o primeiro grumete até cabo marinheiro e artilheiro, como qualquer furriel do exercito.
Para o exame e classificação dos candidatos a ambos os postos mencionados uma commissão composta do primeiro e segundo commandantes e um official do corpo de marinheiros, formulará programma para ser adoptado nos mesmos exames, e em que se regulem as condições a tornal-os praticos o regulamentares no corpo.
Os postos de segundo e primeiro sargento serão dados por antiguidade no posto do furriel, e em tudo mais nas mesmas condições de promoção actualmente seguida.
Art. 6.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Lisboa, sala da camara dos deputados, 7 do março de 1879. = João Eduardo Scarnichia, deputado da nação.
Enviado á commissão de marinha, ouvida depois a de fazenda.
Projecto de lei
Senhores. — Por virtude da auctorisação conferida pela carta de lei do 16 de abril do 1874, determinou o decreto de 12 do novembro do 1875 a creação de uma comarca, formada por dois concelhos da ilha do S. Miguel, e do Nordeste e o da Povoação, estabelecendo-se n'este ultimo a sedo do juizo..
Mas do sobejo tem a experiencia demonstrado a urgente necessidade que ha de desannexar judicialmente esses dois concelhos, cuja aggregação mal se compadece com as circumstancias locaes de um e outro, que tornam difficil, se não impossivel, o justo cumprimento dos deveres inherentes á administração da justiça.
Os factos são bem convincentes:
Antes do decreto de 12 de novembro de 1875 contava S. Miguel tres comarcas:. a de Ponta Delgada, que abrangia só o concelho d'este nome; a da Ribeira Grande, - que se compunha dos concelhos da Ribeira Grande e do Nordeste; e a de Villa Franca, que abraçava os concelhos da Lagoa, Villa Franca e Povoação.
Depois, a comarca de Ponta Delgada ficou como estava, a da Ribeira Grande perdeu o concelho do Nordeste, a da Villa Franca o da Povoação, e o Nordeste e a Povoação passaram a formar uma nova comarca.
Mas já em outras eras havia o Nordeste e a Povoação constituido um só concelho e um só julgado, e officialmente se reconhecera os graves inconvenientes que d'ahi resultavam, pelo que sanccionára a lei de 3 de julho de 1839 a autonomia d'essas duas importantes populações, como condição indispensavel ao desempenho dos serviços da publica administração.
E que as difficuldades provinham da propria topographia da ilha, no extremo em que se achara os actuaes concelhos do Nordeste e da Povoação.
E que entre as costas do norte o do sul se ergueu uma cadeia do montanhas que n’aquelle extremo mais se accentua, ascendendo á altura de 1:200 metros, e cavando largas ravinas o fundos despenhadeiros, só a custo ladeados por estreitas veredas, que os ventos açoutam, o que densas brumas tornam por vezes do todo o ponto intransitaveis.
E são estes perigosos obstaculos que naturalmente separam áquelles dois concelhos, chegando não raro a interceptar as suas communicações, e tolhendo assim os melhores desejos que porventura existam do mutua cooperação em assumptos judiciaes.
Estradas não ha ali, e meios faceis de transporte ainda menos. Melhorar as condições da viação fóra muito para desejar, mas sobremaneira difficil para conseguir.
Largos annos e largo dispêndio demandaria o lançamento de uma estrada, que os accidentes do terreno forçosamente tomariam em estremo longa.
Os inconvenientes que d'ahi advém á administração da justiça de per si se evidenciam.
Para a mais insignificante diligencia que da Povoação,
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como séde de comarca, se ordene para o Nordeste, os longos caminhos trazem comsigo avultadas custas.
E pelo que toca aos actos que exigem o comparecimento pessoal em juizo, que aliás e muitas vezes se torna de todo o ponto impossivel, que dispendios, que incommodos, que perigos mesmo, para os mais afastados habitantes do Nordeste!
A proposição e defeza dos pleitos, o exercicio das funcções do jury, a regularidade dos processos de inventario, tudo emfim se resente de uma tão difficil administração de justiça. Urgente 6, pois, reformar ali a organisação de tribunaes, deixando subsistir a comarca da Povoação, mas desannexando-se-lhe o concelho de Nordeste, e creando para este uma nova comarca.
Não ficam essas duas comarcas mais escassas de população do que as de Villa do Porto, na ilha de Santa Maria, e a da villa de Santa Cruz, na ilha Graciosa, e estas comarcas subsistem, n'ellas funcciona o necessario pessoal, ninguem ousaria supprimil-as.
O concelho do Nordeste comprehende dois julgados, abrange cinco freguezias em dilatada area, e, segundo as informações prestadas pela junta geral do districto do Ponta Delgada, contém 2:G86 fogos, e n'elles 10:669 habitantes, dos quaes cerca de 200 têem a capacidade de eleitores e elegiveis. Alem do que, está o edificio para o tribunal concluido em excellentes condições.
Só resta, pois, conceder-lhe a comarca, deferindo assim ás constantes solicitações da camara municipal e dos povos d'esse importante concelho, e ás que ainda ultimamente foram dirigidas ao governo por aquella junta geral em sua representação.
Por isso tenho a honra de vos propor o seguinte
PBOJCETO DE LEI
Artigo l.° E desannexado o concelho de Nordeste da comarca da Povoação, na ilha do S. Miguel.
Art. 2.° E creada uma comarca especial no concelho do Nordeste, com a sede na respectiva villa.
§ unico. Esta comarca tem por circumscripção os actuaes limites dos dois julgados da Achada e do Nordeste.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, 10 de março de 1879. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.
Enviada á commissão de legislação civil.
O sr. Sousa Machado: — Mando para a mesa um requerimento do D. Maria da Assumpção Machado de Azevedo, viuva do major Roque Rangel do Azevedo, pedindo uma pensão para si e sua filha, em attenção aos relevantes serviços prestados á causa da liberdade pelo seu fallecido..marido.
O requerimento d'essa infeliz viuva está acompanhado dos documentos em que prova que o major Roque Rangel de Azevedo foi um dos heroicos defensores da ilha Terceira, um dos bravos soldados que, desembarcando nas praias do Mindello, fizeram toda a campanha contra a usurpação, -lendo entrado nas acções de Souto Redondo, Ponte Ferreira, e muitas outras em que foi ferido, adquirindo por isso molestias que o arrebataram prematuramente do seio da sua familia.
Tomo a liberdade de recommendar mui especialmente á, illustre commissão de guerra a petição d'esta desventurada senhora, esperando que se dignará patrocinal-a, a fim do que o governo, tomando-a em consideração, decrete a pensão requerida.
Rogo a v. ex.ª, sr. presidente, se sirva remetter este requerimento com toda a urgencia á commissão competente.
O sr. Ornellas de Matos: — Como não está presente o sr. ministro do reino, pedia a s. ex.ª o sr. ministro da justiça que me dissesse alguma cousa a respeito do conflicto suscitado entre a camara municipal de Grandola o a commissão districtal, e quaes foram os motivos que obrigaram o governo a tomar medidas tão energicas, como foi. mandar occupar militarmente aquella villa.
O sr. Ministro da Justiça (Couto Monteiro). — Não tenho conhecimento dos factos a que o illustre deputado se referiu, mas eu farei a communicaçâo que s. ex.ª deseja ao meu collega o sr. ministro do reino.
O sr. Barros e Cunha: — Peco á camara que me releve de submetter á sua consideração o diploma a que hontem, na discussão da concessão Paiva de Andrada, se referiu o sr. presidente da conselho, e que me parece que a camara deve ler diante de si, principalmente quando se approxima a conclusão d'este debate, e que sobre o assumpto ha de em breve recaír provavelmente uma deliberação.
O sr. presidente do conselho, expondo 03 fundamentos em que assentava a legalidade da concessão feita ao sr. Paiva de Andrada, citou o decreto de 19 de setembro da 1877, que concedeu ao sr. Henrique Luiz Carlos Alfredo Le Merre, subdito francez, uma porção de terreno inculto na provincia de Angola.
Eu comprometto-me desde já, perante a camara, a approvar a concessão feita ao sr. Paiva de Andrada, se por acaso ella unicamente se parecer com a concessão feita pelo meu illustre amigo e collega, o sr. José do Mello Gouveia, então ministro do ultramar, ao cidadão Le Merre.
Ainda mais alguma cousa, comprometto-me ainda, n'esta altura do debate, a desertar da opposiçâo, a passar para as fileiras do governo, e a defender a concessão Paiva de Andrada, se ella tiver a mais pequena similhança com a concessão que o sr. presidente do conselho citou.
Quando pedi a palavra sobre a ordem, fil-o, porque o meu dever, não estando presente o sr. José de Mello Gouveia, era acudir pela defeza dos actos do ministerio de que fiz parto; mas, como d'este lado da camara, por parte da opposiçâo, se apresentou um requerimento, que, como se indicava que a inscripção que eu tinha pedido a v. ex.ª que fizesse era inconveniente para o seguimento do debate, cedi da palavra, porque entendo, que estando o assumpto tão largamente discutido, e com tanta habilidade exposto diante do paiz, tanto pela imprensa como pelas reuniões publicas, e alem d'isso pela discussão na outra casa do parlamento, pouco se lucrava que eu fallasse, ou não, n'este ou n'aquelle logar.
Entretanto, eu devo dizer a v. ex.ª que não podia deixar de fazer todos os esforços para tomar parte n'este debate, porquanto tinha pedido a v. ex.ª para mandar annunciar ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que desejava a sua presença, e que tinha tenção de tomar parto n'elle.
Vamos, porém, expor á camara, pela leitura do documento a que me refiro, qual é a similhança que póde haver entre a concessão Paiva de Andrada o a concessão a que o sr. presidente do conselho se referiu, feita pelo sr. Mello Gouveia.
O decreto diz o seguinte:
«Attendendo ao que me representou Henrique Luiz Carlos Alfredo Le Merre, subdito francez, e considerando quanto ao progresso economico das provincias ultramarinas, aproveitar os serviços dos que se propõem a desenvolver a sua agricultura, applicando as disposições das leis que a protegem a quem se mostrar habilitado para utilisar os seus beneficios;
«Visto o artigo 1.° do decreto de 4 de dezembro do 1861, confirmado pela carta de lei do 7 de abril de 1863. depois de ouvida a junta consultiva do ultramar;
«Hei por bem decretar o seguinte:
«Artigo 1.° São concedidos a Henrique Luiz Carlos Alfredo Le Merre e á companhia que elle organisar 18:000 hectares de terrenos baldios ou incultos pertencentes ao estado na provincia de Angola, para a cultura de algodão, café e outros generos coloniaes, e para os estabelecimentos respectivos, segundo o que dispõe sobre concessão de terrenos o decreto com força do lei de 4 de dezembro do 1861 e regulamento de 10 de outubro de 1865.»
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Não se concedem minas do oiro, não são minas de cobro, não são minas de carvão, não se concedem florestas, não é o privilegio de usar de machinas aperfeiçoadas, são 18:000 hectares dos terrenos baldios o incultos pertencentes ao estado na provincia de Angola, são terrenos conhecidos, não são terrenos desconhecidos, são terrenos pertencentes ao, estado, para a cultura do algodão, café o outros generos coloniaes.
O artigo 2.° diz o seguinte:
« Artigo 2.° Os terrenos de que trata esta concessão poderão ser demarcados, em um ou mais districtos da provincia de Angola, ficando os concessionarios sujeitos ás disposições dos artigos 3.° o 4.° do decreto de 4 de dezembro de 1861, relativos ao effectivo aproveitamento dos mesmos terrenos, os quaes serão por algum ponto approximados de correntes de agua aproveitaveis para a irrigação das terras o motor hydraulico, que os concessionarios poderão utilisar, sem prejuizo dos interesses, publicos ou privados a que, taes correntes satisfaçam ou devam satisfazer.»
Veja, portanto, s. ex.ª que tudo quanto podia prevenir-se para, que o concessionario não fosse prejudicar o publico, ou os particulares foi devidamente acautelado na concessão.
Esta, porém, não é a parte principal.
É necessario, quando se fazem recriminações o se quer em justificar os actos que praticamos, com os actos dos outros, que o paiz tenha perfeito conhecimento estes actos são aquillo que se quer apresentar diante dos seus olhos.
(Entrou o sr. presidente do conselho.)
Eu estava tratando do apresentar á camara o documento a que o sr. presidente do conselho se referiu hontem, quando quiz justificar a concessão Paiva de Andrada com a concessão feita pelo sr. Mello Gouveia, meu collega no ministerio da marinha, ao cidadão Henrique Le Merre, e disso eu que, se s. ex.ª podesse provar á camara que entro aquella concessão e esta havia a menor similhança, eu estava prompto a approvar a concessão feita ao sr. Paiva de Andrada, e mais alguma cousa, a tomar a defeza da utilidade d'esta concessão.
O artigo 3.° do decreto diz:
«Artigo 3.° No, praso improrogavel de vinte o quatro. mezes, contados da data d'este decreto, os concessionarios deverão provar, que dispõem de um capital não inferior a 300:000$000 réis, e depositar na caixa geral dos depositos, á ordem do governo, 9:000$000 réis, para garantia do cumprimento das obrigações estipuladas no artigo 2.°, sob a comminação de se haver por nulla e sem effeito a presente concessão, se assim o não cumprirem.»
Já v. ex.ª vê, portanto, que não ha a mais pequena analogia ou similhança entre a concessão Paiva de Andrada, o entre a concessão de terrenos incultos e baldios que o governo possue na provincia de Angola, e entre as, condições que o governo impõe ás companhias ou concessionarios do provarem que têem 300:000$000 réis de capital, o de garantirem a seriedade d'essas companhias com o deposito na caixa central no deposito geral em Lisboa, e que só depois d'esse deposito feito é que os terrenos hão de ser demarcados e entregues para serem dados á cultura.
Se por acaso me poder caber a palavra na discussão da j interpellação chamada da Zambezia, tratarei então de dizer a rasão porque considero esta concessão nociva e contraria aos interesses do paiz.
Por agora a unica cousa que tive em vista, e creio que o consegui, foi apresentar diante da camara o do paiz, que os actos do ministerio de que eu fiz parte não se assimilham nem se parecem em cousa alguma com 03 actos praticados pelos ministros actuaes.
Eu estou aqui, sr. presidente para tomar a defeza dos actos do ministerio em que servi.
D'elles assumo completa toda a responsabilidade o não consentirei que os desfigurem, pelo menos no documento a que o sr. presidente do conselho se referiu, e que mando para a mesa dos srs. tachygraphos para que seja impresso na integra juntamente com as observações que eu tive a honra do apresentar á consideração da camara.
Tenho provado que se d'elle alguma exemplo se colho, esse exemplo condemna o fulmina á concessão feita ao sr. Paiva de Andrada.
Decreto publicado no Diario do governo n.º 216, de 24 de setembro de 1877:
Attendendo ao que me representou Henrique Luiz Carlos Alfredo Le Merre, subdito francez, e considerando quanto importa ao progresso economico das provincias ultramarinas aproveitar os serviços dos que se propõem a desenvolver a sua agricultura, applicando as disposições das leis que a protegem a quem se mostrar habilitado para utilisar os seus beneficios;
Visto o artigo 1.º do decreto do 4 do dezembro de 1861, confirmado pela carta de lei de 7 de abril de 1863, depois de ouvida ajunta consultiva do ultramar;
Hei por bem decretar o seguinte:
Artigo 1.° São concedidos a Henrique Luiz Carlos Alfredo Le Merre p á companhia que elle organisar 18:000 hectares de terrenos baldios ou incultos pertencentes »ò estado na provincia de Angola, para a cultura do algodão, café e outros generos coloniaes, e para os estabelecimentos respectivos, segundo o que dispõe sobre concessão de terrenos o decreto com força de lei de 4 de dezembro de 1861 e regulamento de 10 do outubro de 1865.
Art. 2.° Os terrenos de que trata esta concessão poderão ser demarcados em um ou mais districtos da provincia de Angola, ficando os concessionarios sujeitos ás disposições dos artigos 3.° e 4.° do decreto de 4 de dezembro do 1861, relativos ao effectivo aproveitamento dos mesmos terrenos, os quaes serão por algum ponto approximados do correntes de agua aproveitaveis para a irrigação das terras o motor hydraulico, que os concessionarios poderão utilisar sem prejuizo dos interesses publicos ou privados a que taes correntes satisfaçam ou devam satisfazer.
Art. 3.º No praso improrogavel de vinte e quatro mezes, contados da data d'este decreto, os concessionarios deverão provar que dispõem de um capital não inferior a 300:000$000 réis, e depositar na caixa geral dos depositos á ordem do governo 9:000$000 réis; para garantia do cumprimento das obrigações estipuladas no artigo 2.°, sob a comminação de se haver por nulla e sem effeito a presente concessão se assim o não cumprirem.
Art. 4.° Os concessionarios deverão solicitar; dentro do praso do um anno, contado da data do seu deposito, a demarcação e medição dos terrenos, tomar d'elles posso o dar começo á sua cultura, para os fins designados no artigo 4.° do citado decreto de 4 de dezembro de 1861. O deposito effectuado pelos concessionarios ser-lhes-ha restituído logo que tenham satisfeito a esta condição, ou ficará em beneficio dó estado se a não cumprirem no praso declarado.
Art. 5.° O concessionario e a companhia que elle organisar, e todos os seus representantes ou cessionários que forem estrangeiros, renunciam expressamente ás immunidades e privilegios da sua nacionalidade, serão considerados como subditos portuguezes para todos os factos, actos e questões que digam respeito á presente concessão, ficam sujeitos ás leis e regulamentos portuguezes, e gosarão para as suas propriedades, em torra e no mar, as mesmas vantagens e protecção de que gosam os nacionaes.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.
O ministro e secretario d'estado dos negocios da marinha e ultramar assim o tenha entendido á faça executar. Paço, em 19 de setembro de 1877. = REI. = José de Mello Gouveia.
O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada; vae passar-se á ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem
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representações, requerimentos ou projectos de lei a mandar para a mesa podem envial-os.
O sr: Luciano de Castro: — Mando para a mesa uma representação dos parochos do concelho de Anadia, pedindo que não seja approvada a proposta de lei do sr. ministro da fazenda, que sujeita os bens de mão morta antes da sua desamortisação, o os que constituem patrimonio ecclesiastico, a pagar, alem do respectivo imposto predial, mais 10 por cento do mesmo imposto.
Aproveito a occasião, visto estar presente o sr. ministro da justiça para lho dirigir uma pergunta.
O sr. Presidente: — Peço licença ao illustre deputado para lhe observar que não póde fazer uso da palavra, porque já, annunciei que ía passar-se á ordem do dia (Apoiados.) e tem a palavra o sr. Rodrigues de Freitas para continuar o seu discurso interrompido na sessão do hontem.
ORDEM DO DIA
Continuação da interpellação do sr. Mariano de Carvalho ao sr. ministro da marinha, ácerca da concessão do terrenos na Zambezia ao capitão Paiva do Andrada.
O sr. Rodrigues de Freitas (sobre a ordem.) (Discurso pronunciado na sessão de 10 de março): — Não julgue a camara que, tomando eu a palavra sobre a ordem desejava preterir qualquer orador; tenho uma moção a mandar pára a mesa, é que é bastante longa.
É a seguinte:
(Leu.)
Todas as partes d'esta moção, excepto «1 sétima, têem uma redacção que não é rainha; é do sr. ministro da marinha, do sr. ministro dos negocios estrangeiros, e do sr. procurador geral da corôa; são extractos dos discursos de s. ex.ªs que, vem no Diario da camara dos dignos pares.
Não posso hoje responder completamente ao discurso do sr. presidente do conselho, nem occupar-me, como desejava, do proferido pelo sr. Julio de Vilhena.
A minha opinião é que n'esses discursos antes está a confirmação dos argumentos apresentados pela opposiçâo, que a defeza do decreto que se discute. (Apoiados.), A questão de que se trata não é de um partido, é uma questão nacional. (Apoiados.) Quizera que o governo prevenisse os perigos com que nos ameaça esta concessão; quizera que o governo seguindo ao menos a opinião emittida na camara alta por parlamentares que apoiam a politica do governo, acompanhasse do largos commentarios o decreto de 26 de dezembro de 1878.
Pois que esta concessão póde um dia ser discutida nos tribunaes, e tornar-se objecto de intervenção estrangeira a favor dos interesses dos concessionarios, (Apoiados.) ao governo cumpria mostrar com factos o seu sincero desejo de que este decreto ficasse rodeado de taes restricções, que Portugal não ficasse sujeito a pesada indemnisação; já que O governo assim não procedeu, offereço-lhe a minha moção de ordem.
Antes que dê a hora desejo mostrar a fraqueza de uma grande parte dos argumentos do sr. Fontes Pereira do Mello.
Um d'elles é um decreto ássignado por Um dos entendimentos mais luminosos, por um dos espiritos mais cultos d'este paiz, (Apoiados.) o sr. José Maria Latino Coelho. (Apoiados.)
Mas esse decreto diz mais alguma cousa do que as palavras lidas pelo sr. Fontes. (Apoiados.)
Era bem que s. ex.ª, em logar do elogio que fez ao sr. Latino Coelho, lesse á camara dos senhores deputados tudo o que o sr. Latino Coelho tinha feito a respeito do assumpto do que se trata, (Apoiados.) e que, portanto, não encobrisse a parte mais importante. (Apoiados.). Este modo do argumentar é inferior á capacidade do sr. Fontes Pereira de Mello.
O decreto do sr. Latino Coelho é de 25 do dezembro de 1868, um anno antes do publicado o que principalmente se applica ás concessões Paiva de Andrada.
Ainda mais; a concessão feita pelo sr. Latino Coelho é completamente diversa da que foi feita pelo actual governo sem garantia alguma. (Apoiados.)
Disse ò sr. Latino Coelho:,
(Leu.)
Os concessionarios ficavam, pois, obrigados a prestar ao paiz importantes serviços; o sr. presidente do conselho leu unicamente a parto que lhe fazia conta.
Escuso de ler mais n’este decreto, e posso asseverar á camara que elle está conforme a legislação n'elle apontada.
O sr. Fontes Pereira de Mello disse que ha deputados que fallam para produzir effeito nas galerias, é não quero saber se nos é permittido referir-nos assim ás galerias não indago mesmo quem é que deseja produzir esse effeito, sei, porém, que o sr. Fontes fallou repetidamente dos 1:600 kilometros concedidos pelo sr. Latino Coelho, como se fossem uma superficie enorme, e acrescentou:
«Os illustres deputados não se importaram com unia concessão d'essa ordem, que eu acredito que era legal, e só atacam a concessão que fizemos.»
Em primeiro logar, 1:600 kilometros são um pequeno numero diante do que representa a monstruosa concessão feita ao sr. Paiva do Andrada, mas ainda que á extensão do territorio fosse a mesma, o sr. presidente do conselho parece não comprehender (e não posso empregar phrase mais benevola, que quasi todos os precedentes apresentados por s. ex.ª se podem applicar a uma parte da questão sujeita ao debate, mas não á parto mais importante da concessão do sr. Paiva de Andrada.
O sr. Fontes Pereira de Mello annunciou no sabbado que ía provar á camara que a concessão total (por que s. ex.ª do certo não queria dizer que lima só parto da concessão era menor do que o todo de outras), annunciou, repito, que provaria á camara que muitos ministerios fizeram concessões como esta de que se trata, se não maiores e s. ex.ª hoje vem apresentar como precedentes, a concessão de terrenos que se regem por uma legislação especial, e não nos disse quasi nada á respeito de minas. (Apoiados.)
Mas quem impugnou ao governo o direito de dar, dentro dos limites das" leis, um certo terreno ao sr. Paiva dó Andrada?,
O sr. presidente do conselho podia citar os precedentes que citou; mas, desde o momento em que se referiam á simples concessão de terrenos, não sei bem pára que servem. (Apoiados.)
Porventura a opposiçâo affirmou que não se podia conceder a um individuo em certas condições uma certa extensão de terreno? A opposiçâo nunca se serviu d'este argumento. (Apoiados.)
S. ex.ª apresentou um grande numero de precedentes sem valor; tenho tambem aqui a lista d'elles; mas não refutou nenhum dos argumentos da opposiçâo. (Apoiados.)
S. ex.ª deu-se ao incommodo de formular um argumento» e respondeu-lhe; quer dizer, respondeu a si mesmo. E, se s. ex.ª formula os argumentos que lhe servem, não é a opposiçâo que lho devo responder; s. ex.ª que responda a si proprio. (Apoiados.)
S. ex.ª tambem disse que não cabe na cabeça de ninguem que uma companhia vá explorar uma zona mineira sem que se lhe conceda privilegio, e s. ex.ª entendo que A palavra «exploração» comprehende «lavra».
Pois existe uma pessoa n'este paiz em cuja cabeça cabe a idéa de haver uma companhia que se destino simplesmente á exploração, sem privilegio para a lavra.
Essa cabeça, que tem excellente massa encephalica, é a do sr. Fontes Pereira de Mello. (Apoiados. — Vozes - Muito bem.)
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S. ex.ª está de certo esquecido dos seus decretos de 1852. (Apoiados.) Por um d'elles s. ex.ª mostrava entender, não só que havia companhias que não teriam duvida em tratar simplesmente da exploração, mas tambem que devia haver cuidado minucioso nas concessões. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)
Não sei se s. ex.ª põe isto em duvida. Se não põe, escuso do ler á camara o decreto; direi só que no relatorio se me depara o seguinte.
(Leu.)
O concurso parece hoje ao sr. presidente do conselho uma pela. Em 1852 entendia que o concurso era bom, até para se conceder a simples exploração; (Vozes: — Muito bem.) a qual s. ex.ª não entendia que fosse o mesmo que lavra.
(Leu.)
Ha mais ainda; no relatorio leio a seguinte phrase: «que seria absurdo conceder o desconhecido».
Hoje conceder o desconhecido não parece absurdo; parece, pelo contrario, do alta conveniencia publica.
O que me parece absurdo é entender-se agora o contrario do que se entendia em 1852; (Apoiados.) é entender-se uma cousa n'um dia e defender-se o contrario no outro, (Apoiados.) sem se justificar tão extraordinaria mudança de opinião.
Relativamente ás companhias estrangeiras, a quem possa ser passada esta concessão, já o sr. ministro dos negocios estrangeiros, auctor da lei das sociedades anonymas, citou o § unico, artigo 1.°, como podendo ser applicado a este caso.
Este ponto é grave; leio á camara o artigo 2.° da lei de 1867, que diz o seguinte: (Leu.)
Entendo que este artigo não é applicavel ao caso de que se trata; mas inclui-o na minha moção, porque desejo que esta concessão fique quanto for possivel rodeada de taes precauções, que ella não se torne um perigo para Portugal. (Apoiados,) E isso que desejo.
Não creio que a maioria d'esta casa rejeite aquella parte da minha moção que é a copia textual das palavras do sr. ministro dos negocios estrangeiros.
Mas, sr. presidente, precisamos nós para seguir o decreto de 1869, de fazer concessões unicamente a companhias? O decreto falla tambem de sociedades.
Se, pois, o governo tinha grandes duvidas sobre a possibilidade de se organisarem companhias antes do se fazer «.concessão, restavam ainda as sociedades. Eu creio que deu a hora. Não desejo prolongar hoje mais este debate; ámanhã, se a minha saude o permittir, hei de com um trabalho longo, mas facilimo, refutar os argumentos mais importantes apresentados pelo sr. Fontes, bem como os argumentos apresentados no brilhantissimo, porém deslumbrante, discurso do sr. Julio de Vilhena.
Analysarei o plano de colonisação do governo, que até hoje não é senão a concessão Paiva de Andrada, bem como o discurso pronunciado pelo sr. Andrade Corvo na camara alta.
Peço a v. ex.ª que me reserve a palavra.
O sr. Rodrigues de Freitas (Discurso pronunciado n'esta sessão): — Alterei um pouco a moção de ordem que tinha de mandar para a mesa. Separei a parte que não é extraída de discursos proferidos pelos srs. ministro da marinha e dos negocios estrangeiros e pelo sr. procurador geral da corôa; fiz d'ella outra moção do ordem. A primeira termina por estas palavras: á passa á ordem do dia.»
Tinha dito hontem á camara que, se a minha saude me permittisse, trataria hoje de refutar todos os argumentos 'apresentados pelo sr. presidente do conselho e pelo sr. Julio de Vilhena, e analysaria tambem o plano governamental de colonisação.
Infelizmente a minha saude hoje não é boa; não quero pedir á camara maior attenção do que aquella que o assumpto merece.
Peço comtudo o silencio dos meus collegas, porque me seria difficil fallar alto.
Todos os precedentes apresentados hontem pelo sr. presidente do conselho, e que pareceram talvez a parte mais importante da sua argumentação, caem pela base, desde que se ler a data d'elles. Nenhum é posterior ao decreto com força de lei do 4 de dezembro de 1869, e é justamente perante este decreto que têem de ser apreciadas as principaes concessões feitas ao sr. Paiva de Andrada.
Referi-me hontem especialmente a um decreto ássignado pelo sr. Latino Coelho, e mostrei que o sr. presidente do conselho o lêra de modo improprio a um adversario leal como s. ex.ª costuma ser; é com effeito para estranhar que desejando cobriria sua responsabilidade com a de um espirito tão culto, s. ex.ª occultasse a parte que justificava plenamente o sr. Latino Coelho; porque, embora o sr. presidente do conselho declarasse que todos esses precedentes eram legaes, e d'este modo s. ex.ª, como que dispensasse a opposiçâo de mostrar a legalidade d'elles, podia deprehender se do modo por que s. ex.ª lia a parte que lhe convinha, que não acreditava muito na legalidade do acto praticado pelo sr. Latino Coelho.
Da sua legalidade já hontem fallei, da importancia d’elle em relação á questão sujeita, basta comparar não só as condições impostas aos concessionarios, mas tambem as extensões concedidas n'um o n'outro caso.
A concessão Paiva de Andrada refere-se a terrenos que montam a milhares de leguas quadradas, a concessão feita pelo sr. Latino Coelho refere-se a terrenos que andam por umas sessenta e tantas leguas quadradas!
Comparem-se os dois numeros, comparem-se os decretos, e vêr-se-ha logo que os 1:600 quilómetros do que o sr. presidente do conselho tanto falla, não têem importancia alguma para esta questão. (Apoiados.)
Não leio novamente á camara as condições do decreto do sr. Latino Coelho, as quaes de tal modo acautelavam os haveres do estado, que o governo, apresentando este decreto em confronto com o do 26 do dezembro de 1878, mais parece querer condemnar-se do que defender-se. (Apoiados.)
Os precedentes, repito, não valem nada, nenhum d'elles se fruída no decreto de 4 de dezembro de 1869; o nem um só se apresentou em que a extensão concedida fosse tão grande, em que a falta de garantias fosse tão absoluta, era que os absurdos e as monstruosidades se agrupassem; de tal sorte.
E não pareça hyperbolica a phrase que acabo de empregar, porque o decreto da concessão ao sr. Paiva de Andrada não é simplesmente monstruoso, não é simplesmente absurdo, se o concessionario póde não usar d'elle, tambem por causa d'elle póde ficar gravemente arriscada a segurança de Portugal.
Considerando assim o decreto, não fallo á camara com o proposito de impedir a marcha do governo; fallo-lhe como portuguez, e não invoco da maioria senão o seu amor da patria.
Se fosse rico, se podesse dispor do todo o meu trabalho a favor da nação, e se tivesse saude, declaro a v. ex.ª que desde que saíu a publico o decreto da concessão Paiva de' Andrada, eu houvera provocado no paiz o maior numero de meetings que podesse, não para exaltar as paixões das turbas a que hontem se referiu o sr. presidente do conselho de ministros, (turbas que no tempo das eleições se chamam eleitores), (Apoiados.) mas para lhes dizer francamente a minha opinião, para lhes mostrar como o governo portuguez tinha concedido mais do que o que é nosso, como elle violara as leis, como elle dera causa a que se possa dizer no estrangeiro: o governo da nação portugueza praticou o que no codigo penal se chama burla.
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Logo tratarei esta questão, que 6 do certo a mais grave para o paiz, embora a da legalidade seja gravissima para o governo.
No decreto do sr. Latino Coelho, tinha dito o sr. presidente do conselho que achara a definição de zona mineira; s. ex.ª abriu a legislação do 1868 e citou aquelle distincto professor como se fosse ler um tratado de lavra de minas; ora n'aquelle decreto o sr. Latino Coelho tinha empregado a palavra zona no sentido generico de tracto de terreno, e o sr. Fontes que podia explicar o que era uma zona mineira por um simples exemplo, aliás mal adduzido, não se lembrou de certo que incorria na mesma censura de um critico tão distincto, como o sr. Julio de Vilhena, o qual disse aos seus adversarios:
«Quando vós, para definirdes uma zona mineira daes um exemplo, mostraes que não tendes idéa clara do que ella é.»
Affirmou o sr. presidente do conselho que o artigo 45.° do decreto de 4 do dezembro de 1869 não podia referir-se a companhias já organisadas.
Mas quem disso ao governo que o decreto se refere a companhias organisadas especialmente para este fim? Não póde ser uma companhia mineira já estabelecida, a qual quizesse explorar uma zona? Parece-me que sim. Alem do que o decreto não falla só do companhias, falla de sociedades; comprehendende, pois, as collectivas, as parcerias e todas aquellas que são auctorisadas pelo codigo commercial; mas o governo, em vez do pensar no melhor modo de executar a lei, seguiu o peior caminho, e violou-a.
Mas seria impossivel que uma companhia se organisasse para este fim? Pareco-me que não. Uns poucos de capitalistas podem associar-se especialmente para explorar uma zona mineira; a lei das sociedades anonymas exige pouco para que a sociedade seja considerada como constituida; e desde que o sr. Paiva do Andrada diga que a concessão vale muito mais de 2.000:00$000 réis, não se estranho o haver quem julgasse possivel a associação de numerosos capitalistas, fundadores de uma sociedade anonyma, que como taes se apresentassem, é aos quaes então o governo faria muito legalmente uma parte da concessão Paiva de Andrada. '
Posso citar, como prova do que acabo de dizer phenomenos economicos occorridos em Portugal; o privilegio dado ao banco ultramarino foi-lhe concedido muito depois de constituido o banco; em 1864 o monopolio do credito predial foi requerido, não só por duas sociedades que para o obterem tratavam de se constituo', mas tambem pela companhia utilidade publica, já organisada no Porto. Por consequencia a companhia podia estar estabelecida e podia dar-se a ella um exclusivo, um monopolio.
E o sr. Julio de Vilhena, que acceita, segundo s. ex.ª disse, as opiniões do sr. procurador geral da corôa, expendidas na consulta relativa á concessão Bensabat o Magalhães, sabe que o sr. Mártens Ferrão diz que seria muito melhor que se juntassem os estatutos da companhia ao requerimento da concessão, e que esta não fosse requerida unicamente por um individuo, que era um simples intermediario e nada mais; não sei como s. ex.ª, acceitando tão facilmente a doutrina exarada n'esta consulta, vem mais tarde dizer que julga impossivel que uma companhia se organise sem saber previamente quaes são as concessões que lhe vão ser feitas.
Examinemos agora o artigo 45.° do decreto de 1869, e vejamos como o governo deixou de attender a elle.
Direi primeiro a v. ex.ª como interpreto este artigo. Está elle em intima relação com o artigo 31.° do mesmo decreto, que diz assim:
«A concessão será feita precedendo concurso nos seguintes casos:
«1.° Quando o descobridor se não tiver habilitado em tempo nos termos do artigo 19.°
«2.° Quando a concessão tiver sido julgada abandonada.»
Devo desde já notar que o sr. Julio de Vilhena e o sr. presidente do conselho disseram que a lei de 1869 tinha acabado com o concurso, por que era uma pela, não sei se para o governo se para os capitalistas... ¦.;
O sr. presidente do conselho levou tão longe a sua asserção, que disso que até no relatorio d'este decreto com força de lei se affirma que o concurso era um obstaculo.
Eu tinha já lido o decreto e o relatorio o não encontrara lá tal affirmativa; tornei a lel-o, e succedeu-se o mesmo; e o artigo que acabo de citar mostra que o sr. presidente do conselho apresentou á camara dos deputados da nação portugueza duas asserções que são completamento falsas. (Apoiados.)
Combinemos o artigo 31;° com o 45.°, o qual diz:
«São propriedades do estado:
«1.° As minas abandonadas;
«2.° As já conhecidas e não exploradas.
«§ 1.° O governo publicará com a possivel brevidade no Diario do governo uma relação das minas a que se refere este artigo.
«§ 2.° Fica salvo ao governo a direito de fazer concessões directas d'estas minas a sociedades ou companhias para a exploração em grande de uma certa zona mineira.»
Vê-se claramente que este artigo se refere ás mesmas minas que o artigo 31.°; o governo quiz salvar para si o direito de conceder as minas, o qual pelo artigo 31.° era dado aos governadores; mas as formalidades para a concessão tinham de ser as que se acham marcadas no artigo 32.°: concurso aberto no Diario do governo, fixação das bases da licitação, etc..
Quando é que o governo publicou a relação das minas?
Parece-me que o sr. presidente do conselho disse hontem que a relação existia na secretaria da marinha, mas, existe ou não, é certo que não foi publicada no Diario do governo e se não existe no ministerio da marinha, como me parece querer dizer o sr. presidente do conselho com o seu gesto, o caso ainda é mais grave, (Apoiados.) porque o governo concedeu uma cousa sem saber o que ella era, como se se, tratasse do uma insignificância, como se se tratasse, por exemplo, dos haveres do sr. Fontes, do sr. Thomás Ribeiro ou do sr. Couto Monteiro.
Os srs. ministros, como particulares, podem conceder o que quizerem, mas como administradores dos bens do paiz, não; sob pena de se lhes chamar maus e pessimos administradores. (Apoiados.)
A relação das minas sendo publicada no Diario do governo, era de grande importancia, primeiro, porque dava conhecimento das riquezas mineraes do ultramar; segundo, porque chamava a attenção dos capitalistas a fim de que, por occasião do concurso, soubessem ao que elle se referia.
Não se attendeu a nada d’isto, decretou-se a concessão affirma-se, porém, que não houve favoritismo.
Pois eu declaro á camara que, se n'esta concessão não houve favoritismo, houve, pelo menos, uma prova de consideração á amisade e ás relações que existem entre o sr. Paiva de Andrada e o sr. Fontes Pereira do Mello; não se póde admittir que a um individuo que não tivesse relações com o sr. Fontes, se fizesse uma concessão como a que foi feita ao sr. Paiva do Andrada.
Preciso dizer que, falhando de favoritismo, não quero por fórma alguma fazer a menor insinuação contra a probidade particular do sr. presidente do conselho; unicamente quero dizer que, não só não se procedeu em conformidade com as leis, mas tambem os factos se agglomeram e combinam de tal maneira, que é difficil, ainda áquelles que mais benevolos queiram ser, acreditar que n'esta concessão não houvesse favoritismo. (Apoiados.)
Examinemos a lei. Ella diz: «a sociedades ou companhias».
O sr, Julio de Vilhena affirmou que esta concessão era
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um contrato bilateral, porque de um lado estava o governo e do outro lado o sr. Paiva de Andrada e as companhias; mas, pergunto, onde existe a capacidade dos contrahentes? E a capacidade do sr. Paiva de Andrada e de alguns zeros? (Apoiados.) Que contrahentes são umas companhias, das quaes ainda nem se sabe se hão de existir?
Affirma-se que uma zona mineira não póde ser delimitada, e o sr. Julio de Vilhena diz que é possivel que os jazigos vão alem dos limites que se marcassem.
Mas s. ex.ª tem na lei a prova do contrario, a prova de que os limites do uma zona mineira se podem marcar.
Diz a lei:
(Leu.)
De maneira que a propria lei marcava os limites. (Apoiados)
Pôde dizer-se que não limitava especialmente a zona mineira; mas por isso mesmo devia o governo conceder sómente a area do que falla o artigo 11.° (Apoiados.)
A area a explorar é um facto importantissimo para quem concede; é um facto importantissimo, não só em relação á agglomeração de propriedade territorial em um só individuo, mas tambem em relação aos capitães que são necessarios para explorar, o para lavrar.
A palavra exploração é tomada pelo governo como querendo dizer lavra. Qual é a lei que o diz?
Em toda a legislação, tanto do ultramar, como do continente, claramente se separa pesquiza de exploração e de lavra. (Apoiados)
-Se ao governo se offerecia qualquer duvida sobre se exploração devia ser exploração simplesmente ou exploração e mais alguma cousa, porque é que disseram os srs. ministros, sem mais exame: «o que convem é que exploração seja exploração e lavra?»
O concessionario póde ficar contente com isto, mas o paiz é que não. (Apoiados)
Alem d'isso Concederam-se minas que o governo não podia dar d'esta maneira, porque se deram, não só as do estado, mas tambem as outras.
Se o governo deu á palavra exploração o sentido do lavra; foi tirar aos individuos que queiram fazer pesquizas e exploração um direito que é reconhecido, não só pela lei de minas; mas tambem pelo codigo civil, que muito bem citou o sr. Julio de Vilhena; cem a differença que o sr. Julio de Vilhena citou dois artigos do codigo civil unicamente para mostrar que elles dizem o contrario do que realmente affirmam. (Apoiados)
O codigo civil determina nos artigos 465.° e 466.°: e todos têem o direito de pesquizar e lavrar minas, independentemente do auctorisação do governo nos predios rusticos que possuirem.
«E tambem concedido o direito de pesquiza em predios rusticos alheios, com o consentimento do dono, consentimento que aliás, em caso de recusa, póde ser competentemente supprido. Porém a lavra n'esse caso fica dependente da concessão previa.»
- O codigo disse, pois: «toda a gente tem o direito de pesquizar, em primeiro logar um terreno seu; em segundo logar um terreno alheio, quando o dono lhe dê licença; e, quando o proprietario não a dê, pertence ao governo, manter essa liberdade, dando a licença que o proprietario negou».
Diz o sr. Julio de Vilhena que, por isto mesmo, por isso que o estado tem este direito, póde dar a um só individuo uma zona que todos tinham direito a pesquizar.
Fica-se entendendo que, quando o governo tiver obriga-se de manter a liberdade de todos, póde dal-a em privilegio a um só. Fica-se entendendo que a liberdade de todos póde ser absorvida por um só individuo, e que, quando um cidadão quizer fazer manter a liberdade do que pretenderem esbulhal-o, a auctoridade intervém para manter o exclusivo! (Vozes: — Muito bem.)
Ora, se as idéas á e liberdade e de exclusivo podem ser tão facilmente substituidas uma pela pela outra, como se formassem dois membros de uma equação, n'este caso o governo procedeu bem e o argumento é realmente digno dá concessão.
A este respeito direi ao sr. Julio do Vilhena o que s. ex.ª disse ao sr. Laranjo: não devemos apreciar o sr. Julio de Vilhena pelo seu discurso; é verdade que a maioria, recebendo s. ex.ª em triumpho, provou, não só o respeito que tem pela sua brilhante intelligencia, mas a sua alegria por, graças a Deus, ter ouvido um discurso apparentemente firmado em bons argumentos, porque effectivamente o discurso de s. ex.ª parecia cheio de rasões plausiveis; mas não resiste á analyse. O sr. Vilhena até defendeu tunas doutrinas que me parece que não são suas: pronunciou-se a favor das companhias soberanas! (Muitos apoiados.)
(Interrupção que se não percebeu.)
Mas, alem de quanto acabo do dizer, houve tambem notavel illegalidade relativamente aos prasos.
Ha concessões feitas por vinte annos e concessões feitas por tempo illimitado.
Ora, ainda quando o privilegio da exploração tivesse sido legalmente concedido, não podia durar mais do dois annos.
Nada foi respondido a este respeito, e eu desejava que o governo desse explicações sobre tal ponto. Não desejo que dê explicações cabaes; seria desejar o impossivel, e sobrehumano, e não tenho vontade de que o governo possua faculdades sobrehumanas. (Riso)
E antes de continuar a analyse do decreto recordarei á camara uma parto da carta do concessionario; diz assim: «os capitalistas que se lhe associarem para a constituição das companhias que elle tiver a felicidade de ir organisando, partilharão dos seus direitos, não podendo alienal-os.»
Os capitalistas estrangeiros hão de ficar com curiosidade do saber qual a legislação que obriga a conservar perpetuamente as acções, e a constituir n'ellas morgado. (Riso.)
Eu tinha desejo de tratar a questão pelo que diz respeito a florestas e a terrenos; mas passo em claro essa parte da questão, por me parecer que já disse bastante para provar que se procedeu illegalmente; e só farei reparo n'uma phrase do sr. presidente do conselho.
Referindo-se á lei que ordena que haja todo o cuidado com aquellas arvores que possam servir para as construcções do estado, disse s. ex.ª: «Esta lei não póde cumprir-se, é um romance».
Eu não sei se o romance é da escola lákista ou realista; não sei se o romance é de Walter Scott ou de Zola; mas parece-me que é mais realista do que lakista.
Acho estranhavel que esta phrase do sr. presidente do conselho seja proferida depois de se ter publicado o decreto da concessão, no qual se diz:
(Leu.)
Parece que o governo pensou effectivamente nas leis que havia no paiz, no que podia conceder ao sr. Paiva de Andrada, e nas garantias que tinha realmente o estado para que as pretensões do concessionario não fossem alem do que deviam ir; mas não só o governo diz aos capitalistas que a concessão é de grandes vantagens, mas ainda lhes affirma: «vede que, embora nós tenhamos lei que servo para garantir uma parte dos bens do estado, as florestas, essa lei é um romance.
Se isto fosse em relação a uma lei que o governo não tivesse de executar para segurar os bens do estado, comprehendia-se tal opinião; mas que depois de a formular não apresento immediatamente á camara uma proposta de reforma, é o que se torna censuravel.
Não posso furtar-mo ao trabalho de comparar a concessão não feita ao sr. Walker, com a concessão feita ao sr. Paiva de Andrada.
Vejamos o que dizia o governador de Tete, em relação a"concessão Walker:
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«Assevera comtudo o governador de Tete, que se não exigir que os 50:000 hectares sejam no mesmo ponto, poderão em differentes sítios de extinctos prazos da corôa obter-se terrenos com os requisitos necessarios para a dita cultura, que dêem approximadamente aquella superficie, as mais distantes das quaes não excederão a um dia de viagem de Tete; e não me parece que n'estas circumstancias haja inconveniente em deferir-se a concessão requerida.»
Apesar d'isto, o requerimento do sr. Walker foi deferido; mas ao sr. Paiva de Andrada concedeu-se o que pedia, apesar da consulta da junta consultiva do ultramar, e ainda se lhe concedeu muito mais.
O sr. ministro da marinha, ou alguem. incumbido por s. ex.ª, conversou com o sr. Paiva de Andrada para lhe fazer ver o que elle devia ter a mais do que pedia, para conveniencia da sua empreza; e eu digo isto porque resulta das declarações feitas por s. ex.ª na camara alta.
Já que fallei no.sr. ministro da marinha, desejava saber porque é que, sendo esta interpellação feita a s. ex.ª, este membro do gabinete não está aqui.
Quando pedíamos á comparencia do sr. ministro da marinha n'esta camara, dizia-se-nos que s. ex.ª devia estar na outra casa do parlamento, por isso que lá se discutia a resposta ao discurso da corôa; agora que s. ex.ª, na qualidade de ministro interpellado, devia estar aqui, vae igualmente para a camara alta)tratando a camara dos deputados de um modo que eu não posso deixar de lamentar, (Apoiados.) e que póde considerasse como uma offensa a esta casa. (Apoiados.)
Lamento que se julgue talvez mais conveniente, que o sr. ministro da marinha não tome parte no debate ácerca da questão da Zambezia, o que não é digno para s. ex.ª, como ministro. (Apoiados.)
O sr. Presidente: — Peço licença para observarão sr. deputado que o sr. ministro da marinha está empenhado na discussão do projecto sobre a administração da Guiné na outra casa do parlamento, e por isso não pede estar presente.
O Orador: — Agradeço a explicação que v. ex.ª acaba de me dar; más assevero que a minha innocencia, a minha ingenuidade, não vae até ao ponto de poder acceitar justificação da ausencia do sr. ministro; não sabemos que assim como n'outros annos tem havido sessões nocturnas na camara alta, para discutir, o orçamento, as podia haver agora para tratar da questão da Guiné?
Agradeço, como disse, a explicação de v. ex.ª, mas essa „ explicação não é bastante; e entendo que ía bem á dignidade politica do sr. ministro o estar presente a este debate. (Apoiados.)
Tinha eu dito que as declarações do sr. Thomás Ribeiro mostravam que houve uma convenção entre s. ex.ª ou alguem em seu logar, e o sr. Paiva de Andrada para mostrar, a este o que lhe convinha obter alem do que pedíra.
O digno par o sr. Vaz Preto fez uma serie de perguntas ao sr. Thomás Ribeiro, ás quaes s. ex.ª respondeu como soube e como póde; Uma d'estas perguntas era:
« Porque se não limitou ao jazigo de Tete, proximo do Zambeze, a concessão das minas de carvão? Porque se estendeu a toda a bacia hydrographica!»
O sr. ministro da marinha respondeu:
«Siga o digno par a minha explicação, porque a minha tenção e a do governo é dizer a verdade e só a verdade.
« O governo não quiz fazer uma concessão fictícia, não contratou no intuito de illudir ou prejudicar os concessionarios.
«O governo quiz, estatuindo esta clausula, garantir o capital e o trabalho que se empregue na extracção e conducção d'aquelle combustivel. Se acaso, feitas grandes despezas de exploração e grandes preparativos para navegação e conducto de fretes, apparecesse n'aquella região mais proxima do mar, o que não é provavel, mas é possivel, outro jazigo de carvão, perdida ficava a companhia exploradora em Tete do jazigo carbonífero. Fora mais uma tentativa mallograda, porque a perda da companhia exploradora podia ser e era provavelmente a perda total de toda a empreza, e nós carecemos de não experimentar na Zambezia novos mallogros e revezes. Repito, porém, ao digno par que de Tete até Quelimane não ha existencia nenhuma de carvão de pedra.»
Vê-se, pois, que o governo esteve a apreciar cuidadosamente as vantagens que os concessionarios deviam ter; que procurou prever os casos em que elles podiam ser prejudicados; que se não importou só com o que se pedia, mas tambem com o que a elles convinha que lhes fosse dado a mais do que requereram!.
Não se fez como a Walker; não se lhe respondeu que parecia não ter exacto conhecimento do que solicitava; pelo contrario, dá-se-lhe muito mais! Já não importa saber se zona mineira é, como disse o sr. Julio de Vilhena, um tracto de terreno onde existem minas; concede-se-lhe vasto territorio onde, segundo todas as probabilidades, rio dizer do proprio governo, não ha minas.
Supponhamos que Portugal é composto, termo medio, do 90:000 kilometros quadrados, que se dividem em duas zonas, uma essencialmente mineira, e outra em que não ha vestigios de minas.
Apresenta-se um individuo a requerer a concessão dos 45:000 kilometros, em que, segundo as explorações que se têem feito, existem minas. O governo dá-lhe, não só os 45:000 kilometros requeridos, mas tambem outro tanto, receioso de que o concessionario venha a perder, se por acaso apparecerem minas, e forem lavradas, na outra metade do territorio portuguez! (Apoiados.)
Mas o sr. Thomás Ribeiro; ainda n'esta concessão mostrou leviandade, porque tendo, em relação ás minas de carvão de pedra, tido grande cuidado com o que poderia succeder á empreza, suppondo que o descobrimento dás minas se realisasse proximo do mar, procedeu de modo diverso quanto ás de oiro.
Tem-se dito que a junta consultiva do ultramar foi ouvida, e temos repetidas vezes escutado a leitura de trechos do parecer d'essa junta; mas, havendo-se alterado tão notavelmente as circumstancias da concessão; tendo-se dado muito mais do que pedíra o concessionario; tendo-se dado um terreno diverso do pedido, a junta consultiva não foi ouvida sobre tão notaveis alterações.
Não trato agora de analysar largamente uma phrase do sr. Julio de Vilhena ácerca do systema de colonisação do governo; s. ex.ª deu porém á camara a seguinte novidade: «nas colonias não ha offerta nem procura»; de maneira que, andando por 10.000:000$000 réis a importação e exportação colonial, segundo as ultimas estatisticas, parece que tudo isto se fez como se ali não houvesse quem offerecesse nem procurasse trabalho!
Mas esta parte do discurso de s. ex.ª
(Interrupção do sr. Julio de Vilhena, que não foi ouvida.)
Pois eu vou confrontar a opinião de s. ex.ª com a opinião do governo.
O sr. Julio de Vilhena: — Confronte v. ex.ª a minha opinião com a do governo, ou com a de quem lhe aprouver, eu naturalmente terei ainda de fallar sobre esta questão, e demonstrarei a v. ex.ª que a sua argumentação tem sido habilmente architectada, mas que toda ella é improcedente.
O Orador: — Desde já, se v. ex.ª quer e o sr. presidente, permitte. Acceito o dialogo. Peço a v. ex.ª que me diga desde já quaes são os erros da minha argumentação!
O sr. Presidente: — Para regularidade da discussão é melhor o sr. deputado Julio de Vilhena não interromper o orador.
Convido o sr. Rodrigues de Freitas a proseguir no seu discurso.
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O Orador: — Eu respeito muito a intelligencia e os conhecimentos do illustre deputado o sr. Julio de Vilhena, como. jurisconsulto, mas vejo, tão clara a legislação, que não posso acompanhar s. ex.ª na interpretação que lhe dá
(Interrupção do sr. Julio de Vilhena que não foi ouvida)
O sr. Presidente: - O illustre deputado o sr. Julio de Vilhena não póde continuar -com a interrupção. -(Apoiados.)
O Orador: — Já fiquei satisfeito completamente. A legislação citada pelo sr. Júlio de Vilhena é o codigo civil e o regulamento da lei de 1852! O codigo civil mantem, como disse, a liberdade a qualquer individuo de pesquisar no seu terreno ou no terreno alheio; Ainda que acceitasse completamente a doutrina do sr. Julio do Vilhena o governo tinha ainda assim, andado mal, porque depois das concessão de que se trata, ninguem póde pesquisar no terreno concedido, ninguem pode pedir licença ao governo para pesquisar.
Teve o sr. Julio de Vilhena o cuidado de citar o regulamento do decreto sobre minas de 1852; mas essa citação tem o seguinte inconveniente, que é de ser regulamento exclusivamente para o reino. (Apoiados.) Para o ultramar ainda não ha regulamento, (Apoiados.) ha só o decreto de 4 de Dezembro de 1869 (Apoiados)
(Interrupção do sr. Julio da Vilhena, que não se ouviu na mesa dos deputados.)
Em primeiro logar é codigo civil declara muito expressamente, que a todo e qualquer individuo é permittido fazer pesquisas no seu terreno ou no terreno alheio.
O sr. Julio, de Vilhena: — No terreno alheio com licença do seu dono.
O Orador: — Certamente. Mas se o dono não der licença, o governo pode suppril-a pela faculdade que se lhe attribue.
O Sr. Julio de Vilhena — O governo pode conceder ou negar. O governo é o supremo arbitrador da concessão.
O Orador: - A questão complica-se um pouco. O governo dá ao sr. Paiva de Andrade o exclusivo da pesquisa. Se alguem quizer fazer pesquizas no territorio respectivo, o concesssionário responde com o seu exclusivo. (Apoiados.)
Mas o sr. Julio de Vilhena diz: «póde porque ao governo, fica o direito de negar ou conceder licença a outrem para pesquizar.
De maneira que, quando este governo dá um exclusivo de pesquizas, o mesmo governo fica ainda com a liberdade de negar ou conceder licença para outrem pesquizar nos mesmos terrenos com respeito aos quaes deu a uni individuo privilegio exclusivo para pesquizar..
O sr. Julio de Vilhena: — Permitta-me o illustre deputado que ainda lhe observe...
O sr. Presidente:: — Peço novamente que não seja interrompido o orador. (Apoiados.) Eu não posso consentir estás interrupções; que são contra o Regimento, o qual me cumpre manter. (Apoiados.).
O illustre deputado o sr. Rodrigues de Freitas póde continuar no seu discurso.
O Orador (continuando): — V.' ex.ª ordena e eu respeito muito as ordens de V. ex.ª
Não continuam pois ás interrupções do sr. Júlio de Vilhena, mas o que digo a V. ex.ª é que para mim o diálogo era muitissimo vantajoso. (Apoiados.).
Eu estimava o dialogo, mas não continuo; até farei quanto possivel para não o provocar; estou bem seguro da minha argumentação, apesar de ser a minha intelligencia interior á do sr. Julio de Vilhena; s. ex.ª está collocado em tão mau terreno, que póde procurar os argumentos que quizer, que eu os destruo facilmente.
Eu tenho tambem estudado um pouco legislação.
Agora entrarei na parte mais importante da questão, no que respeita aos interesses politicos de Portugal. O que é que o governo concede?
O governo concede o que Portugal não tem; o governo concede e que nem as côrtes podem conceder. (Apoiados.)
O governo voluntaria ou involuntariamente, mas de certo involuntariamente, engana os capitalistas estrangeiros, fazendo uma concessão de terrenos que não pertencem a Portugal, e tambem de alguns em que pelo menos a sua soberania é tão duvidosa, que a concessão se torna altamente impolitica.
Quando a opposição dizia ao governo que, segundo as proprias notícias, dadas pelos governadores do ultramar, não havia 100:000 hectares, livre e desembaraçados em terreno do estado, respondia-se: «ha muito mais de 3:600 leguas quadradas nos prazos da, coroa.».
Vejamos o que são esses prazos. Servir-me hei de auctoridades insuspeitas. Acceito a citação feita pelo sr. Júlio do Vilhena, á citação de Sebastião Xavier Botelho, mas ella não serve para provar que esses territorios estejam hoje livres.
Na carta da Zambezia, feita pelo sr. marquez de Sá da Bandeira, e que vem junta á obra do sr. D. José de Lacerda, ha uma nota em que se diz
«Todo o litoral está dividido em prazos desde o rio Quizingo até ao districto de Inhanbané, e assim tambem a maior parte das margens do Zambeze, desde o mar até Tete, com excepção de uma curta extensa na margem esquerda.»
O sr. D. José de Lacerda escreveu:
«As terras da margem direita do Zambeze, pertencentes aos antigos prazos da coroa, acham-se geralmente invadidas pelos cafres landins ou zulus que, por assim dizer, aquartelam-se nas povoações e cabanas dos colonos e os vexam de todos os modos. Os senhores dos prazos, em vez de protegerem os seus colonos, servem-se dos invasores como de instrumento efficaz para obrigar os colonos a tudo que julgam ter direito a requerer d’elles; por modo que o pobre colono, que é livre, acha-se na realidade escravo de dois senhores, dos quaes não é para ele um mais benigno do que o outro.»
E depois escreve ainda:
«Emquanto os colonos desejam ver-se livres a todo o custo dos vexames dos landins, os senhores dos prazos consideram a ausencia d'estes como uma calamidade, porque têem por seguro que enquanto os landins ali persistirem, os colonos, não só satisfarão ao que devem, senão a mais do que regularmente podia ser-lhes exigido.»
A camara sabe que os landins ou zulus pertencem a uma tribu muito notavel pela sua força, pelo seu amor da guerra, o até pela sua intelligencia.
O sr: Andrade Corvo ainda no relatorio apresentado á camara em 1875 dizia o seguinte:
«Alguns dos prazos que se acham hoje abandonados, permanecem, desertos, outros têem sido invadidos pelos vatuas, landins e outros cafres». E n'outra parte; «Há prazos que mão têem rendeiro, e estes é preciso distribuil-os em parcellas por colonos que os queiram cultivar; aos outros deve dar se o mesmo destino á medida que, sem graves conflictos, isto se poder fazer».
De certo que, ainda quando nós não tivessemos a luctar senão contra esta invasão de varios selvagens nos prazos da coroa, seria difficil, altamente difficil manter a concessão que fizemos ao sr. Paiva de Andrade. Mas não é esta a unica difficuldade que o governo vae encontrar.
Tenho presente um mappa de Africa, publicado já este anno em Gotha, mappa da collecção de Stieler e Justus Perthes, e feito por Petermann.
Citando estes nomes e indicando-os á camara, indico notaveis auctoridades em materias geographicas; o sr Petermann tem ás suas ordens os trabalhos mais importantes
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que ha sobre estes assumptos, n'um instituto geographico allemão.
N'este mappa encontra se uma mancha, que é a concessão Paiva de Andrada. Creio que d'este mappa foram mandados para Lisboa alguns exemplares pelo proprio concessionario. Acham-se aqui traçadas as linhas que limitam a concessão.
Vejamos os novos perigos com que nos ameaça o decreto do 26 de dezembro de 1878.
O sr. Paiva de Andrada pedia, como já disse á camara, um terreno bastante differente d'aquelle que lhe foi concedido.
O sr. ministro da marinha disse que desejava muito explicar á camara os motivos politicos que levaram o governo a conceder territorio differente d'aquelle que o sr. Paiva do Andrada pedia.
O sr. ministro da marinha não cumpriu ainda á sua palavra. E, cousa notavel! O sr. presidente do conselho) que hontem;usou tão largamente da palavra, nem uma só phrase proferiu ácerca da importancia politica d'esta concessão. (Apoiados.) O sr. ministro da marinha, em vez de fallar, assentou-se. (Apoiados:)
Esta concessão abrange uma parte do territorio que é designada no mappa allemão como imperio do Matebele (Matebele Rech.)
O imperador fez uma concessão do territorio que nos pertencia, e o governador de um districto do ultramar reclamou contra esta concessão.
O senhor de Matebele respondeu que era soberano por direito de conquista; nós não podemos fazer boa a nossa reclamação; é exactamente um pedaço grande d'este territorio com que temos soberania nominal) que o governo portuguez concedeu ao sr. Paiva de Andrada. (Apoiados.)
Como lh'a garante? Quaes são as forças que tem para a tornar effectiva? (Apoiados) Ou quer que se diga que Portugal commette uma burla? (Apoiados.)
Quaes são as forças com que conta para manter a concessão em todo o seu rigor?
Como arrisca o nome de Portugal! Como arrisca a sua independencia! (Apoiados.)
E o facto a que me referi não era desconhecido do governo. Foi até o sr. ministro dos negocios estrangeiros que o referiu na camara alta. Por isso eu disso hontem que o discurso de sr. Andrade Corvo era a condemnação do ministerio. (Apoiadas.).
O sr. Andrade Corvo disse na camara alta que, se não fizessemos estas concessões, as fariam os regulos; e S; ex.ª narrou o que se passara entro o rei ou imperador de Matebelle e um subdito inglez, o sr. Thomás Baines..O sr. ministro involuntariamente provou que esse rei selvagem sabia melhor do que o nosso ministerio que as concessões devem ser feitas com garantias; e mostrou tambem que nós concedemos o que difficilmente poderiamos dar, isto é, o que nós não podemos manter senão com um valente e forte exercito!
Leu o sr. ministro dos negocios estrangeiros um documento que principiava assim:
«Eu, Lo Bengula, rei da nação Matabele, certifico que a 9 de abril de 1870, na presença de mr. John Lee, na qualidade do agente entre mim e mr. Thomás Baines, então a agora commandante da expedição da South African Gold Fields Exploration Company; eu livremente garanto arar. Baines, em favor da companhia acima nomeada, plena licença do explorar, fazer produzir e lavrar qualquer mina de oiro em toda a extensão comprehendida entre o rio Guailo, ao sudoeste, e o Ganyana ao nordeste»
Continuava o sr. ministro dos negocios estrangeiros:
«Esta concessão do vasto territorio, comprehendido entre um rio que fica quasi defronte do Zumbo, na margem direita do Zambeze, e outro affluente do mesmo Zambeze, j a grandissima distancia do primeiro, foi feita por um potentado negro em nome do direito de conquista o soberania. Se deixarmos ás cousas como estão hoje, não fazemos, é verdade, concessões a companhias; mas os negros as farão por nós, e outros se aproveitarão dellas.
«Contra esta concessão feita á mr. Baines reclamou o sr. Barahona, que então governava Quilimane. A essa reclamação foi respondido: que o direito de conquista era reconhecido por todas as nações, e que sendo áquelle territorio conquistado pelos réis de Matabele, a ninguem, se não a elles, pertencia a sua soberania e a sua posse.»
Veja v. ex.ª, e veja a camara, copo os potentados selvagens, seja o de Zululand, ou seja e de Matebele, tambem sabem responder, ou seja a uma, nação pequena como Portugal, ou seja a uma nação grande como a Inglaterra.
O sr. Andrade Corvo tinha, rasão quando disse que as conquistas lá, são parecidas um pouco com as conquistas na Europa; o rei dos zulos respondeu, a Inglaterra: «eu sou senhor no meu território», com o mesmo amor patrio com que o rei de Matebelle nos respondeu a nós: «eu seu rei no meu paiz».
E concluiu o sr. Andrade Corvo:
«Depois, não mais se reclamou.
Depois, não mais se reclamou! Acceitou-se o facto, por que não havia forças para apoiar a reclamação!
Diz ainda s. ex.ª.
«E por que? Por que não tinhamos procurado affirmar o nosso dominio n'aquelle territorio, e tem n’elle posso effectiva, por que não Unhamos chegado dá, com a industria, com trabalho e com o capital.»
Eu pergunto: Alem da concessão Paiva do Andrada está algum poder bem superior; o qual tenha-a força sufficiente para n'aquella colonia manter a nossa soberania, para tornal-a effectiva. (Apoiados.)
Eu tinha aprendido que a segurança da propriedade, e a segurança da vida eram precisas para se explorarem minas, não tinha aprendido que bastava mandar mineiros para manter a soberania do Portugal. (Apoiados.)
E o sr. Paiva de Andrada e os capitalistas que se juntarem a elle não são Ião rudes, tão ignorantes, para julgarem que os sol vagens, que não cedem ás reclamações dos representantes do governo portuguez retrocedam, desde que lhes disserem: ahi vem o capital, a industria e o trabalho, isto seria pueril, ae não fosse perigoso, e se isso podesse arriscar, a nossa independencia. (Apoiados)
(Interrupção.)
Os selvagens valem alguma cousa. Os zulus pertencem áquella tribu de cafres, que no sul da Africa dispõem de 40:000 homens perfeitamentos armados. Os zulus são ali os selvagens ácerca da cuja organisação militar se escreve com respeito na propria Allemanha.
Tende cuidado com esses selvagens, tende cuidado de qualquer alliança com a Inglaterra, contra elles, não porque eu não conheça as grandes qualidades do povo britannico, os seus serviços á liberdade, e o acolhimento que tão grande nação fez a muitos infelizes cidadãos portuguezes que tiveram de refugiar-se ali, para encontrarem em terra estranha o que a patria lhes negava, mas a Inglaterra é tambem a nação que julga indispensavel que o seu commercio se propague na Africa o to lhe for preciso passar por sobre interesses de Portugal, acreditaes que ella trepidará?
Acreditaes que, se para acudir aos seus operarios sem trabalho, para resolver a crise a que o sr. presidente do conselho hontem alludiu, for preciso deixar do reconhecer a soberania de Portugal, a Inglaterra trepidará? Não trepida, de certo; e affirmo-o á camara, porque tenho presente uma nota do ministro inglez em Portugal, que disse claramente que a Inglaterra não reconhecia o nosso dominio, exactamente em terras do que fez concessão ao sr. Paiva de Andrada.
O governo inglez entendeu que devia ordenar ao seu representante em Portugal, que reclamasse perante o nosso,
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ou lhe fizesse observações, apenas quizemos conceder privilegio de navegação em parte do Zambeze e do Chire.
Eis o que dizia o sr. Morier em 14 do janeiro do 1877.
«O governo de Sua Magestade não tem na presente occasião desejo algum de entrar n'uma discussão com respeito aos limites precisos do territorio portuguez na Africa oriental.
«Nunca teve a menor duvida com respeito á plena soberania da costa portugueza entre o Gabo Delgado e a bahia de Lourenço Marques, conforme se acha expresso no artigo 2.° do tratado de 28 de julho de 1817; mas com relação ao vasto interior do continente africano, ácerca do qual nenhum tratado existe, não admitte que a idéa de soberania possa ser associada da de occupação lona fide, e da jurisdicção de facto constante e nunca interrompida, »
O sr. ministro dos negocios estrangeiros, auctoridade muito competente, diz que era parte do territorio concedido, nós não temos essa soberania effectiva; e eu pergunto ao governo qual o interesse de ordem publica que o obrigou a fazer esta concessão em terrenos que não temos occupados effectivamente/ (Apoiados.)
Se o governo não quizer entrar outra vez na discussão, se não responder a esta pergunta, dando explicações categoricas, se o governo não disser ao paiz quaes as forças de que dispõe para garantir n'aquelle territorio a concessão Paiva de Andrada, o paiz tem direito a dizer que o governo não governa, que o governo desperdiça, não simplesmente dinheiro, mas o nome da nação e a independencia da patria.
Volto a analysar a carta geographica; leio n'ella, junto ou sobre o terreno da propria concessão, as seguintes palavras: Kaiser Wilhelm Goldfeld (minas de oiro do imperador Guilherme). E o nome do imperador na Allemanha. No interior apparecem já nomes que não foram infelizmente dados por descobridores portuguezes: «Montanha de Moltke; montanha de Bismark».
De outro lado d'esta concessão, o muito perto d'ella, está o lago de Niassa; assim o terreno concedido fica ligado por um lado aos territorios inglezes, onde a Inglaterra empenha todos os esforços para que o seu commercio se desenvolva.
De outro lado esta concessão comprehende territorios de Matabele, cujo soberano nos disse já quaes são as suas theorias de direito internacional, e nos mostrou que a concessão de minas feita por elle vale mais do que as reclamações do governo portuguez.
Quaes são as forças que o sr. Paiva de Andrada tem para lhe oppor? Ha de recorrer ao governo portuguez. Qual é ali o nosso exercito? Qual a administração no interior de Moçambique? Qual o rendimento dos municipios?
Para mostrar as difficuldades que ha em assegurar ao sr. Paiva de Andrada esta concessão, vou servir-mo do ultimo relatorio que conheço ácerca do Moçambique, e que diz o seguinte:
«Mas todo este machinismo marcha por si, com a força adquirida, a regra é a tradição; esses diversos agentes não têem regimento; não ha attribuições definidas; nada ha escripto; não ha remuneração para esse pessoal, excepto para algum das terras firmes do districto de Moçambique propriamente dito; não se mantêem relações officiaes com essas auctoridades; são quasi todos os negocios tratados verbalmente com os cheques; não ha correspondencia dos capitães mores que possa servir de instrucção; não ha finalmente, onde ler a historia de todos estes povos. Com taes elementos bem póde v. ex.ª ver como seria difficil bem administrar.
«Tete. Tem camara eleita. É pequeno o seu rendimento; a receita calculada no orçamento para 1875-1876 é de réis 284$000.
«Sena. Ha muitos annos que o municipio é administrado por uma commissão municipal de nomeação do governo, por não se fazer eleição. A sua receita em 1874 foi do 243$065 réis, importancia quasi exclusivamente de saldo do anno anterior. O rendimento d'este municipio é insignificantíssimo; consiste apenas em taxas das licenças que pagam os negociantes. Os seus empregados servem gratuitamente.»
O sr. José Guedes levantava um ponto de admiração diante d'este gratuitamente; mas parece que o governo não só não tem pontos de admiração para pôr diante d'esta gratuitidade, mas julga que, tendo nós tão mal assegurada a mais simples administração, é facil conceder grandes territorios cuja posse nos ha de ser infelizmente disputada por cafres bem exercitados, o que sabem perfeitamente a topographia d'aquellas terras.
N'estas condições de administração eu pasmo, eu admiro que tal concessão fosse feita com tão grande facilidade o que queiram dizer que n'ella não houve favoritismo, que n'ella não houve leviandade, que por ella não foi violada a lei. E se algum motivo me podesse levar a dizer que n'esta concessão não houve favoritismo seria o parecer impossivel, que uma questão tão importante, uma concessão tão descommunal, fosse posta á mercê do nepotismo.
Parece-me impossivel que homens que têem uma historia em cujas paginas ha mais de uma que é gloriosa, que homens aos quaes não falta amor do seu paiz, não tivessem duvida em sacrificar ao favoritismo, esse deus bi-sexoal, com perigo para a independencia da nossa patria.
E não julgue a camara que eu, fallando tantas vezes da independencia da patria, procuro produzir effeito sobre as galerias, a que o sr. presidente do conselho se referiu. Não é assim. Fallo assim por entender que se tivermos de manter esta concessão, havemos de enfraquecer tanto a metropole, pela exportação de forças intellectuaes e moraes, pela exportação de homens que vão garantir o que nós levianamente damos ao sr. Paiva de Andrada, que ficaremos á mercê de qualquer potencia que olho para nós com olhos de ambição. É por isso que digo que n'esta questão vae tambem a independencia da nossa patria.
Se por outro lado indago o que é a concessão, vejo que ella vão muito para alem do Zumbo. Lerei á camara as palavras que se vêem n'este mappa, feito sobre grande copia de esclarecimentos. Ha aqui muitas pessoas que do certo reconhecem que esta carta é um dos documentos mais importantes que se possam apresentar sobre esta parte da questão. (Apoiados.)
Lê-se aqui a respeito do Zumbo: Frühere portugiesiche Niederlassung (outr'ora foi estabelecimento portuguez); o a respeito de Tete: Fernste portugiesiche Niederlassung (o estabelecimento portuguez mais afastado!
Consultei outro mappa, vem n'uma encyclopedia allemã, de Meyer, publicada o anno passado; Senna e Tete vem designadas como territorio portuguez; mas a respeito de Zumbo, não vem indicação alguma.
O proprio sr. ministro dos negocios estrangeiros diz-nos que o Zumbo se póde considerar como territorio em que não temos soberania ou occupação effectiva.
O sr. Andrade Corvo disse, na camara dos dignos pares:
«Em 1863..: o Zumbo foi occupado, assim como as terras a que no mesmo logar tinha direito a corôa de Portugal. Algumas medidas analogas se tomaram em relação a Massica e Quiteve. O resultado, porém, força é dizel-o, d'este modo de occupação foi nullo infelizmente.»
«O que é preciso, acrescentava o sr. Corvo, é-a occupação pelo trabalho, pela industria, pelo commercio». E é sempre esta, a resposta que nos dão, como sendo de grande vantagem a concessão feita ao sr. Paiva de Andrada! (Apoiados.) Mas, repito, póde tornar-se effectiva, sem que o concessionario trabalhe ou faça trabalhar em um terreno, onde o respeito pela propriedade seja inviolavel?
O concessionario póde trabalhar, ou mandar trabalhar n'aquelle territorio, sem que, no caso de uma invasão da
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parte dos landins, haja ali força para repellir essa invasão?
O governo poderá tornar effectiva esta concessão, sem conquistar ao imperador do Matabele a soberania effectiva, que elle tem em parte do territorio concedido ao sr. Paiva de Andrada? O governo poderá assegurar a exploração de minas de carvão em toda a bacia hydrographica do Zambeze, a grande parte da qual não temos direito algum?
Tenho dito á camara quaes são as rasões por que me parece illegal e perigosa esta monstruosa concessão.
Desejaria agora alludir ao pensamento colonisador do governo, o para isso teria de analysar as palavras proferidas hontem pelo sr. presidente do conselho e uma parte do relatorio do sr. Andrade Corvo.
Não posso, porém, alongar muito p meu discurso; serei até muito breve".
As opiniões do sr. Andrade Corvo não estão em harmonia com a concessão feita, o antes de ler á camara as palavras d'este illustre ministro perguntarei a que systema de colonisação pertence a concessão feita ao sr. Paiva de Andrada. (Apoiados.)
Que systema colonisador expressa esta concessão? Ainda não ouvi explicações a este respeito.
O sr. Andrade Corvo diz o seguinte:
«Vias de communicaçâo, segurança e paz publica, boa administração, distribuição racional de terras, e o emprego do meios indirectos, mas persistentes de attracção, eis o modo encaminhar a emigração para as nossas provincias ultramarinas. Infelizmente não podem alcançar-se resultados, n'esta ordem' de cousas, sem muito tempo e muita perseverança.
«A creação vantajosa de productos tropicaes, que alimentem e enriqueçam o commercio colonial, depende da abundancia de terras em plena fertilidade, de trabalho barato, e de sufficiente capital.
«Não podem os capitães nem restaurar rapidamente a fertilidade do solo, nem attrahir braços em abundancia, por fórma que convenha á economia da producção: mas onde abundam as terras ferieis e não escasseia a população facil é crear os capitães, com actividade laboriosa, energia e confiança no futuro.»
O sr. Andrade Corvo indicava o que se podia fazer dos prazos da corôa, e receiava que do passar desde logo das instituições existentes para exploração, que devia ser vantajosa para quem a emprehendesse, resultassem inconvenientes.
O sr. Andrade Corvo queria, portanto, que a passagem se fizesse lentamente, para que fosse mais segura, visto os perigos graves que havia por causa dos conflictos que lá podiam ter logar.
A respeito do trabalho do ultramar eu sinto deveras que fossemos estabelecer um exclusivo, um monopolio em tão vasta extensão.
As minas de carvão e as minas de ferro, que tanto abundam em parto da região concedida, deveriam servir a muitas industrias, as quaes difficilmente se desenvolverão se nós não deixarmos o terreno livre a todo o homem que deseje trabalhar. (Apoiados.)
Eu sinto que o sr. ministro da marinha fosse com as suas «machinas aperfeiçoadas» atacar a liberdade do trabalho do negro; sinto que o sr. ministro da marinha fosse estabelecer ali mais um privilegio.
Pela lei de 1869 o negro e o branco tinham assegurada a liberdade de explorar e pesquizar as alluviões auríferas; pelo actual decreto do governo essa liberdade póde ser posta em duvida. (Apoiados.)
Pelo decreto de 1869 era permittido aproveitar essas alluviões com apparelhos votantes, d'aqui em diante, quando qualquer aperfeiçoamento se introduzir n'esses apparelhos votantes, o negro fica inhibido de fazer a exploração das areias auríferas.
De sorte que o sr. ministro da marinha vae assim destruir uma liberdade de que o decreto de 1869 garantia a todos.
E eu sinto, sr. presidente, que n'esta epocha, em que a questão do capital o do trabalho se levanta, não só na Europa, mas na America, sinto que o governo resolvesse a favor do exclusivo uma das mais importantes partes do problema da colonisação; sinto, sr. presidente, que o illustre ministro dissesse, ao findar o seculo XIX, que para assegurar aos donos das. minas, o trabalho se tinha feito quanto era possivel para que os trabalhadores não lhes faltassem!
O sr. ministro da marinha até encarou este privilegio como uma garantia de ordem publica!
Tenhamos cautela, muita cautela, com a propagação de idéas que dão ao capitalista mais do que se deve dar; tenhamos cautela principalmente hoje, que o problema do trabalho e do capital se impõe com tal magestade, que resolvel-o tão desacertadamente, applicar essa resolução n'um terreno tão vasto, é um grande perigo. (Muitos apoiados.)
fia um livro, que de certo conhecem muitos srs. deputados, o Capital, obra de um dos mais notaveis escriptores actuaes, porém cujas doutrinas, na sua maior parte, quasi em tudo quanto ha de novidade n'esse mesmo livro, me parecem perigosas e completamente infundadas: refiro-me ao livro de Carl Marx, o Capital. (Muitos apoiados.)
Pôde dividir-se em quatro partes: na primeira mostra os seus vastos conhecimentos sobre economia politica, sobre philosophia e sobre historia, direi de passagem que Karl Marx é considerado como escriptor distinctissimo, o se d'elle fallam com respeito homens como Sybel e Max Wirth, não se deve passar levianamente diante das suas obras. (Apoiados.)
Na primeira parte, como disse, ha a exposição de doutrinas, que qualquer economista da escola orthodoxa podia assignar; (Apoiados.) a segunda é aquella em que expõe doutrinas que me parecem completamente infundadas, e que são novas em economia politica; na terceira parte expõe, com o seu espirito profundo, varios factos da historia economica da Inglaterra, dos quaes elle pretende concluir — que o capital tem escravisado o trabalho; na ultima parte ha um capitulo que devem attentamente ler todos os homens que estudam as sciencias sociaes: o auctor apresenta a theoria de Wakefield, o qual queria que os terrenos se vendessem caros para que os captitalistas tivessem sempre trabalhadores á sua disposição!
Embora esta doutrina seja acceita por alguns economistas, eu entendo que n'esta parte Carl Marx tem rasão, censurando-a.
Eu entendo que devemos contribuir por todos os meios ao nosso alcance, para que o trabalhador honestamente se torne proprietario, tão depressa quanto possivel, e jamais conceder taes privilegios, que por elles seja escravisado o trabalho ao capital.
Usando da nomenclatura economica, devo porém dizer que, para mim, não ha distincção entre o capital e o trabalho; os proprios economistas não deixam de reconhecer isto; mas parecem esquecel-o mais de uma vez, quando tratam das relações entre o capital e o trabalho; as antinomias que entre ambos existem, são, por assim dizer, historicas, dependentes das circumstancias de momentos da vida social; mas tendem a desapparecer com o tempo. E se a camara me permitte, acrescentarei que para mim as questões importantes que hoje se debatera em varias nações estrangeiras ácerca da distribuição do lucro, não são bem postas; para mim o lucro não é senão o representante economico do progresso humano.
Não é, porém, esta a occasião de expor á camara as minhas opiniões a tal respeito.
Repito, desejo que não vamos escravisar o trabalho no ultramar; desejo, pelo contrario, que no ultramar o trabalho seja livre como o capital.
O sr. ministro da guerra e presidente do conselho estra-
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nhou muito que O sr. Pinheiro Chagas tratasse uma questão politica a proposito da questão da colonisação.
Eu vejo uma grande relação entre o problema da colonisação e o problema do governo na metropole.
Sem querer fazer largas divagações historicas, lembro á camara, para apoiar o que acabo de dizer, que foi de certo nas grandes luctas com que firmámos a nossa independencia, e nas relações com os povos estrangeiros que nos habilitámos para sermos povo conquistador e navegador.
Alem d'isso, nó tempo em que fizemos as maiores descobertas, a concorrencia das outras nações comnosco não podia ser a mesma que hoje é, N'esse tempo, alguns dos primeiros povos estrangeiros achavam-se envolvidos em luctas religiosas e, politicas; mal podiam logo seguir-nos em os novos caminhos que descobrimos para o commercio e em os novos territorios que conquistámos para a permutação dos productos.
Um escriptor muito conhecido pelos seus trabalhos historicos, Robertson, nota que quando nós começámos a commerciar com as nações estrangeiras sobre especiarias e outros productos do ultramar, podiamos vendel-os por metade do preço por que os vendia Veneza; esta grande vantagem que nós tinhamos desappareceu mais tarde.
Tendo nós levado as conquistas e a navegação mais longe do que as nossas forças o permittiam, e tendo os outros povos chegado ao grau de civilisação em que facilmente podiam concorrer comnosco, a nossa força foi declinando.
Ao tempo em que nós íamos perdendo as colonias faziam-se nos paizes estrangeiros grandes descobertas scientificas, discutiam-se importantes problemas religiosos, e por assim dizer um novo mundo litterario e scientifico attrahia a attenção de todos os homens notaveis..
Se nós defronte de um quadro chronologico da perda do colonias de Portugal collocarmos um outro quadro tambem chronologico das descobertas scientificas realisadas no estrangeiro, veremos as outras nações aperfeiçoando as sciencias e artes, illustrando-se e elevando-se por este modo e Portugal decaindo, por não poder tomar parte no movimento litterario e cientifico da epocha. Ainda mais. A instrucção publica, chegou tal estado de decadencia que a propria universidade de Coimbra, principalmente no seculo XVI, não póde luctar com o poder dos jesuitas.
A instrucção secundaria ficou completamente subordinada aos jesuitas, sendo fala intervenção d'elles que os homens mais notaveis d'aquella epocha tiveram de deixar o ensino e alguns de retirar-se,.do paiz, resultando d'ahi tal abatimento intellectual, tal decadencia do nosso espirito, que quando os outros povos estavam muito adiantados nas sciencias e nas arfes nós mal balbuciávamos as primeiras palavras do novo saber humano. (Apoiados.)
Hoje o que é preciso, fazer, para sermos, dentro de certos limites, um, povo colonisador?
Precisâmos empenhar todos os nossos esforços, em que o governo da. metropole seja bom, em que todos os ramos da administração publica se, aperfeiçoem e em que o nivel moral e intellectual dá nação sé eleve. (Apoiados.)
Quando a Allemanha foi Vencida por Napoleão, uns poucos de homens notaveis dirigiram o movimento do qual resultou a grande importancia que, principalmente a Prussia, teve nos ultimos tempos.
O barão Von Stein que foi um dos primeiros estadistas que a Allemanha teve, formulou assim o programma politico. Dizia elle.
«Por isso que ficámos tão reduzidos em territorio o em homens, operemos de tal maneira, dirijamos de tal sorte a nossa sociedade, que cada prussiano valha dobrado do que valia, em forças intellectuaes e moraes, o tambem em forças physicas.»
Preparado assim a povo allemão e realisada a obra dos seus reformadores, depois das grandes derrotas que esse povo soffreu, a Prussia admirou a Europa e todas as nações, quando póde vencer as forças do imperio decadente de Napoleão 111..
Nós temos de proceder do mesmo modo; lemos de fazer tambem todos os esforços, para que embora pequenos em territorio, a nossa população possa valer na qualidade o que não vale no numero; temos de desenvolver as nossas forças economicas, cuidar de todos os ramos da administração e principalmente cuidar da educação physica, moral e intellectual do povo. (Apoiados.)
Antes de colonisarmos, comprehendamos o que somos e o que podemos ser; aliás as colonias serão o logar para onde se vão escoando pouco a pouco as fracas forças que lemos na metropole. (Apoiados.)
Vou concluir resumindo em breves palavras quanto disse.
Analysando a concessão, parece-me illegal, absurda, monstruosa, tres vezes monstruosa, e não ha palavra com que signifique bem o que é esta concessão; é perigosíssima hão dá garantia nenhuma a favor do paiz, e unicamente o ameaça de grandes males. Pôde não ter havido, para se effectuar esta concessão, favor nenhum, mas não o parece. Contra a probidade particular dos srs. ministros não tenho a dizer Uma palavra; em relação aos factos, tenho a dizer que são de tal ordem, que, se não houve favoritismo, parece evidente que o houve.
Deixo bem consignadas as minhas opiniões a este respeito, porque se porventura em qualquer parte do meu discurso houver palavras de que se deprehenda que quiz fazer a menor insinuação á probidade dos srs. ministros, eu não exprimi bem a minha idéa.
Tudo que eu disse ácerca da illegalidade e dos perigos d'esta concessão, tudo isso mantenho e assevero á camara que tenho pena de o não saber dizer melhor e de o não poder dizer com mais força; e tenho pena tambem de o não poder dizer em toda a parte, para que todo o paiz representasse ás côrtes a fim de que estas declarassem nulla uma concessão illegalissima, (Apoiados.) uma concessão perigosíssima. (Apoiados.)
Se, porventura, o governo julgar que deve responder a alguma parte do meu discurso, pedir-lhe-hei que responda principalmente aquella que diz respeito aos perigos que traz esta concessão; pedir-lhe-hei que diga quaes são as forças com que conta para manter a concessão Paiva do Andrada, pedir-lhe-hei que diga ao parlamento e ao paiz quaes são as forças com que conta para obrigar o rei de Matabelle e todos que estiverem no mesmo caso d'elle, a respeitarem a nossa soberania, não nominal, como até aqui, mas real e effectiva. (Apoiados.)
Vozes: Muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitas srs. deputados.)
Leu se na mesa a seguinte
Proposta
Ouvidas as explicações do governo, e considerada a discussão parlamentar ácerca do decreto de 26 de dezembro de 1878, a camara dos deputados da nação portugueza confia em que o poder executivo attenderá a que:
1.° A concessão de 100:000 hectares (artigo 2.°) será feita á medida que as companhias se mostrarem habilitadas com capitães e gente, e provarem, depois de uma grande exploração, que já são insufficientes os primeiros terrenos concedidos.
2.° Que o direito de exploração das florestas pertencentes ao estado na região da Zambezia, fica subordinado á lei do 21 de agosto de 1856, e principalmente ao artigo 3.° que prohibe a alheação das matas, a concessão feita em o n.º 6.° do artigo 1.º do decreto de 26 de dezembro de 1878 entende-se, pois, limitada ao que permitte o artigo 41.° do decreto de 4 dezembro do 1869, e á extracção de madeira que, não sondo precisa ao estado, ou não podendo este aproveital-a, o governador entender que póde ser dada
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nos concessionarios para os auxiliar nas construcções indispensaveis a uma grande exploração mineira;
3.° Os direitos concedidos pelo decreto são hypotheticos ou condicionaes, estão dependentes de actos especiaes, quer do governo, quer do governador geral da provincia. Esses direitos hão de successivamente tornar-se effectivos, pelos modos determinados nas leis, citadas no decreto..
4.° Tanto, o tomar posse das minas do estado, como o registar dás que forem descobrindo os concessionarios, ficam sujeitos ás disposições do decreto do 4 de dezembro de 1809.
5.º Os estatutos das companhias concessionarias ficam sujeitos á especial auctorisação dos poderes legislativo e executivo.
6.° A concessão é puramente benefica. Os concessionarios não podem fazer uso da concessão feita no n.º 6.° do artigo 1.°, se não depois de cumprida a obrigação do artigo 4.° ácerca de trabalhos em larga escala. O governo portuguez não tem para com os concessionarios deveres especiaes de garantia sob condição de Indemnisação de perdas e damnos. A. protecção ás companhias entende-se no sentido de que nos pontos em que o governo, tenha força e possa dellas dispor, proteja os concessionarios como a outros quaesquer nacionaes.
Os privilegios concedidos pelo decreto de 26 de dezembro de 1878 são declarados nullos, por não haver lei que permitta concedel-os. E passa á ordem do dia. = O deputado pelo Porto, J. J. Rodrigues de Freitas.
Foi admittida.
O sr. Freitas Oliveira (sobre a ordem): — Cumprindo as prescripções do regimento, passo a ler a minha moção de ordem, apesar de não estar presente o sr. ministro da marinha; porque, para mim, o governo, está devidamente representado n'esta casa," todas as vezes que estiver presente o sr. presidente do conselho para responder por todos os actos do gabinete.
A minha, moção de ordem é a seguinte.
(Leu.)
O monstruoso escandalo que foi proclamado pela palavra ardente dos tribunos do circo de Price; (Riso.) o monstruoso escandalo, que entrou ameaçador na camara dos dignos pares do reino, chegou felizmente até nós, reduzido ás raspáveis proporções do uma supposta illegalidade, de uma supposta inconveniencia, de uma supposta inopportunidade, (Apoiados.)
Esta singular transformação por que passou a questão, chamada da Zambezia, não foi produzida pelo acaso, nem determinada pela vontade ou pela habilidade do partido que a levantou para assentar n'ella as suas baterias contra o governo. Esta transformação foi operada pelo bom senso publico, pelo juizo e criterio do povo portuguez, que correspondeu, com significativa indifferença, ás instigações d'aquelles que queriam mostrar-lhe este acto do governo, como um acto de escandaloso nepotismo, como um facto escandalosamente immoral.
Eu felicito, com a maxima, sinceridade e com profunda admiração, o illustre deputado interpellante, pela maneira elevada e digna como s. ex.ª collocou a questão.
Sei que o meu louvor não póde lisonjear o talento e aptidão do illustre deputado, por saír de voz tão humilde, mas parece-me que póde e deve satisfazer a sua consciencia, porque elle é uma homenagem, que publicamente presta ao seu elevado merito, um adversario constante e irreconcialiavel, mas sempre leal é verdadeiro. (Apoiados.)
Não venho, todavia, responder agora aos argumentos do illustre deputado, porque seria da minha parte rematada loucura acrescentar alguma cousa ao que tão eloquentemente foi dito pelo sr. presidente do conselho, e pelos meus illustres collegas e amigos os srs. Silveira da Mota e Julio do Vilhena.
Se tomo parte n'esta questão é simplesmente com o fim de sustentar a minha moção, e de desviar de sobre a maioria, a que tenho a honra de pertencer, algumas insinuações mais ou menos offensivas que, no doirado estylo e na elegantíssima phrase de um dos: nossos mais sympathicos collegas nos foram dirigidas. Refiro-me. ao discurso do meu amigo o sr. Pinheiro Chagas.
A outros tenho ouvido pôr em duvida a legitimidade da eleição dos membros d'esta assembléa com offensa da lei e da dignidade parlamentar,.que não permittem que isso se possa fazer, depois de todas as eleições terem sido approvadas por esta camara. (Apoiados.)
Apesar d'essas duvidas eu entendo, e o paiz reconhece, que o diploma dos deputados, da maioria d'esta assembléa é tão legal como o diploma dos deputados da opposiçâo; (Apoiados.) assim como entendo que o voto dos deputados da maioria é sempre determinado por motivos tão dignos e tão respeitaveis como os que determinam o voto contrario dos deputados da opposiçâo. (Apoiados.)
Fora d'esta assembléa tambem eu ouvi que alguem designou os deputados da maioria.com o appellido de tolerados.
Não protestei nem protesto, contra essa baixa injuria; porque a bôca d'onde ella saíu pertence a quem sómente á tolerancia reprehensivel de uma sociedade pouco escrupulosa deve o ser admittido ao convivio de gente honesta. (Apoiados.)
Todas as vezes que a este parlamento, têem vindo á discussão concessões analogas a esta que faz o objecto do debate, a politica tem dado a essas concessões a feição de legalidade ou de escandaloso nepotismo, conforme a sympathia que aos partidos mereceram os governos que concederam, e os concessionarios que receberam, a concessão.
Não sou d'aquelles que se assustam, ou a quem repugna que todas as discussões n'esta assembléa se transformem em questões politicas, e até acho muito natural que, desde que se faz politica nos meetings, nos cafés, nos gremios e em toda a parte, se faça principalmente na primeira assembléa politica do paiz. '
É certo que as questões politicas tomam ás vezes n'esta casa um caracter pessoal, que é inconveniente; mas isso é devido á circumstancia de não serem todos os partidos politicos aqui representados, partidos impessoaes.
Quando em 1868 foi presente a esta camara o contrato, pelo qual se fazia uma concessão de ostreiras, situadas no Tejo em frente de Montijo, ao meu respeitavel mestre e illustre amigo o sr. dr. Bocage, não houve Uma só pessoa que se levantasse para impugnar aquella concessão, de cujo projecto eu tive a honra de ser relator.
Não digo bem, houve um deputado, filiado no partido dos de espirito de contradicção permanente, que combateu a concessão; foi o sr. José de Moraes Pinto de Almeida. (Riso.)
Os membros de todos os outros partidos votaram a concessão, sem nenhuma especie de duvida.
No anno seguinte, a mesma camara o quasi os mesmos individuos tinham de apreciar uma concessão similhante feita a outro individuo.
Esse individuo era o sr. marquez de Niza, a quem ò governo concedêra a exploração das ostreiras dá costa do Algarve.
O governo que então estava á frente dos negocios publicos era presidido pelo sr. duque d'Avila e de Bolama, sendo ministro das obras publicas o sr. visconde de Chancelleiros. Pois saiba a camara que as mesmas rasões que serviram para se fazer á concessão ao sr. Bocage, que não estava filiado então em nenhum partido, é que por isso não tinha era toda a camara pessoa alguma que lhe quizesse ser desagradavel, serviram para se fazer a concessão do sr. marquez de Niza, que era suspeito de revolucionario, e n'essa occasião tido na conta de ministerial; a mais cruel opposiçâo que n'este paiz, se tem feito até ao momento do apparecer a concessão Paiva de Andrada!
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Tambem então se disse que era um escandalo, umo monstruosidade, um nepotismo.
O governo tem sido accusado por tantas cousas differentes e oppostas que, se todos os srs. deputados da opposiçâo usassem da palavra, ninguem chegaria a entender-se sobre os nefandos crimes.
Diz um sr. deputado: ao governo vae dar a provincia de Moçambique á um homem, que não reune as circumstancias precisas para receber um favor d'esta ordem». Diz outro: «O governo burlou o sr. Paiva de Andrada, a concessão é um mytho!»
Confesso que não percebo b pensamento politico da opposiçâo, discutindo a questão por esta fórma, que aliás não é nova n'este paiz do ciúme e da inveja.
Não foi só a concessão das ostreiras ao sr. marquez de Niza que levantou opposiçâo similhante a esta que está tendo a concessão Paiva de Andrada.
Quando o sr. conde de Torres Novas, como governador geral da India, concedeu uma porção de terreno do districto de Satary a quatro estrangeiros, houve tambem aqui ardentíssimo debate levantado pelo deputado pela índia, notavel talento, que foi ornamento d'esta assembléa, o sr. Francisco Luiz Comes.
Tambem então se disse que a concessão feita pelo governador era uma concessão perigosa; tambem se disse que se ía vender a estrangeiros uma porção do territorio portuguez. E o que aconteceu, foi que os povos d'aquella provincia, que dezesete vezes se tinham revoltado contra o governo, sendo necessario empregar a força e fazer grandes despezas para os trazer á obediencia; depois que o sr. conde de Torres Novas fez a concessão, que aliás não foi feita com a legalidade com que esta, que se discute, se realisou; mas que se fez por se entender que era uma medida do administração, conveniente para a boa organisação e para o socego da colonia; o que aconteceu, repito, foi que aquelle districto que nada rendia para os cofres do estado, nem para o thesouro de Goa, já hoje tem algum rendimento e nunca mais houve ali desordens, nem revoltas.
A similhança, pois, do que se passou então com a concessão de Satary, eu entendo que esta questão da Zambezia não póde ser apreciada senão como uma medida de administração, de que o governo entendeu dever lançar mão, para melhorar as circumstancias da provincia de Moçambique.
O que, emquanto a mim, seria para desejar, quando se não realise uma grande reforma colonial, é que se applicassem meios similhantes a todas colonias, onde tudo está em estado de perfeito desamparo.
Muitos dos srs. deputados, que lêem sustentado as suas opiniões simplesmente pela leitura dos relatorios, e do que se tem escripto sobre colonias, parece-me que não fazem perfeita idéa do que são as colonias portuguezas.
Eu nunca estive nas colonias da Africa oriental, mas quando tive a honra de pertencer á corporação de marinha, visitei as colonias da Africa occidental, e sei o estado em que se acham, e quando outro dia o sr. ministro da marinha, para sustentar a sua proposta ácerca da Guiné, disse, entre outros argumentos, que havia necessidade de se estabelecer um governo geral na Guiné, porque o governador subalterno não póde dispor dos meios, para um caso extraordinario, de que dispõe o governador geral, e lhe respondeu o sr. Rodrigues de Freitas, lendo um artigo da legislação respectiva, onde se dizia, que o governador subalterno póde providenciar como governador geral, quando julgar conveniente tomar medidas extraordinarias, com tanto que seja ouvido o conselho do governo; não pude deixar de rir commigo mesmo, porque a primeira cousa que não ha na Guiné, é conselho do governo!
O conselho que o governador tem ali é um muleque para o seu serviço. (Riso.)
Tambem ouvi fallar das fortalezas da Guiné, como se ali houvesse alguma fortaleza! O que se chamou fortaleza da Guiné, consisto em um paredão sobre o qual estão dez peças do artilheria, collocadas em sarilhos de madeira, que em dias de grande galla, por occasião das salvas, se voltam de traz para diante, quando disparam, como aconteceu ao rodizio da canhoneira que ultimamente aggravou com o ridiculo o desastre de Bolor.
Quando as cousas estão n'este estado, não me parece que seja patriotico guerrear os governos, que procuram qualquer meio licito de nos livrar d'aquellas vergonhas, aproveitando para o estado, para a civilisação e para a humanidade a nossa riqueza colonial.
Um dos argumentos que se tem apresentado para combater e alcunhar de illegal a concessão de que se trata, é o do governo fazer a concessão poucos dias antes de se abrir o parlamento.
Desde que o decreto é legal, e na concessão se não contém disposição alguma que dependa da approvação do poder legislativo, o governo não tinha necessidade de a apresentar ao parlamento. O concessionario é que talvez devesse exigir essa condição, que lhe dava mais solidas garantias de organisar uma companhia com avultados capitães, que mais confiariam na responsabilidade tomada pela nação, do que na responsabilidade tomada pelo governo em uma concessão que está dependente de regulamentos que podem não ser feitos por este governo, mas sim pelo governo que lhe ha de succeder, e que naturalmente pertencerá ao partido dos illustres deputados da opposiçâo que a combatem.
Eu já declarei que não trato de defender a concessão nos pontos em que ella foi atacada pelo illustre deputado interpellante, porque a sua argumentação, muito habil e muito arguciosa, foi, na minha opinião, completamente despletamente destruída pelos oradores que têem tomado parte no debate, pelo lado da maioria.
Como, porém, têem sido feitas algumas referencias á maioria, e parece que á pouca consciencia com que ella tem apoiado o actual governo, eu desejo justificar-me pela minha parte, dizendo que o apoio franco e leal que dou ao governo, representa a confiança que elle me merece por ter mantido as liberdades publicas, conservado a maxima tolerancia nas discussões, e facultado o direito de reunião e de associação, como ainda o não fez nenhum outro partido. (Apoiados.)
O meu collega, o sr. Pinheiro Chagas, não achou feliz uma expressão que o sr. Julio do Vilhena empregou com relação ao apartamento do partido regenerador, de um homem dos mais notaveis e dos mais queridos d'esse partido.
Eu tambem não empregarei essa palavra, que não foi agradavel aos ouvidos do meu illustre collega, mas direi, que não estou de accordo com s. ex.ª, porque nem a pessoa a que se alludiu, nem outras pessoas que antes se apartaram do partido regenerador, saíram para se alistarem nas fileiras da liberdade.
Bem pelo contrario, eu posso affirmar que ha quem se tenha apartado do partido regenerador para ir defender governos que não são a expressão do progresso e da liberdade. (Apoiados.)
Parece-me que houve quem se apresentasse do partido regenerador para fazer a corte a um governo, que julgou alargar as liberdades publicas, augmentando o numero de conegos nas diocesses! (Riso. — Apoiados.)
Parece-me que houve quem se apartou do partido regenerador, para ir dar enthusiasmo e ardente apoio a quem tinha mandado fechar as conferencias do Casino! (Apoiados.)
E eu estranho tanto esta apreciação que o illustre deputado fez da pessoa que se apartou do partido regenerador, como estranho tambem ao illustre deputado pelo Porto, a quem respeito muitissimo e de quem sou sincero admirador e cordeal amigo, o sr. Rodrigues de Freitas, que entrou aqui com a franca declaração de que era deputado republicano, e que eu esperava que viria a ser n'esta as-
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sembléa um dos mais importantes elementos para o aperfeiçoamento das instituições, fazendo a critica imparcial de todos os actos reprehensiveis dos partidos monarchicos, o pugnando pelo exacto cumprimento das leis liberaes, se collocasse em uma situação facciosa, servindo não a republica e a evolução, mas os interesses dos partidos monarchicos que guerreiam o ministerio.
Effectivamente s. ex.ª não é um republicano, s. ex.ª é um eloquente orador, que está prestando relevantissimos serviços ao partido progressista, e muito poucos á idéa republicana e á propaganda dos principios democraticos.
(Aparte do sr. Rodrigues de Freitas.)
Sobro o systema do governo, exactamente é que eu estranho que o illustre deputado faça tão violenta opposição a um ministerio, que tanto tem alargado as liberdades publicas, para pôr a sua palavra ao serviço dos partidos que mais a têem cerceado e reprimido.
O illustre deputado tem no ministerio quem lhe garante o exercicio de todas as liberdades precisas para a propaganda das suas idéas, para que essa evolução, que o illustre deputado deseja, se realise pacificamente; faz-lho todavia crua guerra, para que chegue aquellas cadeiras quem não permittirá que se discutam as instituições, quem não consentirá que s. ex.ª faça declarações do republicano na camara dos deputados, (Apoiados.) como se não consente que se façam protestos monarchicos nas assembléas de alguns paizes, onde se diz que ha liberdade de discussão, e onde as instituições são republicanas.
Voltando porém ás deserções, como esta palavra se vae agora empregar em relação a mim, não lho farei a correcção que ha pouco fiz, para não molestar o meu illustre amigo o sr. Pinheiro Chagas.
Eu tambem fui desertor.
Tambem desertei de um partido que se estava formando e para cujos primeiros trabalhos concorri com o meu humilde préstimo.
Mas desertei para casa, (Riso.) não fui para as fileiras dos adversarios, e não aggredi em circumstancia alguma, nem aggredirei pessoalmente, qualquer que seja a posição politica era que nos achemos, o cavalheiro que foi meu chefe e de quem recebi as mais distinctas delicadezas, e os testemunhos de verdadeira sympathia. (Vozes: — Muito bem.)
Apartei-me da politica do meu prezado e respeitavel amigo o sr. José Dias Ferreira, quando entendi que s. ex.ª seguia um caminho que não me parecia conforme com o programma sobre o qual tinhamos concordado na occasião em que pela primeira vez se reuniu a assembléa geral do partido, hoje chamado constituinte.
Depois d'isto, retirei-me á obscuridade da minha vida particular e não fui alistar-me em nenhuma das facções politicas militantes.
Quando, porém, se levantou nas discussões publicas uma questão, para mim das mais importantes que tem havido n'este paiz, questão em que os partidos politicos, que até ahi pareciam estar de accordo, em que as instituições monarchico-constitucionaes eram as mais convenientes para esta nação, ou antes as unicas, que lhe podiam garantir a sua independencia e autonomia, pareceram romper esse accordo, começando-se por um. lado a aggredir o rei e as instituições, eu entendi que devia vir ao combate, na minha humilde posição de soldado e alistar-me nas fileiras dos que defendiam a monarchia e a liberdade.
Por consequencia, se desertei, e não fui eu que levei a bandeira, foi porque se a quizesse levar, talvez a não encontrasse! (Riso.)
Agora o que é certo e indubitavel, é que os que desertaram do partido regenerador, não levaram a bandeira do partido, porque esse honrado estandarte ainda aqui está, e é a bandeira da liberdade, do progresso, da tolerancia, da civilisação e do desenvolvimento do paiz. (Muitos apoiados.)
Mas, sr. presidente, não acho que seja de uma grande conveniencia publica e sobretudo para áquelles que têem declarado, que a fazenda se acha em circumstancias menos prosperas o que é necessario occuparmo-n'os d'essa questão, não acho de uma grande conveniencia publica, que elles estejam a gastar um tempo tão precioso n'esta questão da Zambezia. (Apoiados.)
Os illustres deputados da opposição que têem tomado parte n'este debate, entendem que o governo praticou uma illegalidade! e apesar de todas as rasões que se têem apresentado a favor da concessão feita ao sr. Paiva do Andrada, s. ex.ªs insistem nos seus argumentos!
A continuação do debate seria portanto uma teima inutil.
Mas já que fallei em fazenda publica, seja-me permittido levantar uma phrase pronunciada por um illustre deputado, que declarou: «que quando o partido regenerador está no poder, o orçamento que apresenta é um rol de receita e despeza!» Mas ha uma differença: o orçamento apresentado pelo partido regenerador, ao menos discute-se e podem os illustres deputados a respeito d'elle propor as reformas e economias que entenderem convenientes; porém quando os partidos da opposição estão no poder, nem mesmo esse rol se apresenta, nem se discute! (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, antes de concluir permitta-me. v.. ex.ª que eu me refira a uma injusta arguição, feita pelo meu amigo o sr. Rodrigues de Freitas ao nobre, presidente do conselho. ¦,
S. ex.ª estranhou que o sr. presidente do conselho, lendo um trecho do decreto de 23 de dezembro de, 1868, referendado pelo sr. Latino Coelho, não lesse os artigos 1.° e 5.° do referido decreto, em quase prova ter o concessionario os fundos necessarios para a, lavra das minas que lhe foram concedidas.
Peço licença ao illustre deputado para lhe dizer que o artigo a que se referiu contém uma falsidade, porque o concessionario nunca provou que tivesse fundos para a exploração, e tanto que a não fez.
Para provar o que affirmo, peço licença á camara para ler um documento que foi apresentado por essa occasião na secretaria da marinha, e que é o seguinte.
(Leu.)
Isto é uma prova de que elles não tinham caução e, por consequencia, se o sr. presidente do conselho não fez a leitura do artigo a que o illustre deputado se referiu, não foi de certo com o intuito de deixar de esclarecer a questão. (Apoiados.)
O assumpto scientificamente faltando está perfeitamente discutido; a camara dos deputados está esclarecida tanto por parte dos oradores que fali aram a favor da concessão, como por parte dos que fallaram contra.
A questão politica que se podia ter tratado agora, tambem não ganha muito por se prolongar esta discussão, porque em outras medidas a respeito da administração d'este governo podemos ter occasião de melhor a tratar, tanto por parte do governo como por parte dos illustres deputados. Estou persuadido de que hão de haver muitas occasiões em que a opposição entenda, e entenda muito bem, que é necessario que ò paiz conheça quaes são as questões politicas em que ella está toda de accordo, e aquellas em que os grupos se separam cada um para seu lado; e como em seguida a mim vae usar da palavra o meu illustre amigo o sr. visconde de Moreira de Rey, que n'esta occasião talvez ache opportuno cumprir a promessa que nos faz de declarar as rasões por que s. ex.ª se tinha separado do partido regenerador, pela demasiada tolerancia que este partido usara com a imprensa progressista, eu espero que s. ex.ª satisfaça este desejo e colloque a questão politica no ponto que nós queremos que ella seja posta, o que a opposição nos mostre que está habilitada para succeder ao governo, logo que elle perca qualquer das condições constitucionaes que deve ter para existir.
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É preciso que do uma vez se tique sabendo, se o advento da opposiçâo ás cadeiras do governo é uma questão solúvel ou insolúvel. (Apoiados.)
Concluo pois aqui as minhas observações, para ouvir as explicações do sr. visconde do Moreira de Key.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
Leu-se na mesa a moção do sr. Freitas e Oliveira, que foi. admittida á discussão. - Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
A camara satisfeita com as explicações do governo passa á ordem do dia = Freitas Oliveira.
Foi. admittida.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Estava bem longe de esperar que a palavra me chegasse n'esta occasião em que a camara, já fatigada, não póde, de certo, dispensar-me a benevolencia que eu tanto preciso.
Eu mando para a mesa a seguinte moção.
(Leu.)::.
Tenho por costumo e por habito, embora muitas vezes me torne singular ou excentrico, tomar a serio as questões que discuto, é aprecial-as quanto a minha pequena intelligencia o permitte, procurando sempre o resultado pratico ou conclusão logica. O contrario d’este procedimento não me parece serio nem digno) e não faço com esta declaração censura alguma especial, nem ao governo nem á opposiçâo; creio que o unico resultado pratico, a unica consequencia logica que nós podemos tirar da presente discussão está manifestamente declarada ha moção que tenho a honra de mandar para a mesa, a qual reputo a unica possivel no fim de tão prolongado debate!
Se por acaso a concessão é, não tanto como se tem dito, mas apenas a decima ou centesima parte d’aquillo que se tem dito contra ella, pergunto a v. ex.ª em que posição politica ficaria, perante o paiz, qualquer partido, que, tendo denunciado dentro e fóra do parlamento as illegalidades, os vicios, os perigos e as complicações que d'essa concessão podem resultar, se ámanhã herdar o poder, principiasse a executar como ilegal, como boa, como util, como digna e como excellente a concessão dá qual se apregoou que constituia doação pura e benefica, alienação gratuita de uma parte importantissima das nossas possessões ultramarinas.
Póde, porventura, a opposição julgar-se obrigada ao favor ou á condescendencia que arguiu, e executar como muito boa uma, concessão que affirmou importar a alienação pura de uma parte importantissima dos nossos dominios ultramarinos, offendendo a integridade do territorio, e podendo comprometter até a independencia da patria? A questão simples e praticamente reduz-se a isto. Não póde ser outra copa. E no terreno, em que está collocada, não póde haver a menor esperança do que a maioria deixe do votar ao governo, uma moção de confiança..
Nós temos exagerado tanto as ficções do systema representativo e do regimen parlamentar, que chegámos a este resultado fatal; resultado que eu não estranho, que já tenho sentido e mesmo experimentado algumas vezes.
Tambem eu, por algumas vezes, posto quedaras, tenho sido obrigado a ceder ás consequencias da exageração de similhantes ficções, em virtude das quaes nós chegámos a substituirá questão que deviamos decidir, uma moção de confiança que á maioria só cumpre votar.
Na questão actual ninguem na maioria vê a Zambezia; ninguem trata de julgar a legalidade das concessões; vê-se apenas em discussão uma moção puramente politica, de cuja approvação depende a conservação do governo, e de cuja rejeição resultaria a queda do ministerio actual e a sua substituição por outro.
Em taes condições o que fazem, o que podem fazer os amigos politicos do ministerio actual? Votar a moção de confiança. E eu não estranho isto: é o habito; é o costume; é o dever; é a necessidade fatal.
Se na actual concessão da Zambezia se tivesse comprehendido a nossa provincia do Algarve, mesmo a provincia do Alemtejo, até o districto do Leiria, a que o nobre presidente do conselho se referiu hontem, a votação era pura o exactamente a mesma que vae ser (Apoiados.): «A camara, tendo ouvido com satisfação as explicações do governo, passa á ordem do dia». (Apoiados.)
O que acontece com 0 governo actual, continuando o mesmo systema, acontece ámanhã com o governo dos, cavalheiros que actualmente constituem á opposiçâo. (Apoiados.)
Portanto, qual o remedio para isto? E mudar de systema.; (Apoiados.) é restabelecer o systema parlamentar; (Apoiados.) é firmar o systema representativo; (Apoiados.)
Se não se mudar de systema, então escusado é, como muito bem disso o meu amigo, o sr. Freitas e Oliveira, perder tempo em discutir estas questões; mas escusado é tambem discutir o votar a questão de fazenda, porque ella é tratada como a da Zambezia, exactamente nas mesmas condições, nas mesmas nebulosidades, nas mesmas promessas constantemente feitas e constantemente desmentidas, e todas as questões terão unica e fatalmente é mesmo resultado e as mesmas consequencias.
Ora qual é a rasão porque acontece n'este paiz o que não acontece em mais paiz algum, que seja regido pelo verdadeiro systema parlamentar?! A rasão é muito simples; é porque estamos completa e absolutamente fóra das regras estabelecidas pela carta constitucional. (Apoiados.)
Muitos proclamam a necessidade de reformar a carta constitucional, e esquecem-se ou fingem esquecer-se de que a reforma mais radical e mais importante, que poderiamos fazer á lei fundamental do estado, seria cumpril-a á risca, conforme foi escripta e segundo os verdadeiros principios de que emanaram as disposições contidas n'aquelle codigo.
Entro nós é tudo ao contrario do verdadeiro systema parlamentar!
Quando um paiz elege uma camara tem a certeza, theoricamente, de que elege os seus representantes para: irem constituir o governo do paiz. Entre nós o que acontece?!
Os representantes do povo são eleitos, não para constituir governo, mas para servir e apoiar o governo que os elegeu! E isto é em todos os partidos desde largos annos. (Apoiados.).
Portanto, desde que ha uma moção de confiança politica contra o ministerio a cuja existencia está essencialmente ligada a existencia da camara, qual ha de ser o resultado?!
E eu não me admiro, nem podia admirar me do resultado, tão longe estão as minhas pretensões de suppor ou de exigir, que os meus collegas tenham verdadeira disposição para o suicídio; ha em geral muito pouca disposição para o martyrio, e principalmente para o suicídio politico a vocação é rara. (Riso.)
;Uma voz: — Já tem havido.
O Orador: — Eu sei o que tem havido. Pouco mais ou menos é o que ha....
Ora o que acontece?!
Acontece necessariamente approvar se a moção de confiança, e o governo ficar muito satisfeito da prova da sua popularidade. Todavia o resultado eleitoral n'este paiz muda de um dia para o outro, conforme o governo que está a fazer as eleições!
Nós temos n'este paiz um caso celebre, passado ha pouco tempo com o meu illustre amigo correligionario e chefe o sr. Dias Ferreira.
Estava para fazer-se uma eleição geral n'este paiz no dia 4 de outubro, creio eu, e estavamos em 28 de setembro; a popularidade não do meu illustre amigo, mas das tres pastas de que elle n'essa occasião dispunha, era tal, que
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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
deputados da opposição appareciam rari nantes; no dia 29 caiu o ministerio, e não caiu mal na minha opinião, (Riso.) tomou a pasta do reino o meu illustre amigo, o sr. bispo de Vizeu, tinha s. ex.ª quatro dias para fazer a eleição geral: pois n'esses quatro dias, não teve o tempo materialmente indispensavel para receber dos diversos circulos do paiz as maiores, provas de dedicação pelo novo governo!
Era geral o enthusiasmo nos circulos do paiz!
A dedicação pelo governo, conservou-se, mas transferiu-se rapida e espontaneamente do sr. Dias Ferreira para o sr. bispo de Vizeu e o governo, não por necessidade, mas unicamente para salvar as apparencias, adiou as eleições por 15 dias, e afinal teve a mesma maioria que estava para ter, o sr. Dias Ferreira; a differença era apenas dos nomes; os circulos que tinham a eleger por unanimidade um candidato elegeram por unanimidade o candidato proposto.
A verdade é esta (Apoiados.)
Uma camara que vem com a certeza de quê dá governo, e de que a sua resolução ou indicação parlamentar é necessariamente, attendida pelo poder do estado, que tem obrigação de a attender e que não póde, esquecel-a, essa camara resolve e encara todos os assumptos a sangue frio, com conhecimento de causa, resolve com absoluta imparcialidade e ao mesmo tempo que dá o seu voto sobre o assumpto assume a responsabilidade que resultaria a todos de terem de substituir o governo que em virtude d'esse voto vae deixar as cadeiras do poder; mas uma camara para quem a queda do governo significa suicidio politico e na grande maioria o descanso das lides parlamentares passando de representantes do paiz, o que é digno e honroso, apenas a aspirantes para quando, voltar ou surgir no poder, em virtude de uma formula desconhecida, a segunda edição do governo a quem serviam, essa camara, ainda que queira, não póde; e a prova é que ás camaras não têem podido até hoje, quando se trata de uma moção de confiança, distinguir é assumpto que se discute.
O argumento é simples e o meu amigo, o sr. Freitas Oliveira, acaba de o expor muito bem, — quem quer vota, quem não quer não vota; (Riso.) quem quer viver com o governo, vota a moção do sr. Freitas Oliveira; quem quer morrer, vota contra.
E n'estas condições estranhava no outro dia o meu illustre amigo e collega, o sr. Luciano do Castro, á inconveniencia do sr. Antonio de Serpa por ter dito, a proposito do imposto do tabaco, que, quando o sr. Luciano de Castro era ministro, a opposição tinha como unico recurso saír pela porta fóra.
Eu não dou grande novidade ao meu illustre amigo, declarando que o argumento do sr. Antonio do Serpa, digno ministro da fazenda, não era tão deslocado, nem vinha tão pouco a proposito como ao sr. Luciano de Castro pareceu.
O sr. Antonio de Serpa só diz o que quer dizer, e façamos-lhe justiça, só quer dizer o que lhe faz contai
E já que fallei n'este assumpto, deixe-me V. ex.ª declarar que eu julgo não me enganar, suppondo e affirmando que o melhor vinculo ou o mais seguro meio da união da maioria,.é o receio do sr. Luciano do Castro.
O que sé fez em publico, a declaração do sr. Serpa, foi apenas uma edição em voz alta de argumentos empregados(ha muito tempo em conversações particulares. (Riso.)
E este um meio muito poderoso de disciplina, (Riso.) é poderosíssimo, é mesmo infallivel tia ficção constitucional que nós substituímos constantemente, e ha muito ao verdadeiro. Systema parlamentar. (Apoiados.)
A questão é collocar a maioria entre a necessidade de votar moções de confiança a proposito do todos os actos do. governo é o suicidio politico, ou a morte voluntaria.
Voluntária ou forçada, a morte é feia; e a maioria encontra-se collocada entre as moções de confiança o a morte terrivel, que reveste, não sei porque, um caracter mais terrivel ainda quando vem representada na pessoa altamente sympathica do meu collega e amigo o sr. José Luciano de Castro (Riso.)
Eu podia desfazer este argumento, porque realmente faz-se ao sr. José Luciano de Castro uma injustiça atroz. (Riso.) Mas não vale a pena.
Como não quero principiar a fallar no assumpto para dizer só duas palavras, peço a V. ex.ª o favor de me dizer a hora a que fecha a sessão. O sr. Presidente: — A hora é ás cinco e meia e já deu!
O Orador: - Então peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para amanhã.
O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que ámanhã estejam presentes à uma hora»:
A ordem do dia para ámanhã é a mesma de hoje.
Está levantada a sessão.
Eram pouco mais de cinco e meia horas da tarde.
Sessão de 11 de março de 1879