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SESSÃO DE 20 DE MARÇO DE 1885

Presidencia do exmo. Sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.:

Sebastião Rodrigo Barbosa Centeno
Joaquim Augusto Ponces de Carvalho

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de quatro officios, sendo dois do ministerio da fazenda, um do ministerio da marinha e outro da commisaão antiphylloxerica do sul. - Tem segunda leitura e é admittido um projecto de lei do sr. barão de Ramalho e outros srs. deputados. - Mandam para a mesa representações os srs. Avellar Machado, visconde de Reguengos e Luiz de Lencastre. - Apresenta um requerimento de interesse publico o sr. Scarnichia e diversos requerimentos de interesse particular os srs. presidente, Lobo d'Avila e Baima de Bastos. - Justificações de faltas dos srs. Mártens Ferrão e M. Bento da Rocha Peixoto. - O sr. Frederico Costa participa que cumpriu a sua missão a deputação que levou é assignatura regia um decreto das cortes. - O sr. Avellar Machado declara achar-se constituida a commissão de inquerito agricola, e propõe a aggregação de mais tres srs. deputados; a camara approva. - O sr. Urbano de Castro apresenta um projecto de lei, que fica para segunda leitura. - O sr. Luiz Osorio insta com o governo para que adopte uma resolução que melhore o estado das cousas em referencia é crise agrícola. - Responde, por parte da respectiva commissão, o sr. Lencastre. - O sr. Correia Barata manda para a mesa, para ir a imprimir, um parecer da , commissão de fazenda. - O sr. Eduardo José Coelho refere-se é morosidade com que está sendo feita a estrada de Bragança a Chaves.
Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.º 10.- O sr. presidente pede aos oradores que cumpram o preceito do artigo 102.º do regimento. - Continua o seu discurso, interrompido na sessão anterior, o ?r. Franco Castello Branco, relator. - Responde-lhe, impugnando o projecto, o sr. Alves Matheus, e a este o sr. Lobo Lamare, que se occupa especialmente de justificar a reforma do exercito. - são admittidas as moções de ordem apresentadas pelos dois ultimos oradores.

Abertura- Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes é chamada - 59 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, A. J. D'Avila, Lopes Navarro, Pereira Borges, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Pereira Leite, Barão de Ramalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, Cypriano Jardim, E. Coelho, Elvino de Brito, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Francisco de Campos, Baima de Bastos, Franco Frazão, Augusto Teixeira, Franco Castello Branco, José Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Amorim Novaes, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, José Borges, José Frederico, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, Luiz Osorio, Correia de Oliveira, M. J. Vieira, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Gonçalves de Freitas, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Lopes Vieira, Moraes Carvalho, Anselmo Braamcamp, Sousa e Silva, Antonio Candido, Antonio Centeno, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Carrilho, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Fuschini, Avelino Calixto, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Correia Barata, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Guilherme de Abreu, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Costa Pinto, J. C. Valente, Melicio, Scarnichia, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado,J. Alves Matheus, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, José Luciano, Julio de Vilhena, Luciano Cordeiro, Reis Torgal, Luiz Jardim, Manuel d'Assumpção, Manuel de Medeiros, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram é sessão os srs.:- Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Agostinho Fevereiro, Pereira Côrte Real, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Antonio Ennes, Moraes Machado, Augusto Barjona de Freitas, Ferreira Mesquita, Neves Carneiro, Caetano de Carvalho, Sousa Pinto Basto, E. Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Monta e Vasconcellos, Frederico Arouca, Barros Gomes, Silveira da Motta, J. A. Pinto, Souto Rodrigues, Teixeira Sampaio, Dias Ferreira, Ferra Freire, J. M., dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Franco, Dantas Baracho, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima.

Acta.- Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do ministerio da fazenda, communicando que já foram expedidas as ordens necessarias para que o primeiro verificador da alfandega do Porto, Adolpho Machado Tares, se apresente é commissão parlamentar de inquerito sobre o sal, a fim de prestar os esclarecimentos que forem necessarios.
É secretaria.

2.º Do ministerio da fazenda, acompanhando 150 exemplares do relatorio do tribunal de contas sobre as contas das gerencias de 1880-1881 e 1881-1882, e dos exercicios de 1879-1880 e 1880-1881.
Mandaram-se distribuir.

3.º Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação requerimento do sr. Mariano de Carvalho, copia do parecer de commissão da pescarias, ácerca das questões entre Francisco de Paula de Sousa Leite Junior, proprietario de uma armação de pesca e Diogo João Mascarenhas Manuel, proprietario de outra armação de pesca.
É secretaria.

4.º Do exmo. presidente da commissão central anti-phyloxerica do sul, remettendo mais 90 exemplares do relatorio da mesma commissão, relativo ao anno de 1884, para serem distribuidos pelos srs. deputados.
Mandaram-se distribuir.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores.- Ninguem desconhece os encargos que actualmente oneram a fazenda municipal.

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Embora ao notavel alargamento de attribuições concedidas ás camaras municipaes tenha parallelamente correspondido uma não menos notavel amplitude nas suas faculdades e recursos administrativos, é comtudo certo que e menor o numero de municipios, cuja situação seja prospera ou, pelo menos, desafogada. Se, por um lado, têem sido sempre crescentes e cada vez mais avultadas as despezas creadas por lei, não são, por outro lado, menos avultadas aquellas a que as municipalidades toem de occorrer paro corresponder ás exigencias da civilisação e ás commodidades dos povos.
D'aqui tem vindo a necessidade imperativa de recorrer a meios extraordinarios de differente natureza, e entre estes figuram as auctorisações concedidas pelo parlamento com frequencia e justiça, para desvio das receitas de viação com destino a melhoramentos de outra ordem, mas não meios uteis, segundo as circunstancias occorrentes.
Nas mesmas condições se encontra a camara municipal do Angra do Heroismo, como o acaba de mostrar na representação dirigida ao governo com o fim de lhe ser temporariamente permittido o desvio de parte da sua receita de viação para ser applicada ao mesmo fim na parte urbana do concelho, o que não prejudica e antes amplia os intuitos beneficos da lei de 6 de junho de 1864.
Com a receita média de 4:000$000 réis annuaes e correspondente auxilio do estado tem a municipalidade angrense dado grande impulso é viação n'este ultimos vinte annos, e não admira portanto que deseje pôr em harmonia com os melhoramentos ruraes os que não poderam ainda, nem poderão tão cedo, ser realizados na parte urbana do concelho com as receitas ordinarias.
Tão justa pretensão estriba-se felizmente tambem nas disposições terminantes da lei de l5 de julho de 1862, artigo 9.º, §§ 2.º e 4.º e artigo 7.º da lei de 6 de junho de 1864, que para o effeito de construcção e conservação de certas ruas, as consideram como estradas reaes ou municipaes, derivando-se naturalmente do espirito d'estas disposições, que não será fóra aos intuitos das mesmas leis a auctorisação de que se trata pois visa claramente a ampliar a mesma viação municipal.
Por estes fundamentos e polo mais que a vossa sabedoria facilmente supprirá, tenho a honra de submetter é vossa illustrada consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É auctorisada a camara municipal do concelho de Angra do Heroismo a desviar, annualmente e por espaço de seis annos, do fundo de viação municipal, a quantia de 2:000$000 réis para ser exclusivamente applicada á viação na parte urbana do mesmo concelho.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 18 de março do 1885. = Conde da Praia da Victoria = Pedro Rol crio Dias da Silva = Barão de Ramalho.
Admittido e enviado é commissão de obras publicas, ouvida a de administração publica.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal de Abrantes, pedindo providencias que obstem é crise agricola.
Apresentada pelo sr. deputado Avellar Machado e enviada á commissão especial de inquerito.

2.ª Da camara municipal do Crato, no mesmo sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado visconde do Reguengos e enviada é commissão especial de inquerito.

3.ª Dos officiaes de diligencias da comarca do Louvada, pedindo para serem retribui dos os serviços que têem a prestar nos processos de reclamação em materia de recrutamento.
Apresentada pelo sr. deputado Luiz de Lencastre e enviada é commissão de guerra, ouvida a de fazendo.

REUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que sejam remettidos é commissão de marinha os projectos de lei, pareceres de commissão, que foram apresentados nas sessões anteriores e que se acham na secretaria ,da camara dos senhores deputados, com relação ao augmento proposto das comedorias dos officiaes da armada. = João Eduardo Scarnichia, deputado por Macau.
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.º Do director, empregados e asylados do asylo industrial e agricola, D. Fernando II, em Albarraque, pedindo um subsidio do estado para que o dito asylo possa continuar a funccionar, pois que durante os vinte e dois mezes de sua existencia tem luctado com falta de recursos pecuniarios.
Apresentado pelo exmo. sr. presidente e enviado é commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

2.º De Antonio Crispiniano do Amaral, general de brigada reformado, pedindo melhoria de reforma.
Apresentado pelo sr. deputado Lobo d'Avila e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

3.º Requerimentos de Francisco Gomes Callado, capitão do regimento de cavallaria n.º 4; de Antonio Maria da Silva Monteiro, capitão de cavallaria n.º 8; de Antonio Augusto Quintino de Sá Camello, capitão de cavallaria n.º 8 ; de Domingos Antunes da Silva, capitão de cavallaria n.º 8; de Francisco de Albuquerque e Couto, capitão de cavallaria n.º 8; de José Maria de Gouveia Leite, capitão de cavallaria n.º 8; de Eduardo de Castilho, capitão de cavallaria n.º 4; do Antonio Manuel Martins da Rocha, capitão do cavallaria n.º 4; de José Gonçalves Macieira, capitão de cavallaria n.º 4 e de Julio Cesar de Campos, capitão do cavallaria, ajudante de campo do sr. general commandante da segunda divisão militar; pedindo todos que não seja attendido o requerimento do capitão de cavallaria Miguel de Sá Nogueira, sobre a contagem do posto de alferes de uma data anterior áquella que obteve pela lei de 21 de maio de 1872.
Apresentados pelo sr. deputado Baima de Bastos e enviadas á commissão de guerra

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

l.ª Declaro que faltei ás sessões dos dias 16, 17 e 18 o março por motivo de doença. = Francisco Roberto Mártens Ferrão.

2.ª Tenho a honra de participar que o sr. deputado Manuel Bento da Rocha Peixoto tem faltado ás ultimas sessões, e ha do faltar de mais algumas, por motivo de incommodo de saude.= Alfredo da Rocha Peixoto.
Para a acta.

O sr. Frederico Costa: - A deputação encarregada de apresentar a Sua Magestade um autographo do decreto das côrtes, desempenhou-se do seu encargo, tendo sido recebida pelo mesmo augusto senhor cem a sua costumada benevolencia.
O sr. Baima de Bastos:- Sr. presidente, mando para a mesa dez requerimentos de officiaes do exercito, capitães do cavallaria, pedindo, como já pediram outros seus camaradas, em requerimento que tive tambem a honra de mandar para a mesa, em sessão de 17 do corrente, para que não seja attendida a pretensão do capitão de cavallaria, Sá Nogueira.
Allegam os requerentes diversas rasões de incontestavel

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valor e que tornam bem evidente a camara quanto seria injusto o deferimento da pretensão do sr. Sá Nogueira, porque iria lesar os requerentes e outros seus camaradas, prejudicando-lhes os direitos adquiridos.
Não é agora occasião opportuna para expôr e desenvolver as diversas rasões allegadas pelos interessados, visto não haver ainda parecer em discussão sobre o assumpto; limito-me, por isso, a rogar a v. exa. que se sirva enviar os requerimentos á Commissão de guerra, para que esta os tenha presentes quando se occupar da pretensão do sr. Sá Nogueira.
Os requerimentos tiveram o destino indicado a pag. 816.
O sr. Lobo d'Avila: - Mando para a mesa um requerimento, do general Antonio Chrispiniano do Amaral, pedindo melhoria de reforma.
Deu-se-lhe o destino indicado a pag. 816.
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Abrantes, em que adhere a outras representações que aqui têem sido apresentadas, pedindo a esta camara se digne approvar a constituição das escolas agricolas, e ao mesmo tempo tomar algumas medidas que tenham por fim melhorar a agricultura nacional, e em especial a do districto de Santarem.
Aproveito a occasião para mandar tambem para a mesa a participação de se achar constituida a Commissão de inquerito parlamentar agricola, e juntamente uma proposta para que sejam aggregados á mesma Commissão os srs. deputados Carrilho, Estevão de Oliveira e Lopes Navarro, cuja competencia n'este assumpto é do todos bem conhecida.
A representação teve o destino indicado a pag. 816.
Segue a

Participação

Declaro que se acha constituida a Commissão de inquerito parlamentar á crise agricola por que o paiz está atravessando, tendo nomeado para presidente o sr. Luiz de Lencastre, vice-presidente o sr. José Maria dos Santos e secretario o sr. Henrique Mendia. = Avellar Machado.
Para a acta.
Leu-se a seguinte

Proposta

Proponho que sejam aggregados á Commissão de inquerito parlamentar á crise agricola os srs. deputados Antonio Maria Pereira Carriiho, Estevão de Oliveira e Lopes Navarro. = Avellar Machado.
Considerada urgente foi em seguida approvada.

O sr. Luiz de Lencastre: - O sr. visconde de Alentem, ausente d'esta casa por motivos justificados, encarregou-me de apresentar á camara uma representação dos officiaes de diligencias da comarca de Louzada, na qual se dizem prejudicados pelas disposições dos artigos 20.° e 21.° da carta de lei de 21 de maio do anno findo.
Pedem os representantes para que lhes seja auctorisado o pagamento das diligencias praticadas nos processos de recrutamento.
Sem comprometter a minha opinião pelo facto de apresentar esta representação, eu peco a v. exa. se digne dar-lhe, o destino conveniente.
Teve o destino indicado a pag. 816.
O sr. Urbano de Castro: - Mando para a mesa um projecto de lei, que tem por fim tornar extensiva aos escreventes do estado menor do arsenal da marinha a lei de 27 de julho de 1882, que concedeu aos escreventes das capitanias dos portos 40 por cento de augmento nos seus vencimentos, quando contem, dez annos de serviço effectivo e 70 por cento aos vinte annos.
A situação dos requerentes é deveras precaria pela exiguidade dos seus vencimentos, e por esta consideração é que formulei o projecto de lei, que tenho a honra de mandar para a mesa.
Ficou para, segunda leitura.
O sr. Luiz Osorio: - Pedi a palavra porque desejava, chamar a attenção da camara e de v. exa. para a necessidade urgentissima de se constituir com a possivel brevidade a Commissão que, por grande maioria d'esta casa, se deliberou fosse nomeada, para estudar com toda a attenção que o assumpto reclama, a grave questão cerealifera; questão que é muito complexa, como v. exa. sabe, e em que se debatem muitos interesses. Mas, a ordem de considerações que tencionava fazer sobre o assumpto deixou de ter opportunidade, desde que vi o sr. Avellar Machado declarar que a Commissão se achava constituida, tendo nomeado para seu presidente o sr. Luiz de Lencastre.
N'estas condições, e em nome do circulo de Santarem, que represento n'esta casa, aproveito a occasião para pedir ao sr. Lencastre, que se digne, com os seus collegas, abreviar, quanto possivel, os trabalhos dessa Commissão, porque, como disse e repito, a questão é gravissima e de ordem tal que de todos os pontos do paiz têem chovido a esta casa do parlamento reiteradas representações, reclamando providencias.
O assumpto pede, portanto, uma solução prompta e clara; e visto que eu me acho n'esta casa para pugnar pelos interesses do meu paiz em geral, e, nomeadamente, para zelar os interesses dos meus constituintes, que se encontram seria e legitimamente empenhados n'esta questão, a ninguem poderá ser extranho que, sempre e constantemente, eu chame, se for necessario, a attenção da commissão para este assumpto.
Mais ainda: espero dever a v. exa. e á camara a justiça de acreditarem que não faço estas repetidas considerações unicamente porque pertença a uma familia de lavradores, justiça que me não fez alguem fóra d'esta casa.
Ora, na minha curta vida publica, creio eu que ainda não forneci prova alguma, em presença da qual similhante insinuação possa justificar-se. (Apoiados.)
Declaro ainda a v. exa., para terminar, que recebi hoje um ofiicio da camara municipal de Santarem, em que se me pede que inste de novo aqui para que appareça ao exame do parlamento, com a maior brevidade, um parecer ácerca da proposta apresentada pelo sr. Aguiar, relativa á creação das escolas praticas de agricultura; e isto na certeza de que, logo que a proposta se converta em lei, Santarem seja contemplada com uma d'essas escolas, por isso que é tambem um dos principaes, focos da agricultura em Portugal.
Peço, pois, a, maior urgencia sobre este assumpto, porque toda a camara sabe quaes as importantes vantagens que em todos os paizes, e principalmente na Italia, se têem obtido d'estas escolas, fazendo desapparecer os processos agricolas rotineiros.
Creio que nem sou impertinente fazendo estas considerações, nem ultrapasso os limites do meu mandato. Muito ao contrario de tudo isso.
Nada mais direi, attenta a declaração feita ha pouco pelo sr. Avellar Machado.
O sr. Lencastre: - Pedi a palavra para declarar ao illustre deputado, que da minha parte, e estou convencido que da parte dos meus collegas da Commissão, ha de haver todo o zelo e diligencia para attender aos desejos de s. exa.
O sr. Correia Barata: - Por parte da Commissão de fazenda, mando para a mesa o parecer sobre o projecto de lei n.° 100, da iniciativa de alguns srs. deputados, apresentado na sessão passada e renovado n'esta, a fim de que sejam isentos de direitos de tonelagem e outros, os navios que costumam aportar às ilhas dos Açores e Madeira.
N'esta occasião abstenho-me de fazer quaesquer considerações em favor da justiça d'este projecto, por isso que não se trata ainda da sua discussão; direi apenas que elle é de uma altissima e consideravel vantagem para o commercio, d'aquellas ilhas.
A imprimir.
O sr. Eduardo Coelho: - Não me chegando a palavra

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antes da ordem do dia na ultima sessão, faço joje uso d'ella para agradecer ao sr. ministro das obras publicas a resposta que que dignou dar-me; e ao mesmo tempo para significar-lhe que registo a promessa que s. exa. fez de que attenderia ás requisições que em nome da junta geral do districto de Bragança, tive a honra de fazer na ultimasessão.
E visto que estou com a palavra, chamo a attenção sr. ministro das obras publicas para a estrada destinada a ligar Bragança a Chaves.
Escuso demonstrar a importancia d'aquella estrada, ninguem desconhece; e, apesar d'isso, tendo ella commeçado a partir de Vinhaes para Chaves em 1882, conta quasi 6 kilometros construidos!
São poucas todas as minhas admirações.
No longo periodo de tres annos, não se póde progredir mais rapidamente.
E deixando a ironia, que seria aqui pungente, digo muito seriamente ao sr. ministro, que o facto narrado é eloquente e mostra a incrivel morosidade com que os trabalhos publicos se realisam n'aquelle desventurado districto.
Este facto, que de per si só é significativo, tem maior importancia, se o compararmos com outros, que são da maior e mais accentuada responsabilidade, e o responsavel é o governo, ou quem dirige e superintende as obras publicas n'aquelle districto, ou ambos.
Procuro colligir informações, dados offieiaes, que confirmem ou desmintam as apprehensões, que tenho a respeito, e se, por infortunio meu, as vir confirmadas,apreciarei com muita severidade o procedimento do sr. ministro das obras publicas e do seu delegado no districto de Bragança, conforme o quinhão de responsabilidade, que a cada um tocar, porque quero e devo, primeiro que tudo ser justo.
Tenho fundadas suspeitas de que o disiricto de Bragança foi dotado com uma verba relativamente importante para estradas no anno de 1882 a 1883, e no orçamento de 1883 a 1884; mas consta-me tambem que as verbas votadas n'aquelles orçamentos não foram gastas, sendo-lhes dada outra applicação.
Isto é muito grave.
N'aquellas epochas, e talvez como premio de consolação por termos feito á Hespanha o presente de 2.700:000$000 réis para caminhos de ferro, quizeram aquietar as resistencias dos povos, e apparentaram de generosos.
Passa o perigo, e retira-se do orçamento para outro fim, o dinheiro votado para obras publicas no districto de Bragança!
Aquelle districto, tão empobrecido, tão fiel e tão honrado nos seus comprimiussos para com o estado, obtem que o parlamento lhe vote certas sommas para serem dispendidas em estradas, e depois burlam-no, e gastam quantiamuito inferior!
São estas as suspeitas que tenho.
Realisam-se, pois, melhoramentos em proporções inferiores aos meios votados pelo parlamento.
Torno a repetir: este facto é muito grave.
E assim aquella quantia ou foi distrahida para outras applicacões, ou quem dirige as obras publicas n'aquelle districto não fez a tempo as devidas requisições, a fim de se consumir neelle as verbas que o orçamento tinha designado para se applicarem a melhoramentos n'aquelle districto.
Já v. exa. vê que este facto é de grande responsabilidade.
Mas eu não quero alongar-me agora em considerações, porque aguardo que as minhas suspeitas se realisem, ou se desvaneçam, para tratar o assumpto com a devida largueza.
O que agora me preocupa é o facto já denunciado, relativo á estrada de vinhaes a Chaves, a qual iniciada em 1882, tem só 6 kilometros, pouco mais, ou menos.
Eu já disse que heide tratar largamente a questão da viação publica no districto de Bragança, e por isso não me alongo em grandes considerações n'este momento. Limito-me a chamar muito encarecidamente a attenção do sr. ministro para a morosidade nos trabalhos da estrada de Vinhaes a Chaves.
Este concelho, outr'ora rico, atravessa uma crise medonha; a fonte principal da sua riqueza, o vinho, estancou; os capitaes só podem obter-se a juros enormissimos; os pequenos proprietarios estão reduzidos á condição de operarios. Magoa-me até descrever tamanhas miserias, porque me impressionam vivamente. Reitiro pois, os meus pedidos quasi ao governo, na certeea de que brevemente voltarei ao assumpto no desempenho dos meus deveres parlamentares. Nunca me sinto tão satisfeito como nos momentos em que advogo, consoante os meus poucos recursos, a causa dos que soffrem, e têem direito a que os poderes publicos lhes minorem o soffrimento.
Tenho dito por hoje. (Apoiados.)

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 10 bill de indemnidade

O sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao sr. relator do projecto, para continuar o seu discurso, permitta-me a camara uma observação.
Sabem todos que na ultima sessão irritou-se um pouco o debate e eu, com aquella serenidade de animo que é propria da minha idade e que os deveres do cargo me aconselham, peço hoje aos oradores de um e outro lado da camara, tão distinctos pelo seu talento brilhante e esperançoso, que se abstenham de phases e allusões que, sendo contesideradas como pouco conveniente, em nada concorrem para bem da causa publica, e antes podem produzir consequencias desagradaveis.
É licito discutir com mais ou menos vehemencia e até com severidade, mas sem melindrar adversarios. É assim que se honra o systema parlamentar.
Permitta-me tambem a camara que mais uma vez eu lhe lembre que o nosso regimento prohibe trazer para os debates a pessoa do augusto chefe do estado, assim como discutir as opiniões emittidas na outra casa do parlamento, ou as pessoas dos dignos pares.
É neccessario e conveniente que de todos os lados da camara se observe esta disposição, que é a do artigo 102.° do regimento. (Apoiados.)
Tem a palavra o sr. relator da commissão para continuar o seu discurso.
O sr. Franco Castello Branco (continuando o seu discurso interrompido na sessão anterior): - Sr. presidente, um incidente tão inesperado como desagradavel obrigou-me a fazer uso da palavra no final da sessão de quarta feira.
E cabendo-me, mais do que a nenhum outro membro d'esta camara, o dever de propugnar pela doutrina que se sustenta no parecer da Commissão especial e defender o projecto que está em discussão, dever que é ao mesmo tempo pesadissimo encargo, cheio de difficuldades, pela illustração e talento dos meus adversarios, aproveito a occasião de estar com a palavra para responder a varias arguições que nos têem sido feitas pelos oradores d'aquelle lado da camara, que se me seguiram no uso da palavra, e depois de haver respondido ao sr. Beirão. Esses oradores, em numero de tres, foram pela sua ordem, o sr. Simões Dias, que combateu principalmente a reforma do exercito; o sr. Correia de Barros, que se occupou mais com o alargamento do quadro dos officiaes da armada; e o sr. Carlos Lobo d'Avila, que atacou a tudo e a todos, com o desplante, a phrase é de s. exa., de quem não

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procura, pelo respeito com que trata os outros, conquistar a estima para si proprio.
Antes, porém, de entrar na analyse d'esses discursos, é-me licito e necessario, para restabelecer a verdade das minhas affirmações, e para tornar bem claro e nitido o pensamento da Commissão, de que tenho a honra do ser relator, que eu volte a defender o parecer nos tres pontos em que elle foi mais vivamente atacado.
Estranhou-se muito, sr. presidente, que no parecer da commissão e no discurso que tive a honra de proferir outro dia n'esta casa, eu declarasse que não pretendia justificar o acto dictatorial praticado pelo governo, forcejando apenas por demonstrar que rasões e factos havia, fortes e sufficientes, para que o governo, devesse ser relevado da responsabilidade em que incorrera pelas medidas dictatoriaes, e para que estas medidas merecessem ser confirmadas pela camara.
Sr. presidente, a opposição seguindo-se-me no uso da a palavra, conclamava: Que deffensores são estes do governo, que principios tão extraordinarios se apresentam e allegam por parte do relator da commissão, em favor dos actos praticados pelo governo e do bill que lhe querem conceder?! Pois não queimam incenso em volta dos dictadores, pois não cantam hymnos de louvor pelos actos praticados?!
Parece que aquelle partido que se chama progressista quer affirmar mais uma vez, que é muito menos progressista do que nós, que nos sentâmos d'este lado da camara! (Apoiados.)
Eu procuro sempre, quando faço qualquer affirmação n'esta casa, não confiar unicamente no meu espirito e no meu raciocinio; vou buscar aos livros e discursos dos homens cuja illustração, saber e serviços lhes crearam auctoridade incontestavel, uma opinião perfeitamente em harmonia com a que venho trazer á camara.
Foi o que pratiquei n'esta occasião, e para responder aos illustres deputados que tanto estranharam o não haver justificado o procedimento do governo assumindo a dictadura, para lhes mostrar que não tinhamos senão um de dois caminhos a seguir, desculpar o governo concedendo-lhe o bill proposto, ou negar-lho, fazendo-o vergar assim debaixo da responsabilidade constitucional e politica que lhe cabe, eu vou ler á camara o trecho de um discurso celebre feito por um dos homes mais eminentes d'este paiz, homem que temos a honra de ver como nosso collega n'esta casa, o sr. Dias. Ferreira.
O sr. Dias Ferreira, dictador elle mesmo em 1870, affirmava aqui os principios que eu agora sustento.
Dictador, se não em condições mais melindrosas, incontestavelmente em condicções de mais ampla dictadura do que a do actual governo, o sr. Dias Ferreira, combatendo o pro domo sua, dizia:
«Nas largas e repetidas discussões que têem havido nas nossas assembléas politicas sobre dictaduras, aquelles mesmos que relevam da responsabilidade os dictadores, são os primeiros que empregam palavras as mais severas para condemnar estas administrações anormaes, como verdadeiros attentados contra o systema representativo. Até a formulado bill significa que as dictaduras são em todas as circumstancias contrarias aos principios, e que nunca podem tornar se legitimas. O dictador em caso nenhum é declarado irresponsavel, por mais relevantes que tenham sido os serviços da dictadura; é apenas relevado da responsabilidade. Mesmo no perdão pelo uso da dictadura se sancciona e reconhece o principio da responsabilidade do dictador.»
Isto dizia em 1870 n'esta casa um homem tão notavel como o sr. Dias Ferreira, que, defendendo-se a si proprio, se via collocado em face da opposição parlamentar na mesma situação em que se encontra agora o sr. Fontes.
Se não era. então ministro, defendia os actos que tinha praticado como ministro e como dictador.
Acrescentava s. exa. a breve trecho:
«Não é de certo nas theoriasdos publicistas, nem nos livros de philosophia, ou do direito publico constitucional, que hão de ir procurar-se os principios e os argumentos para desculpar as dictaduras é nos factos e nas circunstancias; que acompanharam o exercicio d'essas mesmas dictaduras; e cada um tem obrigação de transportar-se á epocha em que foi tomada e exercida a dictadura, se quizer avaliar com cordura e imparcislidade o procedimento dos dictadores, e os bens ou os males que elles fizeram ao paiz.»
Estes é que são os principios, esta é a doutrina verdadeiramente constitucional, (Apoiados.) este é que é o credo liberal em que nós todos devemos jurar. (Apoiados.)
Não se justificam dictaduras.
Examinam-se os factos, a fim de verificar se effectivamente houve necessidade de assumir a dictadura, e se os beneficies que d'ella resultaram são de ordem a convencer a camara, de que deve ser relevado o governo da responsabilidade era que incorreu, não recuando diante d'essa responsabilidade para attender aos interesses do paiz.
Foi n'esta doutrina que eu communguei. Se commetti um erro, se commetti uma falta, declaro á camara que me sinto desde já com a melhor vontade de tornar a pecar, visto que o fiz em tão boa companhia.
Outra affirmação fiz tambem, quando da outra vez usei da palavra n'esta casa.
Affirmei então, e affirmava-o já o parecer da commissão, que os precedentes, que os actos dictatoriaes praticados por todos os partidos e por quasi todos os ministerios, como se vê pela nossa historia constitucional eram um argumento, não para justificar o governo, que não quero justificar, mas para influir no nosso espirito e determinal-o no sentido da conveniencia em se conceder ou não ao governo o bill de indemnidade.
E n'este ponto fui principalmente combatido pelo sr. Correia de Barros, que sinto não ver presente, mas a quem desde já agradeço as phrases benevolas que me dirigiu, e que são apenas filhas da sua aprimorada educação e do seu nobilissimo caracter. (Apoiados.)
Perguntava-me s. exa.: Pois os erros e os crimes de hontem podem desculpar os erros e os crimes de hoje? E s. exa. appellava até para o meu procedimento nós tribunaes, quando ahi representava o ministerio publico.
É necessario não confundir; é necessario que as analogias, para que possam servir de argumento, tenham toda a rasão de ser, e sejam fundadas no bom senso e na verdade. Não ha erro nem ha crime no procedimento do governo.
E não ha crime nem erro no procedimento do governo porque?
Porque o governo sabia bem, quando publicou os decretos dictatoriaes, que excedia a orbita das suas funcções, que invadia as attribuições do poder legislativo, mas determinando-se, por interessas do paiz, que julgava momentosos, não duvidou tomar a responsabilidade d'esses actos, vindo agora pedir ao parlamento o indispensavel bill de indemnidade. Se esse lill lhe for concedido continuará á frente dos negocios publicos; se lhe for negado retirar-se-ha, mas tranquillo, bem com a sua consciencia, por ter caído em virtude de um acto com que julgou prestar um relevante serviço ao seu paiz. (Apoiados.)
Mas o que é o precedente parlamentar? É necessario effectivamente não abusar d'este systema de argumentação, lançando mão de todos os precedentes parlamentares, principalmente quando elles não tenham senão o caracter pessoal.
Mas o verdadeiro precedente parlamentar o que é? Que força póde ter n'uma discussão qualquer esse processo de investigação? O precedente parlamentar faz parte da historia de um partido; o precedente parlamentar representa as tradições d'esse partido, tem o valor, dos homens que o praticaram, e do partido que os apoiou.

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quando por exemplo eu me refiro um acto praticado pelo sr. José Luciano de Castro, apoiado pelo seu partido, trago a auctoridade de s. exa. e ado partido progressista em favor da minha argumentação. E ninguem me póde contestar a bondade d'este processo, porque todo e qualquer partido que engeita a sua historia e repudia as suas responsabilidades, por este simples facto deixa de ser um partido, para ficar unicamente uma aggregação de homens irrequietose desvairados. (Apoiados.)
Pois é só vir aqui atroar os ares com nomes gloriosos que são realmente gloria e honra d'este paiz, como o marquez de Sá, e duque de Loulé?
Porque é que esses homens ficaram glorificados e honrados na nossa historia? Pelos seus actos e pelos seus feitos. É claro, pois, que glorificando os homens, acatâmos os actos por elles praticados.
Quando eu digo que em 1869 o marquez de Sá da Bandeira praticou uma dictadura, não quero significar que esse acto é um crime, nem discutir a sua memoria. Quero apenas trazer em favor do governo, que defendo, a auctoridade de um homem que deixou de si tão grande nome que é talvez o caracter mais justo, o espirito mais severo do Portugal contemporaneo. E no emtanto foi tambem dictador, e em circumstancias e condições de bem maior responsabilidade que o actual governo.
Já outro dia o demonstrei, e não vi ainda que as minhas affirmações fossem combatidas de forma que me obriguem a defendel-as. Para não ser prolixo, e para não tomar tempo á camara, que precisa d'elle para tratar de outros assumptos, não voltarei mais a este ponto. O que digo, é que os precedentes parlamentares têem o valor e a auctoridade dos homens que os praticam e dos partidos, que os apoiam. (Apoiados.)
Ha um terceiro facto que tambem a opposicão progressista não tem querido apreciar pela fórma e com o valor com que foi aqui apresentado.
Disse a commissão no seu parecer, dizia já o governo no relatorio da sua proposta de lei, e affirmei eu quando tive a honra de fallar pela primeira vez n'esta discussão que os dois decretos dictatoriaes de 19 de maio não fizerão mais do que reproduzir textualmente o conteudo de propostas de lei apresentados pelo governo n'esta casa o anno passado, discutidas aqui, e approvadas pelas commissões respectivas da outra casa do parlamento.
Diz-se, e quer-se tirar como consequencia d'esta allegação, que foi trazida perante a camara para ilucidação do debate, que por esta fórma nós annullâmos a camara dos dignos pares. Já ouvi dizer até que se substituia essa camara por uma especie de commissão de salvação publica!
Ha n'isto um manifesto desvario. Allegando esta circumstancia ninguem pretende tirar ás cousas o valor que lhes pertence. Somos os primeiros a confessar que houve infracção da constituição e das leis do paiz.
Mas qual é então o valor que tem o facto a que me refiro? Apenas este: que o governo, praticando um acto irregular, mas que interpretou o sentimento nacional, a opinião publica, a vontade da primeira casa do parlamento, e a presumpção do vontade do outro corpo legislativo incorreu em menor responsibilidade do que em todas e dictaduras que se têem feito. (Apoiados.) É por isso que eu declarei n'esta casa, que nunca a camara dos senhores deputados se encontrou em face de uma dictadura, que merecesse mais benevolencia da sua parte. (Apoiados.)
Posto isto, e estabelecido o que me parece ser a verdade, sobre estes tres factos que eu já tinha apresentado, passo agora propriamente a responder aos discursos dos tres oradores, a que ha pouco alludi.
Referir-me-hei primeiramente ao discurso do sr. Carlos Lobo d'Avila, por isso que estando mais presente ao espirito d'esta assembléa a impressão d'esse discurso, não quero deixar sem resposta a parte que é respondivel.
Dizia s. exa. na sessão de quarta feira, entre os applausos dos seus amigos, que não comprehendia senão duas especies de dictaduras. Dictaduras a valer e dictaduras para rir. E dizia isto em phrase breve, de commando, em tom tambem de dictador, (riso) com uma energica decisão, que tanto póde vir de um espirito estoico e radica, como de uma creança que se excarapita nos bicos dos pés para poder parecer um homem. (Riso.)
E commentava. «Dictaduras a valer são as que encarnam o espirito da revolução triumphante; dictaduras para rir não significam, não denunciam mais que a decadencia do systema parlamentar.»
Ora, ha exactamente tres annos, que um dos espiritos mais levantados que tem havido n'este paiz, um dos homens que mais saudades deixou no partido a que pertencia, o sr. Saraiva de Carvalho, praticou uma dictadura que nem era por fórma alguma a encarnação de uma revolução triumphante, nem representava de certo a decadencia do systema parlamentar. Era unicamente um limitado acto de administração, cuja bondade eu agora me abstenho de discutir, por estranho ao meu proposito.
O mesmo da dictadura de 1869, tantas vezes trazida severo a esta discussão, e da responsabilidade de Sá da Bandeira.
Mas que valem estes homens ao pé do sr. Carlos Lobo Lobo d'Avila?! Pois não dizia elle, sempre nos bicos dos pés, ao sr. presidente do conselho: «Va-se embora, pois não tem já energia para luctar.» E talvez não tenha, talvez. Mas no que s. exa. de certo concorda, é que elle tem uma inexgotavel paciencia! (Riso.) E continuando, exclamava:
A esta dictadura já se chamou a dictadura da vaidade, mas é necessario acrescentar mais alguma cousa: não é que só dictadura da vaidade, é tambem a dictadura do interesse! Ora, se eu quizesse fazer phrases, podia tambem chamar a esta opposição, que se nos está fazendo, a poosição do despeito e da impotencia! (Muitos apoiados.)
Agora o que não hei de deixar sem aspera censura, é a accusação que se veiu fazer aqui ao ministro da guerra e guando ao exercito portuguez, de que o primeiro comprou e o segundo vendeu a troco de promoções as suas sympathias e addesões. (Apoiados.)
E quem faz esta accusação severa, quem é o puritano austero e rigido, que assim aggride o ministro da guerra e a mais poderosa corporação do paiz?
De onde lhe veiu a auctoridade para tanto ousar?
Será o sr. Luciano de Castro, o trabalhador indefesso, o experimentado ministro de 1869?
Será o sr. Barros Gomes, espirito illustrado e profundo, que tem as sympathias de toda esta assembléa? (Apoiados.)
Será ainda o sr. Emygdio Navarro, numa d'essas explosões do seu temperamento á Danton?
Nada d'isso: simplesmente um mocinho inberbe, de fórmas ainda incompletas, nascido apenas esta madrugada para a rhetorica do seu partido!
Mas não para aqui.
Sempre dogmatico e sempre imperativo proseguia: Reformas ou completas ou nada!
S. exa. ha de ser o salvador do paiz, pois que em tão verdes annos tem já sobre todas as cousas da administração publica idéas tão profundas como esta! É verdade que poderiamos lembrar-lhe, que a reforma da engenharia e da artilheria do sr. conde de Valbom não foi uma reforma completa.
Que em 1864 dois ministros progressistas publicaram medidas reformando o exercito, mas estiveram longe de fazer uma reforma completa.
Que a França começou em 1870 a reorganisação do seu exercito, e que ainda hoje não a tem completa.
Que a Allemanha não deve os seus triumphos ás reformas completas ou nada, mas que desde o grande Stein até hoje o exercito tem passado por transformações successivas (Apoiados.).

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Mas para que chamar todos estes homens illustres e defrontal-os com o sr. Lobo d'Avila?
Não se lembra a camara do menino entre os doutores? Porque e não repetiria o milagre?
Abalisado cultor das letras patrias é elle já. Nos relatorios faz maior destruição que um Atila de ... borboletas! (Riso) veiu á camara o relatorio de fazenda do sr. Hintze Ribeiro, um dos homens novos, mais considerados na politica portugueza, trabalhador dos mais tenazes, e de uma seriedade perfeitamente germanica, para me servir de uma expressão de Camilo Castello Branco; pois nem esse escapou ao prurido litterario do jovem deputado.
Vem o relatorio da commissão militar, em que está assignado um dos homens mais distinctos do seu partido, e s. exa. atira-se a elle como S. Thiago aos mouros. (Riso.) forçoso é concluir, ou que o sr. visconde de S. Januario, que me está ouvindo, assignou sem ler, ou então tem de compartilhar das ironias do illustre deputado.
S. exa., no seu furor de combater tudo e a todos, combateu até os de casa. (Riso.)
Quanto a mim, posso Ter presumpção em tudo; presumpção litteraria não a tenho, porque os trabalhos e os estudos a que me dedico, não me permittem cultivar, especialmente a litteratura. Entretanto sempre me parece que não valia a pena da parte de s. exa. vindo aqui discutir a fórma do meu parecer, tanto mais que lhe não discutiu as idéas; porque de todos os membros da opposição progressista, que têem tomado parte n'este debate, o único que não se referiu a nenhum dos factos por mim affirmados no parecer, nem a nenhum dos argumentos por mim adduzidos, foi exactamente o sr. Carlos Lobo d'Avila. É que s. exa. tem o prurido da litteratura janota. (Riso.) E digo isto por que não conheço outra expressão que traduza melhor o meu pensamento.
Eu vi, por exemplo, que o sr. Simões Dias, tendo lido o relatorio da commissão militar, o relatorio de fazenda, e o meu, e em quanto a este, não pela consideração que lhe merecesse, mas pela necessidade da discussão, o sr. Simões Dias, que é distincto entre os mais distinctos dos nossos homens de letras (Apoiados.) discutiu tudo, mas não discutiu a fórma litteraria d'esses relatorios. (Apoiados.)
Por isso, sr. presidente, quando vi o sr. Lobo d'Avila entretendo-se com os nossos relatorios, achando uns campanudos e outros hirtos e seccos, vieram-me á lembrança aquellas pequeninas bolas de sabão brilhantes e iriadasde cores, mas que o vento leva e por si mesmas se desfazem. (Riso.)
As contradições dos homens politicos merecceram tambem a s. exa. não censura acremente, mas jocosamente.
A este ponto é preciso responder seriamente, porque quando se accusa um homem publico, da importancia do sr. Fontes, de ser contradictorio sobre pontos de administração, sobre medidas de governo, é necessario examinar seriamenteas rasões que elle teria para mudar de opinião, e ver se isso importa um motivo de descredito e de desconsideração para s. exa., ouse, pelo contrario, é uma fatalidade que succede a todos os homens que durante um longo periodo de tempo, se conservam á frente dos negocios publicos.
Havemos de ver se isto representa uma falata de caracter, ou se, pelo contrario, representa uma consequencia fatal, uma necessidade dos acontecimentos. (Apoiados.)
Não é só no nosso parlamento que os homens do governo são victimas d'estas accusações.
Ha pouco tempo, no parlamento allemão, discutia-se uma lei de imposto sobreos cereaes, uma lei proteccionista, e da iniciativa do principe de Bismarck.
Ora, succedia que o sr. de Bismarck, hoje proteccionista, foi em tempo convicto livre cambista. Levantou-se no parlamento o sr. Bamberg, e, como agora o sr. Lobo de Avila, lançou em rosto ao ministro a sua contradicção.
O principe de Bismarck respondeu: « esforçou-se o sr. Bamberg por me põr em contradicção commigo mesmo, citando os meus antigos discursos, o que era inutil e em nada muda a situação.
«Ha uma multidão de pessoas que durante todo o decurso da sua vida nunca tiveram mais que uma única idéa, só esses jamais se contradizem, e não faço parte d'elles, de contrario, aprendo sempre.»
nada acrescentarei a estas viris palavras. Fique a prosa do sr. de Bismarck ao serviço das contradicções do sr. Fontes, tornando-se certo que se não póde estar no governo muitos annostendo sempre as mesmas idéas, e que se não devem sacrificar a um prurido de coherencia as necessidades do paiz. (Apoiados.)
o que ha realmente a censura é o proceder dos homens que mudam todos os dias de opinião (Apoiados,) e que nunca se sabe o partido a que pertencem. Apoiados.)
para esses homens toda a ironia é pouca, (Apoiados.) com esses é que não deve haver contemplação.
Sou inimigo dos accordos, já o disse, não ha muito n'esta casa. Sou inimigodos accordos, e na segunda vez que tive a palavra n'esta camara combati até a idéa de um ministerio de acalmação, por me parecer mais ou menos a sombra de um accordo. Mas declaro que ha um accordo que eu faria, e ao qual me entregava de alma e coração, um accordo que varresse dos partidos os homens que já form alcunhados de cometas errantes da politica portugueza. (Muitos apoiados.)
Os actos dictatoriaes são quatro, de differente natureza e de differente especie. Por um auctorizou-se o governo a pôr em vigor uma lei de 1854, ou 1855, sobre as medidas a tomar por accasião da invasão do cholera no paiz.
Quanto ás despezas agora feitas para impedir a invasão da epidemia, já outro dia, respondendo ao sr. Beirão, a quem sempre hei de respeitar pela lealdade do seu caracter, opineique não me parecia este o momento mais opportuno para se tratar de tal assumpto. Logar mais propriopara o fazer me parece o orçamento rectificado, mesmo para evitarmos este gasto inutil de tempo em discutir cousas que necessariamente, e com muito maior opportunidade, terão de vir mais tarde ao nosso exame.
Mas, perguntou-nos o sr. Carlos lobo d'Avila: «Quem nos affirma que se discutirá o orçamento rectificado?»
Eu vou responder a s. exa., mas em logar de o fazer com rasões que poderão satisfazer a s. exa., fal-o-hei com factos irrecusaveis e eloquentes.
Tomarei o periodo dos ultimos vinte e quatro annos da nossa historia constitucional, doze dos quaes são da responsabilidade do partido regenerador, e os outros são da responsabilidade do partido regenerador, e os outros doze da responsabilidade do partido progressista, juntamente com o sr. duque d'Avila e com o sr. Dias Ferreira. Ora, annalysando á vista dos dados officiaes o que então succedeu relativamente ao orçamento, acha-se que os ministerios regeneradores discutiramem dez exercicios o orçamento, deixando só de o discutir em dois, ao passo que todas as outras administrações o discutiram em quatro, deixando de o fazer em oito!
Que autoridade tem, pois, o partido progressista para nos perguntar se havemos de discutir o orçamento? (Apoiados) Pois os nossos precedentes constitucionaes não respondem bem eloquentemente? (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, o sr. carlos Lobo d'Avila, ouvindo-me affirmar que a auctorisação concedida por lei de 3 de agosto de 1869 ao governo do partido historico, então no poder, para reformar todos os serviços publicos, fazendo apenas reducção nas despezas, era uma verdadeira dictadura, acoimou-se de heretico.
Ainda aqui me succedeu que, por confiar pouco em mim, fui socorrer-me de uma auctoridade que me merece grande consideração, e que aos membros do partido progressista deve merecer alguma. Refiro-me outra vez ao sr. Dias Ferreira.

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S. exa. n'esse discurso celebre de 1870, e chamendo-lhe celebre porque nunva vi acto nenhum minesterial defendido contanto vigor, com tanta logica e com tanta ironia para os seus contrario, dizia:
«Tem havido muitas dictaduras no nosso paiz depois da implantação do systema constitucional, e desde 1868 temos tido duas dictaduras por anno, contando as dictaduras auctorisadas pelo corpo legislativo. Quando as côrtes concedem auctorisações illimitadas, delegando as suas funcções no poder executivo, criam inquestionavelmente uma vê dadadeira dictadura. (Apoiados.)»
Quero, pois, ser condenmado pelos deputados progressistas, mas hão de tambem condemnar o sr. Dias Ferreira, e se o fizerem, nada me importa, porque antes quero ir na companhia d'elle, do que na companhia do illustre deputado. (Riso.)
Mas, dizem os nossos adversarios, como se deverá então chamar á auctorisação concedida ha dias ao sr. ministro da fazenda para reformar as alfandegas? Temos nova dictadura? Eu respondo, e mais uma vez encostado ao mestre, pois que, não tendo a felicidade de convencer os membros do partido progressista, quero ver se com a opinião do sr. Dias Ferreira o consigo.
Dizia o sr. Dias Ferreira: «Dizerem as côrtes ao poder executivo: Faça o que quizer, com a condição unica de reduzir a despeza publica, e sem marcar base alguma para a reforma, o que significa senão uma dictadura?»
Ora, foi exactamente o que não aconteceu com a auctorisação concedida ao sr. ministo da fazenda para reformar as alfandegas; o governo teve o cuidado de indicar á camara quaes as bases em que essa reforma teria de ser feita, e a camara, concedendo a auctorisacão, marcou as bases para poder ser usada. A paridade, portanto, não é mesma.
E quer v. exa. e a camara saber qual foi o uso que fez o partido progressista d'essa auctorisação, concedida em de agosto de 1869, auctorisação que constituia uma verdadeira dictadura, na opinião do sr. Dias Ferreira, opinião que acato com o maior respeito? Vejamos se os factos praticados á sombra d'essa dictadura não tiveram outra importancia e outra latitude do que estes praticados agora pelo actual governo.
(Leu.)
Pergunto a v. exa. se os homens que exerceram tão largamente essa dictadura, porque o é, podem vir para aqui atacar e descarregar todas as suas iras contra o governo que ali está sentado n'aquellas cadeiras. (Apoiados.)
Por encargo que a mim mesmo impuz, julgando, como julgo, ser essa uma obrigação impreterivel da minha parte, disse que não responderia simplesmente ao discurso do sr. Lobo de Avila, mas tambem a alguns pontos dos discursos dos dois illustres deputados, que muito considero, os srs. Simões Dias e Correia de Barros, na parte em que s. exas. não obtiveram ainda resposta dos membros da maioria d'esta camara que hão usado da palavra.
O sr. Correia de Barros dirigiu principalmente os seus ataques contra o alargamento do quadro dos officiaes da armada, e disse, fundado unicamente em certos dados estatisticos, que a Inglaterra, a Hollanda, a Allemanha, a Noruega, a Dinamarca, e emfim quasi todos os paizes que têem marinha de guerra mais desenvolvida, todos contavam uma percentagem de officiaes, por navio, muito inferior á nossa!
Sou o primeiro a reconhecer que s. exa. é incapaz e avançar uma asserção menos propria e menos exacta; mas s. exa. podia ter sido enganado pela estatistica de que lançou mão.
Disse s. exa. que a Inglaterra tinha a percentagem de 4 officiaes por navio!
Desde já peço desculpa á camara de estar fallando n'estes assumptos, que são estranhos á minha profissão, mas como me encarreguei de relatar esta proposta de lei, tive o cuidado de tomar algumas informações com officiaes da armada muito distinctos, e que me deram as indicações que vou apresentar.
A Inglaterra, é sabido, 5 de sciencia vulgar, que tem da metade ou quasi metade da sua esquadra, sempre desarmada, nos portos e docas, e que só em tempo de guerra, é que todos estes vasos são competentemente tripulados; exactamente o contrario do que succede comnosco, paiz pobre, que vive constantemente dominado pela questão de fazenda, que é a obsecração dos srs. ministros e o pratinho da opposição.
Nós temos trinta e dois navios, d'estes; apenas se conservam ordinariamente no Tejo, tres ou quatro; todos os outros estão constantemente em serviço. Isto por um lado.
Por outro lado, v. exa. sabe, que é indispensavel revesar amiudadas vezes os navios que vão fazer estações para a costa de Africa e para o mar da China, porque as suas tripulações, tanto officiaes como marinheiros, com difficuldade resistem ali ás febres, (Apoiados.)
Ora, eu pergunto, se será justo e regular, se alguem póde querer, que os membros de uma corporação, a que não duvido chamar a mais briosa do paiz, a da marinha de guerra portugueza, (Apoiados.) de uma corporação que mais que nenhuma conserva as tradições honrosas da nossa vida de gloriosa de navegadores, seja tratada como bastarda e desprotegida, e se alguem pode achar de mais, que se augmentasse o seu quadro com alguns officiaes, a fim de lhes permittir o poderem descansar em terra durante alguns mezes das fadigas, das vigilias e dos perigos que como nenhuns outros portuguezes soffrem e experimentam?
Alem de que eu tenho outros dados estatisticos dos quadros das armadas estrangeiras, que contradizem os do sr. Correia de Barros, especialmente pelo que respeita á Inglaterra.
Disse ainda o sr. Correia de Barros, que tinhamos uma percentagem de seis ou sete officiaes por navio, em virtude das innumeras commissões em que eram empregados em terra muitos officiaes da armada.
Eu não me recordo agora de todas as commissões, mas lembro-me de algumas. Por exemplo: O corpo de marinheiros que tem 2:000 ou 3:000 praças, não ha de ser com
mandado por officiaes da armada? As differentes divisões navaes não hão de ter um commandante, um chefe do estado maior, um ajudante, etc.? É isto o que acontece nos paizes mais adiantados.
No supremo tribunal de justiça militar, nas capitanias dos portos, na fiscalisação das costas, não hão de haver officiaes da armada?
E qual é o numero de officiaes precisos para desempenharem estas commissões?
Ainda mesmo que os officiaes ahi existentes podessem ser substituidos, não teriam essas commissões de ser desempenhadas por outros empregados? E n'esse caso a economia viria a ser uma pura phantasia, porque em logar de só pagar a uns pagar-se-ia a outros.
Pois eu desejo que os officiaes que não poderem estar da em serviço activo, tendo arruinado muitas vezes a saude no mar, sejam em todo o caso uteis ao seu paiz, sendo, por isso empregados em serviços mais moderados. (Apoiados.)
Vejo n'este momento movimentos de applauso ao que estou dizendo da parte de um official de marinha muito distincto, meu adversario politico, e por isso sinto consolação de em ter apresentado á camara estas considerações. (Apoiados.)
Outra rasão por que se alargou o quadro dos officiaes da armada, foi porque estava quasi concluida a construcção de tres navios de guerra, mandados fazer em Inglaterra, e para que não havia officiaes.
Estes tres navios eram destinados a ir para o Zaire, nas porque não sabendo nós o que ali succederia, necessario era prevenir para a guerra em quanto havia paz.

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Parece-me que com estas rasões que hei apresentado á camara, tenho mostrado que cumpri lealmente os meus deveres como relator do projecto, procurando instruir-me sobre os seus diversos assumptos.
Passo agora a responder a algumas considerações que sobre a reforma do exercito apresentou o illustre deputado o sr. Simões Dias, que é tão militar como eu. E por isso me abalanço a tanto, persuadido de que s. exa. não tem maior competencia do que eu, que sou o primeiro a dizer desde já que não tenho nenhuma. (Riso.)
As affirmações feitas por s. exa. sobre este assumpto já hontem foram contestadas em parte, e muito bem, pelo meu intimo amigo o sr. Azevedo Castello Branco, que sempre tem mais côr militar do que eu, pais é cirurgião do exercito. (Riso.)
O sr. Simões Dias atacou principalmente pequenos factos, ligeiros defeitos, que mesmo a existirem podem facilmente ser corrigidos com o tempo e com a pratica, não interessando propriamente as bases fundamentaes da nova organisação.
Entretanto julgo do meu dever responder a s. exa. mesmo, para mostrar a consideração que por elle tenho, e o muito que lhe estou agradecido pelas palavras benevolas que me dirigiu no principio do seu discurso.
Supponho que nem o sr. presidente do conselho, que me está ouvindo, nem nenhum dos membros do governo, solidarios com elle nos actos, dictatoriaes, nem nenhum dos membros d'esta camara, que realmente têem competencia n'esta materia, militares distinctos e pertencentes á maioria, affirmaram, ou podem affirmar, que a reforma do exercito é uma obra completa. Pelo contrario, quando o sr. presidente do conselho o anno passado se apresentou aqui com uma proposta de lei perfeitamente identica ao decreto dictatorial que estamos analysando, s. exa. dizia: Isto e provisorio, mas melhora-e desde que melhora sem augmento de despeza para o orçamento, eu julgo fazer um bom serviço ao paiz e á administração publica trazendo á camara esta proposta de lei com estas bases.
Podia fazer-se melhor? De certo.
Devia fazer-se melhor ? Parece-me que não.
Um paiz que vive constantemente angustiado pela questão de fazenda, um paiz em que, infelizmente, o deficit é por assim dizer, constante, o primeiro cuidado de qualquer organisador ou de qualquer reformador é attender aos effeitos que vae ter sobro o orçamento do estado qualquer medida que se propõe adoptar. E por isso o sr. presidente do conselho, vendo a necessidade de ha muito reconhecida pelos seus antecessores na pasta da guerra de proceder a uma reforma, do exercito, attendeu primeiro que tudo, e muitissimo bem, a esta preoccupação predominante em todos os ministros portuguezes, qual a importancia e influencia que a medida em questão iria ter sobre o orçamento do estado.
S. exa. procurou então nas remissões o elemento de receita indispensavel para poder melhorar a nossa reorganisacão militar, sem comtudo ter a pretensão de fazer ua cousa perfeita e completa.
Mas essas remissões, dizia o sr. Simões Dias. tão immoraes e injustas, se se justificam só pela necessidade, levam-nos fatal, necessaria e logicamente á conclusão de que o roubo deve ser tambem permittido, e se justifica quando haja penuria ou necessidade.
Não discutirei por fórma alguma nem a analogia nem theoria; entretanto sempre direi a s. exa., porque é melhor entre adversarios politicos difficeis de convencer citar factos do que dar rasões, que as remissões são permittidas na Hespanha, Belgica, Suissa e em outros paizes; nem a Hespanha, nem a Belgica, nem a Suissa nos estão inferiores em civilisaçao.
Até a Suissa e a Belgica são as duas nações que sempre se citam entre nós como modelos de administração. Do que porémv. Exa. póde estar certo, é que o roubo não é lá justificado. (Apoiados)
Continuava s. exa. mas que organisação fez o sr. presidente do conselho, a organisação em que os regimentos, passando do pé de paz para o pé da guerra, hão de necessariainente precisar de um numero avultado de praças graduadas e de officiaes, que não se encontram nos quadros e que o orçamento não dá?!
Se s. exa. tivesse querido realmente profundar este assumpto, se quizesse encontrar por si mesmo resposta á sua pergunta, veria que as praças graduadas, como os soldados, vem da reserva dos cinco annos, ou primeira reserva, e da reserva dos quatro annos, ou segunda reserva; para cavallaria e artilheria dos individuos que tem instrucção militar, e para infanteria mesmo dos que não tem essa instrucção.
1. Em relação aos officiaes, s. exa. veria da mesma fórma no decreto de 30 de outubro onde se vão buscar os da reserva, e veria que se faz isso seguindo-se o processo adoptado nas nações europêas que têemos seus, exercitos mais bem organisados.
A proporção entre as differentes armas não ficaria estaca estabelecida nas bases que seria para desejar.
A propria Commissão assim o declarou, mas o que tambem é preciso reconhecer e confessar, é que essa desigualdade é hoje muito menos, principalmente para a artilheria.
Nós não somos uma potencia militar; nós não podemos ser uma nação conquistadora.
A missão do nosso exercito é puramente defensiva.
Não temo os os grandes problemas nacionaes em que os exercitos ainda são preponderantes, como acontece na França e na Allemanha; não temos veleidades conquistadoras como a RKussia e a Austria, que precisam apoial-as sobre a solida base de uma organisação militar fortissima. Mas o que succede a quem quer ter a vaidade de influir nos destinos europeus?
Succede que n'esses paizes a despeza com o exercito chega a absorver 1/4 e 1/3 das receitas totaes do estado, e entre nós não chega a ser de 1/7 (Apoiados.)
Se o partido progressista, que tanto se queixa d'esta reforma, por mesquinha e acanhada, quizer fazer, quando for, em breve, talvez, ao poder, uma outra que acabe com todos os inconvenientes hoje notados, e quizer ainda tomar a responsabilidade de estabelecer na fronteira todas as praças de guerra e pontos fortificados indispensaveis para nos sentirmos a coberto de qualquer ataque, vá-se tambem preparando para tomar para com o paiz a responsabilidade de gastar 10.000:000$000 réis ou 12.000:000$000 reis, só com o ministerio da guerra.
O que s. exa. não são capazes de fazer, de certo, e n'isto não quero faltar ao respeito e á consideração que se deve ao sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, é realisar o que se annuncia n'um relatorio que li, e que me dizem ser de s. exa., isto é, uma reforma em que tudo fique optimo sem se augmentar a despeza actual. (Apoiados.)
E desde já prometto uma cousa: se forem capazes de realisar toda a reforma n'aquelle relatorio indicada para a organisação militar, sem augmentarem a despeza do ministerio da guerra, juro fazer-me progressista. (Riso.) O partido nada ganhará com isso, de certo, mas eu é que qual outro S. Paulo no caminho de Damasco, não poderei deixar de me converter.
Porque não reformaram o codigo da justiça militar?
Foi esta uma das perguntas do sr. Simões Dias.
Mas o que s. exa. não demonstrou foi a necessidade da reforma.
S. exa. disse, por exemplo, que o codigo era draconiano.
Será draconiano, mas isso não se prova só com uma affirmativa.
Era necessario fazer seguir essa affirmativa da citação
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das disposições do codigo que lhe desagradam, e de considerações que, actuando no nosso espirito, podessem ser de base para uma argumentação.
É este o unico processo de discutir.
Nem conheço outro. O resto é perder tempo.
O que eu sei é que esse codigo foi modernamente feito por uma commissão de homens competentes, e teve como relator n'esta camara o sr. Julio de Vilhena, um dos primeiros jurisconsultos d'este paiz. (Apoiados.)
O facto por s. exa. citado para demonstrar a inconveniencia das companhias de correcção, é de tal ordem que, se nada mais têem que dizer contra a reforma do exercito, eu fico acreditando que lhe tem muito mais amor que nós proprios.
Dizia o illustre deputado: nada mais detestavel que companhias de correcção; por virtude d'ellas um soldado que queira approximar-se da terra da sua naturalidade, que todos desejam, nada mais tem a fazer do que extraviar um objecto do seu equipamento: é julgado, comdemnado, transferido de divisão, e consegue o seu fim.
Ora, vejamos como realmente este meio é pratico, e depois e a proposito contarei á camara uma anecdota muito sabida.
O soldado é, por exemplo, do Algarve, está servindo primeira divisão militar e em Setubal. Com o intuito ir para o Algarve, e chegando-lhe aos ouvidos o conselho do illustre deputado, extravia um objecto do equipamento. É julgado e condemnado no minimo da pena, tres mezes.
Cumprida a pena é transferido para a segunda divisão, Porto. Chegado lá, e sempre no mesmo fito, pratica novo extravio. Novo julgamento, mas como d'esta vez é reincidente, leva seis mezes de prisão. Cumpre-a, e vae transferido para a terceira divisão, Vizeu.
Começa a achar duro o processo. No emtanto, como é teimoso, e tem plena confiança no seu conselheiro, e não ha senão a quarta divisão, que comprehende o Algarve, abalança-se a novo extravio. D'esta vez apanha um anno de cadeia.
Mas, enfim, ao menos, depois d'esta longa amargura irá para o Algarve. Isso o consola. Mas, oh! desventura! É effectivamente transferido para a Quarta divisão, mascomo esta comprehende tambem Portalegre, é para ali que o mandam!
Ora, eis como depois de vinte e um mezes de prisão em tres annos de serviço, elle, que estava em Setubal e para ir para o Algarve, só consegue afastar-se de lá! (Apoiados. - Riso.)
Ora, realmente se é por esta fórma que o illustre deputado costuma censurar a administração regeneradora, ninguem de certo nos fará mais partidarios.
E agora a anecdota.
Todos conhecem a celebre Catharina de Medicis e sabe que o marido, Henrique II de França, foi mortalmente ferido por um estilhaço de lança n'um torneio, em Paris. Parece que Catharina de Medieis adorava o marido. O certo é que n'esse transe, a ingenua esposa fez promessa, caso do marido se salvar, de mandar um peregrino á terra santa, o qual ao tempo que desse um passo para diante daria dois para traz! (Riso.) Pois eu estou persuadido que o tal peregrino ainda chegaria primeiro á terra santa, do que o soldado do sr. Simões Dias ao Algarve. (Apoiados. Riso.)
Vamos aos quarteis. «Em Penamacor e Covilhã não ha quarteis.» Com relação a estes factos estou eu á minha vontade, pois se trata do meu districto, e posso dizer sem offensa para o illustre deputado, que o conheço melhor que s. exa.
Em Penamacor ha um quartel, em que esteve aquartelado um regimento que foi d'ali tirado ácerca de vinte annos, e na Covilhã ha um quartel que a camara municipal comprou.
Aqui está a resposta á falta de quarteis. Esteja s. exa. descansado que por ahi não faz o barco agua. (Riso.)
«Alargaram-se os quadros e não ha generaes de divisão, porque as divisões estão commandadas por generaes de brigada.»
Isso simplesmente demonstra uma cousa; é o cuidado com que a Commissão e o sr. ministro da guerra procederam ao alargamento dos quadros. O alargamento dos quadros foi feito para facilitar a mobilisação de um forte contingente de tropas.
Mas como tinham de ser alargados dentro d'esta cinta de ferro dos 270:000$000 réis em que se calcularam as remissões, é claro que a commissão não teve por onde esbracejar.
«Os chefes d'estado maior das divisões devem ser coroneis, e não o são.»
Onde estão os coroneis de estado maior?
Hei de responder á accusação vinda d'aquelle lado da camara, (o esquerdo).
É preciso dizer as cousas nitidamente, porque s. exas. que são naturalmente suspeitosos, já se não levam com rasõea. Venham factos.
Um, está ás ordens de Sua Magestade; outro, é por lei director da commissão geodesica, chrographica e topographica, e assim deve ser, pois, como v. exa. sabe, essa commissão por decreto de 80 de outubro tem hoje parte importante na organisação dos planos para a mobilisação do exercito; o outro, é o sr. visconde de S. Januario, que está exercendo as suas funcções legislativas na qualidade de par do reino, no uso legitimo do seu direito, e ao abrigo de toda a censura e de toda a critica.
Restam tres que são esses que estão distribuidos pelas divisões; tambem o sr. Simões Dias affirmou que os soldados não poderiam nos tres annos pagar os novos uniformes, pelas deducções no pret.
Como tive a vantagem de responder ao discurso de s. exa. só dois ou tres dias depois de proferido, fui informar-me ao ministerio da guerra se nós effectivamente tinhamos de acarretar com mais essa despeza; e em presença de algarismos, que eu não lerei agora á camara para não a cansar, mas cuja genuidade garanto e póde tambem ser garantida por alguns membros d'esta casa, empregados distintos do ministerio da guerra, vê-se que em tres annos o soldado paga o seu fardamento, ficam 9$000 réis para em concertos, e sobeja uma moeda que está sempre no cofre, e que se costuma dar ao soldado quando leva a sua baixa.Não tenha, pois, s. exa. cuidado por esse lado, porque não é por ahi que as finanças portuguezas se hão de perder.
Continuando discorrendo sobre esta base financeira da reforma do exercito, disse s. exa. que os calculos apresentados o anno passado pelo sr. José Luciano de Castro não foram invalidados pelo sr. presidente do conselho, e por isso continuam a usar d'elles como sendo de uma verdade inconcussa.
Para ser o mais breve e conciso possivel, e deixar todo tempo aos oradores que se me seguirem, limito-me unicamente a responder com um só tacto ao illustre deputado.
Um dos calculos feitos pelo sr. Luciano de Castro no anno passado, quando se discutiu a reforma do exercito, do era que as remissões dariam apenas 124:000$000 réis e não 270:000$000 réis, como calculava o sr. presidente do conselho.
Não estou citando um facto que não seja verdadeiro.
Está isto no discurso proferido pelo sr. Luciano de Castro n'essa occasião; s. exa. está presente, e poderá contestar-me, se erro.
Pois, senhores, no dia 20 de março, dia em que estou fallando, chamado apenas metade do contingente votado para este anno, o producto das remissões não é de réis 124:000$000, mas de cerca de 230:000$000 réis! Ha todo o direito, pois, de esperar que o rendimento das re-

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Missões seja, não de 270:000$000 réis, mas de 400:000$000 réis.
Vou concluir, e para fechar o meu discurso com chave de oiro, fal o-hei repetindo as palavras do maior orador que tem occupado a tribuna portugueza, tantas vezes e citado pela grandeza do seu espirito e pela magnanimidade do seu coração, maior ainda do que o seu talento; refiro-me a José Estevão.
José Estevão assistiu como tribuno dos mais valentes da liberdade portugueza á discussão da dictadura de 1851-1852. E sabe v. exa. o que dizia d'aquelle logar da camara? Dizia «que a principal causa das dictaduras estava na indisciplina dos partidos e na relaxação de muitas discussões parlamentares, descendo até discutir as personalidades, em logar de tratar dos grandes interesses sociaes do paiz!»
Ora, eu peço a v. exas. que observem e analysem imparcialmente o que se está passando em volta de nós, e digam-me depois se o retrato da politica portugueza e 1853, feito pelo grande tribuno, não é tão parecido com a de hoje, como com o original de onde foi tirado. (Muito apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado pela maior parte dos srs. deputados e pelos ministros presentes.)
O sr. Alves Matheus: - Começo por ler a seguinte moção de ordem:
«A camara, lamentando que o governo assumindo a e dictadura em 19 de maio de 1884 commettesse um grande atteatado constitucional e que a ultima reforma do exercito não satisfizesse ás necessidades do paiz, continua na ordem do dia.»
Está occorrendo aqui um facto extraordinario, um facto que se não vê em parlamento algum.
A opposicão accusa e o governo cala-se. A dictadura dos factos com que foi rasgada a constituição do estado, segue-se a dictadura do silencio, que menospreza a censura feita pela opposicão a esses mesmos factos.
Ha quatro dias dura esta debate politico. Têem sido formuladas contra o governo accusações graves, accusações severas, accusações fundamentadas; um illustre deputado que entrou na discussão disse, com sobeja rasão, que o governo tinha feito roupa de francezes dos dinheiros publicos e não se levantou n'aquelle logar uma voz, que accudisse em defeza do governo.
Sr. presidente, os deputados da opposicão progressista, que tomaram já parte n'esta discussão, não têem honras de ministros de estado, mas têem a honra de ser representantes do paiz, têem portanto direito de tomar estreitas contas ao governo e este tem obrigação rigorosa de responder (Apoiados.) E se esse silencio significa desconsideração e menoscabo pela opposicão, o paiz ha de apreciar e faz justiça devida a este procedimento. (Apoiados.)
Sr. presidente, se os srs. ministros não respondem, porque sendo réus confessos, se julgam tambem imperdoaveis, então é melhor que abandonem aquellas cadeiras, do que continuem a permanecer n'ellas silenciosos, indifferentes, impassiveis, agravando com sua mudez a sua culpabilida politica!
N'uma discussão, em que quatro deputados fizeram ao governo arguições gravissimas, não póde haver motivo, que dispense os srs. ministros de responderem quando não uma maneira cabal e satisfactoria pelo menos de modo, que mostrem pela opposicão a consideração, que ella merece pela missão, que está cumprindo. (Muitos apoiados.)
Lamento sinceramente, que se fizessem confrontos meritos pessoaes, (Apoiados.) que nem esclarecem a discussão, nem melhoram a situação do governo.
Estou convencido que o sr. Franco castello Branco, cavalheiro distincto pela sua elevada intelligencia, e pelo seu nobre caracter consultando a sua consciencia ha de talvez estar arrependido de ter, no calor do improviso, desafogado n'um arrebatamento de palavras, com que se conseguiu mostrar a sua apaixonada admiração pelo sr. Fontes, não logrou ser lisonjeiro e sequer justo para com a opposição progressista.
Quando o sr. Fontes desacata as leis, pratica abusos e exerce dictaduras desnecessarias, não são precisos, para o baterem generaes assignalados por grandes feitos. (Apoiados.)
Basta para isso um simples soldado de certo esforço, que se colloque e firme bem no terreno da lei, da justiça e dos interesses publicos.
Todos nós admiramos o talento poderoso, a palavra eloquentissima e os vastos recursos do sr. conde do Casal Ribeiro; mas não precisãmos de o lisonjear para que aquelle cavalheiro cumpra nobre e dignamente os seus deveres politicos como e quando entender.
Se o sr. conde do Casal Ribeiro é ainda, correligionario do illustre deputado, se é ainda regenerador, a opposicão feita ao sr. Fontes por este illustre estadista, nos ultimos annos, é mais auctorisada ainda porque significa, que o sr. conde do Casal Ribeiro, viu e comprehendeu, que era errado o caminho seguido pelo sr. Fontes e que era infesto ao paiz o seu systema de governar. (Apoiados.) O illustre relator da Commissão, que acaba de fallar, invocou os precedentes como rasões, senão para justificar, para attenuar ao menos as responsabilidades do governo pelo exercicio da dictadura.
Disse s. exa.: os precedentes têem a seu favor a auctoridade dos nomes e a auctoridade dos partidos.
Sr. presidente, quando os precedentes são maus não se seguem, repellem-se, abandonam-se e condemnam-se.
Na sua opinião não merece censura o governo, que, n'uma dictadura, não fez mais do que interpretar o sentimento e a vontade do parlamento.
Deus nos livre de tal theoria, que conferisse e deixasse ao alvedrio, á descripcão e ao arbitrio dos governos assumirem dictaduras sempre que elle entendesse, que interpretava a vontade do parlamento. D'esse modo haveria sempre um meio de se justificarem todas as dictaduras, ainda as mais prejudiciaes e as mais attentatorias.
D'esse modo podia supprimir-se até o parlamento e permittir-se aos governos o arvorarem-se em legitimos interpretes do que elles julgassem ser a vontade do paiz.
Lamento, que o illustre deputado, que é um luctador de forte mosculatura, um parlamentar, que tem diante de si um futuro brilhante, um homem ainda na idade juvenil, ardente, generosa e anthusiastica em que se fitam os grandes ideaes da liberdade sem sombra viesse, para absolver uma dictadura sem exemplo, proclamar doutrinas, cuja observancia seria a morte da liberdade e o exterminio do systema representativo. (Apoiados.)
Disse o illustre deputado, que nenhuma dictadura se justificava.
Peço licença para discordar d'esta opinião e lembrar a s. exa. os seguintes aphorismos juridicos: a salvação publica é a lei suprema; a necessidade não tem lei. Quando quaesquer actos discricionarios são determinados pelo principio da salvação publica e impostos, consequentemente, por uma necessidade imperiosa, indeclinavel, absoluta, esses actos revestem excepcionalmente o caracter de leis e estão, por si mesmos, justificados.
Sr. presidente, nas graves crises politicas e sociaes, quando a guerra, a revolução ou a anarchia subvertem a ordem publica e ameaçam a independencia de uma nação e com os seus direitos mais sagrados correm perigo os seus interesses mais vitaes, a dictadura não é só uma grande necessidade, é tambem um beneficio.
Não se desculpa, justifica-se, louva-se e applaude-se o dictador arrojado e benemerito, que, concentrando no seu espirito a idéa de todos os perigose na sua mão o exercicio de todos os poderes, põe ao serviço da causa da salvação publica a luz da sua intelligencia, o esforço do

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seu braço, avalencia da sua espada e as energias do seu patriotismo.
Na nossa historia constitucional temos apenas uma dictadura, que se justifica; é a dictadura a que se referiu o sr. Carlos Lobo d'Avila, no seu ultimo e notabilissimo discurso, é a dictadura de Mousinho da Silveira, lavrando na ilha Terceira aquelles memoraveis decretos, que vinculando novos interesses a novas idéas, vibraram ao seio do absolutismo os golpes mais profundos, quadrando perfeitamente áquella epocha e áquelles factos a phrase conceituosa de um publicista eminente, quando disse que um regimen novo precisava, para desabrochar e desenvolver-se, de passar pelo ninho da dictadura. Desculpa-se em 1851 a dictadura do marchal Saldanha, cuja brilhante espada, sendo raio na guerra, se transformou então em emblema de paz, cerrando o conturbado ciclo das discordia civis e das intolerancias partidarias.
Desculpa-se a dictadura exercida em 1869 pelo ministerio do sr. bispo de Vizeu, a cujo caracter e a cuja memoria já o illustre relator tributou uma homenagem justa para mim gratissima. Mas essa dictadura não augmentou despezas; pelo contrario diminuiu-as, restringiu os quadros, fez economias, e tratou de legitimar aos olhos do paiz a exigencia do novos impostos e sacrificios. (Apoiados.)
Considerou o illustre relator um grave attentado a reforma ou antes a divisão eleitoral, decretada em 1869; mas essa reforma, que não mereceu nunca o meu applauso, foi tambem determinada por um pensamento de economia o não pelo intuito de esmagar as franquias populares e de coarctar a liberdade da urna, porque aquelle governo tendo então uma grande popularidade no paiz, não precisava de recorrer a taes meios para obter maioria.
Estas dictaduras desculpam-se, indultam-se, mas a dictadura exercida pelo actual governo em 19 de maio d 1884, nem se justifica, nem se desculpa.
Nenhum damno, nenhum inconveniente, nenhum perigo havia em adiar as côrtes até fins de maio ou principios de junho e em submetter á apreciação e ao julgamento da camara dos pares a auctorisação para a reforma do exercito.
A dictadura era completamente desnecessaria.
Mas o sr. Fontes apressando-se a encerrar o parlamento e exercendo logo e immediatamente a dictadura, quiz fazer uma vangloriosa ostentação de força, quiz mostrar que n'este paiz, tão abatido e tão soffredor, podia impunemente confiscar para si o poder legislativo, quiz dar a carta violada como digno prefacio á carta reformada. (Muitos apoiados.)
O sr. Fontes pertendeu mostrar, que quando imperam as grandes vaidades, triumpham quasi sempre os grande desatinos. (Muitos apoiados.)
Na verdade, sr. presidente, commetter um attentado gravissimo contra a constituição do estado, arremessar a desconsideração e o despreso á face da camara dos pares, exercer a dictadura quarenta e oito horas depois de fechado o parlamento, e isto para que a estatura já tão alata de um estadista mais culminasse e resplandecesse nos nossos horisontes politicos, é um facto, que só podia praticar o sr. Fontes, que, jactando-se de ser o esteio da ordem, a escora da dynastia e o sustentaculo das instituições, está por estes abusos e por estes desacatos a deprimil-as e desprestigial-as cada vez mais, (Muitos apoiados.) preparando lhes talvez dias funestos e provações amargas.
É preciso declarar aqui bem alto, que a opposição progressista não contesta a necessidade da reforma do exercito; (Muitos apoiados.) o que contesta é a necessidade da dictadura. (Muitos apoiados.)
A idéa da reforma era justa, mas o processo dictatorial adoptado pelo sr. Fontes foi pela circumstancia do tempo, foi pela sua indole, foi pelos seus effeitos um acto verdadeiramente monstruoso, porque augmentou as despezas e laçou impostos sem auctorisação do parlamento, porque affrontosamente usurpou a primeira, a mais valiosa, a mais principal attribuição do poder legislativo. (Muitos apoiados.)
O sr. relator da Commissão esforçou-se, em sua argumentação, por lançar a agua lustral sobre o systema das remissões, que o sr. Fontes condemnou em 1873 nos termos mais vehementes, que qualificou como subversivas de uma solida e racional organisação do exercito e que restaurou, ha pouco, na mesma occasião e na mesma proposta, em que se propunha dar ao exercito uma reorganisação assente em bases mais largas, em principios mais justos, e em condições mais ajustadas aos preceitos e ás normas desde muito adoptadas pelas primeiras nações da Europa. Notou o illustre relator, que nas nossas circumstancias as financeiras, que s. exa. reputa pouco lisonjeiras, e que eu julgo desgraçadas, as remissões eram a unica fonte apropriada e mais facil para acudir ás despezas provenientes da reforma do exercito.
Allegou s. exa. o facto de existirem as remissões na Belgica e em outros paizes bem governados, mas esqueceu-se de dizer, que em nenhum d'esses paizes existe um homem do publico, um estadista, um ministro da guerra, que tendo condemnado n'um anno as remissões como immoraes, injustas e detestaveis, as viesse depois restabelecer. (Muitos apoiados.)
Pela argumentação do sr. relator as remissões podem ser aceites e não devem repugnar, porque não obstante todos os seus inconvenientes, ellas dão dinheiro. Vem a proposito referir um curioso episodio da historia de Vespasiano. Este imperador romano lembrou-se um dia de lançar um imposto sobre certos logares necessarios, que se não recommendam pela suavidade de suas exhalações. Seu filho Tito, o denominado «delicias do genero humano», não achou este imposto nem delicioso, nem justo, nem digno da magestade imperatoria. Reprovou-o. Vespasiano mostrou a seu filho as primeiras moedas de oiro procedentes d'este imposto e disse-lhe: vê lá se ellas têem algum cheiro.
O sr. Fontes, vendo entrar no thesouro as centenas de contos, que espera haver das remissões, dirá: vêde se ellas ressumbram e revém as immoralidades e as impurezas, que tanto lhes exprobrei.
Poderá dizer-se, que os remidos não estão isentos do serviço militar, porque fazendo parte da segunda reserva podem ser chamados ás armas em caso de guerra. Mas, estando fixado em 120:000 homens o effectivo do exercito em pé de guerra e devendo este ser preenchido com os excessos dos contingentes annuaes, é preciso que estes se esgotem completamente para que os remidos possam ser convocados a serviço.
Mas, isto não é o principal, e eu cedo a beneficio do sr. Fontes de todo o valor d'este argumento. Pelo artigo 199.° da reforma os remidos, como pertencentes á segunda reserva, não são obrigados a exercicios em tempo de paz.
Ora, surgindo repentinamente uma guerra, como é que os individuos completamente desprovidos de instrucção hão de entrar em campanha e prestar qualquer serviço militar? É impossivel.
Hoje a guerra é um problema scientifico; nem o numero, nem a força bruta, podem supprir a carencia do conhecimentos e estes sómente se obtêem com repetidos exercicios e com uma larga e bem dirigida instrucção theorica e principalmente pratica.
Depois do desastre de Sédan tentou o governo francez, impulsionado pelo talento, pela actividade e pelo patriotismo de Gambetta, organisar militarmente a França e oppol-a como barreira e antemural ás industrias e disciplinadas tropas allemãs; porém, aquelle vigoroso esforço, aquella generosa tentativa, ficou quasi inteiramente malograda.

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Se, portanto, os remidios não podem ser aproveitados para um caso repentino de guerra, a remissão traduz-se para elles na completa isenção tanto em tempo de paz como em tempo de guerra. A quantia de 180$000 réis a cotação equivalente ao grande e ao patriotico dever de defender o territorio. A mercancia das remissões é mais relevante sendo feita pelos governos, do que a das substituições realisadas entre particulares. É o estado, que deitando pregão, offerece o livramento pelo preço de 180$000 réis.
Os factos occorridos nas ultimas inspecções ordinarias, terminadas em 5 de fevereiro ultimo, provam, que a repugnancia ao serviço militar recrudesceu em vez de diminuir. Districtos houve, aonde deixaram de comparecer a essas inspecções mais de dois terços dos mancebos recenseados.
Se é enorme o numero dos refractarios, avultado é igualmente o numero dos remidos.
Muitos mancebos aproveitaram se do fraudulento estratagema da mudança de domicilio, que devia estar já prevenido e atalhado, se tivesse sido adoptado o judicioso e justo alvitre, que ha um anno sustentou n'esta casa o illustrado estadista e meu amigo, o sr. José Luciano de Castro.
Por esta porta falsa escaparam em Famalicão 84 mancebos, em Celorico de Basto 80, em Felgueiras quasi 100 em Fafe 8; total em quatro concelhos, 267.
Por este numero se póde calcular quantas centenas se serviram em todo o paiz d'este doloso expediente, que devia estar ha muito acautelado.
Por outro lado o restabelecimento das remissões fez da isenção do serviço militar não só um privilegio dos ricos e abastados, senão tambem um refugio e uma acolheita dos escassamente remediados, que para se livrarem por aquelle meio da obrigação do serviço no exercito activo se submettem aos mais gravosos sacrificios.
Em muitas freguezias remiram-se os primeiros, que constituiam o contingente para o serviço activo; n'outras succedeu irem para a fileira os eugeitados, os mais pobres e desvalidos. Por maneira, sr. presidente, que pagam geralmente o tributo de sangue os forçados da miseria, e não os filhos das classes ricas, das classes cultas, das classes, que pelos seus haveres e pelas suas condições sociaes mais obrigação e interesse têem em defender a independencia do paiz.
Por esta fórma, o exercito não será a expressão sinthetica da sua força material, não será a nação armada, como modernamente se entende e se pratica nas nações mais adiantadas. Não entrará nas fileiras a flor da população physicamente e intellectualmente mais sã, mais válida e mais interessada na animosa e energica defensão do paiz.
A maxima parte dos soldados será composta de individuos amarrados a um dos mais nobres e honrados serviços pela grilheta da miseria. E são estes individuos, que vão servir de má vontade os que nas geniaes concepções do sr. Fontes hão de sacrificar-se pela patria. (Apoiados.)
São os mais pobres e os mais desherdados da fortuna os que hão de dar provas de um alto esforço, de uma coragem indomita e de uma abnegação heroica nos lances arriscados e nos conflictos sanguinolentos, em que só o espirito de sacrificio e a influição de poderosos estimulos póde produzir e dar de si os grandes feitos e as grandes dedicações. (Apoiados.)
A reforma do exercito decretada pelo sr. Fontes comprehendendo exercito activo com tres annos de serviço, primeira reserva com cinco e segunda com quatro, patenteia nas suas linhas divisorias a sua origem e procedencia, que é a organisação militar allemã, que se compõe de exercito activo, exercito de reserva, e landwer. A primeira secção comprehende os mancebos de vinte a vinte e tres annos de idade, e é a grande escola militar da Allemanha e nomeadamente da Prussia, é o centro activo, de onde irradia a luz, a direcção, a, convergencia, a unidade para todas as forças constitutivas do exercito.
Na primeira secção o serviço é de tres annos, segundo a lei, mas é ordinariamente de anno e meio, e de um anno apenas para o voluntariado devidamente instruido e habilitado no manejo das armas.
A reserva, que serve por quatro annos, e a landwer, que serve por cinco, formam em volta do exercito activo uns como circulos concentricos, onde se reproduzem e trasladam os elementos componentes do primeiro com excepção dos exercicios, que são annuaes.
A landsturm, que não recebe instrucção techica, não pertence ao exercito propriamente dito e abrange todos os individuos validos dos dezessete aos quarenta e dois annos, que não fazem parte das tres secções indicadas.
Vê-se por esta rapida exposição que o sr. Fontes na sua reforma se inspirou nas divisões geraes da organisação allemã; mas inspirou-se, não para fazer uma imitação proveitosa, mas sim uma falsificação esteril; inspirou-se não implantar entre nós um traslado fiel e accommodado quanto possivel ás nossas circumstancias financeiras, mas para commetter e levar a cabo uma obra deficientissima, prejudicada e annulada em grande parte por disposição pouco acertadas e muito incongruentes; uma d'ellas é a das remissões, (Apoiados.) que são a antithese da taxa militar, a que o sr. Fontes devia dar decisiva preferencia.
Sobre este ponto fez o meu illustre correligionario, o sr. Simões Dias, considerações muito sensatas e ás quaes tenho a acrescentar simplesmente o seguinte.
A taxa militar na Austria e na Suissa é proporcional aos haveres e rendimentos de cada um e é paga annualmente pelos que estão sujeitos á lei do recrutamento durante um periodo do tempo igual ao do serviço militar. Na Austria é a taxa militar bastante elevada para os ricos e não os dispensa a elles, sendo validos, de entrarem em campanha no caso de guerra com uma potencia estrangeira.
Pelo contrario, as remissões restauradas pelo sr. Fontes são a isenção, a immunidade e o privilegio concedido aos ricos, embora validos.
Militarmente considerados, lançam sobre o exercito o desprestigio e a desconsideração; debaixo do ponto de vista social, são uma flagrante desigualdade e uma injustiça clamorosa, porque o imposto de sangue é pago principalmente pelas classes mais pobres, (Apoiados.) e têem ainda as remissões o inconveniente de serem pelo seu quantitativo fixo uma verdadeira capitação, que recáe igualmente sobre rendimentos desiguaes. (Apoiados.)
O sr. presidente do conselho, restabelecendo as remissões, damnificou e perverteu a sua obra, deu á reorganisacão do exercito um alicerce arruinado, favoreceu, augmentou e engravesceu cada vez mais a repugnancia dos povos pelo serviço militar; (Apoiados.) quando todos os esforços e todas as diligencias se deviam empenhar para combater eficazmente essa repugnancia, (Apoiados.) que eu deploro como um triste collapso, como uma lastimosa decadencia da antiga e heroica virilidade d'este povo, que meneio das armas e ao seu valor heroico deve, com a sua independencia e com as suas conquistas do alem-mar, os feitos mais illustres e as paginas mais gloriosas da sua historia. (Apoiados.)
Essa repugnancia attenua-se no momento em que o filho das classes pobres vir os individuos pertencentes ás familias ricas e poderosas da mesma naturalidade servirem no exercito e fraternisarem com elle no cumprimento dos mesmos deveres. (Apoiados.)
Essa repugnancia ha de diminuir consideravelmente, se porventura se restabelecer o recrutamento regional, fixando-se o bom principio de que nenhum soldado será obrigado, tirante caso de guerra, a servir fóra da circumstancia, ou do districto, aonde demora a terra da sua naturalidade. Assim se pratica na Allemanha, aonde o devotissimo

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amor aos lares não entibia, antes inflamma o acrisoldo amor da patria.
Essa repugnancia havia de desvanecer-se se os nossos quarteis militares fossem como na Allemanha, escolas de disciplina rigida e austera, aonde leituras instructivas da historia militar do paiz e da historia do proprio regimento, aonde marchas duras e excrcicios continuos, e trabalhos incessantes, ao passo que desenvolvem as forças physicas, retemperam as grandes virtudes viris. (Apoiados.)
Infelizmente, no nosso paiz o quartel militar não realisou ainda esse levantado e vantajoso ideal. Uma das causas da reluctancia do nosso povo no serviço do exercito não é tanto o facto de ser soldado, como a situação moral, em que elle fica depois de o ser.
Quando o soldado regressa do serviço activo ás povoações, donde procede, é n'ellas considerado como homem ocioso (Apoiados.) e contagiado de maus costumes.
Eu, que passo todos os annos alguns dias n'uma povoação rural, tenho observado, que o soldado ao voltar do serviço vem deshabituado do trabalho, e que lhe pesa a enxada e o martelo, e todo o seu desejo e empenho é ser empregado ou como cantoneiro nas estradas ordinarias, ou como guarda da fiscalisação: porque entende que n'aquelles legares póde continuar a levar, não digo a vida completamente ociosa, mas menos occupada, que teve muitas vezes nos logares do aquartelamento.
Talvez o sr. Fontes, que é um militar illustradissimo que occupa um logar tão elevado na hierarchia militar e que gere, ha tantos annos, a pasta da guerra, estranhe que um modesto soldado da milicia espiritual ouse intrometter-se n'estes assumptos da organisação da milicia terrestre.
Se estivesse presente o meu ilustre collega, o sr. Azevedo Castello Branco, talvez fosse tentado a applicar a este facto a qualificação de impertinente espectaculo, que se serviu, ha dois dias, no seu primoroso discurso, referindo-se a outros oradores, que não têem a honra de pertencer ao exercito.
É verdade, que se não posso invocar a competencia resultante de estudos profundos e das lições de experiencia, posso ao menos allegar o meu direito e a minha obrigação de apreciar e de estudar, nos estreitos limites da minha intelligencia, todas as questões submettidas á consideração do parlamento. Se errar, acceitarei com docilidade as sabias correcções que me forem feitas e protestando exprimir-me sem azedumes e sem intemperanças de linguagem, espero, que não hei de desmerecer da benevolencia de tão culta assembléa.
As organisações militares são instrumentos, que se gastam e machinas, que se inutilisam á maneira, que novas idéas e novos progressos, impõem ás nações a necessidade de novos aperfeiçoamentos.
A machina militar de Frederico o grande, e seguidamente a de Napaleão tiveram no seu tempo um grande valor e vantagens preeminentes.
Hoje a machina militar de Moltke tem a seu favor provas de uma immensa e incontestavel utilidade.
Actualmente a organisação do nosso exercito é nos a titulos, nos rotulos, nas denominações e nas formas exteriores uma machina moderna, mas tem ainda muitas engrenagens antigas e ferrugentas, muitos vicios e defeitos, que a não deixariam funccionar, em caso de guerra, de um modo facil, prompto, efficaz e correspondente aos seus fins.
Não basta hoje o valor, não basta a disciplina, não basta a heroicidade, não basta aquella qualidade da pacienci, que o vencedor de Marengo tanto apreciava nos nossos soldados. É preciso, que a sciencia e a instrucção dirijam, organisem e unifiquem as forças de um paiz, e que preparem e aproveitem, em tempo de paz, todos os elementos e recursos disponiveis para as eventualidades de uma guerra.
Disse o illustre relator da Commissão, que Portugal não tem grandes problemas nacionaes a resolver, que não e uma nação militar, e que por isto não carecia de dar ao exercito uma organisação completa e perfeitamente modelada pelas organisações militares de outras nações dotadas dos mais largos recursos financeiros.
Mas Portugal é uma nação independente; a sua autonomia ainda n'este seculo foi atacada e póde sel-o amanhã, e portanto deve estar prevenido com os elementos necessarios para se defender.
Se o argumento empregado pelo illustre relator fosse verdadeiro, a consequencia logica era, que nós não deviamos não ter força armada, era que a nação devia ser dispensada de fazer com ella um grande dispendio.
Se temos necessidade de manter um exercito, é necessario organisal-o em harmonia com os principios da sciencia e de accordo com as necessidades do paiz.
É hoje principio axiomatico da sciencia militar, comprovado por uma larga experiencia, que se não póde dar instrucção regular e proveitosa a pequenas forças disseminadas.
Se tivessemos, por exemplo, em logar de trinta e seis regimentos com dois batalhões activos cada um, vinte e quatro com tres batalhões, seria este inconveniente consideravelmente attenuado.
A Allemanha, a Italia, a Belgica, a Suissa, a Dinamarca e a Turquia têem os seus regimentos com tres batalhões activos; a Austria, a França e a Russia com quatro; a Servia e a Hollanda com cinco.
Se procedem assim estas nações, que têem nas suas fileiras, em tempo de paz, um pessoal muito superior ao nosso relativamente ás suas unidades tacticas e de combate, mais fortes e ponderosas rasões temos nós para adoptar grupos mais numerosos, isto é, regimentos com tres e quatro batalhões activos. Sómente por este processo seria possivel dar se-lhes instrucção proficua, efficaz e de bom prestimo. Os inconvenientes do decreto n'este ponto estão-se já vendo e pondo bem de manifesto.
Pela proposta pendente da approvação do parlamento o total das praças em serviço e com vencimento no exercito é de 21:000, tendo cada regimento de infanteria 400 homens, com excepção de Lisboa e Porto, onde devem compor-se de 450, cada regimento de cavallaria 250 homens, termo medio, regimentos de artilheria montada 450, e os de artilheria de posição 400.
Cada companhia de infanteria tem, portanto, 50 praças e apenas 28 soldados. A affirmação demonstra-se. Cada companhia tem 1 primeiro sargento, 2 segundos ditos, 8 primeiros cabos, 8 segundos ditos e 3 corneteiros ou tambores. Total, 22. Reduzindo de cada companhia as 22 praças graduadas ficam 28 soldados, e estes distribuidos por oito companhias dão-nos 224 homens, isto é, escassamente
a força de uma companhia de guerra.
Considerações analogas applicadas á cavallaria mostram, que um regimento d'esta arma, em pé de paz, terá pouco mais ou menos a força de um esquadrão em pé de guerra, talvez apenas 150 soldados.
Na artilheria de campanha, descontados os officiaes e as praças graduadas, o numero de serventes e conductores, que toca a cada bateria, é tão reduzido, que á escassez de instrucção ha de associar-se o embaraço no serviço regimental.
A reforma mantem a antiga, a obsoleta, a retrograda e condemnada organisação da cavallaria em companhias, desconveniente á instrucção e tambem á disciplina.
Actualmente todas as nações, com excepção da Inglaterra, têem a sua cavallaria dividida em esquadrões. Porem a Inglaterra, que é escola, modelo e exemplo na compreprehensão e na pratica do systema representativo, está muito longe de o ser nos processos da constituição do seu uma exercito.
A base de uma boa organisação militar é um bom crutamento, e este deve ser regional como já demonstrei.

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Não tendo o sr. Fontes estabelecido para o exercito activo, devia ao menos adoptal-o para as reservas como fez a França.
Pelo § 2.° do artigo 200.° do decreto os individuos pertencentes á primeira reserva podem ser chamados ordinariamente pelo espaço de vinte dias em cada anno para exercicios e manobras.
É claro que, não havendo recrutamento regional, os reservistas recolhem aos proprios regimentos, a que pertenciam antes. Ora havendo em Lisboa regimentos, que têem as suas reservas em Traz os Montes, no Algarve e até nas ilhas, e descontando se cinco a sete dias para marchas e viagens, o tempo que restar é tão reduzido, que ficará quasi nulla a vantagem dos exercicios annuaes.
O alto espirito do sr. Fontes dedignou-se talvez descer a estas minudencias e particularidades, que são, comtudo tão essenciaes a uma boa orgonisação como o são as pequenas rodas e as pequenas molas ao regular funccionamento de qualquer mechanismo. A organisação das reservas é hoje em toda a parte um ponto importantissimo, muito estudado e quanto possivel aperfeiçoado.
Ao sr. Fontes não mereceu elle o devido cuidado e attenção.
Um illustrado official prussiano, Julius von Wiecke, que durante a campanha franco-prussiana fez parte de um dos estados maior allemães, escreveu sobre aquella memoravel guerra de 1870 um livro excellente, não só pelo seu caracter scientifico e pelo avisamento das suas observações senão tambem pela apreciação quasi sempre imparcial do factos.
Esse intelligente official diz no seu livro: «As nações desfavoravelmente delimitadas em suas fronteiras, e alem d'isso pobres, pequenas e carecidas de recursos para sustentarem uma grande força armada devem firmar-se principalmente n'uma larga e bem organisada reserva.»
Parece, que estas palavras foram expressamente escriptas para nós.
Se tivessemos creado o voluntariado como elle existe na Allcmanha seria esta instituição um viveiro abundantissimo, que poderia fornecer-nos uma grande parte dos officiaes e as praças graduadas necessarias em caso de mobilisação.
Se estabelecessemos não o serviço obrigatorio, mas a instrucção obrigatoria para todos os validos poderiamos organisar uma reserva numerosa, bem instruida, bem disciplinada, e prompta á primeira voz para entrar em campanha e poderiamos porventura reduzir o nosso exercito activo a 12:000 ou 15:000 homens em tempo de paz, fazendo assim uma consideravel economia, sem deixar de estarmos precatados para as contingencias de uma guerra. (Apoiados.) Se a organisação da reserva é deficientissima, a reforma tambem não é menos aleijada defeituosa n'outro ponto, porque não está expressamente determinada a composição numerica das unidades de ordem superior.
Em quasi todos os paizes a força publica está hoje dividida em corpos de exercito, em divisões e brigadas. Cada corpo de exercito sabe de antemão e definidamente as divisões, que lhe pertencem, cada divisão as brigadas, que a compõem, cada brigada os regimentos, que a constituem. Se amanhã fosse necessario mobilisar uma brigada, seria isso difficil; se perguntarem ao sr. Fontes quantas brigadas tem o exercito, talvez não possa responder, não obstante pertencer-lhe a paternidade da reforma. Haverá vinte quatro brigadas como parece indicar o numero de generaes d'esta cathegoria? N'este caso ficaria cada brigada com regimento e meio de infanteria.
Não estando claramente estatuida na reforma a composição das unidades superiores, não sei, que elementos o sr. Fontes aproveitou para crear nove generaes de divisão, e vinte e quatro de brigada.
Apesar da mingua dos meus conhecimentos militares, e sendo apenas um curioso, arrisco-me a dizer, que o sr. Fontes andou a traçar no ar cupulasvistosas sem attentar nas bases e nasproporções do edificio. (Apoiado.)
O sr. Fontes supprimiu a quinta divisão e não a devia supprimir.
No antigo regimen era o archipelago dos Açores tão considerado, que presidia ao seu governo um capitão general com quartel e residencia em Angra. Nos ultimos tempos nenhum governo constitucional entendeu até hoje, que havia rasões politicas, economicas ou estrategicas, que determinassem esta suppressão, nem me parece que ella seja justificavel perante a boa rasão, perante as conveniencias publicas, perante as considerações de ordem militar.
Debaixo do ultimo ponto de vista ninguem medianamente instruido póde ignorar, que especialmente a ilha Terceira com o seu castello de Angra inconquistavel pelo lado do mar, com a sua cinta de rochedos apenas interrompida pela bella enseada da villa da Praia, é um ponto de concentração e de resistencia admiravel, um dos pontos estrategicos mais importantes da nação portugueza e que a elle estão vinculadas memorandas e heroicas recordações. (Apoiados.)
Depois de 1580, quando Portugal estava completamente subjugado, a Terceira por largo espaço de tempo luctou denodadamente contra o enorme poderio de Filippe II e foi o extremo refugio da nossa independencia.
Aquella ilha foi de 1829 a 1832 o propicio surgidouro da liberdade e a invencivel cidadella da dynastia e da causa constitucional. (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, não se lança assim a nodoa da desconsideração e do menosprezo sobre estes factos, que são nobres, sobre estes serviços que são grandes, sobre estas memorias, que são gloriosas. (Apoiados.)
Lamento, que a suppressao da quinta divisão militar coincidisse com a presença no governo do sr. ministro da fazenda, que é oriundo dos Açores e não hesito em acreditar, que s. exa., ponderando bem as rasões expostas nas representações que têem vindo a esta camara, haverá de cooperar para que seja revogada uma disposição menos reflectida.
Conheço os Açores, vivi algum tempo na hospitaleira, na bisarra e benemerita ilha Terceira, e lamento sómente dar-lhe um sincero e gratissimo testemunho do meu entranhado affecto na triste occasião, em que ella e todo aquelle importante archipelago são victimas de uma grave injustiça. (Apoiados.)
Se foi por economia, que aquella divisão foi supprimida, como tolerou e consentiu o sr. Fontes, que dez tenentes coroneis, que nas informações do fim do anno de 1884 foram julgados aptos e validos para o serviço effectivo, logo que subiram a coroneis, se reformassem em generaes de brigada?
Dez reformas d'estas se fizeram em menos de dois mezes sem necessidade alguma e ficando o thesouro onerado com a despeza de 9:000$000 réis por anno. (Apoiados.) Mas o paiz está opulento, tem sobra de recursos, como se affirma no discurso da corôa; e o sr. Fontes póde sem perigo fazer estas larguezas, estas prodigalidades e dissipações.
Ou aquellas informações dadas em fins de 1884 eram falsas e o sr. Fontes tinha obrigação de proceder contra quem as forneceu, ou eram verdadeiras e as juntas militares de saude declarando physicamente incapazes individuos, que pouco antes tinham sido reputados robustos, commetteram um gravissimo abuso, que não devia ficar impune.
Mas as economias não param aqui. Os officiaes que regem as escolas regimentaes, que habilitam para officiaes praticos não tem, pelo decreto da reforma, direito a gratiticação alguma: pelo contrario os officiaes da escola de torpedos, que não habilitam para cousa alguma fóra d'aquella especialidade, recebem 40$000 réis de gratificação por mez seja qual for a sua graduação. Percebem, portanto, uma gratificação igual á dos coroneis das armas scien-

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tificas, e do corpo do estado maior e inferior á dos professores da escola do exercito e do collegio militar.
Sr. presidente, parece que os officiaes da escola de torpedos mereceram especialmente as sympathias e as predilecções do sr. Fontes. N'este paiz é invejavel felicidade estar em graça com s. exa.!
Fallando em professores, não posso deixar de notar outra disposição desarrasoada e injusta.
De ora avante os professores, que começarem a exercer o magisterio nas escolas militares, não podem prestar este serviço depois de subirem ao posto do capitães e isto pela mirifica rasão de que podem perder, pela ausencia do serviço activo no exercito, o aprumo, o garbo e os habitos militares. Porém, ao invez d'isto os officiaes, que desempenharem commissões no ministerio da guerra, nos tribunaes militares, e os que estiverem de serviço no paço, podem lá permanecer toda a sua vida e subirem aos postos mais elevados do exercito.
Não chego a comprehender a rasão transcendente d'estas differenças. Os que têem a honra de servir junto de Sua Magestade, os que estudam e conhecem o codigo penal e a legislação militar, não correm o risco de perder a capacidade pratica e a educação militar; e os professores das escolas militares, que ensinam e habilitam para as armas scientificas, que têem a competencia technica, que andam, por assim dizer, quotidianamente com as mãos na massa, podem ser mais militares ainda que sejam bons professores e são proscriptos do ensino pelo facto de subirem a capitães e isto quando mais habilitados estavam para vantajosamente exercerem o professorado.
É uma desigualdade inadmissivel e mesmo pouco decorosa para os officiaes professores das escolas militares. Depois da guerra ao thesouro temos a guerra á sciencia.
Se o sr. Fontes pertender alijar a responsabilidade de tão defeituosa reforma na commissão, que nomeou, pouco lhe aproveitará este subterfugio. Não contexto a illustração, a competencia e o merecimento dos membros d'essa commissão. Mas o sr. Fontes tirou-lhes a liberdade deacção, declarou imprescindivel o restabelecimento das remissões como fonte de receita, prescreveu as bases e as condições fundamentaes da reforma militar, impoz á illustre commissão materiaes avariados e com elles era impossivel construir-se obra boa e que satisfizesse.
E vem muito a ponto referir um facto e um exemplo, que constitue uma das mais brilhantes da historia da prussia.
Depois da paz de Tilsitt, a Prussia, retalhado o seu territorio e desbaratado o seu exercito, ficou n'uma situação lastimosa e que se reputava irremediavel.
Dizia-se geralmente na Europa, que a Prussia nunca mais levantaria a cabeça. Mas aquella nação pequena e esmagada pelo braço poderoso de Napoleão, mostrou pelo seu tino, pela sua energia, pela sua perseverança e patriotismo, que podia desmentir aquella funesta prophecia.
Politicamente a Prussia não fez como a França, que depois de uma derrota enxovalha os seus generaes e depõe as suas dynastias; ao contrario, recingiu-se mais apertada e affectuosamente á sua dynastia reinante, (Apoiados.) e não se descongelou até o seu respeito e o seu affecto á propria rainha Luiza, que tinha a principal responsabilidade da ultima guerra.
Militarmente tratou com afogo da reorganisação do seuexercito; para esta tarefa foram convocadas as primeiras capacidades, as primeiras illustrações, as primeiras competencias do paiz. Steindirigia os trabalhos com uma actividade febril e com um zêlo infatigavel. A reforma principiada em 1810 estava concluida em 1813, e saíu uma obra prima de estudo e de reflexão.
Tinha sido solicitada a cordeal cooperação dos homens desciencia e dos militares mais experimentados, que só pozeram uma condição, que foi acceite; essa condição era a liberdade de acção, a liberdade de opinião, a liberdade de iniciativa.
O ministro da guerra, Stein, não impoz a sua vontade, não dictou a traça da reforma, não abalisou nem tolheu com restricções o pensamento e a opinião dos seus collaboradores.
Dirigia, mas não se impunha.
A liberdade de acção foi a pedra angular d'essa sabia reforma, que successivamente aperfeiçoada desde 1813 deu em resultado essa possante, ingente e admiravel organisação militar, que em 1870 habilitou a Prussia para largamente se resgatar dos revezes e infortunios de Iena.
Assim se fez na prussia, assim se procedeem todos os paizes, aonde ha bom aviso, patriotismo sincero, verdadeiro interesse pelos negocios publicos (Apoiados.) aonde as questões mais graves e os problemas ais complicados são objecto de estudos serios e de resoluções radicaes e não de mesquinhos e transitorios expedientes. (Apoiados.)
Como queria o sr. fontes, que uma commissão, que trabalhou cinco mezes, que poucas sessões teve, que s. exa. tratou como uma junta de emprestimos com plano antes traçado, apresentasse bases e fizesse uma reforma, que, harmonisando-se com os progressos da sciencia, satisfizesse ás aspirações do exercito e ás necessidades do paiz? Era impossivel.
Mas para que uma dictadura desnecessaria, que se desentranhou n'uma ruim reforma? Os motivos estão na historia e na psychologia.
Desde muitos annos se havia o sr. Fontes compromettido a fazer a reforma do exercito. Correram annos, succederam-se os seus consulados e avolumaram-se as decepções, porque a reforma não apparecia.
A officialidade do exercito não disfarçava nem reprimia já a manifestação dos seus descontentamentos e das suas queixas.
N'este entretanto é assumpto ao logar de ministro da guerra o sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, cavalheiro distinctissimo pela sua grande illustração e provada competencia. Cuidou elle logo de levantar a instrucção do exercito e com este fim prestou serviços valiosos. (Apoiados.)
Comprometteu-se a realisar a reforma sem exceder as verbas consignadas então no orçamento do ministerio da guerra, e despertou no espirito da officialidade auspiciosas e bem fundadas esperanças de um melhor futuro para o exercito.
O sr. fontes, voltando a gerir a pasta da guerra, lembrou-se de que o sr. João Chrysostomo poderia succeder-lhe mais cedoou mais tarde, desempenhar-se do seu compriomisso e conquistar assim perante o exercito e perante o paiz um invejavel titulo de gloria. Esta idéa incommodava o sr. fontes, era molesta, desagradavel, percuciente para os seus brios e pundonores. Metteu, portanto, peito á reforma, que o bom senso popular na sua clara intuição appelidou logo não de reforma do exercito, mas sim de promoção no exercito.
Fazendo a reforma em dictadura, dispensando a intervenção do parlamento, punha em relevo a sua dedicação pelos interesses e pelas melhorias do exercito; conseguia mostrar a toda a luz, que a reforma com o seu largo prestigio de promoções não era um acto de justiça e da lei, mas sim um acto da sua vontade soberana, generosa e munificente. Esperava assim levantar a sua popularidade abatida no exercito. O sr. fontes errou, porém, os seus calaculos. A officialidade e nomeadamente a que nos ultimos annos tem saído das escolas, ficou desgostosa e maguada, por que viu mallogradas as suas generosas aspirações a uma verdadeira reorganisação do exercito; este não ficou satisfeiro, e ainda que ficasse, comprehende elle bem qual é asua elevada e patriotica missão, e que não é um agregado

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De janizeros ou pretorianos postos ao serviço de qualquer politica partidaria ou de qualquer estadista. (Apoiados.)
O sr. Fontes foi infeliz, desastrado e imprudente escolhendo o dia do anniversario natalucio de um rei constitucional para complemento e solemnisação de um grave attentado contra a constituição. Reviveu o sr. Fontes por este processo os tempos do absolutismo, em que era de uso e estylo elegerem-se os regios anniversarios para se distribuirem commendas e se fazerem promoções. Sá o sr. Fontes procedeu assim para mais prender e affeiçoar o exercito á monarchia. lançou sobre elle uma suspeita infundada, immerecida e affrontosa, porque o exercito sabe perfeitamente quaes são os seus deveres para com o paiz e para com a monarchia, e para os cumprir não precisa de ser amaciado ou captivado com um farto bodo de promoções. (Muitos, apoiados.)
O que prejudica a instituição monarchica é exercer-se uma dictadura, que tornou para objectivo o mais doloroso e o mais sagrado dos impostos, que augmentou despezas e lançou contribuições sem auctorisação legislativa, que celebrou e festejou o seu definitivo triumpho no proprio dia em que a nação commemorava o feliz anniversario do augusto representante d'essa instituição. (Muitos apoiados.)
O que prejudica o principio monarchico é este systematico desprezo pela lei, (Apoiados.) é o mercantilismo dos arranjos arvorado em norma de governo, é o systema dos expedientes, que nada remedeiam e mais aggravam as difficuldades, (Apoiados.) é o systema das transacções, que sacrificando a dignidade dos principios e o decoro do poder se cifram em explorar as fraquezas de uns e em obedecer ás imposições de outros, é a politica da gravidade das circumstancias desfechando, passados quatro annos de predominio, n'uma situação financeira perigosa, gravissima, assustadora, em que os fundos baixam e o deficif sobe a proporções enormes e nunca vistas e em que a personalidade augusta do sr. Fontes, tendo por triste cortejo a ruina da fazenda, o abalo do credito e uma pessima reforma do exercito, persiste, teima e porfia em arrastar o paiz a uma crise cheia de perturbaçõese decunda em desastres. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, lamentando que o governo, assumindo a dictadura em 19 de maio de 1884, commettesse um grave attentado constitucional, e que a ultima reforma do exercito não satisfizesse ás necessidades do paiz, continua na ordem do dia. = O deputado, Alves Matheus.
Foi admittida, ficando em discussão com o projecto.

O sr. Lamare: - Em harmonia com as prescrições do regimento, vou ler a minha moção de ordem. É a seguinte:
«A camara, considerando inadiavel a organisação da força publica, applaude o procedimento altamente patriotico do governo e continua na ordem do dia.»
Sr. presidente, chego tarde ao debate e nas circumstancias mais criticas e difficeis em que me podia encontrar.
Precedido por oradores tão distinctos, faltando-me o talento e os recursos oratorios necessarios para manter a discussão no nivel a que tem chegado nas ultimas sessões, e sendo a primeira vez que tenho a honra de fallar n'esta casa, não me é dado sequer appellar para a benevolencia de todos os lados da camara, porque os gritos de guerra, tantas vezes repetidos n'esta assembléa, ainda se repercutem n'esta sala e me ferem notavelmente os ouvidos.
Venha a guerra, sr. presidente, a guerra sem treguas, mas leal, feita segundo os processos modernos e, sobretudo, a que esteja á altura da dignidade dos combatentes.
Não me parece, sr. presidente, devo dizel-o com franqueza, que os processos de combate adoptados pela opposição parlamentar, sejam os mais proprios e adequados ao fim que se tem em vista.
Vejo que os mais iilustres oradores que têem usado da palavra para atacar o governo n'esta questão, se não submetteram áquella disciplina tão necessaria e tão util durante o fogo que se apresentou, a meu ver, apenas subordinado á inspiração dos atiradores, com gravissimo prejuizo para o resultado final da operação.
Hoje o fogo que se recommenda é aquelle que se sustenta em grupos de atiradores debaixo das ordens dos chefes, para que, num dado momento, a sua acção destruidora e terrivel possa produzir estragos serios nas forças empregadas pelos adversarios.
Essa falta do disciplina ha de prejudical-os sempre, e tanto quanto os prejudicou aquelle systema de governo adoptado em 1879, que ninguem deixou de reconhecer como muito atrazado para a politica moderna.
Cada um dos deputados da opposição, dos que tomaram parte n'este debate, tem procurado atacar o governo por sua fórma e apenas dominados pelo capricho da sua phantasia, cada um d'elles tem inventado os processos que lhe suggere a sua imaginação; mas a verdade é que nenhuma vantagem politica têem conseguido, a não ser aquella que resulta de affirmarem por um modo brilhante as suas vastissimas intelligencias e os seus largos recursos oratorios.
Sr. presidente, tenho esperado com impaciencia os oradores severos que foram annunciados. Infelizmente, não apparecem. É mais uma insubordinação n'aquelle corpo de exercito organisado a Lewal n'esta casa, pelo sr. Braamcamp.
Eu queria ver aquellas hostes dispostas a dar a grande batalha a que se propunham, porque d'este lado da camara não faltaria de certo a firmeza necessaria que nasce da confiança absoluta que se deposita no chefe, e que progride e se desenvolve até ao heroismo á sombra da justiça da causa que se defende. E a confiança que temos no chefe é hoje igual á que depositamos no governo que tem prestado valiosos serviços ao paiz, e que por esse facto ha conquistado todos os applausos sinceros da opinião publica. (Muitos apoiados.)
Quando se conhecem bem as agruras que se encontram n'aquellas cadeiras, se apreciam as dificuldades de toda a ordem que surgem n'aquelles logares a cada momento, e se estuda sem paixão a marcha governativa do actual gabinete, enche-se a gente de confiança para o vir defender Sr. presidente, é apenas a justiça da causa que defendo que me anima a entrar n'esta contenda (para mim muito desigual) travada entre os oradores mais distinctos d'esta casa; mas se ficar vencido na lucta, é para mim ainda uma gloria o haver discutido com tão denodados campeões, a quem não falta o talento nem a competencia. Nem sempre, sr. presidente, se podem colher os louros da victoria.
Quando para combater e arguir a reforma do exercito, ultimamente decretada, se levantam as intelligencias mais esclarecidas da opposição, para citar casos como os do recruta de Tondella, subtraindo ao serviço pela falsificação de alguns documentos, caso isolado que previsto e punivel pelo codigo penal ordinario póde ser devidamente apreciado nos respctivos tribunaes, mas com o qual nada tem sequer a justiça militar; quando se indica o colorido dos uniformes, apresentado como uma mayonaise de cores, estapafurdia e comica como segundo argumento, quando se recorre ainda ao estylo de relatorios que não estão em discussão, para se tirar d'ahi algum proveito, pelo menos rhetorico para entreter a camara e porque essa reforma é melhor do que eu a suppunha, e muito melhor sem duvida do que a considera o proprio governo. (Apoiados.)
Pois levanta-se em França, na assembléa nacional, era 1872, uma discussão acalorada por occasião da reforma das instituições militares d'aquelle paiz, já então muito

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superiores á nossas, tomam ali a palvra oradores eminentes de todos os lados da assembléa, discute-se largamente sob o ponto de vista scientifico e aprecia-se principalmente sob p ponto de vista cientifico, e aqui, a proposito, d'esta reforma, que a todos devia interessar porque o exercito não pertence a nenhum partido politico, mas pertence a todos, pertence á nação, apresentam-se argumentos da ordem dos que têem sido paresentados para combater a lei de quadros e as outras disposições que a acompanham e que melhoram sensivelmente as condições do exercito?!
E não póde haver sombra de duvida ácerca da situação lamentavel em que se encontrava a nossa força publica.
Era-lhe impossivel cumprir a nobilissima missão que tinha a preencher. Devemos dizel-o muito alto, para que todo o paiz o ouça; e se é para mim e para todos nós triste o lembral-o, é indispensavel n'este momento o referil-o.
Mas, sr. presidente, podemos attribuir taes argumentos do combate á falta de intelligencias ou de competencia para entrar no assumpto? Não, mil vezes não; sou eu o primeiro a reconhecel-o. Do que ha carencia absoluta é de rasão e de justiça, e é precisamente por isso que faltam os argumentos mais vigorosos. (Apoiados.)
Mas, vejamos ainda qual é a auctoridade moral dos nossos antagonistas para virem accusar o partido regenerador.
Publicou-se o decreto com as bases da reforma em de maio do anno passado, e publicava-se mais tarde, em 31 de outubro, a reforma, que foi e é o grande pesadelo da opposição, e respondo agora ao illustre orador que antecedeu, que considerou as bases indicadas no primeiro decreto como material avariado.
Sr. presidente, este material que se pretende considerar avariado tinha sido approvado por esta camara, e detidamente examinado, não só por ella, mas tambem pelas illustres commissões de guerra e de fazenda da camara dos dignos pares. (Apoiados.)
Já v. exa. vê e a camara que a censura não póde de nenhum modo referir-se ao governo.
O trabalho da reforma foi assente em bases devidamente calculadas e meditadas, por pessoas competentissimas e não mereciam que se lhes viesse para aqui fazer a critica immerecida e injusta, por processos que não primam de certo pela imparcialidade nem pela isenção da paixão partidaria.
Depois de 31 de outubro, (é necessario que se faça a historia toda da dictadura, que parece, agora, tão condenavel aos nossos adversarios politicos, os quaes a impugnam em nome dos bons principios constitucionaes) havia necesidade de conservar em Lisboa um amigo dedicado, um dos inpectores creados pela lei de instrucção publica promulgada em 1880, e que tinha servido n'esta circumscripção o tempo de tres annos fixado na referida lei.
O sr. ministro do reino cumpria energicamente o seu dever, e não attendia assim ás exigencias dos nossos adversarios, nem ás pretensões do requerente, que aliás era um professor illustrado e intelligente, dura lex est lex.
A imprensa opposicionista, ou, para melhor dizer, uma parte da imprensa, porque a opposiçao está aqui, ao que parece, tão dividida como la fóra, escrevia o seguinte:
«As leis fazem-se nos parlamentos, mas ao poder executivo cumpre emendal-as em decretos de dictadura, e esta é a verdadeira doutrina constitucional!!!»
Ora, sr. presidente, como se trata a constituição e como respeitam os seus principios os nossos adversarios!!!
Isto escrevia um jornal importante da opposição como sendo boa doutrina constitucional!
E não se diga que não foi a redacção do jornal; porque quando um homem da importancia e estatura politica d'este que redige o periodico que tenho em frente e que acabo de ler, vê affirmações d'esta natureza e não vem no dia seguinte protestar contra ellas e contra tão peregrina doutrina, é certamente porque a acceita. (Apoiados.)
Pois foi o Diario popular que escreveu isto como boa doutrina constitucional, e já depois de 31 de outubro de 1884!
Vejam que coherencia!
Diz-se, tambem sr. presidente, que a reforma não era urgente.
Quem veiu primeiro dizer ao paiz que ella era urgente foi o partido progressista.
V. exa. comprehende que pela pouca auctoridade da minha palavra, eu tenha necessidade de me soccorrer a alguns documentos, que são de certo insuspeitos para o partido que representa actualmente a opposição n'esta assembléa.
(Leu.)
tudo isto propunha o partido progressita no seu celebre programa e julgava então inadiavel a reforma do exercito; porque não a julga hoje?
Mudaram porventura as circunstancias? (Apoiados.)
Singular contradição.
Uma voz: - Os jornaes não se podem ler n'esta casa.
O Orador: - Perdão, quando os jornaes publicam o programma de um partido e quando esse programma tem recebido a sansão official do governo, como recebeu o manifesto que estou lendo, na sessão de 2 de junho de 1879 (e invoco para isto o testemunho valioso do sr. José Luciano de castro, que sendo ministro do reino, appelou para este manifesto acceitando como boa toda esta doutrina) não póde a meu ver levantar-se por parte da opposição a mais pequena censura ao meu procedimento. E o programma passa a ter os fóros de documento, a menos que v. exa. não reneguem a doutrina que aqui consignaram ou não contradigam o sr. José Luciano de Castro.
Já vêem que a reforma do exercito era então julgada inadiavel por v. exas.
Quando as nações mais adiantadas em civilisação e progresso procuram, como tem procurado desde 1869 até hoje, ainda as mais pequenas e as menos ricas, harmonisar a sua organisação militar pelos principios mais recommendados, e tendem a augmentar annualmente o effectivo dos seus exercitos, o partido progressista entende, á maneira que o tempo decorre, que é sempre má a nossa organisação, mas não procura reformal-a porque isso é perfeitamente dispensavel.
Isto não se commenta porque não é serio (para rir diria o sr. Carlos Lobo d'Avila)
A proposito, repetirei n'este momento uma phrase proferida n'esta casa por este illustre deputado, quando se discutiu a resposta ao discurso da corôa.
Disse s. exa.: «os partidos morrem abraçados á suas bandeiras, e defendendo os seus programas». Ora, sendo assim, o partido progressista, que julgava inadiavel a reforma do exercito, não póde vir dizer hoje que ella é adiavel. (Apoiados.)
E é justamente a falta de coherencia que define a politica da opposição.
Não quero de modo algum azedar o debate, e por isso dispenso-me de fazer confrontos, mas se quizesse fazel-os, eu diria que preferia mil vezes a falsa hypothese do governo querer captar a sympathia do exercito nas vesperas das eleições, provendo as justas exigencias da sua organisação e da fazenda do paiz aos expedientes tristemente celebres a que recorreu o governo progressista nas vesperas das eleições de 1879, expedientes que tendiam a espalhar o terror nos povos, e a afastar systematicamente da urna os officiaes do exercito, para que elles não podessem exercer livremente os seus direitos. (Apoiados.)
Fez-se isto, e d'estes factos se tomaram então estreitas contas ao governo pela voz auctorisada e eloquentissima do sr. Hintze Ribeiro, quando respondia brilhantemente a um discurso proferido n'esta casa pelo sr. presidente do conselho, que n'essa epocha era o sr. Anselmo Braamcamp.

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Sr. presidente, eu tambem não defendo as dictaduras. Entendo que as dictaduras são sempre infracções da lei, e como taes não se defendem. (Apoiados.)
Não sympathiso mesmo com as dictaduras, detesto-as, como o sr. Antonio Candido. Mas detesto mais aquellas que se impõem pelas revoluções, e condemno então os governos que permittera estas por negligencia ou por cumplicidade.
Eu ouvi com profundissimo sentimento estabelecer um parallelo entre a dictadura de 19 de maio de 1870 e a de 19 de maio de 1884, e lamentei que um antigo ministro da corôa, respeitado pelo seu talento, considerado pelo seu estudo, entrasse n'um tal caminho, chegando a affirmar que a primeira havia tido o merito de um militar brioso e valente ter exposto o peito ás balas, e que a segunda nem sequer essa recommendação póde ter por que fôra feita socegadamente no gabinete do sr. ministro da guerra!
É realmente doloroso que venham fazer-se taes affirmações, e que se estabeleçam aqui taes parallelos! E mais doloroso é o ver que se confunda uma dictadura que organisou, com outra que destruiu, ou que pelo menos abalou profundamente a disciplina que faz a força e o successo do exercito, e que é esse laço moral e poderoso que liga os diversos elementos que o constituem.
A dictadura de 1870 não póde nem deve ser invocada pelo partido progressista.
Os officiaes que a provocaram ficaram collocados na mais ingrata das posições.
(Áparte.)
Em que situação dolorosa se não collocou esse official!...
(Áparte.)
Não quero oppor este facto que foi passado na calçada da Ajuda por que já foi apreciado com louvor por um dou mais auctorisados vultos da opposição, a data de 31 de outubro, em que foi publicada a reforma do exercito por que já declarei que não pretendo azedar o debate, e os resultados do confronto não seriam satisfactorios a esse lado da camara.
O nobre presidente do conselho de ministros tem sido accusado n'esta casa por ser, alem de dictador, draconiano!
Tem-se dito que s. exa. apresentou e fez adoptar um codigo de justiça militar detestavel, um codigo que se torna digno d'aquella classificação.
Isto é extraordinario, sr. presidente!
De modo que, emquanto o exercito esteve subordinado ás disposições do regulamento de infanteria de 1763, que poucas garantias ou nenhumas davam aos réus; emquanto esteve ao abrigo d'essa legislação criminal excessiva e impossivel a todos os respeitos, devia julgar se feliz e venturoso; e hoje, pela nova reforma penal que foi muito alem dos progressos realisados no regulamento de 21 de julho de 1856, está sob um regimen verdadeiramente draconiano!
O codigo de justiça militar, approvado pela carta de lei da 13 de abril de 1875, modilicado pela carta de lei de 2 de maio de 1878, já é considerado como barbaro, a despeito de ser vasado nos moldes do codigo penal de França, d'esse grande paiz que em 1871, depois de haver passado por dura prova, empregara toda a sua actividade na reforma radical das suas instituições militares e cuidára com desvelo na administração da justiça.
Note a camara que a acção dos actuaes tribunaes militares permanentes nas divisões territoriaes que tão bons serviços estão prestando ao exercito, são obra exclusiva do sr. presidente do conselho, assim como o regulamento disciplinar de 15 de dezembro de 1875; mas, quando s. exa. estabelece as formas mais liberaes do processo criminal, quando dá ao réu o livre exercicio do direito de defeza, quando lhe dá um certo numero de garantias que existem na nova legislação, é por que é draconiano.
Dracon o sr. Fontes!!
Quem me dera que todos os homens politicosdo meu paiz fossem draconianos por esta fórma. (Apoiados.)
E facil, extremamente facil, accusar d'esta fórma, mas é, é muito difficil a apresentação das provas, sobretudo quando a accusação é injusta a este ponto. Venham essas provas, queremos examinal-as com a maxima attenção. Vejamos onde estão os draconianos. Invoco a historia e prometto não deturpar os factos.
Recorda-se de certo a camara que em 15 de setembro de 1862 rebentou em Braga uma revolução militar, e que no dia 16 d'esse mez se publicava uma proclamação em que o chefe do estado chamava á ordem os insurgentes, promettendo a amnistia aos que depozessem as armas durante um certo praso; recorda-se tambem que n'essa proclamação se não encontrava o nome de nenhum dos ministros, o que é um caso realmente extraordinario porque ninguem constitucionalmente podia ser responsavel por aquelle acto.
Felizmente, a revolta foi dominada e os soldados depozeram as armas, mas o governo de então adoptára para com os insurgentes uma doutrina singular.
Eu leio um officio que se refere a este facto, e que é realmente muito curioso.
«Ministerio da guerra. - 1.ª Direcção. - 2.ª Repartição. - Illmo. e exmo. sr. - De toda a gente militar que tomou parte na revolta de Braga o destacamento de caçadores n.° 3 foi sem duvida quem teve o mais abominavel comportamento, por quanto fez fogo contra o seu general e mais tres officiaes, do que resultou a morte do chefe de estado maior e o grave ferimento do coronel do regimento n.° 6 de infanteria. Esta gente, pelo attentado que praticou não póde continuar a servir no exercito. Seria de um pessimo exemplo. Tambem se lhe não deve dar baixa do serviço porque não seria um castigo mas sim um premio. Resta pois mandal-a, servir no ultramar.
«Concordando v. exa. n'esta medida será bom que esta gente faça viagem na primeira embarcação que sair do Tejo para as nossas possessões ultramarinas; sendo conveniente nomear officiaes para commando d'estas praças, cujo numero anda por 50.
«Deus guardo a v. exa., etc.»
Esto officio expedido pela segunda repartição da primeira direcção do ministerio da guerra, e que tem a data de 29 de setembro de 1862; este officio que affirma que os soldados do destacamento de caçadores n.° 3 não podem, pelo seu attentatorio procedimento, continuar a fazer parte do exercito, não ordena que os réus sejam submettidos á appreciação dos tribunaes competentes, mas adopta um precedente terrivel, por que subtrahindo-os á acção das justiças competentes, envia-os para os insaluberrimos areaes africanos.
E o ministerio d'essa epocha, que era progressista, e que e praticava um acto de dictadura mil vezes peior do que aquelle que hoje se discute, não era draconiano. Draconiano é o sr. Fontes, que para terminar de um vez para sempre com taes abusos reformou do modo mais completo e mais liberal a nossa legislação criminal militar.
(Interrupção.)
Tenho presente o numero do Diario do governo onde se publicou o decreto que suspendia as garantias em Braga, e a proclamação em que Sua Magestade promettia a amnistia a todos os insurgentes que se apresentassem immediatamente.
Elle aqui está.
Como o partido progressista entende, que a palavra de El-Rei é uma palavra sagrada, segundo o affirmou o sr. Carlos Lobo d'Avila, eu julguei de meu dever fazer a leitura do officio expedido pelo ministerio da guerra n'essa occasião, para se ver qual fôra o destino que se dera aos tumultuosos e até que ponto fôra considerada como sagrada pelo partido progressista a palavra do augusto chefe do
Estado.

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e note a camara, que alem do governo Ter quebrado a harmonia que devia existir entre os poderes do estado, segundo as prescripções consignadas na carta, os seus actos de dictadura iam tão longe que passavam as linhas de respeito que separa o poder executivo do poder judicial, e chegaram a adiar as côrtes correndo-lhe o impreterivel dever de vir dar contas sem delonga aos representantes do paiz de todos estes factos.
E é um partido que tem estes precedentes politicos que vem mover crua guerra ao actual gabinete!
Sr. presidente, aqui estão registados os exemplos salutares que nos fornece a historia com respeito ao governo dos nossos adversarios implacaveis. (Apoiados.}
Invocou-se tambem o augmento da despeza para aggredir a reforma do exercito.
(Interrupção.)
Folgo com essa declaração; desde que ella foi economica, felicito mais uma vez o governo. (Apoiados.)
(Interrupção.)
Se v. exa. me dá licença eu direi que as condições do thesouro não são, de certo, tão pavorosas como os illustres deputados as apresentam. E a prova do que affirmo está no procedimento da opposição.
Se as circumstancias financeiras fossem tão graves como se pretende apresentar, eu tenho a intima convicção que v. exas. pelo seu muito patriotismo e elevada consideração pela causa publica não viriam aggravar diariamente a situação do thesouro com a apresentação de projectos que envolvem novos encargos.
Quero fazer-lhes inteira justiça e apreciar sem paixão o vosso modo de proceder. (Apoiados.)
Fez-se a reforma com o alargamento dos quadros porque elle era necessario e indispensavel. Eu pergunto a todos os cavalheiros que fazem parte da opposição se era possivel elevar o effectivo ao que está marcado na lei sem o augmento dos quadros?
Como era possivel, sr. presidente, collocar nos quadros creados pela lei de 1864 o numero de praças indicadas n'esta reforma, o julgadas indispensaveis para a nossa defeza nacional?
Onde ficam as disposições de Goltz de Lewal?
Querem companhias com um numero de praças superior a 250; e desejam esquadrões cujo numero de cavallos seja tal que o commando se torne absolutamente impossivel?
Do valor dos quadros depende inquestionavelmente o valor dos exercitos, e querem um grande exercito com pessimos quadros; é um erro que hoje não póde nem deve admittir-se ainda quando parta d'aquelles que no cumprimento do seu dever procuram fazer opposição ao goveno.
A opposição partiu de uma hypothese muito falsa para fazer os seus calculos.
Os effectivos dos exercitos não se subordinam aos officiaes nem aos quadros, como aqui se disse.
Dado o effectivo é necessario collocal-o em condições convenientes e procurem-se então segundo os principios que prendem as organisações os quadros necessarios para o melhor funccionamento tactico das differentes unidades.
Ora, sr. presidente, chegou a opposição durante a febre da discussão a affirmar que o sr. presidente do conselho nada tinha feito ao exercito.
Antes de entrar n'este ponto, permitta-me v. exa. que responda a um dos argumentos apresentados pelo illustre orador que me precedeu, o sr. Alves Matheus. Dizia s. exa. que as companhias ficavam sem soldados, e os esquadrões sem cavallos.
Sem soldados ficaram elles em 1879 ou 1880 pelo licenciamento antecipado para a reserva de um grande numero de praças. Ao abrirem as escolas regimentaes era justo reduzir o numero de discipulos em favor da instrucção do exercito, é claro.
Sem cavallos ficaram os corpos de cavallaria durante as administrações progressistas. E estes factos são de facil prova.
Eu não desejo apresentar um unico argumento que não possa ser reforçado com uma prova.
O relatorio do sr. ministro da guerra publicado em 1874 diz o seguinte:
«Em 31 de agosto de 1871 faltavam á cavallaria 1:004 praças e 801 cavallos em relação ao pé de paz.»
Os cavallos que existiam estavam em pessimas condições, e não se vendiam por falta de remonta.
Só cavallaria 2 tinha o completo de arreios modelo 1868.
Em 31 de outubro de 1873 a cavallaria contava 954 praças a mais do effectivo. Todos os corpos tinham recebido os arreios do modelo 1868 e de armamento, correame e equipamento.
Os mappas juntos a este documento revelam ainda outras curiosidades que são realmente importantes para a historia da dedicação do partido progressista pelo nosso exercito, e mostram sobretudo a justiça dos seus violentos ataques contra o nobre presidente do conselho de ministros.
De maneira que o sr. Fontes entrara para o ministerio da guerra, e encontrara falta de soldados, falta de armamento, falta de arreios, saía deixando tudo isso e não fez absolutamente nada! (Apoiados.)
Mas, quem fazia alguma cousa era o sr. João Chrysostomo, e senão vejamos.
Antes de tudo devo dizer que eu era incapaz de apreciar a administração de s. exa., se não estivessem n'esta casa os seus collegas no ministerio, os srs. Barros Gomes e Luciano de Castro, que adoptam de certo a theoria da solidariedade ministerial.
Mas, desde o momento em que s. exa. tem aqui tão bons defensores, não hesito em perguntar quaes foram os factos notaveis, praticados pelo sr. João Chrysostomo em favor do exercito? Ouço dizer que s. exa. fez maravilhas mas eu não as conheço. O que fez s. exa.? A reforma dos coroneis?
Ainda na sessão passada o sr. Carlos Lobo d'Avila disse, que o sr. presidente do conselho tinha passado bocados amargos com a questão dos coroneis. Parece-me que
s. exa. se equivocou. A questão dos coroneis, que provocou uma crise que creou grandes embaraços ao sr. José Joaquim de Castro, não podia trazer bocados amargos ao sr. Fontes. (Apoiados.)
Seria a reforma de engenheria feita dictatorialmente pelo partido progressista? E aqui está mais uma dictadura.
«Secretaria de estado dos negocios da guerra. - Direcção geral. - Primeira repartição.
«Considerando que a ultima organisação da arma de engenheria foi estatuida no decreto com força de lei de 13 de dezembro de 1869 e que no artigo 11.° do mesmo decreto se fixou o quadro de estado maior do corpo de engenheiros, tão sómente para os serviços militares designados no artigo 12.° do mesmo decreto;
«Considerando que, pelo artigo 27.° do supracitado decreto, são classificados como effectivos os officiaes que compozerem o quadro estabelecido no mencionado artigo 11.° e como supranumerarios e addidos os que forem empregados em outras commissões proprias das suas habilitações;
«Considerando que pelos artigos 29.° e 30.° os officiaes supranumerarios e addidos têem direito a acompanhar o accesso dos officiaes effectivos até ao posto de coronel, e que, pelo decreto de 28 de junho de 1870, aquelle direito se tornou extensivo a qualquer posto e a todos os officiaes do exercito empregados em serviço extranho ao do ministerio da guerra, nos termos do mesmo decreto; «Considerando que tendo sido creada a engenheria civil, em harmonia com o plano de organisação do exercito decretado em 23 de junho de 1864, extincta pelo decreto de 30 de outubro de 1868, reorganisada por de-

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creto de 18 de dezembro de 1869, em concordancia como decreto de 13 do mesmo mez e anno, e finalmente suspensa por decreto de 22 de junho de 1870, sem que alem do decreto de 28 de junho de 1870, sem que alem do decreto de 28 de junho d'esse mesmo mez se introduzissem nos decretos acima mencionados as indispensaveis alterações para harmonizar entre si e tornar congruentes providencias que tinhamsido decretadas em epochas differentes e obedecendo a principios diversos, resultando d'essa falta as difficuldades e antinomias que se encontram na applicaçãoda legislação vigente;
Considerando que n'este estado de confusão do principios e de incerteza de direitos em relação á arma de engenheria, não ha rasão sufficiente para que a promoção dos officiaes engenheiros empregados em serviços estranhos ao do ministerio da guerra não obedeça ás mesmas regras que se têem seguido na promoção dos officiaes das outras armas e do corpo de estado maior, em identica situação;
«Considerando que o emprego dos officiaes do exercito em commissões estranhas ao mesmo exercito carece de providencias legislativas que, de uma vez, limitem e regulem similhante faculdade;
«Considerando que, tendo o meu governo de propor ás cortes, na proxima sessão legislativa, o plano de reorganisação do exercito, é ahi que convem prescrever definitivamente as disposições que devem ser observadas, em tão importante assumpto, tendo attenção ás necessidades de diversos serviços, tanto da dependencia do ministerio da guerra, como dos outros ministerios;
«Considerando que no artigo 28.° do decreto de 13 de dezembro de 1869, se preceitua que os officiaes effectivos de graduação inferior á de coronel, de que o ministerio da guerra poder prescindir temporariamente nos serviços da sua immediata dependencia, poderão ser empregados nas obras publicas ou em outros serviços dos mais ministerios, sem deixarem de pertencer ao respectivo quadro, devendo n'este caso ser considerados como destacados do estado maior de engenheria;
«Considerando, finalmente, que é nos postos de tenente e capitão que por mais tempo convem que permaneçam no quadro do estado maior do corpo os officiaes de engenheiros, a fim de tomarem parte nas epochas opportunas nos exercicios militares proprios da sua arma;
«Hei por bem determinar que componham o quadro do estado maior da arma de engenheria os officiaes constantes da relação que faz parte d'este decreto e baixa assignada pelo ministro e secretario d'estado dos negocios da guerra, e que os officiaes engenheiros supranumerarios e addidos, de que trata o artigo 27.° do decreto de 13 de de dezemmbro de 1869, sejam considerados em commissões, com direito a acompanhar o accesso dos officiaes do estado maior de engenheria. nos termos do decreto de 28 de junho de 1870.
Hei outrosim por bem ordenar que os capitães e tenentes effectivos do quadro do estado maior de engenheria, actualmente servindo no ministerio das obras publicas, sejam considerados como destacados do dito quadro, nos termos do artigo 28.° do decreto de 13 de dezembro de 1869.
«O ministro e secretario d'estado dos negocios da guerra assim o tenha entendido e faça executar. Paço, em 8 de julho de 1880. = REI. = João Chrysostomo de Abreu e Sousa.»
Sabe v. exa. o que fez esta dictadura? Vinte o um tenentes coroneis de engenheria em pouco tempo.
Disse o sr. Carlos Lobo d'Avila que era possivel que daqui a pouco alguem dissesse: «Eu não sou esse major». Com esse decreto do sr. João Chrysostomo seria difficil encontrar alguem que não dissesse: «Eu não sou esse tenente coronel». (Riso.)
O sr. João Chrysostomo apresentou uma reforma para os sargentos. Não serei eu que censure esse facto. Mas effectivamente desde que se apresenta uma reforma para os sargentos, parecia-me de toda a justiça que se apresentasse primeiro ou conjuntamente com ella a reforma dos officiaes; porque na verdade colocar os officiaes em condições inferiores aos seus subalternos, parece-me pouco conveniente. (Apoiados.) Verdade seja que um dos oradores da opposição já disse que os sargantos commandavam mais do que os capitães e subalternos, e em face d'este principio, parece-me que o sr. João Chrysostomo procedeu bem. (Riso.)
Sr. presidente, note v. exa. e a camara que tendo o sr. João Chrysostomo reformado contra lei um official dos mais dignos, dos mais intelligentes, dos mais illustrados que possue o nosso exercito, o qual foi victima de um desastre que podia bem considerar-se occasionado em serviço, e reconhecendo por esse facto a situação desfavoravel em que se encontravam os nossos officiaes em relação á lei das reformas, tinha imperiosa obrigação de vir propor a alteração d'essa lei ao parlamento antes de apresentar a da reforma dos officiaes inferiores.
É necessario dar a Cesar o que é de Cesar. A lei que organisou as escolas regimentaes não foi do sr. João Chrysostomo.
Quando s. exa. tomou conta da pasta da guerra encontrou já prompto esse trabalho, que foi mandado elaborar pelo illustre general Antonio Florencio de Sousa Pinto.
É a esto ministro que se deve um tal melhoramento.
A Commissão encarregada do estudo d'esta reforma foi nomeada na ordem do exercito n.° 41 de 1877 e dissolvida na ordem do exercito n.° 19 de 1879.
Já v. exa. vê o quanto o sr. João Chrysostomo trabalhou para esta reforma.
O sr. João Chrysostomo nem sequer foi economico, e n'esta parte enganou-se o illustre deputado, que respeito pelo seu talento e que considero pelo seu constante trabalho e pela integridade do seu caracter; refiro-me ao sr. Barros Gomes.
É certo que a tabella de distribuição da despezas do ministerio da guerra consigna n'esse anno uma quantia inferior á votada no anno anterior, mas é tambem certo que o sr. José Joaquim de Castro, que veiu substituir aquelle illustre ministro, teve de vir ao parlamento pedir mais réis 173:000$000 para fazer face aos encargos do ministerio a o seu cargo.
Não se havia contado com as forragens, rações, etc.
Um pequeno engano de 173:000$000 réis!
Disse-se ainda aqui que a reforma tinha o grande mal de augmentar o quadro dos officiaes sem que augmentasse o dos soldados!
Isto para mim é novo, desde que na organisação de 1864 se fixasse o effectivo de guerra em 68:324 praças e este numero foi elevado na nova organisação a 120:000 homens!
A organisação de 1864 dava 36 bôcas de fogo em pé de paz e 90 em pé de guerra; a de 1884, que se combate, proporciona 264, e isto tambem não significa um consideravel augmento no modo de ver do partido progressista!
Este assumpto será de certo tratado mais desenvolvida mente pelo meu illustrado collega e amigo o sr. Cypriano Jardim, que está inscripto para usar da palavra durante esta discussão, e por essa rasão me abstenho de fazer mais algumas considerações.
«Sr. presidente, á dictadura dos factos - disse o orador que me precedeu - que se succedia a do silencio!» Ora, note v. exa., que nas primeiras sessões a que tive a honra de assistir, quando o governo se levantava e respondia aos illustres deputados da opposição, aquelle lado da camara insurgia-se contra esta maioria, dizendo que ella estava desunida e que abandonava o governo. É necessario que o governo se defenda, dizia então a opposição: «Agora succede o contrario, a maioria vem defender o governo - que não precisa de defeza porque tem elementos mais que suffi-

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cientes para se defender - mas vem cumprir com o seu dever, fazendo a vontade á opposiçãoe ella insurge-secontra este acto! (Muitos apoiados.)
De maneira que o mais curial seria organisar listas por mezes ou semanas de quem deveria usar da palavra, para assim ser agradavel á opposição! (Riso.)
«As dictaduras justificam-se apenas em casos extremos!» Dizia-nos ha pouco o sr. Alves Matheus. Mas eram extremos os casos de 1869? Não, de certo, e assim dispenso-me de responder a este argumento, porque quero deixar aos seus amigos politicos a defeza de uma tão severa accusação.
«Sr. presidente, na Belgica, na Hespanha, na Suissa - dizia o orador que me precedeu - não ha um homem como o sr. Fontes, que tivesse combatido as remissões para depois as adoptar, como elle as adoptou». Isto não é exacto, permitta-me o illustre orador que lhe affirme que o sr. presidente do conselho não combatera nunca as remissões se s. exa. ler com attenção o discurso que o sr. Fontes pronunciou em 1873, e em 1884, e bem assim o relatorio apresentado n'esta casa do parlamento, convencer-se que o que o nobre presidente do conselho combateu constantemente foi a mercancia dos homens, e nunca as remissões. (Muitos apoiados.)
É realmente notavel que v. exas., achando odiosas as remissões, queiram acceitar de bom grado as substituições, e a taxa militar. Pois não é tudo isto igualmente odioso? (Apoiados.)
Desde o momento em que todos os cidadãos têem obrigação de defender a patria, em que o serviço militar é considerado como um serviço nacional, devemos desviar d'esse serviço toda a qualidade de interesse, e não deve haver nem taxa, nem remissões, nem substituições. (Apoiados.)
Mas a verdade é que nós não podemos fazer reformas radicaes á allemã com orçamentos á portugueza. Temos de subordinar-nos ás circumstancias estreitas da fazenda publica, e não podemos por isso melhorar as condições do exercito senão pouco a pouco. (Apoiados.)
Esta reforma não é a ultima palavra. O governo não teve a pretensão de fazer uma reforma perfeita.
Todos os livros que tratam de assumptos militares dizem que as organisações dos exercitos precisam ser renovadas periodicamente, exactamente como sueccede na tactica.
A França começou a reorganisação do seu exercito em 1872. Em 13 de julho do mesmo anno decretou-se n'aquelle paiz a lei do recrutamento, que consignava nos artigos 3.º e 4.° o principio de afastar dos soldados toda a idéa de interesse, e em 1878 renegou-se esse principio, votando-se uma alteração áquella lei, por se reconhecer que era indispensavel manter as remissões para se poder satisfazer ás exigencias dos quadros. Havia uma grande falta do officiaes inferiores, e para obviar a esse inconveniente alterou-se a lei.
Responderei ainda a uma outra objecção feita pelo sr. Alves Matheus, de que só se póde fazer a guerra com homens instruidos, com o exemplo da França o da Allemanha.
E note v. exa. que a lei franceza de 1872 só pôde produzir os seus resultados doze annos depois da sua publicação, porque as reformas fazem-se n'um dado momento, e é preciso que decorra um largo periodo de tempo para que possam começar a colher-se os resultados d'ellas. (Apoiados.)
Vejamos se todos os homens que preenchera os effectivos da guerra são instruidos.
A Allemanha e a França podem, creio eu, ser citadas como bons modelos de organisação, e sendo assim, pasemos em revista o que ali se fez a tal respeito, para tranquilisar o espirito do illustre orador a quem tenho a subida honra de responder.

Mobilisação

Forças instruidas e não instruidas

Recrutamento

Quando a lei de 1872 produziu os seus resultados, a França mobilisava:

[ver Tabela na Imagem]

Homens instruidos (9 classes):
Tendo tres a cinco annos de serviço....
Tendo de seis mezes a um anno de serviço....
Homens não instruidos (9 classes):
Dispensados....
serviços auxiliares....
Exercito territorial (11 classes):
Homens que serviram....
Provenientes dos dispensados....
Serviços auxiliares....

Dos quaes 552:000 aptos sómente aos serviços auxiliares.
Será conveniente registar que era absolutamente impossivel metter em quadros esta força como a da Allemanha.

A Allemanha dispõe para mobilisação de:

[Ver Tabela na Imagem]

Homens instruidos....
Homens não instruidos....
Landsturm....

não comprehendendo n'este numero o de 17:000 officiaes que en tempo de guerra se eleva approximadamente a 31:200.
Em paizes como a Allemanha e a França, que têem uma grande extensão territorial, e tendo de fazer uma mobilização d'este effectivo, comprehende-se a necessidade do recrutamento regional; mas nas condições em que nós estâmos não me parece indispensavel esse recrutamento, que tem vantagem, mas tambem tem inconvenientes, e estes são em maior numero do que aquellas.
Cuidado com este recrutamento.
Veja-se, por exemplo, se a Italia, que tem um exercito perfeitamente organizado, adoptou o recrutamento regional. Não adoptou; porque o grande principio da organisação dos exercitos, é que elles sejam verdadeiramente nacionaes e não provinciaes. (Apoiados.)
A Italia dividiu o seu territorio em cinco regiões proximamente iguaes em população, as quaes dão um quinto do numero de recrutas fixado pelo contingente annual
Fazendo-se uma organisação em que as differentes unidades tacticas pertençam, em massa, a determinadas regiões, fatalmente se colherão desvantagens taes que constituem um perigo imminente.
A França não adopta tambem o recrutamento regional e consignou o principio de que durante os tres annos de serviço effectivo os corpos não recebessem dois contingentes de recrutas da mesma, procedencia.
A propria Allemanha não adopta o recrutamento regional para os corpos da Alsacia e Lorena, que recebem os seus contingentes da Prussia, recrutando alguns dos corpos prussianos n'estas duas provincias, e o corpo da guarda a é recrutado em todo o territorio.
Antes de se invocar o recrutamento regional é necessario estudar a indole e as condições dos povos, e de ver se essa é a formula mais recommondada aos interesses da sociedade e do exercito, que é principalmente destinado a defender a patria e a manter a ordem, que é um dos mais solidos fundamentos da liberdade.
Sr. presidente, é deveras notavel o modo por que se combate o governo. Agora diz-se que elle supprimiu a 5.º divisão militar, e esta circumstancia levanta as iras dos ora-

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SESSÃO DE 20 DE MARÇO DE 1885 837

Dores parlamentares que têem affirmado mais de uma vez n'esta casa as suas tendencias economicas. Isto é extraordinario!
Accusa-se o governo por ter realisado esta economia, e pretende-se subordinar o plano da organisação aos interesses das localidades, e ao capricho de determinadas influencias.
Felicito o governo por ter apenas adoptado como norma do seu procedimento na reorganização da força publica, os preceitos da sciencia militar que são a garantia unica da independencia da patria aureolada pelo prestigio de uma religião que se chama - liberdade!
Fez-se ainda uma outra accusação ao governo, e esta é realmente muito original.
Pretendem alguns deputados da opposição que os professores militares das diversas escolas não voltem ao serviço das respectivas armas, e percam assim os habitos do commando.
Eu não posso concordar com similhante systema que reputo perigoso, para o interesse do exercito a que tenho a honra de pertencer.
Não é justo, sr. presidente, que se deixe apenas a alguns officiaes as vantagens auferidas pelo magisterio nas diversas escolas, tirando-se aos outros o incentivo pelo estudo e uma recompensa ao seu trabalho e ás manifestações dos seus talentos.
Os professores que regressem aos corpos no fim de determinado tempo, porque a convivencia com os seus camaradas traduz-se em larguissimos beneficios para a corporação dos officiaes que terá a gloria de contar um grande numero de illustrações.
Sr. presidente, esta reforma que elevou o tempo de serviço, que fixou os quadros para 120:000 homens, que acabou com as graduações, que estabeleceu exames para os accessos aos diversos graus da hierarchia militar, que organisou as inspecções de cavallaria e de infanteria, como secções importantes de estudos que devem servir de base a algumas alterações futuras, que deu autonomia ao corpo do estado maior deixando-lhe um largo campo para as suas utillissimas investigações e para os seus importantissimos serviços, não póde justamente merecer as iras implacaveis da opposição d'esta casa. E quem realisa tão importante reforma presta um serviço relevante á patria, e torna-se altamente digno da sua veneração.
Eu tenho fatigado demasiadamente a attenção da camara, mas vou concluir. Antes, porém, de o fazer, seja-me permittido contar um facto occorrido ha poucos annos na Inglaterra.
O partido liberal que então presidia aos destinos d'aquella grande nação tentára por diversas vezes acabar com os privilegios da aristrocacia no exercito, mas a camara dos lords oppunha-se tenaz e persistentemente á realisação d'essa idéa. N'esta situação o governo adoptou o único meio que lhe restava; aboliu os privilegios sem assentimento d'aquellacasa do parlamento.
O partido conservador estygmatisava este acto por consideral o inaudito, protestando restabelecer os privilegios logo que assumisse as redeas do governo. Pois bem. Chegados ás cadeiras do poder falleceu-lhes a coragem para aniquilar a obra civilisadora do partido liberal, e os privilegios ficaram abolidos.
Tenho fé, sr. presidente, que esta reforma, que não foi impugnada pela camara alta e que foi feita para collocar o paiz em condições vantajosas para a defeza da sua autonomia, ha de ser ainda defendida d'aquellas cadeiras pelas vozes mais auctorisadas do partido progressista, quando soar a hora do seu advento aos conselhos da corôa.
A differença unica, sr. presidente, entre o facto que narrei succedido na altiva Gran-Bretanha e o que me atrevo a prognosticar ao partido chamado progressista, é que lá, na Inglaterra, foi o partido liberal quem realisou a grande medida civilisadora, que os conservadores se viram forçados a manter em nome das conquistas da civilisação; e cá... cá será o partido chamado liberal quem não terá a coragem de destruir esta reforma importantissima realisada pelo partido que elles, os nossos adversarios politicos, acoimam de conservador, mas que é incontestavelmente o mais estrenuo defensor de todas as liberdades patrias!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, considerando inadiavel a organisação da força publica, applaude o procedimento altamente patriotico do governo e passa á ordem do dia. = Lobo Lamare.
Foi admittida, ficando em discussão com o projecto.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.

Eram seis horas tarde.

Rectificação

A pag. 792, col. 2.ª, linha 41, onde se lê «desenvolvimento», leia-se «desconhecimento».

Redactor = S. Rego.

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