SESSÃO DE 22 DE MARÇO DE 1886 685
rapidamente, accentuar desde já o meu sentimento, de que se tenha commettido a grave imprudência de ir por um casamento mal aconselhado, intrometter o nosso paiz em questões internacionaes de que elle devia com todo o empenho conservar-se arredado.
Julgo, com effeito, imprudente, já que se não pôde evitar a tempo este faustissimo consorcio, que ao menos não tenha havido a des cripção, e talvez até a delicadeza, de conservar dentro dos limites modestos de um lar domestico particular, aquillo que por fórma alguma na presente occasião devia ser thema ou pretexto para ruidosos festejos publicos em nome da nação!
O herdeiro da corôa de Portugal vae casar com uma princeza, pertencente a uma das casas que reinaram em frança.
Nada direi no momento actual a respeito da casa de Orleans, pois não quero que alguem possa lançar-me em rosto a suspeita sequer de menos cavalheiroso para com uma dama; apesar de que, sendo esta casa, uma antiga casa reinante a algumas das paginas mais sombrias dos annaes da mais generosa das nações latinas, assistia-me, pelo menos, o direito de examinar á luz da história factos que são episodios inseparaveis da evolução politica da Europa n'este seculo.
Não o farei porém!
No entretanto é preciso não olvidar a situação em que os principes de Orleans estão em França.
Eu sei que se diz, para justificar este casamento, que a escolha do coração não póde ser contrariada por consideração alguma de interesse publico ou de politica internacional. Não a contrariem, pois, visto que se vae pedir a inspiração para tal acto a um sentimento tão sympathico e tão respeitavel! Mas então não venham buscar a nação para pedestal, digamol-o assim, d'essa união! Não Venham pedir ao parlamento que vote grossas sommas para converter festas particulares em descabidas manifestações de regosijo official!
Não venham declarar publicamente que são nacionaes os festejos, e que, como nacionaes, devem ser feitos com a pompa e com a galhardia que pedem as fidalgas tradições de ambos os nubentes!
Este procedimento é que é inhabil e leviano sobre tudo!
Em nome do meu paiz contra elle protesto, porque nos póde acarretar para um breve futuro, tristissimas e crucis amarguras!
Pois é n'esta occasião, sr. presidente, pois é n'esta occasião, srs. ministros, em que temos assumptos pendentes tão delicados a tratar com a republica franceza, assumptos de cuja boa solução depende em parte a prosperidade do nosso dominio colonial, que nós vamos commetter a imprudencia de alinear o bom querer, ou pelo menos, a indispensavel benevolencia dos homens publicos da França?!
Pois é n'este momento quando ainda ha poucos dias, o sr. presidente do conselho insistia, a proposito da prisão de um emigrado hespanhol, nos melindres que cumpria ao governo respeitar nas questões de direito internacional, não dando o mais leve pretexto á Hespanha para ella se ressentir, pois é n'este momento que se vae transformar em festejo nacional o consorcio do herdeiro do throno portuguez com a filha de um principe inimigo da republica franceza, de um pretendente accusado de conspirar contra as instituições do seu paiz, de um homem enfim que está sob a ameaça da explusão immediata do solo da sua patria, por trabalhar para a queda do governo legal da nação??
Não ha então, n'este caso, melindres internacionaes a respeitar?!
Ou as boas relações de amisade com a republicana França valem menos do que com a monarcha de Hespanha?
Em todo o caso, quaesquer que sejam as predilecções politicas do governo ou da côrte, insisto em que foi grave imprudencia dar caracter official a um acto que, por altas conveniencias de patriotismo, nunca, a realisar-se, devia Ter passado dos estreitos limites da vida particular do Principe Real.
Alem d'isso, ainda as boas praxes de cortezia internacional foram offendidas pela circumstancia de Ter sido o ministro portuguez acreditado em Paris, ao mesmo tempo plenipotenciario especialmente encarregado das negociações relativas á delimitação das fronteiras entre a nossa provincia da guiné e os territorios do Congo, e as respectivas colonias francezas, quem pediu officialmente a mão da noiva e quem, para não deixar equivoco algum a respeito do caracter official do pedido, o foi communicar ao presidente da republica franceza!...
A responsabilidade d'este facto é toda do sr. Fontes, como chefe do governo transacto, mas as consequencias desagradaveis que podem advir para o nosso paiz de toda esta serie de imprudencias, não attenuadas, antes aggravadas pelo actual governo, ha de infelizmente soffrel-as a nação! E senão lembre-se a camara, que está ainda de pé, sem ser desmentida, a affirmação pronunciada não ha muitas sessões n'esta mesma cfamara por um illustre deputado progressista, que a Guiné estava perdida, porque as negociações se tinham de repente complicado, tornando-se cada vez mais desfavoraveis para Portugal!
Este assumpto ha de sem duvida Ter trazido á actual camara ou á que se lhe seguir, e por essa occasião poderse-ha apreciar até que ponto o facto que indiquei interveiu na nova feição que assumiram, no incidente alludido, as nossas relações diplomaticas com arepublica franceza.
Fica, porém, desde já formulado o meu pensamento, e oxalá, dentro em pouco eu possa convencer-me de que me enganaram os tristes presentimentos, que n'esta hora me assaltam! Como portuguez é este o meu mais ardente desejo!
Ditas as palavras que precedem e, sem entrar em mais considerações preembulares, passo immediatamente a apreciar o projecto que se discute.
Estão ainda, sr. presidente, bem vivos na memoria de todos aquelles que me escutam os sucessos que se deram ha pouco mais de um mez, por occasião da quéda do governo regenerador.
Levantou-se o paiz contra as propostas fazendarias, apresentadas pelo gabinete demissionario, e levantou-se principalmente instigado pelo partido progessista, que lhe bradava, e com muita rasão: nem mais um real para um governo que deixou chegar o deficit a 10.000:000$000
Réis, que contrahiu uma divida fluctuante de réis 12.000:000$000 e que apresenta um orçamento rectificado com 42.000:000$000 réis de despeza.
Algumas dias depois d'estes primeiros protestos a situação regeneradora caía, e sentavam-se n'aquellas cadeiras os homens que tinham sido os porta-estandartes da resistencia, quasi revolucionaria, contra as medidas de fazenda do sr. Hintze Ribeiro!
Na sessão de apresentação do novo governo ao parlamento, o sr. presidente do conselho repetiu ainda embora já mais timidamente, nem mais um real se pedirá aos contribuintes, nem mais uma despeza improductiva se fará, emquanto não se realisarem todas as economicas indispensaveis, emquanto se não mostrar bem claramente ao paiz que a moralidade é a nerma da administração do estado.
Pois bem! Sr. presidente, não invoco um compromisso de annos, refiro-me a uma promessa de apenas pouco mais de um mez.
Como foram realisados estes promettimentos? O governo, que pela voz do sr. presidente do conselho declarava, que não pediria mais sacrificios ao contribuinte sem que todas as reformas e economias que projectava estivessam postas em pratica; o governo que ainda ha dois dias declarava na commissão de marinha, pela voz de um dos seus membros, que a nação não podia dar uma recompensa de 10:000$000