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686 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

réis aos seus dois grandes exploradores, porque não estava nas forças do thesouro o despender actualmente tão grande quantia; o governo que no próprio dia, triste contraste! em que o sr. ministro da fazenda ha á camara este projecto de lei, fazia apresentar pelo sr. ministro das obras publicas uma proposta para que, attendendo às condições precárias da fazenda publica, não continuasse a abonar-se aos lavradores o sulfureto de carbone por um preço reduzido, tornando assim mais difficeis as condições com que lucta a viticultura portugueza, a primeira das nossas industrias agrícolas; este governo, sr. presidente, que ainda não apresentou ao parlamento uma única medida do seu apregoado plano de economias, e o mesmo que vem agora apresentar uma proposta de lei que significa um desfalque no thesouro de perto de 500.000$000 réis!
E em que circumstancias vem fazer á camara este pedido? Quando o ultimo paquete de África acaba de trazer a triste noticia de que uma das nossas mais formosas colónias, Cabo Verde, se está debatendo nos horrores da fome; quando a nação, o povo, o elemento productor da riqueza publica está nas condições desgraçadas, que se denunciam neste jornal, completamente insuspeito para o caso, por isso que é redigido pelo homem, que, por escolha particular de Sua Magestade, está porventura a estas horas assignando com a Princeza Maria Amélia de Orleans, o contrato de escriptura antenupcial!
Quer v. exa., sr. presidente, saber as condições em que se encontra o povo portuguez, ditas, não por mira, que não tenho nesta casa auctoridade para fazer similhantes asserções, que passariam por mera rhetorica partidária, mas por quem póde fallar aos altos poderes do estado sem ser suspeito de republicanismo?
Eu leio á camara o que diz o Jornal do commercio; jornal, como se sabe, redigido pelo sr. Antonio de Serpa Pimentel, actualmente representante em Paris da casa real:
«São exactamente as classes pobres as que soffrem mais duramente os effeitos desta feroz tributação, porque a inflexibilidade do direito especifico aggrava ainda muito sensivelmente as percentagens votadas, quando os géneros são de qualidade inferior.
«Porque, exceptuadas as cidades e algumas villas, a alimentação do nosso povo reduz-se a caldo adubado com unto e azeite, e a pão. Na própria cidade do Porto os numerosos operários - alguns milhares - que ali trabalham nas industrias de construcção, durante toda a semana, para recolherem no sabbado às terras da sua naturalidade, donde regressam na segunda feira, não se alimentam por outra forma, e só assim é que poderiam sustentar a família ausente com as sobras das suas ferias.
«A insufficiencia da alimentação, procedente da carestia artificial dos géneros essenciaes á vida, devemos innegavelmente a fraqueza physica do nosso povo, a anemia que o caracterisa, e, como consequência inevitável, as condições de inferioridade da nossa industria.
«O nosso operário produz num dado tempo muito menos trabalho do que o inglez, o francez ou o belga.
«Talvez não exageremos computando-o apenas em metade.
«A prova do que avançamos encontramol-a eloquente na incapacidade dos artífices portuguezes para o trabalho de sopro nas fabricas de vidro. Os pulmões nacionaes não possuem nem a força nem a resistência que demanda aquelle violento trabalho, sendo obrigados os exploradores daquella industria a importarem operários estrangeiros. Este simples facto constituo uma verdadeira synthese do estado pathologico do nosso povo, cuja natureza enfraquece de dia para dia.
Aqui está como o sr. Antonio de Serpa, que tem n'este momento, para o actual debate, toda a auctoridade que a um homem publico póde ser exigida, aqui está, repito, como s. exa. se pronuncia sobre as condições em que se encontra o nosso povo.
Essas condições são o resultado das tristes circumstancias do thesouro, que, embora á custa da vida de muitos milhares de portuguezes, que assim se vae definhando lentamente pelo exagero dos impostos indirectos, não póde deixar de perceber taes impostos, que são necessarios, para não se tornar maior o desequilibrio das nossas tão combalidas finanças!
Bastava isto, e nada mais seria preciso, sr. presidente, quaesquer que fossem as rasões, quaesquer que fossem os fundamentos que o governo tivesse para justificar este projecto, para que a camara o rejeitasse in limine ou melhor, para que o retirasse da discussão, porque similhante projecto, no momento presente, sobre ser manifestamente illegal, é um verdadeiro repto lançado ao paiz que soffre; é um verdadeiro escarneo, quasi uma impiedade e um insulto para tantas lagrimas que por ahi correm obscuras, como supremo e único allivio de muita desgraça ignorada, para tantas lagrimas, que eram aliás invocadas pelos actuaes srs. ministros, quando se sentavam como deputados nos bancos da opposição.
E preciso que nós saibamos, como é que, em tão curto espaço de tempo, homens, que, favoneados por uma certa opinião publica, tinham compromettido, a favor da mais severa moralidade, a sua palavra política neste parlamento, vem no dia seguinte apresentar só á mesma assembléa, que tinha sido testemunha desses compromissos solemnes, renegando sem escrúpulo as suas mais categóricas declarações, ou adiando, não sei para que occasião, o cumprimento dellas.
É preciso, por honra de todos nós, que temos um logar na politica, que este ponto se esclareça, porque eu não creio, sr. presidente, que seja apenas por mero prazer de se contradizerem, ou para serem o alvo de ataques mais ou menos vehementes, mas com certeza sobejamente justificados, que os actuaes ministros progressistas se collocaram em tão triste situação!
Não me farei cargo de repetir aqui todos os boatos que andam ligados com esta rápida mudança de opinião dos actuaes conselheiros da coroa.
Alguns desses boatos são estranhos. Outros são em demasia graves, e corre-me o dever de perguntar a s. exas. o que ha n'elles de verdade.
Será certo, como insistentemente se affirma, que este projecto explica em grande parte a ultima crise ministerial?
Será certo que elle tem relação com o facto denunciado por uma folha bem informada dos negócios palacianos, sem protesto nem desmentido da parte dos órgãos semi-officiaes?
E verdade que Sua Magestade a Rainha, por motivos não estranhos a esta discussão, assistiu á primeira entrevista do chefe do estado com o actual sr. presidente do conselho, antes de se constituir o ministério?
A camara dos deputados da nação portugueza precisa de saber isto porque é necessario que, de uma vez para sempre, o paiz fique desenganado, se do parlamentarismo que nos dá o systema constitucional em vigor temos apenas as tristes ficções de que nos fallava o sr. ministro da justiça no anno passado, ficções que mais se assimilham às irrisórias insígnias de uma realeza da canna verde, isto é, de uma soberania de escarneo!
O governo ha de necessariamente fazer declarações que esclareçam este ponto, porque não se deixam apenas desmentidas com o silencio asserções desta ordem!
Mas passemos, que já é tempo, ao artigo 1.° do projecto em discussão, mesmo por que não desejo, para fundamentar os meus argumentos, estar a aggravar a situação pouco invejável em que se encontram os srs. ministros.
Estou aqui para ver se com a minha palavra posso poupar ao paiz a votação de um projecto de lei que reputo imprudente e nefasto; mas não tenho empenho em atacar